SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 13
Descargar para leer sin conexión
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO
                                                                                                        Celina Cardoso


            Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Cruzeiro do Sul, com es-
            pecialização em Mídia, Informação e Cultura. Há seis anos atua como assessora de imprensa junto a institui-
            ções e projetos culturais. Realizado sob orientação do Prof. Dr. Dennis de Oliveira e Prof. Moisés dos Santos




Resumo

        Este trabalho discute as transformações ocorridas na praça Franklin Roosevelt, localizada
no centro de São Paulo, a partir da instalação de teatros em seu entorno, bem como a ressignifica-
ção deste espaço público pela população da cidade.

Palavras-chave: cultura; urbanismo; teatro



Resumen

        Este trabajo discute las transformaciones ocurridas en la plaza Franklin Roosevelt, loca-
lizada en el centro de São Paulo, a partir de la instalación de teatros por su entorno y abordar las
implicaciones de este espacio público por la populación de la ciudad.

Palabras clave: cultura; urbanismo; teatro



Abstract

         This essay deals about the transformations that occurred around the Praça Franklin Roos-
evelt in the central area of Sao Paulo after the opening of many theaters and the meaning of this
city’s public place.

Keywords: culture; city planning; theater




                                                                                                                            1
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


Introdução

       Localizada no centro de São Paulo, a praça Franklin Roosevelt ergue-se na
paisagem da cidade na forma de um pentágono. Cobrindo a via expressa que liga as
zonas leste e oeste, a construção data da década de 1970 - auge do regime militar
brasileiro - época de obras faraônicas cuja função era mostrar à população o potencial
e o poderio do Estado.




                            Imagem disponível em: www.hfc.com.br


      A imponente estrutura não dialoga com os transeuntes, foi pensado apenas
como lugar de passagem. Seus contornos não são convidativos, não promovem uma
aproximação com os habitantes da cidade. Pelo contrário, provocam um distancia-
mento e uma sensação de estranhamento.

       Essa arquitetura inóspita contribuiu para a decadência deste espaço urbano,
lugar onde anteriormente fervilhava a boemia paulistana. Ali estavam bares e restau-
rantes, onde terminava a noite dos freqüentadores da vida cultural e noturna de São
Paulo na década de 1960.

       Até meados da década de 1980, a praça Roosevelt ainda conservava um cer-
to verniz da efervescência cultural de outros tempo, ali estava o Cineclube Oscarito
– pioneiro dos hoje populares noitões – onde outrora funcionou o Cine Bijou, refe-
rencia na exibição de filmes de artes na cidade em décadas anteriores.




                                                                                 2
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


       Todavia, o histórico cultural da praça não foi capaz de salvá-la da decadência
que chegou com toda a força na década de 1990, quando o tráfico de drogas tomou
conta de seu entorno e encontrou terreno fértil na galeria do segundo pavimento da
Roosevelt. Até recentemente cheia de pilares e mal iluminada, o lugar oferecia os
ingredientes necessários para tornar-se uma promissora “boca de fumo” e espaço
de assaltos e violências. Como de fato aconteceu, a despeito do Batalhão da Polícia
Militar ali presente.

       Neste período de decadência e abandono, a realidade da praça era a do ‘medo
cotidiano’. A falta de iluminação e o aspecto inóspito da Roosevelt, acrescida dos
assaltos e dos usuários de drogas que há pouco tempo atrás tinham ali ‘seu’ espaço na
cidade afastava a população.

       Essa realidade começou a mudar com a instalação de teatros no entorno da
praça. As companhias teatrais passaram não só a apresentar suas montagens, mas
também promoveram uma verdadeira mudança social na Roosevelt, na medida em
que políticas de inclusão/aproximação começaram a ser praticadas (principalmente
pela companhia “Os Satyros”) junto aos grupos sociais que já estavam na praça antes
da chegada dos teatros.

       Os grupos de teatro instaladas ali geram hoje encontros positivos na praça
Roosevelt , onde estranhos compartilham o interesse comum pela cultura teatral.
Elas promovem verdadeiras ações culturais – cujo principal agente é sem dúvidas
o a companhia “Os Satyros” – que conseguem mudar a relação de uma parcela dos
paulistanos com a praça, gerando um comportamento civilizatório na medida em
que estimulam a interação entre estranhos, que respeitam as diferenças entre si, pro-
movendo uma nova leitura da praça Roosevelt diante da cidade de São Paulo. Esses
encontros devolveram à praça seu caráter social, que cumpre com a função primeira
das praças nas cidades.

       Podemos dizer que antes da instalação dos teatros a praça Roosevelt era um
“lugar êmico”, uma estrutura cujo destino era apenas ser circundado, e, por isso vazio
de significado. Sua arquitetura inóspita favoreceu ainda a leitura da praça por parte
dos paulistano como um lugar público mas não-civil, uma vez que não encorajava a
idéia de estabelecer-se. Este outrora “lugar êmico/não lugar” – agora é um espaço de
interação/negociação entre estranhos com interesses ligados ao cotidiano da praça e
das atividades culturais desenvolvidas ali.

       A produção cultural instalada na praça Roosevelt serve como catalisador para
que os encontros entre estranhos se deem de forma civilizada. Civilidade aqui quer
dizer o encontro entre pessoas estranhas e distintas de forma que elas sejam capazes
de interagir respeitando suas diferenças. Esses encontros na Roosevelt se dão pelo


                                                                                3
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


interesse comum pelas atividades culturais do lugar. Sabendo das diversas possibili-
dades de encontro na praça, os frequentadores exercitam a convivência com a plura-
lidade dos públicos que frequentam o lugar, negociando e respeitando as diferenças
presentes nestes atores sociais (por isso seu caráter civilizatório).

        Percebemos o despertar da consciência do “bem comum” entre os
frequentadores/moradores da praça. Notamos também que a ação cultural dos tea-
tros transformou o lugar em um centro cultural a céu aberto, totalmente integrado
à cidade. Os teatros e os bares da instalados na praça espalham-se pelo seu entorno
convidando os transeuntes à convivência.

       Neste caso específico da praça Roosevelt, o espaço, é fator de relevância nas
ações culturais que se desenvolvem aí. Inclusive, experiências vividas neste espaço
contribuem para a produção cultural dos teatros da Roosevelt. Assim, o espaço ganha
um novo valor e contribui para uma nova leitura/relação do habitante da cidade com
seus aparelhos urbanos.

Histórico

       A praça Franklin Roosevelt sempre teve vocação artística, mesmo antes de
tornar-se o que é hoje. Próxima ao Teatro de Arena, ao Centro Universitário Maria
Antônia e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, o local abrigava cinemas, bares,
boates e restaurantes famosos onde fervilhava a vida noturna paulistana nos anos 60.
Ali cantaram importantes nomes da música brasileira como Maysa, Elis Regina, Jo-
hnny Alf, Cauby Peixoto e César Camargo Mariano. Frequentada pela boêmia, pelos
amantes das artes e pela burguesia, a praça da Consolação - como era originalmente
chamada - cumpria seu papel de promoção do encontro e da interação social.

       Seu papel significativo na metrópole ia de encontro ao próprio momento
histórico. Em 1960, o mundo passava por mudanças culturais significativas e o sur-
gimento de novos rumos no cenário artístico era uma das grandes evidências desse
processo. Como parte da cidade pulsante, a praça da Consolação era lugar para ver
as transformações acontecerem.

       Oferecendo cultura e entretenimento, congregando convivência social a opor-
tunidades de lazer, a praça dava lugar a ícones da boêmia paulistana como o restau-
rante “Baiúca”, famoso por receber personalidades da música como a cantora Maysa;
“O Farney’s”; o bar “Redondo”, onde atores e público do Teatro de Arena costuma-
vam se encontrar; e o “Cine Bijou”, lembrado como um dos únicos cinemas de arte
da cidade de São Paulo naquele momento.

      Essa movimentação somada ao contexto histórico-social conferia à praça um


                                                                               4
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


caráter prazeroso na cidade dado pela população. Graças aos signos ostentados por
ela e por seu espaço, um campo aberto ao lado da igreja da Consolação. Ali era o lu-
gar para relaxar depois do trabalho e nos finais de semana. Era o território da perma-
nência, do convívio, do relacionar-se com a cidade e com seus habitantes.

        Era um espaço civil por excelência na medida em que favorecia a ideia de uti-
lizar este espaço público para o lazer, a convivência e o encontro.

       Mas, como dissemos, eram meados de 1960 e o mundo estava mudando. E
mudou. A efervescência sócio-cultural e os movimentos advindos dela não foram ca-
pazes de deter o Golpe Militar de 1964. Assim, com o novo regime vieram uma nova
visão do espaço público e suas funções, afetando decisivamente a convivência públi-
ca. A medida que o novo regime tomava corpo, as grandes obras nos centros urbanos
foram transformando-se na forma eficaz de lembrar o cidadão da nova gestão. As im-
ponentes construções eram cartão de visitas do novo regime e, por isso, tinham forma
imponente e inexpugnável, assim como o Regime Militar queria ser reconhecido.

        Logo, o País ganhava grandes estradas e pontes e via suas praças e locais públi-
cos transformarem-se em lugares onde a convivência e a permanência das pessoas era
desencorajada nos mais amplos sentidos, começando pelo arquitetônico. Seguindo
seu plano diretor urbanístico, o governo Militar deu a São Paulo o elevado Costa e
Silva, um imenso viaduto ligando as zonas oeste e leste da capital paulistana.

        No caminho da construção estava a praça da Consolação, por onde deveriam
passar as pistas do viaduto. Então, para marcar mais uma “melhoria” no espaço pú-
blico urbano, ergueu-se nesse ali um imenso pentágono dotado de galerias que mais
pareciam um labirinto ao qual deram o nome de Praça Franklin Roosevelt. Essa obra
foi a responsável pela gradativa decadência do espaço, cujo auge deu-se em meados
de 1990.

      Castrada pelo poder público, a praça Roosevelt veria seu futuro mudar a partir
de 1999 com a instalação de teatros ao seu redor.

A cultura enquanto significante

       Local esquecido pelo poder público e pelos habitantes da cidade de São Paulo,
a praça Roosevelt teve seu destino transformado pela ação cultural desenvolvida em
seu entorno por grupos teatrais que se instalaram ali. A partir dessas atividades, este
espaço público passou a ter uma nova relação com a população da cidade. Relação
esta que acabou conferindo um novo sentido à praça.

       Se antes este espaço público detinha o sentido do medo e era ocupado por


                                                                                  5
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


pessoas em situação de exclusão social (expostas a todos os problemas acarretados
por ela), os teatros e as atividades culturais desenvolvidas pelas companhias passaram
a dialogar com a sociedade, conferindo assim, um novo sentido a este espaço, fazendo
nascer um novo território.

       Dotada de uma nova dimensão simbólica, a praça Roosevelt deixou de ser
o território do medo para ser o lugar da interação. Devido as atividades culturais
desenvolvidas ali, pessoas de diferentes classes sociais, orientações sexuais, idades e
vivências convivem de forma respeitosa em nome do interesse comum em ver a mo-
vimentação e os produtos culturais das companhias teatrais instaladas na Roosevelt.
Por isso, pode-se dizer que a ação cultural desenvolvida na praça também foi civili-
zatória.

       Esta nova forma simbólica tem um sentido amplo, pois está inserida no con-
texto da degradação e abandono dos centros urbanos, tanto pelo poder público,
quanto pela elite – muitas vezes o leme que orienta as políticas públicas – colocando
o foco sobre espaços com importante potencial sócio-cultural.

       Neste sentido, a produção cultural na praça Roosevelt dialoga com o frequen-
tador da praça na medida em que a compreensão cotidiana do significado da produ-
ção simbólica reforça as assimetrias do poder, já que as companhias teatrais instala-
das no entorno da praça reproduzem as situações vividas ali. Por isso, os processos de
produção simbólicas na Roosevelt têm caráter negociáveis, onde produtor e receptor
negociam o sentido da obra.

       A construção destes sentidos é favorecida pela relação do objeto com o públi-
co (habitantes de São Paulo e praça Roosevelt), dando um sentido antropocêntrico
a este espaço público já que é o humano que confere um novo sentido ao espaço
público praça Roosevelt.




                                                                                 6
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


Mudança de atos: O medo sai de cena para dar lugar à cultura




                         Imagem disponível em: antoniogoper.blogspot


Panorama do palco

       “No início dos anos 1990, a praça Roosevelt era um lugar muito barra pesa-
da”, quem diz isso é Phedra D. Córdoba, atriz integrante da companhia de teatro ‘Os
Satyros’. Phedra fala com a autoridade de quem já morou e trabalho na Roosevelt.
Em entrevista realizada em 2004 para o trabalho para conclusão de curso “A História
e as Relações Sociais na Praça Roosevelt” (Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo,
2005), a atriz relatou sua história e como esta se encontrou com a da praça.

      Na década de 1990 a praça era realmente território fértil para o crime. Com
uma arquitetura árida, galerias e calçadas mal iluminadas e servindo de viaduto para
uma via expressa, local de passagem para a população que ia e vinha do trabalho dia-
riamente, a Roosevelt logo se viu tomada de assalto pelos traficantes de drogas.

       Local público por excelência, a praça deveria ser um lugar de convívio social e
prática da civilidade, como era na década de 1960. Mas para isso, seria preciso que a
população reconhecesse ali um espaço adequado para o encontro, a vivência pública
e para a prática da civilidade. Portanto, para ser um espaço público, a praça Rosevelt
deveria ser significada como tal pela população da cidade.

      Nas palavras de Lucrécia D’Aléssio Ferrara:




                                                                                7
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO

                “O significado é uma resultante do modo de representação, é consequência e vem embutido no
                próprio modo de representação [...]Os textos não verbais não se impõem à observação, mas estão
                incorporados à realidade.” (FERRARA, 1986: 07-18)


       Em meados da década de 1990, reconhecer a Roosevelt como equipamento
de lazer não era possível. O abandono e decadência do centro da cidade, a insegu-
rança sentida pelos transeuntes quando passavam por ali, a arquitetura que acabou
se tornando terreno fértil para a marginalidade e a falta de equipamentos culturais
acessíveis a todos, somados ao desinteresse público no tocante a políticas públicas
urbanas e culturais, acabou por afastar os paulistanos da praça, tornando-a espaço
para a prática de crimes e consequentemente destituindo-a do papel de promoção do
encontro e do convívio.

       A construção do pentágono somada a crescente preocupação com a seguran-
ça, acabou por reconfigurar o papel do que era a praça da Consolação na cidade de
São Paulo. De lugar de convívio público, onde a boêmia e os interessados em expres-
sões artísticas encontravam-se, o lugar passou a ser um “lugar êmico”.

       Na obra “Modernidade Líquida” (Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro,2001),
Zygmunt Bauman define ‘lugar êmico’ como um espaço cujo único destino é ser
atravessado e deixado para trás. Contudo, o teórico atenta para a necessidade de
acrescentar a este conceito a ideia de ‘não lugar’, de Georges Benko e Marc Augé,
como um espaço enfaticamente público, mas não civil. Segundo o sociólogo, estes
são espaços que desencorajam a ideia de estabelecer-se, tornando sua colonização ou
domesticação quase impossível.

       Bauman vai mais fundo ao dizer:

                     “Um não lugar é’ um espaço destituído das expressões simbólicas e de identidade, relações
                     e históricas [...]. Os não lugares não requerem domínio da sofisticada e difícil arte da civi-
                     lidade.” (BAUMAN, 2001: 120)


       Ora, se esta era a leitura da população em relação à praça Roosevelt, isso deve-
se a contextualização sócio-cultural da época. Lucrécia D’Aléssio Ferrara, em seu
“Leitura sem Palavras” (Editora Ática, São Paulo, 1986), esclarece que o significado
do espaço urbano e seus equipamentos é definido em grande parte pela leitura ‘não
verbal’ dos habitantes da cidade em relação a este espaço/equipamento.

        Para ela, a contextualização é um aspecto decisivo, pois é quem confere a qua-
lificação do espaço e sua consequente identificação social, econômica e cultural. Em
“Leitura sem Palvaras”, Lucrécia diz:

                “A contextualização é responsável pelo uso dos lugares urbanos: uma outra informação que




                                                                                                           8
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO

                redesenha a tridimensionalidade espacial dando-lhe uma outra variável, mais dinâmica e signi-
                ficativa, porque capaz de informar mais rapidamente sobre constituintes espaciais não previstos
                em projetos de urbanização e, no entanto, capazes d produzir e/ou alterar a imagem de uma rua,
                avenida ou praça.” (FERRARA, 1986: 21)


       Distante daquilo que representava para a cidade nos anos 1960, o espaço ocu-
pado pela praça Roosevelt teve seu papel social ressignificado em grande parte graças
à sua nova arquitetura. A edificação do pentágono, com suas galerias e sua posterior
falta de iluminação contribui para o crescimento de atos criminosos, como assaltos,
consumo e a venda de drogas foi decisivo para redimensionar seu papel perante o pú-
blico da cidade de São Paulo.

       A construção da estrutura de concreto destruiu a praça da Consolação - lugar
de convívio, lazer e encontros, cuja leitura já estava registrada na memória dos habi-
tantes da cidade - para fazer nascer a praça Franklin Roosevelt, um novo lugar para
o qual os paulistanos teriam de olhar, ocupar e dar um significado. O contexto social
da época acabou tornando o novo equipamento público em um ‘lugar êmico’ e, pos-
teriormente, um ‘não lugar’, segundo as definições de Zygmunt Bauman.

       Se antes, a praça da Consolação tinha um significado prazeroso para os ha-
bitantes de São Paulo, este não foi herdado pela Roosevelt. O novo equipamento
público, presente do regime militar ao espaço urbano da maior cidade do País, de-
sencorajava a ideia de estabelecer-se, de encontros e de convivência, sendo apenas
uma estrutura a ser atravessada ou circundada para se chegar ao outro lado. Não
tinha uma relação histórica com a metrópole. Era preciso dar-lhe um significado,
uma identidade. O contexto histórico e a arquitetura da praça Franklin Roosevelt
acabaram por determiná-la um ‘espaço vazio de significado’, tornando-a apenas um
viaduto.

       Inserida no centro da metrópole, lugar abandonado pelas elites por isso negli-
genciado pela poder público, a praça Roosevelt, como de praxe em grandes cidades,
na qualidade de espaço vazio, passou a ser local de abrigo para pessoas em situação
de exclusão social e para aquelas que atuam à margem da sociedade.

        A praça Roosevelt passava longe da pujança a qual ela deveria representar
quando foi construída. Dramas sociais como menores carentes, moradores de rua,
prostituição e crimes como tráfico de drogas, assaltos e furtos fizeram desse espaço
o seu lugar. Contribuindo decisivamente para a leitura negativa e seu consequente
significado para a cidade.




                                                                                                       9
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO

A mudança do cenário

       O espaço que parecia condenado viu seu destino mudar através daquilo que
fez sua fama décadas atrás: as atividades culturais.

        A partir de 1996, a instalação de teatros começa a transformar a praça Roose-
velt e seu entorno. Em associação com Dema de Francisco e Roberto Asca, a veterana
atriz Dulce Muniz – formada pelo Teatro de Arena, cuja sede está em próxima à praça
Roosevelt – abriu o “Studio 184”. O lugar onde funciona o teatro de Dulce era antes
o “Teatro de Câmara de São Paulo”, abertos por Ariela Brasil, Jairo Matos, Bosco
Brasil e Ariela Goldman. Os também atores não estavam muito satisfeitos com o re-
torno dado pelo espaço e acabaram cedendo o prédio à Dulce, que costumava utilizá-
lo para ensaiar suas peças. Empenhada em fazer da praça um lugar onde as pessoas
pudessem ter acesso às artes, Dulce associou-se à Ação Local Praça Roosevelt para
tentar reverter o caráter inóspito do lugar. Mas não houve muitos avanços.

      Algumas outras companhias instalaram-se ali, mas foi com a chegada de “Os
Satyros” que a praça teve seu caráter reconfigurado no contexto social da cidade.

       Fundada por Ivam Cabral e Rodolfo García Vazquez, a companhia Os Satyros
tomou lugar onde antes da decadência da praça funcionava um restaurante badalado.
O motivo da escolha do espaço foi o preço – bastante acessível – e a adequação a pro-
posta do grupo. Nos fundos, havia um ambiente facilmente remanejado e, na frente,
um espaço destino a um bar.

        Segundo Ivam e Rodolfo, a chegada do grupo provocou desconfiança entre os
moradores da praça, já acostumados ao contexto social no qual a Roosevelt se inse-
ria. Ivam conta que a princípio os moradores pensaram se tratar de um prostíbulo.
Mesmo depois de identificado com uma placa onde lia-se “Espaço dos Satyros”, a
desconfiança permanecia.

       À semelhança dos teatros anteriormente instalados ali, Os Satyros também
enfrentaram dificuldades relacionadas ao abandono da praça, a criminalidade e ao
medo institucionalizado da população em ir até à praça Roosevelt. Esta era sem dú-
vida a principal barreira a ser quebrada para atrair o público às peças.

        Para mudar o macro – a imagem da praça perante a cidade – (mesmo que este
não fosse o principal objetivo da companhia), Os Satyros associaram-se, mesmo de
forma natural, segundo Rodolfo García Vazquez, ao micro – ou seja, às pessoas que
ali estavam.

      A companhia acabou aproximando-se da população da praça Roosevelt re-


                                                                                10
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


cebendo essas pessoas para seus espetáculos e posteriormente, incorporando alguns
destes personagens e suas histórias sociais à ela própria, caso de Phedra D. Córdoba,
hoje integrante da companhia.

       Em 2002, Os Satyros “De Profundis”. Com texto de Ivam Cabral e direção de
Rodolfo García Vazquez, a peça foi inspirada na vida e obra de Oscar Wilde. A mon-
tagem conseguiu destaque nos mais importantes jornais de São Paulo, chamando
atenção para o degradado espaço da praça Roosevelt. “De Profundis” ficou em cartaz
por um ano.
       O teatro na praça Roosevelt passou a chamar a atenção da imprensa para este
espaço urbano, suscitando a mudança da imagem e do caráter deste lugar ‘não lugar’
diante do público paulistano.

         O jornalista Valmir Santos, um dos primeiros a noticiar a praça em reportagem
co-assinada por Janaina Fidalgo, revela em entrevista concedia em 2005 para o tra-
balho de conclusão de curso “A História e as Relações Sociais na Praça Roosevelt”
(Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2005) que em sua visão a dinâmica dos
acontecimentos que conseguiram mudar a cara da praça Roosevelt identifica um mo-
vimento no qual o artista se aproxima do espaço e constrói ali uma estética que leva
em conta a condição de margem, as divisões de classe e o recrudescimento da violên-
cia física e simbólica na sociedade paulistana. Valmir vê nos espetáculos da Roosevelt
o teatro da desmaterialização, da essencialidade do trabalho do intérprete. Para ele,
ali se faz o teatro da adesão, da diversidade de linguagem, do encontro das diferenças,
fazendo surgir uma mudança de códigos que aos poucos tornam-se cotidiana.

       A atividade cultural que tomava conta da praça sem precisar expulsar dali
quem ali já estava, associada a divulgação da imprensa, acabaram por chamar a aten-
ção da população e do poder público para aquele espaço. Assim, a cidade de São
Paulo enxergou um novo contexto social na Roosevelt determinada pela atuação dos
teatros.

Considerações finais

      Com a instalação de teatros em seu entorno, a praça Roosevelt ganhou um
novo significado, determinante para conferir-lhe um novo uso. Ainda em “Leitura
sem Palavras”, Lucrécia afirma:

                     “É esse uso que qualifica nossa memória urbana e sedimenta a vida de uma cidade. Ali-
                     menta uma tradição, ao mesmo tempo que estimula a dinâmica de sua mudança; os índices
                     referenciais de um uso mantêm-se atualizados e, paradoxalmente, conservam a memória
                     do seu passado.” (FERRARA, 1986: 21)


       Atuando como agente cultural, cujo princípio básico, segundo Teixeira Coelho


                                                                                                   11
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO


em seu “Usos da Cultura – políticas de ação cultural” (1986, p. 11), é a intervenção
sócio-cultural, o teatro mudou a praça Roosevelt e seu entorno, fazendo do ‘lugar
êmico/não lugar’ um espaço onde a civilidade pode ser exercida.

        Assim, as atividades culturais desenvolvidas pelos grupos teatrais tiveram um
propósito social neste espaço urbano. Mesmo não sendo este o principal objetivo
das companhias teatrais que instalaram-se ali, elas foram instrumento para o estabe-
lecimento de uma nova dinâmica neste espaço urbano. Sobre isso, Teixeira Coelho
alerta:

                    “A ação, inversamente, não tem começo e não tem fim nitidamente demarcados e não deixa
                    atrás de si produtos formais acabados. O que pode deixar é uma nova cadeia de ações, cujo
                    controle seu autor não consegue assumir e cujo resultado final escapa a qualquer previsão
                    precisa.” (COELHO NETO, 1986: 100)


       Se as companhias teatrais foram o catalisador da mudança na praça Roosevelt,
a população que frequenta a praça de São Paulo foi decisiva nesta mutação pois rea-
giu de forma positiva aos novos acontecimento. O papel da população nesta dinâmica
deve ser destacado pois:

                    “A ação é algo que se faz com, ao lado de, por dentro, desde a raiz – um processo que só
                    tem sujeitos. (...) A ação, contrariamente é a contínua descoberta, o reexame constante, a
                    reelaboração: a vida. (...) A ação cultural é uma aposta conjunta. Aposta-se que o grupo se
                    descobrirá, descobrirá seus fins e seus meios.” (COELHO NETO, 1986: 100)


       Assim, o teatro foi posto para fora, foi expandindo-se em direção ao espaço
público. As mesas do bar do “Espaço dos Satyros” tomaram conta da calçada, deno-
tando uma nova ocupação naquele espaço público.

        Com a aproximação dos personagens sociais ali presentes, o grupo foi per-
cebendo a riqueza das histórias abrigadas pela Roosevelt. Surgem assim “Transex”,
escrita por Rodolfo García Vázquez, sobre a vida de três travestis moradores da praça;
e “A Vida na Praça Roosevelt”, da dramaturga alemã Déa Loher, onde a solidão dos
moradores das grandes metrópoles é representada alidindo a aridez de suas constru-
ções que, ao contrário de gerarem encontros positivos entre estranhos e promoverem
a civilidade, causam justamente o contrário: o afastamento e o estranhamento, cujo
principal resultado é o medo do que não é igual.

        A simbiose entre praça Roosevelt e companhia “Os Satyros” foi sem dúvida
frutífera. Atuando como agitador cultural deste espaço público, o grupo com a ex-
pandiu-se na praça. Além de abrir “Espaço dos Satyros 2”, o grupo promove a “Sa-
tyrianas”. O evento anual promove 24 horas ininterruptas de teatro e invenções artís-
ticas na praça, gerando curiosidade nos transeuntes e atraindo para a praça Roosevelt
um público que costuma frequentar “ilhas culturais” como a Sala São Paulo.


                                                                                                        12
O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA
FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO

     A dinâmica atual da praça Roosevelt é uma constatação do que diz Bauman
em “Modernidade Líquida”:

                     “A capacidade de conviver com a diferença, sem falar na capacidade de gostar dessa vida e
                     beneficiar-se dela, não é fácil de adquirir e não se faz sozinha. Essa capacidade é uma arte
                     que, como toda arte, requer estudo e exercício. A incapacidade de enfrentar a pluralidade
                     de seres humanos e as ambivalências de todas as decisões classificatórias, ao contrário, se
                     autoperpetuam e reforçam: quanto mais eficazes a tendência à homogeneidade e o esforço
                     para eliminar a diferença, tanto mais difícil sentir-se à vontade em presença de estranhos e
                     tanto mais intensa a ansiedade que ela gera.” (BAUMAN, 2001: 123)


        Hoje a praça Roosevelt não tem mais galerias. Jovens skatistas tomaram conta
do espaço para praticar ali seu esporte. Seu entorno está tomado por teatros, sebos,
livrarias e bares, onde é possível conversar com as mais diferentes pessoas, desde
a platéia, a dramaturgos, escritores, atores, músicos, homens, mulheres, travestis e
homossexuais. Pessoas que, a semelhança dos demais habitantes da metrópole, têm
vivências e histórias de vida distintas. Isso significa que a praça tornou-se novamente
um lugar onde antes e acima de tudo, as pessoas possam compartilhar como personae
públicas – sem serem investigadas, pressionadas ou induzidas a tirar as máscaras e
“deixar-se ir”, “expressar-se”.




Referências bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt. “Modernidade Líquida”. Trad. de Plínio Dentzier. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar Editora, 2001.
COELHO NETO, José Teixeira. “Usos da Cultura: políticas públicas de ação cultu-
ral”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. “Leitura sem Palavras”. São Paulo: Editora Ática,
1986.
CARDOSO, Celina. “A História e as Relações Sociais na Praça Roosevelt”. Traba-
lho de conclusão de curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, São
Paulo: Universidade Cruzeira do Sul, 2005.
LIMEIRA, Ana Cristina Medina. “Dominação e Apropriação na Configuração do
Espaço em São Bernardo do Campo”. Trabalho de conclusão do curso de Gestão de
Projetos Culturais e Organização de Eventos, São Paulo: Celacc – ECA/USP, 2008.




                                                                                                         13

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...
Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...
Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...lcwebd
 
Seminário sobre a historia da música brasileira
Seminário sobre a historia da música brasileiraSeminário sobre a historia da música brasileira
Seminário sobre a historia da música brasileiraJaiza Nobre
 
A HistóRia Da MúSica
A HistóRia Da MúSicaA HistóRia Da MúSica
A HistóRia Da MúSicaHOME
 
Festivais de música no brasil
Festivais de música no brasilFestivais de música no brasil
Festivais de música no brasilguest09960e
 
Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...
Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...
Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...Daniela José
 
O_Conspirador_RBMA_Porto_Hub
O_Conspirador_RBMA_Porto_HubO_Conspirador_RBMA_Porto_Hub
O_Conspirador_RBMA_Porto_HubNuno Miranda
 
Apresentação Belo Horizonte
Apresentação Belo HorizonteApresentação Belo Horizonte
Apresentação Belo HorizonteEspalhe Minas
 

La actualidad más candente (11)

Vila mariana e seus espaços livres
Vila mariana e seus espaços livresVila mariana e seus espaços livres
Vila mariana e seus espaços livres
 
Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...
Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...
Campbell, luciano; soares, t. r. p. a relação da cidade de cuiabá com a estét...
 
Seminário sobre a historia da música brasileira
Seminário sobre a historia da música brasileiraSeminário sobre a historia da música brasileira
Seminário sobre a historia da música brasileira
 
A HistóRia Da MúSica
A HistóRia Da MúSicaA HistóRia Da MúSica
A HistóRia Da MúSica
 
Mpb
MpbMpb
Mpb
 
Jovem guarda
Jovem guardaJovem guarda
Jovem guarda
 
Festivais de música no brasil
Festivais de música no brasilFestivais de música no brasil
Festivais de música no brasil
 
Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...
Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...
Arquitetura por escrito - a primeira obra de Lina Bo Bardi em Salvador e seu ...
 
O_Conspirador_RBMA_Porto_Hub
O_Conspirador_RBMA_Porto_HubO_Conspirador_RBMA_Porto_Hub
O_Conspirador_RBMA_Porto_Hub
 
Tropicália
TropicáliaTropicália
Tropicália
 
Apresentação Belo Horizonte
Apresentação Belo HorizonteApresentação Belo Horizonte
Apresentação Belo Horizonte
 

Destacado

Destacado (18)

Johns power point for coach buch
Johns power point for coach buchJohns power point for coach buch
Johns power point for coach buch
 
PRESENTACION
PRESENTACIONPRESENTACION
PRESENTACION
 
Desamortización
DesamortizaciónDesamortización
Desamortización
 
Wake-Up Call (Current IT Security Scenario of Nepal-2014)
Wake-Up Call (Current IT Security Scenario of Nepal-2014)Wake-Up Call (Current IT Security Scenario of Nepal-2014)
Wake-Up Call (Current IT Security Scenario of Nepal-2014)
 
Part 2 the civil war 1861 1865
Part 2 the civil war 1861 1865Part 2 the civil war 1861 1865
Part 2 the civil war 1861 1865
 
Reconstruction and the dismantling of reconstruction
Reconstruction and the dismantling of reconstructionReconstruction and the dismantling of reconstruction
Reconstruction and the dismantling of reconstruction
 
PRESENTACION
PRESENTACIONPRESENTACION
PRESENTACION
 
PRESENTACION
PRESENTACIONPRESENTACION
PRESENTACION
 
KBHOME 10Q_10_12
KBHOME  10Q_10_12KBHOME  10Q_10_12
KBHOME 10Q_10_12
 
Viz workshop
Viz workshopViz workshop
Viz workshop
 
Circular 2012-002
Circular 2012-002Circular 2012-002
Circular 2012-002
 
The winter of my life
The winter of my lifeThe winter of my life
The winter of my life
 
Bottled scorpions
Bottled scorpionsBottled scorpions
Bottled scorpions
 
Binay
BinayBinay
Binay
 
Mc23s2013yolanda (1)
Mc23s2013yolanda (1)Mc23s2013yolanda (1)
Mc23s2013yolanda (1)
 
Mc14s2013exman
Mc14s2013exmanMc14s2013exman
Mc14s2013exman
 
Peran Guru BK dalam kurikulum 2013
Peran Guru BK dalam kurikulum 2013Peran Guru BK dalam kurikulum 2013
Peran Guru BK dalam kurikulum 2013
 
Home Gardens in Nepal
Home Gardens in NepalHome Gardens in Nepal
Home Gardens in Nepal
 

Similar a Transformação da Praça Roosevelt pelo Teatro

Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1andredejesus
 
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1andredejesus
 
Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)
Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)
Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)Alvaro Santi
 
AULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdf
AULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdfAULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdf
AULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdfPaulaMariaMagalhesTe
 
Ao amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawa
Ao amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawaAo amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawa
Ao amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawaMyllena Azevedo
 
Av Paulista - Trabalho de Campo
Av Paulista - Trabalho de CampoAv Paulista - Trabalho de Campo
Av Paulista - Trabalho de CampoRafael
 
Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3
Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3
Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3Denielson Gonçalves
 
Edifícios do centro de São Paulo
Edifícios do centro de São PauloEdifícios do centro de São Paulo
Edifícios do centro de São PauloBianca Klamt
 

Similar a Transformação da Praça Roosevelt pelo Teatro (20)

Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
 
Artigo pra7
Artigo pra7Artigo pra7
Artigo pra7
 
A Música em Ribeirão Preto
A Música em Ribeirão PretoA Música em Ribeirão Preto
A Música em Ribeirão Preto
 
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
 
Revista Metropolis
Revista MetropolisRevista Metropolis
Revista Metropolis
 
Tccpavulagemfinal
TccpavulagemfinalTccpavulagemfinal
Tccpavulagemfinal
 
Emerson Cesar De Campos
Emerson Cesar De CamposEmerson Cesar De Campos
Emerson Cesar De Campos
 
Rua Dr. Assis: um percurso sobre os fragmentos do patrimônio histórico
Rua Dr. Assis: um percurso sobre os fragmentos do patrimônio históricoRua Dr. Assis: um percurso sobre os fragmentos do patrimônio histórico
Rua Dr. Assis: um percurso sobre os fragmentos do patrimônio histórico
 
federal reserve
federal reservefederal reserve
federal reserve
 
Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)
Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)
Uma introdução à história da Banda Municipal de Porto Alegre (1912-1931)
 
Praças de são paulo
Praças de são pauloPraças de são paulo
Praças de são paulo
 
AULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdf
AULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdfAULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdf
AULA 3 - PAISAGISMO NO BRASIL - ECLETICO.pdf
 
A Retomada do Bairro da Lapa, RJ
A Retomada do Bairro da Lapa, RJA Retomada do Bairro da Lapa, RJ
A Retomada do Bairro da Lapa, RJ
 
Ao amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawa
Ao amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawaAo amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawa
Ao amor-do-publico-jardins-no-brasil-hugo-segawa
 
Monografia
MonografiaMonografia
Monografia
 
Monografia
MonografiaMonografia
Monografia
 
Av Paulista - Trabalho de Campo
Av Paulista - Trabalho de CampoAv Paulista - Trabalho de Campo
Av Paulista - Trabalho de Campo
 
Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3
Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3
Pampulha a ilha da modernidade - TIDIR 3
 
Edifícios do centro de São Paulo
Edifícios do centro de São PauloEdifícios do centro de São Paulo
Edifícios do centro de São Paulo
 
A Vida Cultural no Recife
A Vida Cultural no RecifeA Vida Cultural no Recife
A Vida Cultural no Recife
 

Más de Carlos Elson Cunha

Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)
Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)
Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)Carlos Elson Cunha
 
Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology mead and the reality of t...
Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology   mead and the reality of t...Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology   mead and the reality of t...
Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology mead and the reality of t...Carlos Elson Cunha
 
Alexandria sem muros monografia 2016
Alexandria sem muros   monografia 2016Alexandria sem muros   monografia 2016
Alexandria sem muros monografia 2016Carlos Elson Cunha
 
Atitude mental correta para falar em público
Atitude mental correta para falar em públicoAtitude mental correta para falar em público
Atitude mental correta para falar em públicoCarlos Elson Cunha
 
Introduções para falar em público
Introduções para falar em públicoIntroduções para falar em público
Introduções para falar em públicoCarlos Elson Cunha
 
Xadrez é fácil com o aluno eterno
Xadrez é fácil   com o aluno eternoXadrez é fácil   com o aluno eterno
Xadrez é fácil com o aluno eternoCarlos Elson Cunha
 
Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas
Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas
Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas Carlos Elson Cunha
 
Guindaste de palitos de picolé
Guindaste de palitos de picoléGuindaste de palitos de picolé
Guindaste de palitos de picoléCarlos Elson Cunha
 
Todas as árvores do largo da concórdia
Todas as árvores do largo da concórdiaTodas as árvores do largo da concórdia
Todas as árvores do largo da concórdiaCarlos Elson Cunha
 
Levantamento fotográfico v oprr bras
Levantamento fotográfico v oprr brasLevantamento fotográfico v oprr bras
Levantamento fotográfico v oprr brasCarlos Elson Cunha
 
Lançamento de livros enanparq
Lançamento de livros enanparqLançamento de livros enanparq
Lançamento de livros enanparqCarlos Elson Cunha
 
Cdhu principais programas e tipologias
Cdhu principais programas e tipologiasCdhu principais programas e tipologias
Cdhu principais programas e tipologiasCarlos Elson Cunha
 

Más de Carlos Elson Cunha (20)

Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)
Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)
Wittgenstein, ludwig. tractatus logico philosophicus (1968)
 
Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology mead and the reality of t...
Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology   mead and the reality of t...Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology   mead and the reality of t...
Westlund, olle. s(t)imulating a social psychology mead and the reality of t...
 
Alexandria sem muros monografia 2016
Alexandria sem muros   monografia 2016Alexandria sem muros   monografia 2016
Alexandria sem muros monografia 2016
 
Shopping das artes
Shopping das artesShopping das artes
Shopping das artes
 
Atitude mental correta para falar em público
Atitude mental correta para falar em públicoAtitude mental correta para falar em público
Atitude mental correta para falar em público
 
Introduções para falar em público
Introduções para falar em públicoIntroduções para falar em público
Introduções para falar em público
 
O temor de falar em público
O temor de falar em públicoO temor de falar em público
O temor de falar em público
 
Mec solo ms
Mec solo msMec solo ms
Mec solo ms
 
Xadrez é fácil com o aluno eterno
Xadrez é fácil   com o aluno eternoXadrez é fácil   com o aluno eterno
Xadrez é fácil com o aluno eterno
 
Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas
Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas
Canvas do Carlão - Exemplo do modelo Canvas
 
B n
B nB n
B n
 
Guindaste de palitos de picolé
Guindaste de palitos de picoléGuindaste de palitos de picolé
Guindaste de palitos de picolé
 
Atribuições arquiteto
Atribuições arquitetoAtribuições arquiteto
Atribuições arquiteto
 
Todas as árvores do largo da concórdia
Todas as árvores do largo da concórdiaTodas as árvores do largo da concórdia
Todas as árvores do largo da concórdia
 
R caetano pinto
R caetano pintoR caetano pinto
R caetano pinto
 
Levantamento fotográfico v oprr bras
Levantamento fotográfico v oprr brasLevantamento fotográfico v oprr bras
Levantamento fotográfico v oprr bras
 
Lançamento de livros enanparq
Lançamento de livros enanparqLançamento de livros enanparq
Lançamento de livros enanparq
 
Drenagem urbana.2007
Drenagem urbana.2007Drenagem urbana.2007
Drenagem urbana.2007
 
Domótica em bibliotecas
Domótica em bibliotecasDomótica em bibliotecas
Domótica em bibliotecas
 
Cdhu principais programas e tipologias
Cdhu principais programas e tipologiasCdhu principais programas e tipologias
Cdhu principais programas e tipologias
 

Transformação da Praça Roosevelt pelo Teatro

  • 1. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO Celina Cardoso Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Cruzeiro do Sul, com es- pecialização em Mídia, Informação e Cultura. Há seis anos atua como assessora de imprensa junto a institui- ções e projetos culturais. Realizado sob orientação do Prof. Dr. Dennis de Oliveira e Prof. Moisés dos Santos Resumo Este trabalho discute as transformações ocorridas na praça Franklin Roosevelt, localizada no centro de São Paulo, a partir da instalação de teatros em seu entorno, bem como a ressignifica- ção deste espaço público pela população da cidade. Palavras-chave: cultura; urbanismo; teatro Resumen Este trabajo discute las transformaciones ocurridas en la plaza Franklin Roosevelt, loca- lizada en el centro de São Paulo, a partir de la instalación de teatros por su entorno y abordar las implicaciones de este espacio público por la populación de la ciudad. Palabras clave: cultura; urbanismo; teatro Abstract This essay deals about the transformations that occurred around the Praça Franklin Roos- evelt in the central area of Sao Paulo after the opening of many theaters and the meaning of this city’s public place. Keywords: culture; city planning; theater 1
  • 2. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO Introdução Localizada no centro de São Paulo, a praça Franklin Roosevelt ergue-se na paisagem da cidade na forma de um pentágono. Cobrindo a via expressa que liga as zonas leste e oeste, a construção data da década de 1970 - auge do regime militar brasileiro - época de obras faraônicas cuja função era mostrar à população o potencial e o poderio do Estado. Imagem disponível em: www.hfc.com.br A imponente estrutura não dialoga com os transeuntes, foi pensado apenas como lugar de passagem. Seus contornos não são convidativos, não promovem uma aproximação com os habitantes da cidade. Pelo contrário, provocam um distancia- mento e uma sensação de estranhamento. Essa arquitetura inóspita contribuiu para a decadência deste espaço urbano, lugar onde anteriormente fervilhava a boemia paulistana. Ali estavam bares e restau- rantes, onde terminava a noite dos freqüentadores da vida cultural e noturna de São Paulo na década de 1960. Até meados da década de 1980, a praça Roosevelt ainda conservava um cer- to verniz da efervescência cultural de outros tempo, ali estava o Cineclube Oscarito – pioneiro dos hoje populares noitões – onde outrora funcionou o Cine Bijou, refe- rencia na exibição de filmes de artes na cidade em décadas anteriores. 2
  • 3. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO Todavia, o histórico cultural da praça não foi capaz de salvá-la da decadência que chegou com toda a força na década de 1990, quando o tráfico de drogas tomou conta de seu entorno e encontrou terreno fértil na galeria do segundo pavimento da Roosevelt. Até recentemente cheia de pilares e mal iluminada, o lugar oferecia os ingredientes necessários para tornar-se uma promissora “boca de fumo” e espaço de assaltos e violências. Como de fato aconteceu, a despeito do Batalhão da Polícia Militar ali presente. Neste período de decadência e abandono, a realidade da praça era a do ‘medo cotidiano’. A falta de iluminação e o aspecto inóspito da Roosevelt, acrescida dos assaltos e dos usuários de drogas que há pouco tempo atrás tinham ali ‘seu’ espaço na cidade afastava a população. Essa realidade começou a mudar com a instalação de teatros no entorno da praça. As companhias teatrais passaram não só a apresentar suas montagens, mas também promoveram uma verdadeira mudança social na Roosevelt, na medida em que políticas de inclusão/aproximação começaram a ser praticadas (principalmente pela companhia “Os Satyros”) junto aos grupos sociais que já estavam na praça antes da chegada dos teatros. Os grupos de teatro instaladas ali geram hoje encontros positivos na praça Roosevelt , onde estranhos compartilham o interesse comum pela cultura teatral. Elas promovem verdadeiras ações culturais – cujo principal agente é sem dúvidas o a companhia “Os Satyros” – que conseguem mudar a relação de uma parcela dos paulistanos com a praça, gerando um comportamento civilizatório na medida em que estimulam a interação entre estranhos, que respeitam as diferenças entre si, pro- movendo uma nova leitura da praça Roosevelt diante da cidade de São Paulo. Esses encontros devolveram à praça seu caráter social, que cumpre com a função primeira das praças nas cidades. Podemos dizer que antes da instalação dos teatros a praça Roosevelt era um “lugar êmico”, uma estrutura cujo destino era apenas ser circundado, e, por isso vazio de significado. Sua arquitetura inóspita favoreceu ainda a leitura da praça por parte dos paulistano como um lugar público mas não-civil, uma vez que não encorajava a idéia de estabelecer-se. Este outrora “lugar êmico/não lugar” – agora é um espaço de interação/negociação entre estranhos com interesses ligados ao cotidiano da praça e das atividades culturais desenvolvidas ali. A produção cultural instalada na praça Roosevelt serve como catalisador para que os encontros entre estranhos se deem de forma civilizada. Civilidade aqui quer dizer o encontro entre pessoas estranhas e distintas de forma que elas sejam capazes de interagir respeitando suas diferenças. Esses encontros na Roosevelt se dão pelo 3
  • 4. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO interesse comum pelas atividades culturais do lugar. Sabendo das diversas possibili- dades de encontro na praça, os frequentadores exercitam a convivência com a plura- lidade dos públicos que frequentam o lugar, negociando e respeitando as diferenças presentes nestes atores sociais (por isso seu caráter civilizatório). Percebemos o despertar da consciência do “bem comum” entre os frequentadores/moradores da praça. Notamos também que a ação cultural dos tea- tros transformou o lugar em um centro cultural a céu aberto, totalmente integrado à cidade. Os teatros e os bares da instalados na praça espalham-se pelo seu entorno convidando os transeuntes à convivência. Neste caso específico da praça Roosevelt, o espaço, é fator de relevância nas ações culturais que se desenvolvem aí. Inclusive, experiências vividas neste espaço contribuem para a produção cultural dos teatros da Roosevelt. Assim, o espaço ganha um novo valor e contribui para uma nova leitura/relação do habitante da cidade com seus aparelhos urbanos. Histórico A praça Franklin Roosevelt sempre teve vocação artística, mesmo antes de tornar-se o que é hoje. Próxima ao Teatro de Arena, ao Centro Universitário Maria Antônia e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, o local abrigava cinemas, bares, boates e restaurantes famosos onde fervilhava a vida noturna paulistana nos anos 60. Ali cantaram importantes nomes da música brasileira como Maysa, Elis Regina, Jo- hnny Alf, Cauby Peixoto e César Camargo Mariano. Frequentada pela boêmia, pelos amantes das artes e pela burguesia, a praça da Consolação - como era originalmente chamada - cumpria seu papel de promoção do encontro e da interação social. Seu papel significativo na metrópole ia de encontro ao próprio momento histórico. Em 1960, o mundo passava por mudanças culturais significativas e o sur- gimento de novos rumos no cenário artístico era uma das grandes evidências desse processo. Como parte da cidade pulsante, a praça da Consolação era lugar para ver as transformações acontecerem. Oferecendo cultura e entretenimento, congregando convivência social a opor- tunidades de lazer, a praça dava lugar a ícones da boêmia paulistana como o restau- rante “Baiúca”, famoso por receber personalidades da música como a cantora Maysa; “O Farney’s”; o bar “Redondo”, onde atores e público do Teatro de Arena costuma- vam se encontrar; e o “Cine Bijou”, lembrado como um dos únicos cinemas de arte da cidade de São Paulo naquele momento. Essa movimentação somada ao contexto histórico-social conferia à praça um 4
  • 5. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO caráter prazeroso na cidade dado pela população. Graças aos signos ostentados por ela e por seu espaço, um campo aberto ao lado da igreja da Consolação. Ali era o lu- gar para relaxar depois do trabalho e nos finais de semana. Era o território da perma- nência, do convívio, do relacionar-se com a cidade e com seus habitantes. Era um espaço civil por excelência na medida em que favorecia a ideia de uti- lizar este espaço público para o lazer, a convivência e o encontro. Mas, como dissemos, eram meados de 1960 e o mundo estava mudando. E mudou. A efervescência sócio-cultural e os movimentos advindos dela não foram ca- pazes de deter o Golpe Militar de 1964. Assim, com o novo regime vieram uma nova visão do espaço público e suas funções, afetando decisivamente a convivência públi- ca. A medida que o novo regime tomava corpo, as grandes obras nos centros urbanos foram transformando-se na forma eficaz de lembrar o cidadão da nova gestão. As im- ponentes construções eram cartão de visitas do novo regime e, por isso, tinham forma imponente e inexpugnável, assim como o Regime Militar queria ser reconhecido. Logo, o País ganhava grandes estradas e pontes e via suas praças e locais públi- cos transformarem-se em lugares onde a convivência e a permanência das pessoas era desencorajada nos mais amplos sentidos, começando pelo arquitetônico. Seguindo seu plano diretor urbanístico, o governo Militar deu a São Paulo o elevado Costa e Silva, um imenso viaduto ligando as zonas oeste e leste da capital paulistana. No caminho da construção estava a praça da Consolação, por onde deveriam passar as pistas do viaduto. Então, para marcar mais uma “melhoria” no espaço pú- blico urbano, ergueu-se nesse ali um imenso pentágono dotado de galerias que mais pareciam um labirinto ao qual deram o nome de Praça Franklin Roosevelt. Essa obra foi a responsável pela gradativa decadência do espaço, cujo auge deu-se em meados de 1990. Castrada pelo poder público, a praça Roosevelt veria seu futuro mudar a partir de 1999 com a instalação de teatros ao seu redor. A cultura enquanto significante Local esquecido pelo poder público e pelos habitantes da cidade de São Paulo, a praça Roosevelt teve seu destino transformado pela ação cultural desenvolvida em seu entorno por grupos teatrais que se instalaram ali. A partir dessas atividades, este espaço público passou a ter uma nova relação com a população da cidade. Relação esta que acabou conferindo um novo sentido à praça. Se antes este espaço público detinha o sentido do medo e era ocupado por 5
  • 6. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO pessoas em situação de exclusão social (expostas a todos os problemas acarretados por ela), os teatros e as atividades culturais desenvolvidas pelas companhias passaram a dialogar com a sociedade, conferindo assim, um novo sentido a este espaço, fazendo nascer um novo território. Dotada de uma nova dimensão simbólica, a praça Roosevelt deixou de ser o território do medo para ser o lugar da interação. Devido as atividades culturais desenvolvidas ali, pessoas de diferentes classes sociais, orientações sexuais, idades e vivências convivem de forma respeitosa em nome do interesse comum em ver a mo- vimentação e os produtos culturais das companhias teatrais instaladas na Roosevelt. Por isso, pode-se dizer que a ação cultural desenvolvida na praça também foi civili- zatória. Esta nova forma simbólica tem um sentido amplo, pois está inserida no con- texto da degradação e abandono dos centros urbanos, tanto pelo poder público, quanto pela elite – muitas vezes o leme que orienta as políticas públicas – colocando o foco sobre espaços com importante potencial sócio-cultural. Neste sentido, a produção cultural na praça Roosevelt dialoga com o frequen- tador da praça na medida em que a compreensão cotidiana do significado da produ- ção simbólica reforça as assimetrias do poder, já que as companhias teatrais instala- das no entorno da praça reproduzem as situações vividas ali. Por isso, os processos de produção simbólicas na Roosevelt têm caráter negociáveis, onde produtor e receptor negociam o sentido da obra. A construção destes sentidos é favorecida pela relação do objeto com o públi- co (habitantes de São Paulo e praça Roosevelt), dando um sentido antropocêntrico a este espaço público já que é o humano que confere um novo sentido ao espaço público praça Roosevelt. 6
  • 7. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO Mudança de atos: O medo sai de cena para dar lugar à cultura Imagem disponível em: antoniogoper.blogspot Panorama do palco “No início dos anos 1990, a praça Roosevelt era um lugar muito barra pesa- da”, quem diz isso é Phedra D. Córdoba, atriz integrante da companhia de teatro ‘Os Satyros’. Phedra fala com a autoridade de quem já morou e trabalho na Roosevelt. Em entrevista realizada em 2004 para o trabalho para conclusão de curso “A História e as Relações Sociais na Praça Roosevelt” (Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2005), a atriz relatou sua história e como esta se encontrou com a da praça. Na década de 1990 a praça era realmente território fértil para o crime. Com uma arquitetura árida, galerias e calçadas mal iluminadas e servindo de viaduto para uma via expressa, local de passagem para a população que ia e vinha do trabalho dia- riamente, a Roosevelt logo se viu tomada de assalto pelos traficantes de drogas. Local público por excelência, a praça deveria ser um lugar de convívio social e prática da civilidade, como era na década de 1960. Mas para isso, seria preciso que a população reconhecesse ali um espaço adequado para o encontro, a vivência pública e para a prática da civilidade. Portanto, para ser um espaço público, a praça Rosevelt deveria ser significada como tal pela população da cidade. Nas palavras de Lucrécia D’Aléssio Ferrara: 7
  • 8. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO “O significado é uma resultante do modo de representação, é consequência e vem embutido no próprio modo de representação [...]Os textos não verbais não se impõem à observação, mas estão incorporados à realidade.” (FERRARA, 1986: 07-18) Em meados da década de 1990, reconhecer a Roosevelt como equipamento de lazer não era possível. O abandono e decadência do centro da cidade, a insegu- rança sentida pelos transeuntes quando passavam por ali, a arquitetura que acabou se tornando terreno fértil para a marginalidade e a falta de equipamentos culturais acessíveis a todos, somados ao desinteresse público no tocante a políticas públicas urbanas e culturais, acabou por afastar os paulistanos da praça, tornando-a espaço para a prática de crimes e consequentemente destituindo-a do papel de promoção do encontro e do convívio. A construção do pentágono somada a crescente preocupação com a seguran- ça, acabou por reconfigurar o papel do que era a praça da Consolação na cidade de São Paulo. De lugar de convívio público, onde a boêmia e os interessados em expres- sões artísticas encontravam-se, o lugar passou a ser um “lugar êmico”. Na obra “Modernidade Líquida” (Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro,2001), Zygmunt Bauman define ‘lugar êmico’ como um espaço cujo único destino é ser atravessado e deixado para trás. Contudo, o teórico atenta para a necessidade de acrescentar a este conceito a ideia de ‘não lugar’, de Georges Benko e Marc Augé, como um espaço enfaticamente público, mas não civil. Segundo o sociólogo, estes são espaços que desencorajam a ideia de estabelecer-se, tornando sua colonização ou domesticação quase impossível. Bauman vai mais fundo ao dizer: “Um não lugar é’ um espaço destituído das expressões simbólicas e de identidade, relações e históricas [...]. Os não lugares não requerem domínio da sofisticada e difícil arte da civi- lidade.” (BAUMAN, 2001: 120) Ora, se esta era a leitura da população em relação à praça Roosevelt, isso deve- se a contextualização sócio-cultural da época. Lucrécia D’Aléssio Ferrara, em seu “Leitura sem Palavras” (Editora Ática, São Paulo, 1986), esclarece que o significado do espaço urbano e seus equipamentos é definido em grande parte pela leitura ‘não verbal’ dos habitantes da cidade em relação a este espaço/equipamento. Para ela, a contextualização é um aspecto decisivo, pois é quem confere a qua- lificação do espaço e sua consequente identificação social, econômica e cultural. Em “Leitura sem Palvaras”, Lucrécia diz: “A contextualização é responsável pelo uso dos lugares urbanos: uma outra informação que 8
  • 9. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO redesenha a tridimensionalidade espacial dando-lhe uma outra variável, mais dinâmica e signi- ficativa, porque capaz de informar mais rapidamente sobre constituintes espaciais não previstos em projetos de urbanização e, no entanto, capazes d produzir e/ou alterar a imagem de uma rua, avenida ou praça.” (FERRARA, 1986: 21) Distante daquilo que representava para a cidade nos anos 1960, o espaço ocu- pado pela praça Roosevelt teve seu papel social ressignificado em grande parte graças à sua nova arquitetura. A edificação do pentágono, com suas galerias e sua posterior falta de iluminação contribui para o crescimento de atos criminosos, como assaltos, consumo e a venda de drogas foi decisivo para redimensionar seu papel perante o pú- blico da cidade de São Paulo. A construção da estrutura de concreto destruiu a praça da Consolação - lugar de convívio, lazer e encontros, cuja leitura já estava registrada na memória dos habi- tantes da cidade - para fazer nascer a praça Franklin Roosevelt, um novo lugar para o qual os paulistanos teriam de olhar, ocupar e dar um significado. O contexto social da época acabou tornando o novo equipamento público em um ‘lugar êmico’ e, pos- teriormente, um ‘não lugar’, segundo as definições de Zygmunt Bauman. Se antes, a praça da Consolação tinha um significado prazeroso para os ha- bitantes de São Paulo, este não foi herdado pela Roosevelt. O novo equipamento público, presente do regime militar ao espaço urbano da maior cidade do País, de- sencorajava a ideia de estabelecer-se, de encontros e de convivência, sendo apenas uma estrutura a ser atravessada ou circundada para se chegar ao outro lado. Não tinha uma relação histórica com a metrópole. Era preciso dar-lhe um significado, uma identidade. O contexto histórico e a arquitetura da praça Franklin Roosevelt acabaram por determiná-la um ‘espaço vazio de significado’, tornando-a apenas um viaduto. Inserida no centro da metrópole, lugar abandonado pelas elites por isso negli- genciado pela poder público, a praça Roosevelt, como de praxe em grandes cidades, na qualidade de espaço vazio, passou a ser local de abrigo para pessoas em situação de exclusão social e para aquelas que atuam à margem da sociedade. A praça Roosevelt passava longe da pujança a qual ela deveria representar quando foi construída. Dramas sociais como menores carentes, moradores de rua, prostituição e crimes como tráfico de drogas, assaltos e furtos fizeram desse espaço o seu lugar. Contribuindo decisivamente para a leitura negativa e seu consequente significado para a cidade. 9
  • 10. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO A mudança do cenário O espaço que parecia condenado viu seu destino mudar através daquilo que fez sua fama décadas atrás: as atividades culturais. A partir de 1996, a instalação de teatros começa a transformar a praça Roose- velt e seu entorno. Em associação com Dema de Francisco e Roberto Asca, a veterana atriz Dulce Muniz – formada pelo Teatro de Arena, cuja sede está em próxima à praça Roosevelt – abriu o “Studio 184”. O lugar onde funciona o teatro de Dulce era antes o “Teatro de Câmara de São Paulo”, abertos por Ariela Brasil, Jairo Matos, Bosco Brasil e Ariela Goldman. Os também atores não estavam muito satisfeitos com o re- torno dado pelo espaço e acabaram cedendo o prédio à Dulce, que costumava utilizá- lo para ensaiar suas peças. Empenhada em fazer da praça um lugar onde as pessoas pudessem ter acesso às artes, Dulce associou-se à Ação Local Praça Roosevelt para tentar reverter o caráter inóspito do lugar. Mas não houve muitos avanços. Algumas outras companhias instalaram-se ali, mas foi com a chegada de “Os Satyros” que a praça teve seu caráter reconfigurado no contexto social da cidade. Fundada por Ivam Cabral e Rodolfo García Vazquez, a companhia Os Satyros tomou lugar onde antes da decadência da praça funcionava um restaurante badalado. O motivo da escolha do espaço foi o preço – bastante acessível – e a adequação a pro- posta do grupo. Nos fundos, havia um ambiente facilmente remanejado e, na frente, um espaço destino a um bar. Segundo Ivam e Rodolfo, a chegada do grupo provocou desconfiança entre os moradores da praça, já acostumados ao contexto social no qual a Roosevelt se inse- ria. Ivam conta que a princípio os moradores pensaram se tratar de um prostíbulo. Mesmo depois de identificado com uma placa onde lia-se “Espaço dos Satyros”, a desconfiança permanecia. À semelhança dos teatros anteriormente instalados ali, Os Satyros também enfrentaram dificuldades relacionadas ao abandono da praça, a criminalidade e ao medo institucionalizado da população em ir até à praça Roosevelt. Esta era sem dú- vida a principal barreira a ser quebrada para atrair o público às peças. Para mudar o macro – a imagem da praça perante a cidade – (mesmo que este não fosse o principal objetivo da companhia), Os Satyros associaram-se, mesmo de forma natural, segundo Rodolfo García Vazquez, ao micro – ou seja, às pessoas que ali estavam. A companhia acabou aproximando-se da população da praça Roosevelt re- 10
  • 11. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO cebendo essas pessoas para seus espetáculos e posteriormente, incorporando alguns destes personagens e suas histórias sociais à ela própria, caso de Phedra D. Córdoba, hoje integrante da companhia. Em 2002, Os Satyros “De Profundis”. Com texto de Ivam Cabral e direção de Rodolfo García Vazquez, a peça foi inspirada na vida e obra de Oscar Wilde. A mon- tagem conseguiu destaque nos mais importantes jornais de São Paulo, chamando atenção para o degradado espaço da praça Roosevelt. “De Profundis” ficou em cartaz por um ano. O teatro na praça Roosevelt passou a chamar a atenção da imprensa para este espaço urbano, suscitando a mudança da imagem e do caráter deste lugar ‘não lugar’ diante do público paulistano. O jornalista Valmir Santos, um dos primeiros a noticiar a praça em reportagem co-assinada por Janaina Fidalgo, revela em entrevista concedia em 2005 para o tra- balho de conclusão de curso “A História e as Relações Sociais na Praça Roosevelt” (Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2005) que em sua visão a dinâmica dos acontecimentos que conseguiram mudar a cara da praça Roosevelt identifica um mo- vimento no qual o artista se aproxima do espaço e constrói ali uma estética que leva em conta a condição de margem, as divisões de classe e o recrudescimento da violên- cia física e simbólica na sociedade paulistana. Valmir vê nos espetáculos da Roosevelt o teatro da desmaterialização, da essencialidade do trabalho do intérprete. Para ele, ali se faz o teatro da adesão, da diversidade de linguagem, do encontro das diferenças, fazendo surgir uma mudança de códigos que aos poucos tornam-se cotidiana. A atividade cultural que tomava conta da praça sem precisar expulsar dali quem ali já estava, associada a divulgação da imprensa, acabaram por chamar a aten- ção da população e do poder público para aquele espaço. Assim, a cidade de São Paulo enxergou um novo contexto social na Roosevelt determinada pela atuação dos teatros. Considerações finais Com a instalação de teatros em seu entorno, a praça Roosevelt ganhou um novo significado, determinante para conferir-lhe um novo uso. Ainda em “Leitura sem Palavras”, Lucrécia afirma: “É esse uso que qualifica nossa memória urbana e sedimenta a vida de uma cidade. Ali- menta uma tradição, ao mesmo tempo que estimula a dinâmica de sua mudança; os índices referenciais de um uso mantêm-se atualizados e, paradoxalmente, conservam a memória do seu passado.” (FERRARA, 1986: 21) Atuando como agente cultural, cujo princípio básico, segundo Teixeira Coelho 11
  • 12. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO em seu “Usos da Cultura – políticas de ação cultural” (1986, p. 11), é a intervenção sócio-cultural, o teatro mudou a praça Roosevelt e seu entorno, fazendo do ‘lugar êmico/não lugar’ um espaço onde a civilidade pode ser exercida. Assim, as atividades culturais desenvolvidas pelos grupos teatrais tiveram um propósito social neste espaço urbano. Mesmo não sendo este o principal objetivo das companhias teatrais que instalaram-se ali, elas foram instrumento para o estabe- lecimento de uma nova dinâmica neste espaço urbano. Sobre isso, Teixeira Coelho alerta: “A ação, inversamente, não tem começo e não tem fim nitidamente demarcados e não deixa atrás de si produtos formais acabados. O que pode deixar é uma nova cadeia de ações, cujo controle seu autor não consegue assumir e cujo resultado final escapa a qualquer previsão precisa.” (COELHO NETO, 1986: 100) Se as companhias teatrais foram o catalisador da mudança na praça Roosevelt, a população que frequenta a praça de São Paulo foi decisiva nesta mutação pois rea- giu de forma positiva aos novos acontecimento. O papel da população nesta dinâmica deve ser destacado pois: “A ação é algo que se faz com, ao lado de, por dentro, desde a raiz – um processo que só tem sujeitos. (...) A ação, contrariamente é a contínua descoberta, o reexame constante, a reelaboração: a vida. (...) A ação cultural é uma aposta conjunta. Aposta-se que o grupo se descobrirá, descobrirá seus fins e seus meios.” (COELHO NETO, 1986: 100) Assim, o teatro foi posto para fora, foi expandindo-se em direção ao espaço público. As mesas do bar do “Espaço dos Satyros” tomaram conta da calçada, deno- tando uma nova ocupação naquele espaço público. Com a aproximação dos personagens sociais ali presentes, o grupo foi per- cebendo a riqueza das histórias abrigadas pela Roosevelt. Surgem assim “Transex”, escrita por Rodolfo García Vázquez, sobre a vida de três travestis moradores da praça; e “A Vida na Praça Roosevelt”, da dramaturga alemã Déa Loher, onde a solidão dos moradores das grandes metrópoles é representada alidindo a aridez de suas constru- ções que, ao contrário de gerarem encontros positivos entre estranhos e promoverem a civilidade, causam justamente o contrário: o afastamento e o estranhamento, cujo principal resultado é o medo do que não é igual. A simbiose entre praça Roosevelt e companhia “Os Satyros” foi sem dúvida frutífera. Atuando como agitador cultural deste espaço público, o grupo com a ex- pandiu-se na praça. Além de abrir “Espaço dos Satyros 2”, o grupo promove a “Sa- tyrianas”. O evento anual promove 24 horas ininterruptas de teatro e invenções artís- ticas na praça, gerando curiosidade nos transeuntes e atraindo para a praça Roosevelt um público que costuma frequentar “ilhas culturais” como a Sala São Paulo. 12
  • 13. O PALCO DA PRAÇA: AS TRANSFORMAÇÕES NA PRAÇA FRANKLIN ROOSEVELT PELAS MÃOS DO TEATRO A dinâmica atual da praça Roosevelt é uma constatação do que diz Bauman em “Modernidade Líquida”: “A capacidade de conviver com a diferença, sem falar na capacidade de gostar dessa vida e beneficiar-se dela, não é fácil de adquirir e não se faz sozinha. Essa capacidade é uma arte que, como toda arte, requer estudo e exercício. A incapacidade de enfrentar a pluralidade de seres humanos e as ambivalências de todas as decisões classificatórias, ao contrário, se autoperpetuam e reforçam: quanto mais eficazes a tendência à homogeneidade e o esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil sentir-se à vontade em presença de estranhos e tanto mais intensa a ansiedade que ela gera.” (BAUMAN, 2001: 123) Hoje a praça Roosevelt não tem mais galerias. Jovens skatistas tomaram conta do espaço para praticar ali seu esporte. Seu entorno está tomado por teatros, sebos, livrarias e bares, onde é possível conversar com as mais diferentes pessoas, desde a platéia, a dramaturgos, escritores, atores, músicos, homens, mulheres, travestis e homossexuais. Pessoas que, a semelhança dos demais habitantes da metrópole, têm vivências e histórias de vida distintas. Isso significa que a praça tornou-se novamente um lugar onde antes e acima de tudo, as pessoas possam compartilhar como personae públicas – sem serem investigadas, pressionadas ou induzidas a tirar as máscaras e “deixar-se ir”, “expressar-se”. Referências bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. “Modernidade Líquida”. Trad. de Plínio Dentzier. Rio de Ja- neiro: Jorge Zahar Editora, 2001. COELHO NETO, José Teixeira. “Usos da Cultura: políticas públicas de ação cultu- ral”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. “Leitura sem Palavras”. São Paulo: Editora Ática, 1986. CARDOSO, Celina. “A História e as Relações Sociais na Praça Roosevelt”. Traba- lho de conclusão de curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, São Paulo: Universidade Cruzeira do Sul, 2005. LIMEIRA, Ana Cristina Medina. “Dominação e Apropriação na Configuração do Espaço em São Bernardo do Campo”. Trabalho de conclusão do curso de Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos, São Paulo: Celacc – ECA/USP, 2008. 13