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Estoi_ Identidade e transformação
Patrícia Mimoso Vairinhos Malobbia
Câmara Municipal de Faro
Departamento de Cultura e Património
Divisão de Núcleos Históricos
Agradeço em particular ao Professor Doutor Francisco Lameira o primeiro a
incentivar-me para este tema e para a elaboração deste estudo.
Ao Professor Doutor Francisco Barata Fernandes e ao Professor Doutor José
Eduardo Horta Correia pela disponibilidade, atenção e orientação que dedicaram
a este trabalho.
Aos habitantes e vizinhos de Estoi pelas preciosas informações, pela sua
autenticidade e generosidade, em particular a José António Paula Brito.
À Câmara Municipal de Faro por tornar possível a sua realização e publicação.
Aos amigos que me acompanharam e com quem muito aprendi em especial à
Teresa Valente pela generosidade e amizade que sempre demonstrou, à Tânia
Rodrigues pela sua ajuda e dedicação, e ainda, à Maria Rita Almeida, Marta
Rocha e Fernando Pinheiro, colegas com quem mais partilhei este estudo.
Por fim, o apoio da minha família em especial aos meus pais, ao Stefano, à
Mariana e ao João, a quem dedico este trabalho.
3Estoi|
Identidadeetransformação.
Dando continuidade à política cultural desenvolvida por esta autarquia na
defesa e divulgação do património cultural existente no concelho de Faro e dos
bens imóveis que o integram, o município tem vindo a promover um conjunto de
iniciativas que visam a sua protecção e valorização.
Dessas iniciativas salienta-se a proposta de classificação como Conjunto de
Interesse Municipal do núcleo urbano antigo de Estoi, quer pela sua especificidade
ao nível da localização e integração paisagística, associadas ao enquadramento
rural com o qual se articula, quer pela sua singularidade do ponto de vista urbano
e arquitectónico.
Distinguem-se nesta aldeia histórica dois exemplares de excepção meritórios de
alusão em termos patrimoniais - Ruínas de Milreu, classificadas como Monumento
Nacional e o Palácio de Estoi, classificado como Imóvel de Interesse Público e
recentemente readaptado a pousada.
A importância deste núcleo, que constitui um dos mais significativos testemunhos
do património edificado do Barrocal algarvio, leva este município a estabelecer
prioridades na execução de instrumentos de planeamento e gestão, que se
traduzem, não só na elaboração de um regulamento e Plano de Urbanização,
mas também, na realização da Carta de Património do Concelho de Faro.
Neste encadeamento, para complemento e suporte teórico das acções em curso,
urge a presente publicação que dá um contributo imprescindível para o
conhecimento do património de Estoi, do ponto de vista urbano e arquitectónico e,
consequentemente, uma maior consciência na preservação da sua identidade.
Faro, 18 de Junho de 2009
José Apolinário
Presidente da Câmara Municipal de Faro
Um contributo para o conhecimento do património de Estoi
Prefácio
O estudo de pequenos núcleos urbanos e das suas arquitecturas anónimas, na
perspectiva da caracterização e defesa dos seus valores patrimoniais parece
ter vindo a alargar-se e a despertar o interesse e a curiosidade em jovens
arquitectos investigadores. De facto, as grandes decisões pós 25 de Abril,
relativas à salvaguarda de centros históricos das principais cidades portuguesas,
seguidas da criação dos Gabinetes Técnico Locais (GTL) na segunda metade da
década de 80, contribuíram para o desenvolvimento de um processo contínuo,
embora com avanços e recuos, de definição de políticas de intervenção no
património arquitectónico. Verifica-se que as pequenas estruturas de apoio técnico
autárquico, entretanto criadas, foram dominantemente constituídas por jovens
arquitectos, integrando também jovens engenheiros, o que ajudou a desfazer o
preconceito que o interesse pela questão patrimonial era de natureza passadista
e conservadora. Hoje, já se pode avaliar o resultado de intervenções, a nível
nacional, conduzidas pelas novas gerações. Representam uma nova fase, uma
nova atitude, decisiva, que contrasta com as arcaicas políticas, anteriores à criação
do extinto IPPAR.
Naturalmente, embora tenham sido decisivos os programas europeus de apoio
técnico e financeiro à salvaguarda do património, sabe-se que sem se dispor
de estudos analíticos rigorosos, de metodologias adequadas e de projectos
específicos para cada caso, tais programas correm o risco de não atingir o
seu principal objectivo: a salvaguarda patrimonial como acção quotidiana e
progressista. Isto é, aquela que não se rege pela necessidade de dar resposta a
negócios intempestivos, por vezes de iniciativa e interesse privados, frequentemente
caracterizados pela defesa do património como fachada culta para a usual
especulação imobiliária, na área do turismo ou da habitação.
Interessam as acções destinadas a médio e curto prazo, criando novos
procedimentos de resposta e apoio à intervenção quotidiana, ao
acompanhamento de obras, ao aconselhamento e realização de pequenos
projectos de reabilitação em edifícios e espaços públicos, à criação de novas
rotinas de exigência técnica e cultural ao nível da intervenção arquitectónica.
É difícil, mas é importante e decisivo saber resistir ao discurso das “janelas de
oportunidades”, das “apostas” e dos “desafios” porque sabe-se que não tem
sido assim que se tem conseguido obter bons resultados para o colectivo,
para a comunidade, isto é, para o património de todos nós. A salvaguarda do
património, antes de tudo, exige informação, conhecimento, estudo, voluntariado,
solidariedade, altruísmo, tempo (tempo de estudo, tempo de projecto e tempo de
obra).
O trabalho desenvolvido por Patrícia Malobbia representa um excelente contributo
para o conhecimento dos valores patrimoniais arquitectónicos e urbanos de
Estoi. É resultado de uma paciente, sistemática e rigorosa investigação elaborada
no âmbito da dissertação de mestrado em “Metodologias de Intervenção no
Património Arquitectónico - MIPA” da Faculdade de Arquitectura da Universidade
do Porto.
Este trabalho, para além do elevado interesse do seu conteúdo, constitui relevante
exemplo de relação entre Universidade e Comunidade, entre investigação
académica e prestação de serviços à comunidade.
O estudo apresenta Estoi através do seu enquadramento geral histórico e geográfico,
mas construindo, também, uma interpretação do seu processo de formação, expansão
e transformação com apoio na análise dos factos arquitectónicos e urbanos. Esta
informação é recolhida na própria história do aglomerado e trabalhada numa
perspectiva analítica, através de desenho de arquitectura expressamente elaborado
para o efeito e de redesenho de cartografia histórica e outros elementos de
Identidades para um património anónimo
7Estoi|
Identidadeetransformação.Prefácio
representação arquitectónica ou territorial. Trata-se de uma investigação trabalhosa,
que exige conhecimento directo de factos e objectos, tendo-se experimentado,
com sucesso, uma metodologia que poderá servir de suporte a outros trabalhos
congéneres.
O património arquitectónico de Estói é aqui analisado detalhadamente, tendo-
se como objectivo registar com rigor as suas características matriciais e o seu
processo de transformação. Nesta perspectiva trabalha-se com conceitos mais
operativos e actuais de património, estabelecendo-se uma permanente relação
entre a obra arquitectónica e os seus elementos, entre obra e espaço público, entre
espaço público e parte do núcleo urbano, entre usos actuais e usos iniciais.
O trabalho aponta estratégias para definição de programas de intervenção nos
tempos presentes, revelando não só conhecimento pormenorizado da situação
edificada existente, como das dinâmicas sociais e económicas da comunidade que
a habita.
Através deste estudo pode verificar-se, com clareza, as potencialidades de
desenvolvimento e de valorização patrimonial e cultural que este pequeno núcleo
urbano possui tendo presente a feliz particularidade de se localizar entre as ruínas
romanas de Milreu e o palácio setecentista da família Carvalhal.
Que este esforço de investigação possa seguir o seu caminho, apoiando ou
orientando acções de intervenção no sentido da divulgação e salvaguarda da
identidade patrimonial de Estoi!
Porto, 15 de Maio de 2009
Francisco Barata Fernandes
9Estoi|
Identidadeetransformação.Prefácio
A dissertação que em boa hora se publica, é um marco muito importante no
panorama do estudo do património urbanístico algarvio.
Desde logo pelo tema - uma aldeia e não uma cidade convencional.
O mundo rural de expressão urbana é tratado com a dignidade que também
merece, ou seja, de modo científico. Depois pela metodologia utilizada. A análise
pressupõe um bom entendimento do sítio e da história do Algarve.
Assim se consegue, pela primeira vez, compreender o caso de Estoi. Descobre-se o
núcleo genético, a “água”, a “praça”.
Estudar uma aldeia enquanto património pressupõe também nesta dissertação
uma apresentação teórica de conceitos, o entendimento e a história do património
urbano, a aferição das relações entre arquitectura e urbanismo, entre morfologia
e tipologia, a situação da arquitectura rural, portanto a superação da velha
dicotomia erudito/ popular.
Só esta reflexão sobre o conjunto urbano entendido como um todo, onde se inclui
o território, a sua ocupação e sua descaracterização, permite compreender as
rupturas e portanto apontar soluções de intervenção, verdadeiro escopo de um
trabalho com estas características. Aqui os instrumentos de análise estão ao serviço
de uma redefinição da aldeia como expressão arquitectónica e urbanisticamente
autónoma, tentando inverter a tendência, que se pensava irreversível,
de a transformar um mero dormitório de subúrbio.
Vila Real de Santo António, Maio de 2009
José Eduardo Horta Correia
Estudar uma aldeia enquanto património
Introdução
Opção temática e objectivos
Opções metodológicas
Fontes escritas e gráficas
Notas sobre a organização gráfica e documental
1 Conceitos teórico – metodológicos
Evolução dos conceitos sobre a salvaguarda do património arquitectónico
A salvaguarda do património urbano: do monumento/edifício à cidade
As diferentes atitudes face ao contexto
Do conceito de identidade
A fachada enquanto parte da identidade
Sobre a noção de tipo, tipologia e modelo
2 Do núcleo de Estoi
Enquadramento histórico e geográfico
O Algarve e seu território
Sobre a ocupação e o povoamento no Algarve
Os núcleos rurais no Algarve
Análise comparativa dos principais núcleos rurais
Condições físicas, morfológicas e acessibilidades do núcleo de Estoi
Origem, formação e consolidação
Antecedentes históricos
A formação – entre o século XV e o XVIII
A consolidação – entre os finais do XVIII e o XIX
O século XX e os novos modelos de urbanidade
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3 Análise arquitectónica do espaço urbano e do conjunto
edificado de Estoi
O espaço urbano
Estrutura e forma urbana
O Largo Ossónoba: o espaço embrionário
Modos de transformação
O tecido parcelar
O conjunto edificado
Estudos percursores: uma primeira aproximação
Análise tipológica: identificação e caracterização
Aspectos construtivos e morfotipológicos gerais
4 A salvaguarda e gestão do património de Estoi
Tendências de transformação e expansão
O planeamento nos núcleos rurais: o caso de Estoi
Identificação dos principais níveis de transformação
Princípios estratégicos de intervenção
A gestão do seu património
Considerações finais
Bibliografia
Anexos
Fichas dos núcleos rurais
Análise dos planos para Estoi
Tratamento de fontes documentais
Apêndice documental gráfico
Ficha técnica
11Estoi|
Identidadeetransformação.Índice
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Esta publicação teve como base o texto da dissertação de Mestrado em
Metodologias de Intervenção no Património Arquitectonico apresentado à Faculdade
de Arquitectura da Universidade do Porto em Janeiro de 2007, sob orientação de
Francisco Barata Fernandes e co-orientação de José Eduardo Horta Correia. Apesar
das alterações pontuais efectuadas durante a sua revisão procurou-se sempre que
possível manter o texto e a estrutura do trabalho original reproduzindo na íntegra
todo o conteúdo gráfico recolhido e elaborado.
13Estoi|
Identidadeetransformação.
Introdução
A análise e o estudo dos fenómenos urbanos tem desde sempre incidido de forma
mais alargada sobre o conhecimento da cidade, da urbe, interpretando a sua
lógica de formação e especificidade.
A reflexão teórica e cientifica dominada pelos historiadores, arquitectos ou
geógrafos tem assim privilegiado o estudo dos fenómenos urbanos de grande
volume demográfico, conduzindo-nos a um maior conhecimento sobre a cidade em
detrimento de aglomerados mais pequenos como a aldeia.
A maior consciencialização para temas como o ambiente, a ecologia e o
património vem assim despertando a atenção sobre um território rural no qual se
integram muitos núcleos urbanos.
Neles se vem progressivamente intervindo, enquanto alternativas turísticas e
residenciais, face à dinâmica concentrada a Litoral.
O cenário de alguma “intocabilidade” que vinha caracterizando os pequenos
núcleos rurais tem vindo contudo a sofrer, nas últimas décadas, alterações,
transformações e fortes pressões, as quais receamos venham a generalizar-se,
adulterando as características físicas destes pequenos aglomerados.
Quando deparamos com cidades que continuam a ampliar os seus perímetros
de expansão, estendendo-se ao espaço agrícola ou rural, revelando por outro
lado problemas de estagnação dos centros antigos e enormes problemáticas
no que concerne às questões de planeamento e qualidade de vida; quando
vemos cada vez mais evidente a ameaça sobre o território rural, no modo como
os núcleos rurais se vêm transformando, adulterando e importando modelos de
cidade, estranhos ao seu tecido e vivência, enquanto reflexo da deficiente gestão
do território, percebemos o quanto se torna urgente o seu reconhecimento e
entendimento numa perspectiva de salvaguarda.
A necessidade de proceder a um maior reconhecimento e registo destes
aglomerados, quer numa vertente paisagística quer arquitectónica, torna-se assim
cada vez mais pertinente.
O estudo realizado nos anos setenta, desenvolvido por Aldo Rossi, Eraldo
Consolascio e Max Bosshard1
, para o Cantão Ticino, constituiu uma referência
metodológica, nomeadamente em termos de análise tipológica.
Por outro lado, incidindo numa abordagem mais local, encontramos alguns
contributos pontuais para o estudo dos núcleos rurais no Algarve, de que é
exemplo, numa perspectiva arquitectónica e urbana, o estudo sobre Alte, de Isabel
Raposo (1995), e ainda outros trabalhos específicos, promovidos pela associação
In loco tais como: Estoi - um olhar sobre o património (2000).
Verificamos contudo que a abordagem de grande parte destes trabalhos incide
numa leitura mais antropológica, geográfica ou historicista ou ainda tendo em vista
a promoção turística.
Mais recentemente, no âmbito do Programa de Revitalização das Aldeias do
Algarve, promovido pela CCDR Algarve (2001-2007) encontramos como principal
contributo alguns estudos e trabalhos desenvolvidos pelos Gabinetes Técnicos
de Apoio às Aldeias, tais como os Planos de Intervenção das Aldeias do Algarve
(2003) ou outros como o de São Marcos da Serra, de Dália Paulo e Nuno Beja que
no mesmo enquadramento reuniram uma documentação especifica contribuindo
também para um melhor conhecimento deste aglomerado.
O estudo que nos propusemos desenvolver incide sobre Estoi, um aglomerado rural
com cerca de 1500 habitantes, localizado a cerca de 10 Km a Norte de Faro.
A escolha do tema prendeu-se antes de mais com o elevado interesse que o
núcleo desperta, dadas as particularidades quer em termos geográficos, quer em
termos patrimoniais, mas também por se tratar de um pequeno aglomerado cuja
configuração e estrutura urbana mantêm uma unidade e coerência ainda muito
perceptível. A estes elementos alia-se também o facto de se tratar de um núcleo
antigo habitado, com actividades e vivências culturais ainda muito presentes.
Estoi, apesar das cada vez mais presentes intervenções dissonantes sobre o
edificado, conseguiu fixar população e conservar em termos de conjunto alguma
coerência e unidade ao nível urbano, aspectos que lhe conferem uma certa
exclusividade ao nível da região.
A sua excepcionalidade prende-se fundamentalmente com a existência de um
Palácio Setecentista, Tardo-Barroco e um importante núcleo arqueológico, as Ruínas
de Milreu, representando este uma das mais importantes villas romanas no país.
Opção temática
e objectivos
1
	AA. VV., La costruzione del territorio,-
Uno studio sul Canton Ticino,
Fondazione Ticino Nostro, 1985
Clup, Milano
15Estoi|
Identidadeetransformação.Introdução
Estas duas estruturas ressaltam a sua posição estratégica no contexto territorial à
qual se acrescenta a proximidade com os principais centros urbanos da região,
nomeadamente a capital de distrito.
Estoi revela ainda algumas semelhanças com outros aglomerados rurais vizinhos,
tais como Moncarapacho, Santa Barbara, Pechão, Quelfes ou São Brás de
Alportel que, situados na faixa de transição entre o Barrocal e a planura litoral,
mantêm permanente essa relação de proximidade e dependência com os
principais centros urbanos.
Interessa-nos fundamentalmente neste trabalho, partindo do conhecimento do
que é hoje o seu território, analisar, interpretar e reconhecer, através de uma
leitura contínua, as várias transformações do núcleo de Estoi na sua componente
arquitectónica e urbana, desde o período medieval até à actualidade.
A partir de uma metodologia de abordagem feita através do conhecimento das
várias partes que compõem o núcleo, procuramos entender de que forma é ele
resultante da articulação dessas mesmas partes, cronologicamente distintas.	
Pretende-se assim ensaiar uma metodologia de identificação e caracterização
de uma estrutura urbana que permita ampliar não só o conhecimento que temos
sobre a mesma, como avaliar o seu estado actual, identificando os testemunhos
patrimoniais remanescentes, relacionando-os e articulando-os num sentido de
gestão patrimonial contemporâneo.
Os princípios estratégicos de salvaguarda e valorização do núcleo aqui
considerados deverão ser entendidos numa perspectiva que teve em conta a
especificidade deste território, não se pretendendo que funcionem como regra ou
modelos estanques.
Pretende-se que o material exposto neste trabalho funcione enquanto matéria de
estudo e de reflexão sobre como construir um projecto mais amplo e alternativo às
tendências actuais e de como deve ser entendido o seu crescimento.
Considerando que a salvaguarda do património construído deve passar também
pelo atenuar das rupturas com a paisagem natural envolvente, enquanto “limiar” de
um território que é composto por um espaço nuclear e uma área de salvaguarda.
Esperamos que a informação recolhida e reinterpretada possa contribuir, enquanto
material operativo de projecto, para futuras intervenções em Estoi.
Partir para um estudo desta natureza pressupõe seleccionar diferentes áreas
de trabalho. Optámos, enquanto processo metodológico, por encontrar na
geografia, sociologia, antropologia e história os instrumentos de trabalho com os
quais foi possível chegar a um melhor entendimento global sobre o lugar e a sua
realidade. Estes não são portanto “únicos, especiais” deste contexto, mas foram
cientificamente testados e verificados na prática de análise já efectuada para
outros estudos.
O trabalho estrutura-se segundo uma primeira componente - capítulo I que
fundamenta teoricamente as opções metodológicas da análise, clarificando os
próprios conceitos utilizados ao longo do estudo e, por outra componente que diz
respeito à própria análise morfo-tipológica de Estoi.
Os três capítulos subsequentes que compõem a análise de Estoi apresentam de
forma gradual essa aproximação e aprofundamento ao objecto de estudo.
Partindo do enquadramento geográfico e histórico, analisando o processo de
ocupação do núcleo, procurámos chegar a uma leitura mais clara sobre as suas
principais características.
Através da análise comparativa dos diferentes aglomerados rurais, confrontando
as suas realidades e modos de transformação, identificamos quais as principais
proximidades com o núcleo de Estoi.
O entendimento da sua vocação inicial, do seu papel face a um território
envolvente, constituiu uma etapa fundamental para a compreensão da sua
estrutura e morfologia urbana.
A lógica de ocupação é reveladora de uma situação comum a outros
assentamentos, em que a estrutura urbana resulta de antigos caminhos que
ligavam aos principais lugares dispersos ao longo da freguesia.
Enquanto pólo de referência quer religiosa, quer produtiva, quer cultural, o núcleo
traduz na sua estrutura urbana mais antiga essa permanente articulação com o
território - concentrada num lugar elevado o lugar da Praça, constitui o ponto
de chegada, de encontro, a partir do qual desaguam os principais caminhos,
transformados posteriormente em ruas.
A necessidade de estabelecer uma relação entre o desenvolvimento morfológico
do núcleo e a individualidade tipológica do seu edificado pressupõe uma postura
de análise que incidiu na interpretação cronológica das principais fases de
transformação.
No segundo capítulo procurou-se identificar cronologicamente os momentos que
determinaram as principais transformações em termos de forma urbana tentando
perceber também, quais as correspondências em termos de edificado. O estudo da
evolução urbana de Estoi apoiou-se fundamentalmente em três fases:
1	 entre o século XV e o século XVIII - a sua origem e formação correspondendo esta
à delineação da estrutura urbana e dos “elementos primários”, representados
essencialmente pelos edifícios religiosos;
2	 entre os finais do século XVIII e o século XIX, momento de consolidação e
expansão associado à construção do Palácio e de novos eixos de expansão;
3	 o século XX que se desdobra em duas etapas: uma primeira de maior
continuidade com os pressupostos e a matriz imposta desde o final do século XIX
e uma outra, já na segunda metade do século XX que evidencia maiores rupturas
com o tecido existente.
Constatamos que o tecido urbano antigo assenta numa matriz que se estruturou
durante os séculos XV e XVI, consolidando-se e expandindo-se a partir da segunda
metade do século XVIII e século XIX, correspondendo este ao período onde nos
reportam os dados mais concretos referentes ao núcleo. A sua estrutura e forma
urbana transformam-se com o desenvolvimento de novas matrizes já no século XX.
Opções metodológicas
17Estoi|
Identidadeetransformação.Introdução
No terceiro capítulo incidimos sobre a caracterização dos principais valores
patrimoniais existentes, sobretudo no âmbito do espaço público e do conjunto
edificado, numa perspectiva de análise morfo-tipológica.
Esta metodologia de análise pressupõe observar no passado determinados
parâmetros definidos e experimentados, permitindo não só, a sua recolha e
identificação, mas também uma futura reinterpretação enquanto “ferramenta
essencial no exercício corrente da arquitectura do projecto ao plano”.1
Pretende-se nesta leitura perceber quais as tendências de ocupação do lote e
sobretudo, o tipo de relação tipológica predominante entre espaço público e
edificado.
O interesse pelo entendimento tipológico da arquitectura assenta num tipo de
abordagem que utiliza o tecido pré-existente, enquanto material de trabalho
conceptual. O estudo apresentado apoia-se numa amostragem de casos onde
procuramos, através do reconhecimento de semelhanças ou de situações de
repetição, individualizar modelos e identificar tipos dominantes.
No quarto capítulo procuramos identificar as principais tendências de
transformação actuais. Perceber de que forma se processa hoje a expansão e
transformação e de como estas interferem na conservação da sua identidade física.
Tentamos entender como poderão os diferentes modos de actuação sobre o
construído complementar-se e conciliar-se com o existente, apoiado num maior
conhecimento sobre o objecto de estudo.
1
	F. Barata Fernandes, Transformação e
Permanência na Habitação portuense
- As formas da casa na forma da
cidade, Faup, Porto, 1999, p 35
A informação histórica que surgirá em determinados capítulos deste trabalho
deverá ser entendida como material necessário à sua compreensão.
Os dados e documentos recolhidos surgem-nos enquanto matéria com a
qual foi possível entender do ponto de vista da arquitectura, os processos de
transformação e a existência de determinados modelos habitacionais.
No estudo da sua evolução e transformação urbana apoiamo-nos para além
das principais marcas e vestígios físicos sobreviventes, nas fontes materiais, em
testemunhos orais que constituindo verdadeiros documentos, em muito contribuíram
para o seu entendimento.
O material levantado e adquirido permitiu um sistema de observação e de análise
dos principais factos urbanos.
A passagem entre o primeiro momento de ocupação, concentrado em Milreu, e
o período medieval, onde nos reportam as primeiras referências sobre a aldeia
de Estoi, localizada a uma distância de sensivelmente 900 metros a Nascente
da antiga villa, envolve um intervalo de tempo onde permanecem apenas alguns
testemunhos arqueológicos, passíveis de serem acrescentados e ou aprofundados,
no campo da antropologia e da arqueologia.
Particularizar Estoi remeteu-nos sistematicamente para uma contextualização
de âmbito mais vasto, ao território envolvente e naturalmente à cidade de Faro.
Procurámos assim reunir o máximo de informação dispersa. As primeiras referências
ao núcleo remontam ao início do século XV e XVI e apoiam-se nas descrições das
Visitações da Ordem de Santiago ou nas obras corográficas disponíveis.
Na análise dessas mesmas fontes, apercebemo-nos que as referências ao
aglomerado ora se reportam exclusivamente às Ermidas, como a actual Matriz,
ou a outros edifícios religiosos, sendo escassas as alusões ao núcleo e ao seu
território, ora nos remetem sistematicamente para Milreu associando os vestígios
existentes à antiga Ossónoba. Este tema sobrepõe-se, na maior parte das vezes,
ao do próprio núcleo.
O território envolvente, a paisagem e a abundância de água, constituem
referências dominantes evidenciando o seu sentido funcional, dependente destas
mesmas condicionantes.
Em termos de cartografia conseguimos contar apenas até ao século XIX, com
o mapa de 1800 que nos fornece um desenho do núcleo ainda concentrado
exclusivamente na parte mais elevada. Apesar da riqueza dos dados revelados
permaneceu ao longo do trabalho, a necessidade de colmatar algumas omissões.
No inventário do Arquivo Histórico Municipal, a partir dos documentos para
Cobrança da Décima, Sisa e Contribuição Municipal identificaram-se algumas das
ruas já existentes durante os séculos XVIII e XIX.
Já para o século XX foi possível apoiarmo-nos nos testemunhos orais ou nos dados
recolhidos nos livros de Actas da Câmara Municipal que permitiram chegar a
algumas conclusões sobre a sua actual forma urbana.
Podemos ainda constatar que grande parte da documentação relativa a Estoi tem
conhecido nos últimos anos um maior contributo sobretudo a partir da proposta
de Plano Geral de Urbanização (1981), Proposta de Plano de Pormenor (1996-
2002) e mais recentemente com os estudos elaborados no âmbito dos Planos de
intervenção das aldeias do Algarve (CCDRAlgarve e ProAlgarve 2001-2004), do
qual Estoi integrou.
No arquivo da Câmara Municipal foi possível através da consulta de processos
de obras, a identificação de algumas casas e tipologias hoje inexistentes. Esta
base permitiu proceder a um levantamento e registo mais rigoroso do processo de
transformação.
A confirmação de dados e recolha de outros obrigou naturalmente a um trabalho
de campo que se apoiou fundamentalmente no registo fotográfico, oral e
tratamento gráfico de todo o material.
Não será demais referir o contributo valioso dado pelos próprios habitantes que
disponibilizaram e mostraram as suas casas, revelando informações preciosas,
possibilitando uma melhor compreensão sobre o núcleo.
Fontes escritas e gráficas
19Estoi|
Identidadeetransformação.Introdução
O âmbito deste estudo obrigou-nos a recorrer para além das fontes materiais
existentes, a novos “objectos documentais”. Salientamos a importância que o
material gráfico elaborado assume no presente trabalho, constituindo este o seu
suporte, complementando a leitura e a compreensão deste estudo.
Em anexo apresentamos toda a documentação complementar à leitura dos
capítulos, incluindo as fichas dos núcleos rurais, as análises aos planos de
Estoi, assim como toda a informação essencial recolhida em arquivo tais como
as fontes gráficas existentes até meados do século XX, reunidas no apêndice
documental gráfico.
Notas sobre a organização
gráfica e documental
1 Conceitos teórico - metodológicos
21Estoi|
Identidadeetransformação.
O modo como conhecemos um lugar determina, em parte, o tipo de relação
que construímos com esse mesmo sítio e o valor que lhe atribuímos. Se o
nosso conhecimento é superficial ou distante muito dificilmente conseguiremos
compreender o seu sentido, reflectindo-se naturalmente no modo como nele
actuamos.
Do conhecimento à salvaguarda do património constitui um percurso essencial no
qual se têm pautado as principais metodologias de intervenção.
As preocupações teóricas sobre a salvaguarda do património iniciadas nos
finais do século XIX e prolongadas pelo século XX adentro, lançaram as bases
metodológicas nas quais assentam grande parte das intervenções actuais sobre o
património.
Pretende-se neste capítulo abordar de forma mais rigorosa os conteúdos teórico
metodológicos nos quais se apoiou a análise de Estoi.
O modo como vemos e intervimos sobre determinado lugar ou edifício reporta-nos,
quase sempre, a experiências anteriores que se demonstraram eficazes ou não
eficazes, mas com as quais se foram apoiando as estratégias, modelos, processos
de intervenção que conhecemos na maior parte dos tecidos urbanos.
Procuramos destacar e clarificar os principais momentos em que foram introduzidos
princípios e como eles têm vindo a influenciar as políticas de intervenção e
salvaguarda no património construído.
Interessa-nos também perceber como se processou, ao longo dos tempos, a
transformação dos conjuntos urbanos, enquanto palco de demonstração dos
vários níveis de intervenção sobre o construído.
Pretendemos ainda analisar o quanto a valorização exclusiva do monumento,
justificou num primeiro momento o sacrificar de muitos dos tecidos antigos.
Esta prática refutada ainda durante a primeira metade do século XX, deu lugar
uma maior consciencialização no sentido de valorização e salvaguarda dos
tecidos urbanos antigos enquanto um todo, conciliada ao seu inevitável processo
de transformação e expansão.
A identidade de um lugar não está assim exclusivamente ligada a um objecto
isolado. Ela estende-se a um campo mais vasto, composto por partes que vivem
interdependentes e em permanente transformação.
A análise das várias partes que compõem qualquer tecido urbano pressupõe neste
trabalho, para além de um conhecimento geral do seu enquadramento histórico
e geográfico, o entendimento tipológico da arquitectura, analisando os tipos ou
modelos que constituem e definem parte da sua forma urbana.
Neste sentido prende-se também a necessidade de clarificar e precisar definições
e distinguir conceitos, como os referentes à identidade, tipologia e modelo,
reflectindo sobre a abordagem morfo-tipológica enquanto instrumento de
clarificação de uma das principais partes constituintes dessa mesma identidade.
O cenário sócio cultural e político que marcou o panorama internacional, no
final do século XIX, foi fortemente influenciado pelas consequências da revolução
industrial. A introdução de novas correntes ideológicas que transformaram e
provocaram profundas alterações no ritmo e tempo, significaram também um
despertar para a problemática da salvaguarda do património construído.
As novas regras impostas pelo desenvolvimento industrial reflectiam-se sobretudo
na construção de novas infra-estruturas, como estradas, canais, caminhos-de-
ferro, necessárias para dar resposta a um modelo de cidade que enunciava a
separação entre residência e o local de trabalho.
O modelo oitocentista de cidade traduzia um nova noção de urbanismo apoiado na
mobilidade, nos transportes, contribuindo com fortes transformações na paisagem
urbana pré existente e numa cada vez maior oposição entre o campo e a cidade.
A par desta conjuntura assistia-se ainda à afirmação de ideais nacionalistas e a
fortes reacções por parte de classes mais aburguesadas que se sentiam atingidas
com as novas alterações da vida urbana.
As influências sobre a cultura arquitectónica não se fizeram esperar.
John Ruskin, arquitecto, representava a sociedade inglesa incomodada com as
alterações que o novo movimento industrial imprimia na sociedade e no ambiente
urbano e, consequentemente, na qualidade de vida das pessoas.
Evolução dos conceitos
sobre a salvaguarda
do património arquitectónico
Insurgindo-se contra a industrialização, Ruskin afirmou-se como um forte
adversário da produção industrial, em detrimento da produção manual,
enaltecendo os valores culturais e históricos traduzidos nos bens patrimoniais
construídos pelo Homem.
Introduziu nos seus textos1
os valores moralistas e românticos, assumindo uma
atitude conservadora e radical enquanto defensor da preservação da natureza
e do passado arquitectónico, como testemunho de um mundo a preservar em
oposição às novas tendências.
Contemporaneamente a França implementava uma política de salvaguarda dos
monumentos, enquanto promoção dos símbolos nacionalistas, sendo Viollet-le-Duc,
um dos principais protagonistas das inúmeras campanhas de restauro.
Viollet-le-Duc enquanto arquitecto do regime, participa em várias obras de
reconstrução, incutindo nelas um método estilístico, com base no conhecimento
técnico, material e formal do edifício existente a intervir.
As suas intervenções implicariam obras de reconstrução profundas nos edifícios
existentes, utilizando na maior parte das vezes a mesma “matéria”, empregando
elementos originais repostos para reconstruir o existente, resultando num processo
de restauro muito próximo da “anastilosis”.
Esta postura viria a provocar reacções nas quais se inseria Ruskin e Morris.
É neste contexto que se lançam as bases da discussão bipolar sobre a teoria de
intervenção nos monumentos que separou ideologicamente Ruskin, conservador
(não intervencionista) de Viollet-le-Duc, restaurador (intervencionista)2
.
A posição de Ruskin destacava-se pela manutenção do monumento, valorizando a
verdade do material, da sua execução enquanto técnica de construção tradicional,
feita pela mão do homem e não pela máquina, defendendo a sua intocabilidade
no processo de intervenção mesmo que isso implicasse a morte da ruína.
A sua posição porém, não viria a vingar. Como refere Francisco Barata3
,
esta contrariava a evolução natural na qual se apoiou, desde sempre, a
transformação das cidades europeias “feita de sobreposições, cruzamentos,
demolições e culturas diversas“.
A importância desta personagem num período de fortes transformações sociais,
económicas e culturais, reside em parte, na sua contribuição enquanto protagonista
de um conflito que despoletou a discussão teórica e a ideologia da conservação
como método de intervenção e salvaguarda patrimonial, em alternativa ao restauro
intervencionista até aí predominante4
.
Para além disso Ruskin ajudou a despertar a atenção não só para os aspectos
de preservação dos bens arquitectónicos, como também para a própria
paisagem urbana e território rural, encontrando em ambas o valor da presença
da marca humana.
Apesar de formarem frentes opostas relativamente ao tipo de intervenção, Ruskin
partilha do mesmo sentimento de contemporaneidade estilística de Viollet-le-Duc,
na adopção do românico ou do gótico respectivamente, enquanto estilos universais
e como expressão desse “revival” romântico.
A necessidade de conservação dos monumentos, ainda que sob dois pontos
de vista intervencionistas diferentes, despoletou o surgir de outras vozes teóricas
preconizadas por Camilo Boito (1834-1914) que, embora contemporâneo de ambos,
procura “reconciliar” as duas posições:
a conservação, na salvaguarda e valorização do seu valor histórico, artístico e
memorial; o restauro, desde que pontual, aceitando o acrescento desde que fosse
perceptível enquanto “registo novo”, distinto dos vários estratos que constituem a
história do monumento.
Dos princípios enunciados por Boito destaca-se aquele que melhor traduz o tipo
de intervenção, no qual se apoiaram durante o século XX, muitas das operações
de restauro que conhecemos: diferenciando o que é novo do que é antigo quer ao
nível formal, quer ao nível material e construtivo.
Esta atitude ainda tão contemporânea contribuiu, segundo refere José Aguiar5
,
para a formulação dos conceitos base, de uma teoria moderna de restauro.
Mas um dos maiores contributos na clarificação dos conceitos de monumento,
valor histórico e valor artístico, foi dado em 1905, com a publicação da obra de
Alois Riegl – O culto moderno dos monumentos.
Riegl, embora aproximando-se da atitude intervencionista de Viollet-le-Duc, salienta a
possibilidade da intervenção sobre um monumento assentar em critérios mais científicos.
Estabelece a distinção entre monumentos intencionais e monumentos histórico-artísticos,
23Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
1
	 J. Ruskin, Le sette Lampade
dell’architettura, Jaca BooK, 2001
2
	 J. Aguiar, Cor e cidade histórica.
Estudos cromáticos e conservação do
património, Faup, Porto 2003
3
	 Cf. F. Barata Fernandes,
	 Transformação..., op. cit
4
	 Idem, Ibidem
5	
Cf. J. Aguiar, Cor ..., op. cit.
estes últimos, segundo Riegl, resultantes de um valor assente na antiguidade no
qual o período temporal tem um papel determinante. Define que o seu valor está
associado a uma “catalogação” contemporânea, dependente do sujeito que o
avalia e da sua noção de antigo/moderno.
Riegl vem ainda reforçar a necessidade da análise morfo-tipológica, enquanto
meio objectivo de classificação e ligação do património ao seu lugar específico1
.
Nos anos 30, encontramos em Giovannoni um dos maiores contributos para
o reconhecimento da importância patrimonial dos tecidos urbanos antigos
contrariando a tendência então dominante, para a valorização apenas do
objecto isolado ou do monumento. Enquanto defensor do princípio da intervenção
mínima ou consolidação estrita, Giovannoni alertou ainda para a necessidade de
estabelecer a articulação entre tecidos antigos e os novos tecidos urbanos.
Como refere José Aguiar, “Giovannoni é, juntamente com Ruskin e Sitte, um dos
pioneiros da invenção e consolidação metodológica do conceito de conservação
do património urbano […]”2
.
Em 30 de Outubro de 1931, é elaborada e publicada a primeira Carta Internacional
do Restauro – A Carta de Atenas. Tratava-se de um documento internacional onde
se estabeleciam pela primeira vez os princípios e critérios aplicáveis à conservação
do património, constituindo esta até hoje, a base da maior parte das legislações
nacionais europeias de salvaguarda do património arquitectónico.
Nela se decretou a rejeição ao restauro estilístico lançando o tema da conservação
estrita. Introduziram-se ainda outros temas como o da gestão patrimonial, em que
se defendia a prevalência jurídica do direito público sobre o direito privado em
monumentos.
Em 1931 Giovannoni colabora ainda em Itália na elaboração de outra Carta del
restauro (1931), onde segundo José Aguiar se realçam como principais novidades “o
destaque dado à salvaguarda e à envolvente dos monumentos e à necessidade
da adequação do programa aos monumentos […]”3
.
Em 1964, na sequência do II Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos
dos Monumentos Históricos, resulta um dos mais importantes documentos
internacionais: a Carta de Veneza sobre Conservação e Restauro de Monumentos
e Sitios. Desta se destacam os principais princípios orientadores da conservação,
nomeadamente o principio da autenticidade, a necessidade de conservação
dos vários momentos históricos, da preservação e cuidado com as envolventes
e demais relações volumétricas e ainda a importância da reutilização funcional,
privilegiando a adequação do programa ao monumento e não o inverso.
Nos anos 70, Cesare Brandi com a sua obra Teoria del restauro lança um conjunto
de princípios teóricos segundo a seguinte premissa:
“[…] o reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dupla
vertente estética e histórica, com vista a sua transmissão para o futuro […]”.
As suas teses viriam também a sustentar o documento que sucederia à Carta de
Veneza: a Carta del restauro (1972).
José Aguiar refere que um dos aspectos mais inovadores neste documento
é precisamente o conceito de reversibilidade. A sua contribuição estende-se
ainda ao conceito de centro histórico que passa a incluir - os antigos centros
tradicionalmente entendidos como tais, como também “[…] todos os assentamentos
humanos cujas estruturas unitárias e fragmentadas – ainda que transformadas
ao longo do tempo – […] possuam particular valor de testemunho histórico,
arquitectónico ou urbanístico”4
.
A evolução dos conceitos traduziu-se assim numa progressiva consciencialização
do valor da cidade e da sua salvaguarda.
Em 1975, na sequência da iniciativa do Ano Europeu do Património Arquitectónico,
o Conselho da Europa aprova a Carta Europeia do Património Arquitectónico em
cujo conteúdo se baseou a conhecida Carta de Amesterdão (1977).
Nesta se reforçaram os conceitos sobre conservação integrada.
A importância deste último documento reveste-se sobretudo numa maior
sensibilização para a conservação do património arquitectónico enquanto
prioridade no planeamento urbano e ordenamento do território, e ainda,
no alerta por parte dos poderes locais para uma maior responsabilização e
comprometimento5
.
A conservação urbana integrada tem origem no urbanismo italiano dos anos 70,
mais especificamente com a experiência de reabilitação do centro histórico de
1
	 Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit., p. 320
2
	 Cf. José Aguiar, Cor ..., op.cit,
	 p. 50
3
	 Idem, ibidem, p. 53
4
	 Carta del Restauro, citado por José
Aguiar Cor ..., op.cit, pp. 67 e 68
5	
Idem, ibidem, pp. 67 e 68
Bolonha, onde se tentava a recuperação tendo em conta as suas várias vertentes –
física, económica e social.
Nos anos 80 destaca-se a obra de Françoise Choay L’ Allégorie du patrimoine que
analisa o conceito de monumento e de património histórico nas suas variadas
vertentes e interpretações, analisando e cruzando com a história, a cultura e
memória dos tempos as diversas atitudes e conceitos.
A crise da arquitectura e da cidade actual têm, segundo Choay, lançado o
culto ao monumento ou ao património sem se perceber efectivamente qual o seu
lugar hoje “[…] o património arquitectónico e urbano, figurado por um labirinto
que dissimula a superfície cativante de um espelho […] pode ser decifrado
como uma alegoria do Homem na alvorada do século XX. Sem certezas sobre a
direcção para onde o orientam a ciência e a técnica, à procura de um caminho
onde elas o possam libertar do espaço e do tempo para, de outra forma e mais
eficazmente, o deixarem aí investir-se […]1
.
Em 1987, ainda em Itália é elaborada a Carta da Conservação e Restauro de
objectos de Arte e Cultura, com o contributo de Paolo Marconi.
A sua importância reside fundamentalmente na ampliação, em relação à Carta de
1972, do conceito de património.
Substituem-se os termos “monumento” e “obra de arte” pelo de “artefacto histórico”.
Propõem-se ainda em termos de conteúdo algumas modificações, nomeadamente
no que diz respeito à introdução de novos materiais e tecnologias sobre estruturas
antigas. Alerta-se sobretudo para os efeitos negativos dos mesmos, defendendo-se
a aplicação de soluções de cultura construtiva idênticas à da edificação original.
Do mesmo ano é redigida a Carta Internacional para a Conservação das Cidades
Históricas, também conhecida como Carta de Toledo. Esta teve como objectivo
importante para a conservação da cidade, a manutenção das suas funções e
actividades já preexistentes. Tal como refere José Aguiar esta define como valores
a preservar: “[…] a forma urbana, definida pela malha fundiária e pela rede viária;
as relações entre edifícios, espaços verdes e espaços livres; a forma e o aspecto
dos edifícios (interior e exterior) definidos pela sua estrutura, volume, estilo, escala,
materiais, cor e decoração […]. É expresso ainda, mais uma vez, o conceito de
autenticidade, fundamental para garantir o valor de um determinado objecto
patrimonial. As questões sobre autenticidade patrimonial levantam-se novamente
em 1994 na conferência de Nara, na qual se reflecte o significado e o uso do
património edificado sujeito às inevitaveis transformações de uma cultura. Nesta
reflexão ganha importância a questão do património intangível, na valorização
dos materiais e técnicas tradicionais.
O debate teórico tem privilegiado nos últimos tempos o conhecimento cada
vez mais profundo sobre o objecto a intervir, pautando-se fundamentalmente
pelos conceitos da reversibilidade, a intervenção mínima, a compatibilidade e a
autenticidade.
A evolução das tecnologias e sistemas construtivos e sua difusão durante o século
XX vieram contribuir não só para a universalização das técnicas como para a
perda progressiva dos saberes e profissões tradicionais.
Este factor foi determinante na perda de conhecimento de processos construtivos,
comprometendo consequentemente a manutenção de factos arquitectónicos.
Hoje verificamos que o campo do restauro arquitectónico tem vindo a exigir cada
vez mais, um conhecimento especializado das técnicas tradicionais.
Esta actividade vem por isso incentivando um conhecimento mais especializado,
com base numa investigação e diagnóstico específicos que tornam mais ajustadas
as técnicas de intervenção sobre sistemas construtivos antigos, tornando-as assim
capazes de prolongar pelo maior tempo possível, a sua identidade física.
25Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
1
	 Françoise Choay, A alegoria do
património, edições 70, 2000, p. 225
Do reconhecimento do valor do monumento à valorização da cidade, pressupõe
um período de tempo relativamente extenso que conhece em Sitte, Alois Riegl e
Giovannoni os maiores contributos.
O conceito de valor patrimonial prevaleceu pelo século XX adentro, fortemente
associado ao objecto monumento e a seu contexto próximo.
O tipo de intervenção centrava-se essencialmente no restauro do monumento e na
sua valorização enquanto objecto a destacar ou a isolar.
Esta postura contribuiu e justificou, na primeira metade do século XX, inúmeras
demolições de bairros ou quarteirões que interferiam supostamente na leitura do
edifício.
Podemos ainda acrescentar que as intervenções de maior ruptura verificadas sobre
a cidade antiga estão ligadas a dois momentos históricos distintos: no século XIX, a
revolução industrial e depois já no século XX, a reconstrução das cidades, após a
segunda guerra mundial.
Mas as principais etapas de transformação urbana da cidade estiveram também
ligadas a grandes inovações técnicas que se inauguraram nos finais do século
XIX. Françoise Choay refere-se a propósito da transformação da cidade, aos
três campos onde sequencialmente se manifestaram essas transformações - ao
nível da construção, com a introdução de novos materiais como o aço, o betão
e o vidro; nos transportes, com a mobilidade das massas e a difusão do carro a
partir dos anos 30; nas telecomunicações, o telégrafo, o rádio e depois o telefone,
transformando “[…] o seu campo de acção e a sua experiência de espaço, de
tempo e da mesma forma, a estrutura dos seus comportamentos […]”1
.
Considerando os modelos de intervenção sobre o construído e de cidade
teorizados a partir do século XIX, conhecemos como maior contributo o papel de
Cerdá com o seu plano de 1859.
O Plano de Ensanche vem estabelecer pela primeira vez uma articulação racional
entre a cidade existente e um território novo a edificar, assegurando a continuidade
construtiva da trama existente com os novos tecidos.
Este define uma hierarquia viária, estabelecendo uma malha de quarteirões onde
se privilegia a rua como elemento estruturante.
Organiza a circulação, os equipamentos, os transportes, defendendo contudo
a polifuncionalidade e um controlo morfológico do espaço público e da própria
forma da cidade.
O século XIX confrontava-se assim com dois modelos de cidade – a cidade linear
que tem no contexto espanhol da cidade de Madrid um exemplo paradigmático,
através da experiência de Arturo Soria y Mata (1888), e a cidade concentrada ou
nuclear.
Estes dois modelos irão constituir segundo Francisco Barata Fernandes “a base do
debate das intervenções urbanísticas na cidade contemporânea”, nomeadamente
ao nível tipológico – a habitação plurifamiliar ou uni-familiar com a construção em
bloco ou em banda2
.
Mas as exigências relacionadas com os novos ritmos de vida como as condições
de salubridade, de mobilidade, estimularam a defesa de outros modelos urbanos
que se traduziram sobretudo, depois da segunda guerra mundial, em fortes
alterações e modificações sobre o construído.
A reformulação de infra-estruturas, o alargamento de vias, implicou um conjunto
de transformações que afectaram de forma irreversível os tecidos urbanos mais
antigos.
Nos anos 30, no CIAM, (Congrès International d’Architecture Moderne), lançaram-
-se as sementes do Movimento Moderno, constituindo um marco importantíssimo na
formulação de uma nova doutrina de intervenção arquitectónica.
Os ecos do modernismo anunciado nos CIAM reflectiram-se acima de tudo
segundo Choay “pela erradicação das formas e tradições arquitectónicas do
passado”.
Segundo Le Corbusier, enquanto protagonista deste movimento, a evolução
tecnológica deveria ser acompanhada por uma transformação da imagem
arquitectónica, enquanto reflexo do seu próprio tempo. O edifício era pensado
como um objecto técnico, como uma máquina, mergulhando no conceito de objecto
autónomo, desligado de todas as dependências e articulações contextuais3
.
Le Corbusier defende ainda uma concepção de cidade mais hierarquizada,
apoiada numa relação centro – periferia, na progressiva diminuição de densidade e
A salvaguarda do
património urbano: do
monumento/edifício
à cidade
“[…] o principal trabalho do
arquitecto é o de cerzir, o de
remendar ou corrigir.
Trata-se de um trabalho de
permanente avaliação de
heranças […]”.
Daniele Vitale, 1993
1
	 Citado por Françoise Choay, “Le
règne de l’urbain et la mort de la
ville”, La ville – Art et architecture en
Europe 1870-1993, Centre George
Pompidou, Paris 1993
2
	 Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit.
3
	 Idem, ibidem
volumetria de um ponto para outro.
Segundo Françoise Choay, Le Corbusier vai excluir do seu modelo de cidade, o
elemento rua, elemento este onde assenta a base do tecido urbano, no qual se
baseia a compactidade das cidades antigas1
.
Este modelo vai inspirar as principais renovações urbanas pelo século XX adentro,
sobretudo após a segunda metade, no período pós-guerra.
A valorização do objecto arquitectónico estende-se à própria cidade onde as
intervenções não se inibem de destruir em alguns casos, as preexistências, impondo
novas regras resultantes de um novo programa ou de novas exigências de
habitabilidade.
As exigências de higiene, circulação, vivência, impuseram novos modelos de
desenho da cidade, levando em grande parte dos casos, à anulação do tecido
existente.
O valor patrimonial da cidade antiga continuaria ainda na primeira metade do
século XX, circunscrito ao objecto monumento e ao seu contexto próximo.
Em Itália, Gustavo Giovannoni reage contrariamente quanto à forma como se
vinham processando as intervenções na Europa sobre a cidade antiga.
Este propõe o diálogo entre cidade histórica e a nova construção, rejeitando
a cultura industrial e a falsa memória dos tecidos antigos. Opõe-se, tal como
anteriormente Camilo Sitte, não só às intervenções de anulação de quarteirões
como também àquelas que implicavam o seu esvaziamento, em detrimento da
fachada2
.
Giovannoni propõe como ideia base a permanência do esquema planimétrico
enquanto princípio orientador, na continuidade do tecido urbano, entre cidade
antiga e cidade moderna.
Esta visão fundamentava-se numa aproximação à cidade existente enquanto matriz
orientadora, funcionando esta de princípio gerador e regulador na concepção
de novos tipos de construção. Assentava ainda no papel indentitário da cidade
antiga enquanto depósito de memórias às quais a nova cidade se devia apoiar e
estruturar.
Giovannoni reconhece também a importância do património urbano não restrito a
uma função puramente museológica. Sugere a sua reutilização com a introdução
de novos usos, compatibilizando-os com a sua morfologia.
Propõe a conservação física como alternativa às operações de substituição -
o processo de diradamento em alternativa ao sventramento3
.
Apesar das inúmeras transformações que se vêm registando sobre os tecidos
antigos desde a segunda metade do século XX, constatamos que desde os anos 70
se avançou num consenso sobre o tipo de intervenção no património.
A análise dos factos urbanos centrada no estudo da habitação tornou-se num
tema que progressivamente foi tomando maior expressão. O entendimento do
valor da cidade e da arquitectura menor enquanto conjunto, formado por partes
diversas e contrastantes, difusamente sobrepostas e entrelaçadas em permanente
transformação, foi conquistando a partir da segunda metade do XX, uma maior
importância nas discussões e temáticas sobre a recuperação do património
arquitectónico.
Nos anos 70, Leonardo Benevolo e Campos Venuti, salientam a importância da
recuperação do património apoiada numa metodologia de contenção, reforçando
a ideia de gestão do património construído sem necessidade de expansão. A sua
reabilitação deveria pressupor revitalização, a reutilização, num processo de quase
reciclagem do tecido herdado.
Segundo Daniele Vitale “[…] o carácter individual das cidades está no seu
modo de se construírem sobre um corpo precedente, recolhendo, acumulando e
transformando as suas próprias heranças […]”4
.
A ideia de transformação é pois um facto inevitável de qualquer tecido urbano ou
caso contrário estaríamos a correr o risco de o transformar num tecido congelado,
condenando-o ao esquecimento e à ruína.
Os estudos morfotipológicos desenvolvidos sobre a cidade existente a partir dos
anos 70 (Caniggia em Florença, Génova e Roma, Carlo Aymonino em Pádua, Aldo
Rossi em Veneza) contribuíram significativamente numa visão mais sistematizada
dos factos urbanos e no melhor entendimento da sua importância sobretudo em
termos de prática projectual.
27Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
1
	 Cf. Françoise Choay, “Le règne...,
op.cit.
2
	 Giovannoni, Gustavo, Vecchie città ed
edilizia nuova, Città studi, 1992
3
	 diradamento, s. m.
	 “Tipo de intervenção nos centros
históricos antigos, assente no
processo de demolição pontual”;
	
	 sventramento, s.m.
	 “[…] demolição de uma construção
por razões urbanísticas e higiénicas
de uma cidade ou quarteirão […]”.
	
	 in Giacomo Devoto; Giancarlo Oli,
Dizionario della lingua italiana, Le
Monnier, Firenze 1990
4
	 Daniele Vitale, citado por Francisco
Barata Fernandes, Transformação ...,
op. cit.
Mais recentemente verificamos que a conservação urbana e territorial tem vindo a
tornar-se na nova aposta em termos de gestão enquanto alternativa ao processo
de expansão. Giuseppe Campos Venuti refere esta fase como “a terceira geração
do urbanismo”, na qual assinala estarmos perante a “passagem da cultura da
expansão urbana, à cultura da transformação”1
.
Em 1924, a salvaguarda dos monumentos e áreas envolventes contemplava ainda
a possibilidade de expropriação para demolição, das áreas em torno a um
monumento. O reconhecimento do valor patrimonial do espaço da cidade antiga
continuava, durante a primeira metade do século XX em Portugal, ainda pouco
maturado.
No princípio do século XX exemplos como no Porto - na zona da Sé ou ainda em
Vila Viçosa, com o alargamento da praça à custa da supressão de quarteirões
existentes, ilustram as ideias e metodologias de intervenção correntes.
Estas operações apoiavam-se numa estratégica de valorização dos monumentos,
recorrendo ao seu isolamento, para conseguir uma melhor leitura. Intervenções
como estas prolongaram-se em escalas diferentes pela segunda metade do século
XX. O espaço envolvente era tomado como área de contemplação do objecto ilha.
O seu esvaziamento em torno permitia a criação de um novo cenário.
As intervenções no património oscilavam assim essencialmente, na primeira metade
do século XX, entre o restauro do monumento e o esvaziamento ou demolição das
partes envolventes.
A ideia de cidade antiga aparecia ainda associada à imagem dos vários
monumentos, a objectos arquitectónicos que eram tratados e intervencionados
numa visão monumentalista e isolada.
A partir dos anos 30, a nova prática iniciada por Duarte Pacheco, determinou a
obrigatoriedade de planos de urbanização e expansão nas principais sedes de
concelho ou localidades com mais de 2500 habitantes.
Estes planos, orientados numa perspectiva higienista e funcionalista, contemplavam
a preservação dos centros antigos apenas quando estes não interferiam com a
estratégia definida para as novas áreas.
Alguns dos Planos de melhoramentos, promovidos posteriormente pelo MOP
(Ministério das Obras Públicas), nos anos 50, revelavam ao contrário dos anteriores
(Planos de Urbanização), uma maior preocupação na manutenção das vivências
locais da cidade antiga, distinguindo-se numa metodologia de acção que passava
de forma prioritária, pelos seguintes campos:
a	 infra-estruturas;
b	 requalificação do espaço público;
c	 reabilitação do edificado;
d	 restauro dos monumentos;
e	 regulamentação da gestão municipal.
No entanto o seu campo de actuação viu-se apenas limitado a um conjunto
de aglomerados que segundo Miguel Tomé “[…] apresentavam alto grau de
integridade das estruturas antigas, conjugada com evidentes potencialidades
económicas e turísticas […]”2
. São os casos de Valença do Minho, Monção,
Almeida, Marvão, Monsaraz e ainda as vilas de Ourém e Porto de Mós.
Em 1949 procedem-se às primeiras classificações de conjuntos arquitectónicos
como a Baixa Pombalina e a Avenida da Liberdade em Lisboa.
Nos anos 50 os critérios expressos no Congresso Nacional de Arquitectura
reforçam a importância da contextualização e do diálogo entre novo e antigo,
rejeitando as tendências miméticas até aí predominantes nos processos de
intervenção.
Em 1951 Francisco Azeredo propõe a classificação da cidade de Guimarães,
traduzindo como refere Miguel Tomé “a gradual consciencialização da importância
da cidade ou de sectores urbanos como elementos patrimoniais […]”3
.
Esta consciencialização da importância do contexto urbano e sua salvaguarda
continuava, contudo, muito associada à imagem da frente urbana, na manutenção
da fachada enquanto marca de uma unidade arquitectónica.
A importância na salvaguarda da arquitectura menor continuaria assim associada
a essa visão cenográfica da cidade.
O contexto nacional
1
	 Giuseppe Campos Venuti, La terza
generazione dell’ urbanistica, Franco
Angeli, Milano 1994
2
	 Cf. Miguel Tomé, Património e
restauro em Portugal, 1920 -1995,
Faup, Porto 2002
3	
Idem, ibidem, p. 163
Esta postura justificou também uma progressiva tendência, mais uma vez, para a
generalização do fachadismo apoiado em operações mais de cosmética, à custa
do esvaziamento dos interiores.
Em síntese constatamos que desde os anos 30 até aos anos 70 as operações
institucionais de intervenção no construído se centraram essencialmente sobre
os monumentos nacionais e no seu contexto imediato, com excepção de alguns
conjuntos fortificados acima referidos.
As intervenções passaram assim fundamentalmente por recuperações estilísticas
(apoiadas nas doutrinas do século XIX), enfatizando o monumento como elemento
excepcional, sempre que possível isolado, de forma a permitir a sua contemplação.
O entendimento da cidade antiga enquanto contentor de memórias e vivências
sociais aproximando-se de uma abordagem mais morfo-tipológica, começa a
ganhar maior expressão só a partir dos anos 60.
O contributo impresso pelos estudos da Arquitectura Popular, a partir desta mesma
década, começam a revelar-se nalgumas intervenções paradigmáticas sobre o
edificado1
.
Por outro lado, constata-se uma cada vez maior necessidade de mecanismos de
protecção para monumentos e conjuntos edificados.
Ainda nos anos 60 e no caso particular do Algarve, começam a fazer-se sentir os
primeiros interesses de grupos e investidores económicos no turismo, exercendo
uma forte pressão imobiliária sobre as principais cidades e aglomerados a litoral.
Em 1970, a administração central promove a elaboração de estudos de
inventariação e preservação de elementos a salvaguardar, entre os quais os
Estudos de prospecção, preservação e recuperação de elementos urbanísticos e
arquitectónicos notáveis, em áreas urbanas e marginais viárias, na região do Algarve.
Este estudo pretendia funcionar como instrumento de apoio, orientação e consulta
para os municípios. No entanto, a falta de quadros técnicos e de capacidade
financeira dos mesmos, mergulhou-os numa situação de incapacidade para poder
suportar a forma acelerada com que se procedia à renovação e a expansão
urbana.
A queda do regime e o fim da guerra colonial vão provocar também o regresso e
a fixação de uma população significativa, ditando transformações profundas na
paisagem urbana, rural e descaracterizando o tecido fundiário, contribuindo ainda
para o crescimento das periferias e perímetros urbanos de forma descontrolada2
.
A política de reabilitação das cidades continuava assim praticamente ausente.
Algumas acções especificas tornaram-se como refere Miguel Tomé - fundamentais
para a definição de doutrinas, práticas e metodologias de acção.
Programas como o CRUARB que interveio na zona antiga do Porto, o PRID3
e o
SAAL4
, centraram-se sobretudo em operações de recuperação e realojamento,
procurando dar respostas às sucessivas transformações introduzidas sobre a
cidade existente5
.
Os anos 80 ficaram ainda marcados pelo aparecimento dos Gabinetes Técnicos
Locais (GTL) e Gabinetes de Apoio Técnico (GAT) que permitiram descentrar as
operações de planeamento, transferindo-as para as autarquias através de equipas
multi-disciplinares. A acção dos GTL centrava-se sobretudo na elaboração dos
chamados Planos de Salvaguarda, sem reconhecimento jurídico até hoje.
A lei de1985 veio, por outro lado, implementar a categoria de monumento, conjunto
e sitio, presente na Convenção do património mundial de 1972, ratificada em
Portugal apenas em 1979.
A valorização da cidade antiga passou também por ganhar um maior peso nas
estratégias de promoção turística e nas políticas municipais, existindo alguns casos
paradigmáticos tais como o caso de Guimarães ou Óbidos.
A partir dos anos 80 e 90 o debate teórico sobre a intervenção no construído
assentava na “conservação integrada”. O conhecimento morfo-tipológico do
objecto arquitectónico e da cidade, pautava as principais metodologias de
intervenção.
Ao nível dos órgãos institucionais a quem compete a salvaguarda e conservação
dos monumentos nacionais, (IPPAR e DGEMN), assiste-se desde então a uma
abordagem cada vez mais cientifica, apoiada num conhecimento mais profundo
do objecto arquitectónico ou do lugar.
29Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
1
	 Destacam-se algumas intervenções
nos anos 60 e 70 de Fernando
Távora e Álvaro Siza Vieira
2
	 Cf. Proposta de urbanização do
espaço histórico de Faro, Divisão do
Centro Histórico, CMF, Faro 2001
3
	 Plano de recuperação de imóveis
degradados
4
	 Serviço de apoio ambulatório local
5
	 Cf. Miguel Tomé, Património..., op. cit.
As questões de intervenção sobre o construído passam necessariamente pela
resolução de problemas de arquitectura e de projecto. É neste ponto que qualquer
processo se inicia e se fundamenta.
Antón Capitel critica a intervenção no construído segundo uma perspectiva
estritamente de conservação. Este acredita que a intervenção deve ser entendida
como um processo de reapropriação e reutilização no qual entra como elemento
clarificador “[…] que toma a história como um dado precioso mas que em situação
extrema poderia prescindir dela […]2
.
Francisco Gracia explora o tema da intervenção no construído identificando os
diferentes padrões de actuação de um projecto arquitectónico frente ao contexto.
Ele expõe assim três posições:
1	 a de quem defende uma arquitectura moderna “[…] orgulhosa da sua condição e
que consiga mediante a descontextualização, ser capaz de confirmar o confronto
do antigo com o moderno […]”;
2	 a de quem propõe uma arquitectura manifestamente historicista “[…] que
recorre, total ou parcialmente, a significados nostálgicos mediante significantes
miméticos […]”;
3	 a de quem usa uma linguagem com maior intenção de desenho, chegando
a superar “a suposta impossibilidade do original para integrar-se em centros
históricos”, sem contudo renunciar à sua condição de modernidade. Uma
arquitectura que reinterpreta o existente mas não de maneira reprodutiva.
No primeiro ponto podemos incluir aquilo que o próprio autor identifica como
arquitectura descontextualizada. Este refere-se particularmente a um tipo de
intervenção que prolifera na maior parte dos centros históricos e que está segundo
o autor “condenada ao anonimato da indiferença”.
Ou ainda a arquitectura de contraste, aquela que segundo o mesmo autor
“reafirma uma individualidade mediante a expressão de uma formalidade
alternativa ou como excepção ao consenso operante”.
Esta atitude pressupõe segundo Francisco Garcia “expressar a contemporaneidade
como contraste”.
Na segunda posição podemos situar a chamada arquitectura historicista que
segundo o autor poderá corresponder a uma atitude ecléctica como a proferida
antes do movimento moderno, de continuidade, resultando num processo ora de
reprodução/mimésis, ora de reinterpretação/analogia.
Refere-se ainda a uma arquitectura de base tipológica, assente numa matriz
estruturante sempre “indutora de algum tipo arquitectónico reconhecível”.
Salienta ainda quais os elementos que permitem associar esta arquitectura ao
contexto histórico – os princípios topológicos de relação básica entre os elementos;
a proporção volumétrica, os traçados tipológicos ou ainda outros aspectos formais
como a cor, a textura e a orientação.
O terceiro ponto refere-se à designada arquitectura contextual aquela que
segundo Gracia “sem utilizar os recursos da mimésis superficial nem de analogia
directa, estabelece uma rara simbiose com o contexto”.
A este grupo pertencem as intervenções ambientalmente integradas, as
pertencentes ao seu próprio momento histórico. As que permitem estabelecer
a continuidade entre o que é novo e antigo mediante um conhecimento
particularizado do lugar. Apoiam-se numa reflexão intelectual e na observação das
leis de formação sobre um determinado lugar ou contexto3
.
Os três grupos definem modos de intervenção distintos que, nas mais variadas
formas, se vêm implementando nos tecidos urbanos mais antigos.
As diferentes atitudes face
ao contexto
“[…] Faltou a cidade, quando
os seus projectos não nasceram
dela própria e utopicamente se
reivindicou, por absurdo, um
pedaço definido de uma terra
real à qual não pertenciam[…]“1
.
1	
Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit.
2
	 Antón Capitel, Metamorfosis
de monumentos y teorias de la
restauración, Alianza Forma, Madrid
1992, citado por José Aguiar, Cor...,
op. cit. p. 511
3
	 Francisco de Gracia, Construir en
lo construído: la arquitectura como
modificación, Nerea, Madrid 1992
Encontramos assim ao longo dos vários momentos da história o tema do património
arquitectónico colocado sob pontos de vista distintos.
O que nos interessa reter é fundamentalmente o sentido para o qual estes conceitos
e princípios se têm conduzido e manifestado em termos de intervenção nos
conjuntos urbanos ou no edificado.
Se inicialmente partimos de uma visão circunscrita ao objecto monumento
enaltecendo a sua importância em detrimento do restante tecido, percebemos
também que ao longo dos tempos a história foi contribuindo com alguns
protagonistas que apontaram métodos e conceitos, determinantes na alteração
desse mesmo processo.
Encontrando em Ruskin e Viollet o primeiro debate teórico, podemos talvez daí
retirar os dois sentidos fulcrais nos quais assenta a lógica de intervenção que se
prolongou pelo século XX adentro – restaurar ou conservar.
Por outro lado, Camilo Boito (1834-1914), ainda no século XIX, teve um papel
importantíssimo ao salientar no processo de intervenção o reconhecimento da sua
própria contemporaneidade, aceitando a transformação, como mais um momento
de continuidade e sobreposição. A distinção entre novo e antigo, determinou um
método de intervenção assente numa nova lógica material e formal, adoptada
ainda hoje, em muitas intervenções.
A necessidade de clarificação dos conceitos de valor histórico, artísticos, de
definir aquilo que se pretende valorizar e preservar, encontrou em Riegl um
enorme contributo. Neste tema reside em parte uma das principais problemáticas
sobre a salvaguarda.
Por outro lado a evolução dos conceitos de valorização estendem-se do monumento
ao seu contorno envolvente, chegando ao conjunto urbano.
O reconhecimento da importância da arquitectura menor suscitado por Giovannoni
aquando da sua obra Vecchie città ed edilizia nuova (1930) esteve na base do estudo
dos fenómenos urbanos antigos, segundo uma lente morfo-tipológica. Assumindo a
transformação na cidade existente como um processo de continuidade, defende os
tecidos antigos como material ainda a reutilizar e a prolongar.
A experiência de alguns arquitectos italianos, durante os anos 70, tem influenciado,
ainda hoje os principais métodos de intervenção sobre o edificado e sobre os
conjuntos urbanos antigos.
Considerando os tecidos antigos enquanto resultantes de momentos de
continuidade e contradição, de processos de modificação e transformação
permanentes, percebemos que a sua grande problemática reside, ainda hoje, no
modo como se continua a intervir.
Se pensarmos na importância que a arquitectura moderna imprimiu a partir
dos anos 30, à lógica formal e funcional dos objectos arquitectónicos quando
aplicada também sobre os tecidos antigos. Se pensarmos na dificuldade com que
a arquitectura moderna tem participado na construção dos próprios aglomerados
antigos, reconhecemos tal como nos refere Francisco Gracia que esta radica
contemporaneamente “[…] nessa incapacidade de assumir tanto a história do lugar
como a sua própria condição histórica […]”1
.
O nível de intervenção no construído tem sido determinante para a sua
conservação ou anulação.
Actualmente as posições confundem-se e mais uma vez são contraditórias.
Se por um lado Daniele Vitale2
aponta a intervenção no construído enquanto um
processo mais contido que exige “cerzir”, seleccionar, por outro lado encontramos
em Antón Capitel uma posição mais intervencionista.
Este defende a intervenção no existente sem “medos”, assumindo-a como mais um
processo de resposta a uma necessidade, que sem ignorar a história do objecto,
pode reinterpretá-la aproximando-se do que sempre caracterizou qualquer
intervenção no existente, ao longo dos tempos – a construção, a destruição e a
reconstrução.
As metodologias de intervenção ainda muito difusas ajustam-se a cada caso
específico, contrariando em muitas situações, os próprios conceitos implícitos à priori.
Na generalidade constatamos diferentes abordagens e modos de intervir
misturando-se conceitos que revelam a complexidade e diversidade com que
cada um entende e se relaciona com o contexto ou o objecto construído e ainda a
dificuldade em transferir a teoria para a prática.
Em síntese
31Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
1
	 Cf. Francisco de Gracia, Construir…,
op. cit.
2
	 Daniele Vitale, “La questione dell’
Antico e il destino delle città”,
	 in A recuperação e reanimação dos
	 centros históricos - a experiência
italiana (conferência), Alta
estremadura e centros históricos,
Leiria 1992
O que queremos afinal preservar: onde reside a identidade de um lugar ou de um
conjunto ou de um edifício?
A noção que temos de um determinado lugar está normalmente associada a um
conjunto de imagens que se repetem, imagens estas que se traduzem em partes
desse mesmo lugar.
Elementos como monumentos, praças, ruas ou outros edifícios constituem
fragmentos que contribuem para a construção de uma identidade.
Mas a consciência e o entendimento que temos de determinado sitio pode ainda
aparecer ligada a certas especificidades, relacionadas com o seu próprio perfil ou
tipo de assentamento – próximo de um rio ou do mar, sobre uma colina ou de um
vale – traduzindo uma morfologia e uma tipologia dominante.
Num tipo de análise morfotipologica, na qual se traduziu nos últimos tempos um
modo de projectar, reconhece-se a importância que cada lugar ou aglomerado
estabelece com o seu espaço físico.
A permanente dialéctica entre espaço construído – suporte morfológico, esse
sentido do lugar, na qual se caracteriza em grande parte, a génese das nossas
cidades ou aglomerados, traduz-se naquilo a que normalmente designamos
por tecido antigo ou tecido histórico. Esta especificidade surge como uma das
características que melhor distinguem os espaços da cidade antiga, da cidade
nova.
Podemos assim considerar que cada lugar confere características específicas,
particularidades que contribuem, não só nas variadíssimas formas de conformação
dos espaços urbanos e do edificado, como possibilitam diferentes modos de
fruição.
Esta diversidade formal, material enuncia uma determinada imagem que a nossa
memória assume ou ”identifica” como especifica daquele sítio.
Podemos assim considerar que o carácter morfológico, o tipo de assentamento, o
suporte geográfico e paisagístico de um determinado espaço físico determinam
grande parte do seu carácter indentitário1
.
Para além das condicionantes naturais, já mencionadas e que conferem formas de
assentamento e características especificas ao aglomerado, outros factores como a
vocação contribuem de forma importante para a construção desse conceito.
Reportando-nos ao nosso objecto de estudo, para melhor exemplificar esta
condição, encontramos desde a sua génese em Estoi, uma vocação funcional
profundamente ligada ao território agrícola que o conforma. Essa mesma vocação
explica em parte a origem do próprio assentamento, a proximidade de culturas
mistas e a sempre permanente articulação funcional com o restante território. Esta
foi imprimindo marcas fundamentais nos sentidos e modos de crescimento do
próprio núcleo.
Os próprios materiais disponíveis na sua paisagem conferiram modos de
construção e produção, estimulando técnicas e vocações específicos naquela
região.
Se a identidade de um lugar está fortemente associada ao entendimento dele nesta
perspectiva, podemos assim perceber que a sua perda está também associada à
alteração ou adulteração de todas estas características.
O seu não entendimento conduzirá como em tantos outros casos, à alteração ou
anulação das suas características físicas.
A identidade é assim algo que se constrói resultante da sobreposição e
acumulação, de um conjunto de factos urbanos e arquitectónicos, de vivências e
actividades que esse mesmo espaço vai recebendo ao longo dos tempos e nos
quais concorrem outras disciplinas como a antropologia ou a sociologia.
Segundo Alves Costa “[…] ela constitui assim em cada momento o resultado de
um processo de longa duração cuja síntese está fixada nas construções e na
organização espacial […]”2
.
Está ainda associada a uma determinada colectividade que a vive, que a habita
e que vai contribuindo na sua modificação, alteração, preservação, construindo a
memória colectiva ou as memórias especificas que cada um vai reservando.
Como refere Paolo Rossi na obra Il passato, la memoria, l’oblio (1991), o mundo no
qual vivemos é há muito tempo cheio de lugares nos quais estão presentes imagens
que evocam e reclamam constantemente a nossa memória, tal como acontece
com os monumentos que reclamam ao passado das nossas histórias, “[…] a sua
pressuposta ou real continuidade com o nosso presente […]”3
.
Do conceito de identidade
“As pedras da construção
mais antiga passaram a uma
construção mais recente, assim
como uma época trespassa
numa outra. Aqui sinto um
movimento sem fracturas, sem
limites. A pedra desliza como o
tempo.“
Joseph Roth, 1976
1
	 Cf. José Aguiar, Cor…, op. cit.
	 este desenvolve os vários
parâmetros de identidade entre eles
o genius loci referido por Norberg
Schulz
2
	 Alexandre Alves Costa, Cidade,
moda, identidade e globalização,
revista Promontoria ano I, n° 1,
Universidade do Algarve, 2003
3
	 Paolo Rossi, Il passato, la memoria,
l’oblio, Il Mulino Intersezioni,
	 Bolonha 1991
Mas o crescimento e o progresso são feitos à custa de um processo de selecção
contínua que se estende a todos os campos do conhecimento.
A memória faz reentrar os dados entre esquemas conceptuais, reconfigura sempre
o passado sobre a base das existências do presente. Segundo o mesmo autor
existem muitas razões e modos de induzir o esquecimento.
O esquecimento segundo Paolo Rossi “[…] pode estar ligado a uma intenção
de esconder, ocultar, despistar confundir as marcas, distanciando a verdade,
destruindo-a […]”. Este refere-se ainda ao problema actual relativamente à perda
da memória colectiva e no sempre menor discernimento do próprio passado –
“[…] as partes que permanecem vivas vêm transformadas até se tornarem quase
irreconhecíveis, o resto fica entregue ao mundo da curiosidade histórica e àquela
do esquecimento […]”1
.
A memória parece estar assim ligada a uma certa persistência, “[…] à recuperação
de um conhecimento ou sensação já tida precedentemente […] sobre uma
realidade de qualquer modo intacta e contínua”2
.
José Aguiar refere ainda que o dever da memória coloca a obrigação de transmitir,
ensinar, contar à geração seguinte a história, assegurando a sua continuidade sob
o signo da pedagogia3
.
A memória remete-nos assim para uma capacidade de recuperar qualquer coisa
que possuía um tempo e que foi esquecido, como se tratasse de uma recolha de
imagens, sempre referente um tempo específico.
Considerando que é no traçado que se expressa formalmente a ordem infra-
estrutural primogénita5
, verificamos também que é no espaço público, entendido
numa perspectiva tridimensional, onde se inclui a superfície urbana delimitada
pelas próprias fachadas, que reside parte da memória colectiva de qualquer
tecido urbano.
Nos tecidos urbanos tradicionais a rua assume-se como elemento estruturador
representado e definido pelos planos de fachada. A imagem que temos de
determinado espaço público vive assim associada, inerentemente, às fachadas
enquanto partes integrantes desse mesmo espaço.
Se temos por um lado praças que resultam de um desenho de conjunto e de
uma definição tipológica pré definida, por outro temos espaços cuja imagem
se foi construindo e resultando por associação de edifícios singulares que
permaneceram. São estas imagens que residem na memória colectiva e que
segundo Daniele Vitale6
constituem o primeiro factor de reconhecimento de uma
determinada comunidade, lugar.
Podemos assim considerar que a fachada funciona como parte complementar de
um determinado espaço ou rua que vive a partir de um esquema morfotipológico
intrínseco ao qual corresponde um espaço interno que estabelece e determina
relações distintas com o espaço público que define.
É nessa relação entre espaço público e espaço interior que assenta em parte a
identidade de um determinado aglomerado antigo e o distingue dos modelos
tipológicos mais frequentes nos núcleos urbanos como os prédios de rendimento.
Este tipo de abordagem sobretudo após algumas intervenções paradigmáticas,
como as intervenções de Siza Vieira no Chiado, veio lançar a discussão sobre
a importância da fachada enquanto elemento constituinte ou parte do espaço
urbano, determinante na sua identidade e não como elemento autónomo da
arquitectura.
Segundo refere Francisco Barata, “[…] o discurso contemporâneo tem privilegiado
a ideia de que quando se intervém num edifício, transformando a sua função e
organização interna, isso deve reflectir-se na fachada […]”7
.
Contudo esta postura não pode ser tomada como verdade absoluta. A intervenção
na cidade ou num tecido antigo pressupõe um entendimento das suas partes, sendo
a intervenção resultante de um processo de selecção sobre o que deve ou não ser
mantido. Se a tipologia é mantida numa lógica de continuidade e adaptabilidade
aos novos usos, é porque que ainda não se esgotou. Se a opção decorre pela
substituição do conteúdo da parcela ela não tem que ser obrigatoriamente
extensível àquilo que a delimita e simultaneamente delimita o espaço público. A
relação entre fachada e interior pode continuar, não estando à partida esgotada.
A ruptura tipo-morfológica em que se têm baseado as intervenções da
segunda metade do século XX tem contribuído assim para uma alteração do
1
	 Idem, Ibidem
2
	 Idem, Ibidem
3
	 Cf. José Aguiar, Cor…, op. cit.
	 p. 504
4
	 Bernard Huet, La città come spazio
abitabile. Alternative alla Carta di
Atene, in “Lotus” n. 41, Milano 1984
5
	 Manuel de Solà Morales, Spazio,
tempo e città, citado por Francisco
Barata Fernandes, Transformação ...,
op. cit., p. 305
6
Daniele Vitale, “La questione
dell’Antico e il destino delle città”,
texto que integrou a conferência “A
recuperação e reanimação dos
	 Centros históricos - a experiência
italiana”, Alta estremadura e Centros
históricos, Leiria 1992
7
Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit.
A fachada enquanto parte
dessa identidade
“...a fachada pública de uma
casa não pertence apenas ao
proprietário mas
também ao passante”4.
33Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
papel tradicional na qual se apoiam a maior parte dos tecidos mais antigos,
fundamentados no sentido de rua-corredor.
A autonomização da obra arquitectónica, na qual se têm pautado as intervenções
contemporâneas, assente numa procura pela unidade lógico-formal entre fachada
e intervenção no lote, fez mergulhar as cidades num acumular de objectos muitas
vezes sem qualquer articulação com o contexto envolvente.
Esta mesma unidade tão defendida contemporaneamente nas intervenções sobre o
construído pode não ter de ser necessariamente levada ao extremo.
A fachada deve ser um elemento a salvaguardar enquanto parte do lote mas
fundamentalmente enquanto parte de um determinado espaço público e de um
conjunto urbano.
Segundo Francisco Barata, “[…] quanto mais se pretende autonomizar a obra
arquitectónica corrente, mais se perde a noção de espaço público e da própria
cidade […]”1
.
Ao longo da história somos confrontados com o permanente recurso a estilos
ou modelos arquitectónicos numa perspectiva de manutenção da imagem na
cidade histórica. Se pensarmos que ao longo da história da arquitectura os
vários movimentos revivalistas sempre coexistiram a par de uma introdução
de novos valores, num processo de contínua resistência à novidade, podemos
também constatar nos dias de hoje, século XXI, que apesar da alteração da
postura face aos modelos de referência do século XIX, esta atitude coexiste, tendo
agora como referência os modelos do início século XX, prolongados nas novas
formas e desenho, mergulhando as intervenções sobre o construído naquilo que
correntemente designamos de “pastiche” ou fachadismo.
A leitura cenográfica dos núcleos históricos não pode ser tomada como princípio,
mas apenas enquanto parte de um todo que deve ser analisado e estudado no
campo projectual.
Daniele Vitale, por outro lado, defende que a manutenção dessas imagens
cenográficas é também fundamental, não constituindo contudo um princípio
ordenador. Este refere que a reconstrução dos edifícios conservando apenas a
frente “[…] não é por princípio negativo, é só um modo radical e extremo não o
sendo necessariamente, noutras circunstâncias particulares […]”2
.
A fachada deve ser entendida como um elemento complementar na definição
da identidade de um sítio. O que importa perceber é que esta não vive isolada.
Ela obedece a uma lógica funcional entre interior e exterior que deve ser sempre,
por princípio, preservada ou continuada. A intervenção extrema pode resultar em
inúmeras soluções das quais o problema resultante se prenderá fundamentalmente
com questões de arquitectura enquanto disciplina.
Da evolução dos conceitos sobre a salvaguarda arquitectónica, sobre o
conhecimento da própria cidade, reconhecemos que ao longo dos tempos
a história tem-se apoiado sobretudo nos edifícios de excepção, enquanto
instrumentos fundamentais na interpretação dos factos arquitectónicos.
Verificamos também que o estudo fenomenológico da cidade tem valorizado
a análise da arquitectura menor ou arquitectura corrente, tendo em conta
uma perspectiva morfo-tipológica da cidade, enquanto processo para melhor
compreensão e sistematização dos factos urbanos.
No âmbito deste trabalho definiu-se como metodologia de análise, o entendimento
das diversas partes, quer ao nível de relevo, espaço público e conjunto edificado,
parâmetros nos quais se estrutura segundo Barata Fernandes “[…] um principio
eficaz de caracterização objectiva de um fenómeno complexo e dinâmico […]”.
Desta forma, a análise morfo-tipológica funcionará também enquanto instrumento
sistematizante do conhecimento global sobre o lugar.
Como refere Francisco Barata a obra arquitectónica “[…] sempre foi objecto
de classificação e tipificação, sempre pressupôs, na sua produção, dois
conceitos complementares: o de regra e os de excepção; o de repetição e o de
singularidade […]“.
Ainda no século XIX a noção de tipo encontra em Quatremère de Quincy um
dos principais contributos. Este define-o enquanto esquema conceptual apenas
concretizável no modelo acabado. O tipo não deveria ser entendido enquanto
condição obrigatória de modelo imperativo mas como uma estrutura conceptual no
Sobre a noção de
tipo, tipologia e modelo
1
	 Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit.
2
	 Daniele Vitale, citado por Francisco
Barata Fernandes, ibidemx
qual se fundamentavam os modelos.
Já no século XX, nos anos 50, Saverio Muratori aborda o conceito de tipo numa
perspectiva evolucionista onde refere que “o tipo edificado não se individualiza
senão na sua aplicação concreta, isto é, no tecido edificado; por sua vez, um
tecido urbano não se individualiza se não em termos totais […] o valor total de
um organismo urbano só lhe é atribuído na sua dimensão histórica uma vez que
é a sua intrínseca continuidade; a sua realidade cresce com o tempo e realiza-
-se apenas como reacção e desenvolvimento consequente da condição do seu
passado […]”1
.
Este descreve a necessidade de afirmar o entendimento do tipo como algo que
envolve mudança.
A valorização do conhecimento do tecido morfo-tipológico enquanto método
de intervenção e projecção sobre o construído teve, a partir dos anos 70, como
principal contribuição os estudos de Caniggia, Aldo Rossi, Carlo Aymonino,
Giorgio Grassi, Carlos Martí e mais recentemente Ignasi de Solà Morales.
Gianfranco Cannigia defendia o processo tipológico enquanto instrumento de
análise e de projecto. A escolha tipológica sobre determinado sítio deveria ser
encarada pelo arquitecto como uma “reprojectação”, devolvendo ao lugar um seu
projecto2
.
Para Aldo Rossi o tipo representava “[…] um papel próprio na criação da
arquitectura […] é constante e apresenta-se com caracteres de necessidade e
de universalidade […]”. Barata Fernandes refere que a sua obra reflecte ainda
em termos de significado tipológico “a adopção de modelos arquitectónicos
escolhidos, de determinados períodos históricos e de determinados lugares […]“.
Carlo Aymonino por outro lado propõe o entendimento da cidade como um
conjunto, tendo sido, segundo Barata Fernandes um dos primeiros a expor de
forma muito clara “a relação dialéctica e não casual entre tipologia e morfologia
urbana”3
.
Defendia a leitura do tecido urbano segundo uma lente tipológica e não estilística.
Por outro lado define ainda o conceito de tipologia de edificação como o “estudo
dos elementos organizativo - estruturais artificiais”, estendendo este conceito além
da construção, para os elementos que compõem a cidade (alamedas, jardins),
relacionando a forma urbana com um determinado período cronológico.
Segundo Barata Fernandes, com Aymonino se “[…] abrem as possibilidades de
interpretação dinâmica de tipologia de edificação e da própria forma urbana
enquanto organismo em transformação […]”4
.
Giorgio Grassi retoma, por outro lado, o conceito de tipo arquitectónico de
Quatremère de Quincy associado à ideia de esquema. Durante o seu trabalho
valoriza como elemento fundamental o modo como a edificação se relaciona
com o espaço envolvente, público e privado, não entrando especificamente na
descrição das próprias habitações nem na sua cronologia histórica5
.
Já na década de noventa, Carlos Martí, explora a noção do tipo arquitectónico
como “um enunciado que descreve uma estrutura formal”. Apresenta-nos assim três
corolários desta definição:
1	 o tipo enquanto natureza conceptual, não objectual;
2	 o tipo enquanto descrição através da qual é possível reconhecer os objectos que
o constituem;
3	 o tipo enquanto estrutura formal: “[…] falamos de tipo a partir do momento
em que reconhecemos a existência de ‘similitudes estruturais’ entre objectos
arquitectónicos para lá das suas diferenças ao nível mais aparente e superficial”6
.
Para Solà Morales existem também questões essenciais que se colocam na análise
da cidade às quais a relação morfologia - tipo não responde. Segundo este “[…]
é preciso medir o tempo sobre o espaço […]”7
; é preciso perceber através das
várias transformações sobre o edificado as diferenças que esses mesmos momentos
cronológicos imprimem sobre a forma.
35Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
1
	 Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit.
2
	 Idem, p. 42
3
	 Carlo Aymonino, citado por
Francisco Barata Fernandes, Ibidem
4
	 Idem, ibidem
5
	 Idem, Ibidem
6
	 Carlos Martí Aris, Las variaciones de
la identidad; ensayo sobre il tipo en
arquitectura, ediciones del Serbal,
Barcelona 1992, p. 53
	 O autor refere ainda que “...a
evolução da cultura demonstra até a
saciedade que a mestiçagem entre
ingredientes diversos, a confluência
e a fusão de caudais precedentes
de uma variada geografia
intelectual, continua a ser condição
indispensável para a fertilidade do
pensamento criativo”.
7
	 Manuel de Solà Morales, Spazio...,
op. cit., citado por Francisco Barata
Fernandes, Transformação ..., op. cit.
Estas perspectivas permitem-nos assim chegar a três noções base:
a	 tipo – enquanto esquema ou regra conceptual;
b	 modelo – a estrutura acabada, correspondente ao esquema já realizado,
concretizado;
c	 tipologia – a matriz organizacional, estrutural.
Neste sentido podemos reconhecer que o conceito de tipo evoluiu numa
perspectiva que inclui quer a noção de transformação salientada por Aymonino,
quer a de variação de identidade, referida por Carlos Martí1
.
Estas noções ilustram um sentido de análise tipológica que tem por objectivo
perceber os diferentes processos de transformação e variação a que um
determinado esquema ou tipo está sujeito.
Ao longo dos tempos as transformações tipológicas foram surgindo a partir
de reinterpretações espontâneas de formas primitivas e que traduzem uma
necessidade de melhorar a construção e o seu ajuste às circunstâncias económicas
vigentes, relacionadas com alterações sociais, técnicas, gerais ou individuais.
Aproximando-nos da noção de tipo base não podemos deixar de referir o
esquema do lote gótico, cujas dimensões da parcela, estreita e comprida, assenta
em grande parte a permanência do tecido parcelar de muitos aglomerados
medievais. Dele derivam, segundo Aymonino, “[…] a longa permanência das
dimensões parcelares que se podem ler ainda na cartografia setecentista, mesmo
que os edifícios tenham sido substituídos por outros […]”2
.
A transformação faz-se por substituição não implicando ou envolvendo, na maior
parte das vezes, uma substituição morfológica.
Ernesto Veiga de Oliveira refere ainda relativamente ao processo de transformação
da arquitectura tradicional que “[…] mesmo nas formas tradicionais ele constitui o
produto de uma evolução lenta a partir de certas formas primordiais remotas […]”.
O estudo tipológico funcionará como um instrumento basilar para uma
interpretação morfológica e cultural da construção deste lugar.
No estudo que nos propusemos aprofundar tivemos como noção o conceito de tipo
enquanto estrutura conceptual não estática, mas sujeita a mutações.
Através das várias tipologias levantadas, mesmo que se resumam a uma pequena
amostragem, procuramos interpretar o que lhes é estrutural e permanente quer em
termos de programa, quer em termos de construtivo, percebendo as transformações
introduzidas nas vários momentos cronológicos, nos quais as mesmas se
readaptam, reajustam ou se esgotam.
Da identificação dos seus “traços” distintos e pertinentes, mediante a análise dos
levantamentos planimétricos, resultará uma determinada classificação formal.
Com base nos modelos levantados em Estoi procuramos reconhecer onde residem
essas mesmas “similitudes estruturais” identificando qual o tipo recorrente, capaz de
contagiar e se prolongar ainda por mais tempo.
1
	 Cf. Francisco Barata Fernandes,
Transformação ..., op. cit.
2
	 Carlo Aymonino, Lo studio dei
Fenomeni Urbani, Oficina, Roma 1977
3
	 Fernando Galhano e Ernesto Veiga
de Oliveira, Arquitectura tradicional
portuguesa, Publicações Dom
Quixote, Lisboa 2003
37Estoi|
Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
39Estoi|
Identidadeetransformação.
2 Do núcleo de Estoi
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
Estoi, identidade e transformação
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Estoi, identidade e transformação

  • 1. Estoi_ Identidade e transformação Patrícia Mimoso Vairinhos Malobbia Câmara Municipal de Faro Departamento de Cultura e Património Divisão de Núcleos Históricos
  • 2.
  • 3. Agradeço em particular ao Professor Doutor Francisco Lameira o primeiro a incentivar-me para este tema e para a elaboração deste estudo. Ao Professor Doutor Francisco Barata Fernandes e ao Professor Doutor José Eduardo Horta Correia pela disponibilidade, atenção e orientação que dedicaram a este trabalho. Aos habitantes e vizinhos de Estoi pelas preciosas informações, pela sua autenticidade e generosidade, em particular a José António Paula Brito. À Câmara Municipal de Faro por tornar possível a sua realização e publicação. Aos amigos que me acompanharam e com quem muito aprendi em especial à Teresa Valente pela generosidade e amizade que sempre demonstrou, à Tânia Rodrigues pela sua ajuda e dedicação, e ainda, à Maria Rita Almeida, Marta Rocha e Fernando Pinheiro, colegas com quem mais partilhei este estudo. Por fim, o apoio da minha família em especial aos meus pais, ao Stefano, à Mariana e ao João, a quem dedico este trabalho. 3Estoi| Identidadeetransformação.
  • 4. Dando continuidade à política cultural desenvolvida por esta autarquia na defesa e divulgação do património cultural existente no concelho de Faro e dos bens imóveis que o integram, o município tem vindo a promover um conjunto de iniciativas que visam a sua protecção e valorização. Dessas iniciativas salienta-se a proposta de classificação como Conjunto de Interesse Municipal do núcleo urbano antigo de Estoi, quer pela sua especificidade ao nível da localização e integração paisagística, associadas ao enquadramento rural com o qual se articula, quer pela sua singularidade do ponto de vista urbano e arquitectónico. Distinguem-se nesta aldeia histórica dois exemplares de excepção meritórios de alusão em termos patrimoniais - Ruínas de Milreu, classificadas como Monumento Nacional e o Palácio de Estoi, classificado como Imóvel de Interesse Público e recentemente readaptado a pousada. A importância deste núcleo, que constitui um dos mais significativos testemunhos do património edificado do Barrocal algarvio, leva este município a estabelecer prioridades na execução de instrumentos de planeamento e gestão, que se traduzem, não só na elaboração de um regulamento e Plano de Urbanização, mas também, na realização da Carta de Património do Concelho de Faro. Neste encadeamento, para complemento e suporte teórico das acções em curso, urge a presente publicação que dá um contributo imprescindível para o conhecimento do património de Estoi, do ponto de vista urbano e arquitectónico e, consequentemente, uma maior consciência na preservação da sua identidade. Faro, 18 de Junho de 2009 José Apolinário Presidente da Câmara Municipal de Faro Um contributo para o conhecimento do património de Estoi
  • 6. O estudo de pequenos núcleos urbanos e das suas arquitecturas anónimas, na perspectiva da caracterização e defesa dos seus valores patrimoniais parece ter vindo a alargar-se e a despertar o interesse e a curiosidade em jovens arquitectos investigadores. De facto, as grandes decisões pós 25 de Abril, relativas à salvaguarda de centros históricos das principais cidades portuguesas, seguidas da criação dos Gabinetes Técnico Locais (GTL) na segunda metade da década de 80, contribuíram para o desenvolvimento de um processo contínuo, embora com avanços e recuos, de definição de políticas de intervenção no património arquitectónico. Verifica-se que as pequenas estruturas de apoio técnico autárquico, entretanto criadas, foram dominantemente constituídas por jovens arquitectos, integrando também jovens engenheiros, o que ajudou a desfazer o preconceito que o interesse pela questão patrimonial era de natureza passadista e conservadora. Hoje, já se pode avaliar o resultado de intervenções, a nível nacional, conduzidas pelas novas gerações. Representam uma nova fase, uma nova atitude, decisiva, que contrasta com as arcaicas políticas, anteriores à criação do extinto IPPAR. Naturalmente, embora tenham sido decisivos os programas europeus de apoio técnico e financeiro à salvaguarda do património, sabe-se que sem se dispor de estudos analíticos rigorosos, de metodologias adequadas e de projectos específicos para cada caso, tais programas correm o risco de não atingir o seu principal objectivo: a salvaguarda patrimonial como acção quotidiana e progressista. Isto é, aquela que não se rege pela necessidade de dar resposta a negócios intempestivos, por vezes de iniciativa e interesse privados, frequentemente caracterizados pela defesa do património como fachada culta para a usual especulação imobiliária, na área do turismo ou da habitação. Interessam as acções destinadas a médio e curto prazo, criando novos procedimentos de resposta e apoio à intervenção quotidiana, ao acompanhamento de obras, ao aconselhamento e realização de pequenos projectos de reabilitação em edifícios e espaços públicos, à criação de novas rotinas de exigência técnica e cultural ao nível da intervenção arquitectónica. É difícil, mas é importante e decisivo saber resistir ao discurso das “janelas de oportunidades”, das “apostas” e dos “desafios” porque sabe-se que não tem sido assim que se tem conseguido obter bons resultados para o colectivo, para a comunidade, isto é, para o património de todos nós. A salvaguarda do património, antes de tudo, exige informação, conhecimento, estudo, voluntariado, solidariedade, altruísmo, tempo (tempo de estudo, tempo de projecto e tempo de obra). O trabalho desenvolvido por Patrícia Malobbia representa um excelente contributo para o conhecimento dos valores patrimoniais arquitectónicos e urbanos de Estoi. É resultado de uma paciente, sistemática e rigorosa investigação elaborada no âmbito da dissertação de mestrado em “Metodologias de Intervenção no Património Arquitectónico - MIPA” da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Este trabalho, para além do elevado interesse do seu conteúdo, constitui relevante exemplo de relação entre Universidade e Comunidade, entre investigação académica e prestação de serviços à comunidade. O estudo apresenta Estoi através do seu enquadramento geral histórico e geográfico, mas construindo, também, uma interpretação do seu processo de formação, expansão e transformação com apoio na análise dos factos arquitectónicos e urbanos. Esta informação é recolhida na própria história do aglomerado e trabalhada numa perspectiva analítica, através de desenho de arquitectura expressamente elaborado para o efeito e de redesenho de cartografia histórica e outros elementos de Identidades para um património anónimo
  • 7. 7Estoi| Identidadeetransformação.Prefácio representação arquitectónica ou territorial. Trata-se de uma investigação trabalhosa, que exige conhecimento directo de factos e objectos, tendo-se experimentado, com sucesso, uma metodologia que poderá servir de suporte a outros trabalhos congéneres. O património arquitectónico de Estói é aqui analisado detalhadamente, tendo- se como objectivo registar com rigor as suas características matriciais e o seu processo de transformação. Nesta perspectiva trabalha-se com conceitos mais operativos e actuais de património, estabelecendo-se uma permanente relação entre a obra arquitectónica e os seus elementos, entre obra e espaço público, entre espaço público e parte do núcleo urbano, entre usos actuais e usos iniciais. O trabalho aponta estratégias para definição de programas de intervenção nos tempos presentes, revelando não só conhecimento pormenorizado da situação edificada existente, como das dinâmicas sociais e económicas da comunidade que a habita. Através deste estudo pode verificar-se, com clareza, as potencialidades de desenvolvimento e de valorização patrimonial e cultural que este pequeno núcleo urbano possui tendo presente a feliz particularidade de se localizar entre as ruínas romanas de Milreu e o palácio setecentista da família Carvalhal. Que este esforço de investigação possa seguir o seu caminho, apoiando ou orientando acções de intervenção no sentido da divulgação e salvaguarda da identidade patrimonial de Estoi! Porto, 15 de Maio de 2009 Francisco Barata Fernandes
  • 8.
  • 9. 9Estoi| Identidadeetransformação.Prefácio A dissertação que em boa hora se publica, é um marco muito importante no panorama do estudo do património urbanístico algarvio. Desde logo pelo tema - uma aldeia e não uma cidade convencional. O mundo rural de expressão urbana é tratado com a dignidade que também merece, ou seja, de modo científico. Depois pela metodologia utilizada. A análise pressupõe um bom entendimento do sítio e da história do Algarve. Assim se consegue, pela primeira vez, compreender o caso de Estoi. Descobre-se o núcleo genético, a “água”, a “praça”. Estudar uma aldeia enquanto património pressupõe também nesta dissertação uma apresentação teórica de conceitos, o entendimento e a história do património urbano, a aferição das relações entre arquitectura e urbanismo, entre morfologia e tipologia, a situação da arquitectura rural, portanto a superação da velha dicotomia erudito/ popular. Só esta reflexão sobre o conjunto urbano entendido como um todo, onde se inclui o território, a sua ocupação e sua descaracterização, permite compreender as rupturas e portanto apontar soluções de intervenção, verdadeiro escopo de um trabalho com estas características. Aqui os instrumentos de análise estão ao serviço de uma redefinição da aldeia como expressão arquitectónica e urbanisticamente autónoma, tentando inverter a tendência, que se pensava irreversível, de a transformar um mero dormitório de subúrbio. Vila Real de Santo António, Maio de 2009 José Eduardo Horta Correia Estudar uma aldeia enquanto património
  • 10. Introdução Opção temática e objectivos Opções metodológicas Fontes escritas e gráficas Notas sobre a organização gráfica e documental 1 Conceitos teórico – metodológicos Evolução dos conceitos sobre a salvaguarda do património arquitectónico A salvaguarda do património urbano: do monumento/edifício à cidade As diferentes atitudes face ao contexto Do conceito de identidade A fachada enquanto parte da identidade Sobre a noção de tipo, tipologia e modelo 2 Do núcleo de Estoi Enquadramento histórico e geográfico O Algarve e seu território Sobre a ocupação e o povoamento no Algarve Os núcleos rurais no Algarve Análise comparativa dos principais núcleos rurais Condições físicas, morfológicas e acessibilidades do núcleo de Estoi Origem, formação e consolidação Antecedentes históricos A formação – entre o século XV e o XVIII A consolidação – entre os finais do XVIII e o XIX O século XX e os novos modelos de urbanidade 13 14 16 18 19 21 22 26 30 32 33 34 39 41 46 52 64 70 73 76 79 81
  • 11. 3 Análise arquitectónica do espaço urbano e do conjunto edificado de Estoi O espaço urbano Estrutura e forma urbana O Largo Ossónoba: o espaço embrionário Modos de transformação O tecido parcelar O conjunto edificado Estudos percursores: uma primeira aproximação Análise tipológica: identificação e caracterização Aspectos construtivos e morfotipológicos gerais 4 A salvaguarda e gestão do património de Estoi Tendências de transformação e expansão O planeamento nos núcleos rurais: o caso de Estoi Identificação dos principais níveis de transformação Princípios estratégicos de intervenção A gestão do seu património Considerações finais Bibliografia Anexos Fichas dos núcleos rurais Análise dos planos para Estoi Tratamento de fontes documentais Apêndice documental gráfico Ficha técnica 11Estoi| Identidadeetransformação.Índice 99 101 119 120 123 133 137 179 191 193 195 199 206 211 219 224 229 230 245 257 269 272
  • 12. Esta publicação teve como base o texto da dissertação de Mestrado em Metodologias de Intervenção no Património Arquitectonico apresentado à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em Janeiro de 2007, sob orientação de Francisco Barata Fernandes e co-orientação de José Eduardo Horta Correia. Apesar das alterações pontuais efectuadas durante a sua revisão procurou-se sempre que possível manter o texto e a estrutura do trabalho original reproduzindo na íntegra todo o conteúdo gráfico recolhido e elaborado.
  • 14. A análise e o estudo dos fenómenos urbanos tem desde sempre incidido de forma mais alargada sobre o conhecimento da cidade, da urbe, interpretando a sua lógica de formação e especificidade. A reflexão teórica e cientifica dominada pelos historiadores, arquitectos ou geógrafos tem assim privilegiado o estudo dos fenómenos urbanos de grande volume demográfico, conduzindo-nos a um maior conhecimento sobre a cidade em detrimento de aglomerados mais pequenos como a aldeia. A maior consciencialização para temas como o ambiente, a ecologia e o património vem assim despertando a atenção sobre um território rural no qual se integram muitos núcleos urbanos. Neles se vem progressivamente intervindo, enquanto alternativas turísticas e residenciais, face à dinâmica concentrada a Litoral. O cenário de alguma “intocabilidade” que vinha caracterizando os pequenos núcleos rurais tem vindo contudo a sofrer, nas últimas décadas, alterações, transformações e fortes pressões, as quais receamos venham a generalizar-se, adulterando as características físicas destes pequenos aglomerados. Quando deparamos com cidades que continuam a ampliar os seus perímetros de expansão, estendendo-se ao espaço agrícola ou rural, revelando por outro lado problemas de estagnação dos centros antigos e enormes problemáticas no que concerne às questões de planeamento e qualidade de vida; quando vemos cada vez mais evidente a ameaça sobre o território rural, no modo como os núcleos rurais se vêm transformando, adulterando e importando modelos de cidade, estranhos ao seu tecido e vivência, enquanto reflexo da deficiente gestão do território, percebemos o quanto se torna urgente o seu reconhecimento e entendimento numa perspectiva de salvaguarda. A necessidade de proceder a um maior reconhecimento e registo destes aglomerados, quer numa vertente paisagística quer arquitectónica, torna-se assim cada vez mais pertinente. O estudo realizado nos anos setenta, desenvolvido por Aldo Rossi, Eraldo Consolascio e Max Bosshard1 , para o Cantão Ticino, constituiu uma referência metodológica, nomeadamente em termos de análise tipológica. Por outro lado, incidindo numa abordagem mais local, encontramos alguns contributos pontuais para o estudo dos núcleos rurais no Algarve, de que é exemplo, numa perspectiva arquitectónica e urbana, o estudo sobre Alte, de Isabel Raposo (1995), e ainda outros trabalhos específicos, promovidos pela associação In loco tais como: Estoi - um olhar sobre o património (2000). Verificamos contudo que a abordagem de grande parte destes trabalhos incide numa leitura mais antropológica, geográfica ou historicista ou ainda tendo em vista a promoção turística. Mais recentemente, no âmbito do Programa de Revitalização das Aldeias do Algarve, promovido pela CCDR Algarve (2001-2007) encontramos como principal contributo alguns estudos e trabalhos desenvolvidos pelos Gabinetes Técnicos de Apoio às Aldeias, tais como os Planos de Intervenção das Aldeias do Algarve (2003) ou outros como o de São Marcos da Serra, de Dália Paulo e Nuno Beja que no mesmo enquadramento reuniram uma documentação especifica contribuindo também para um melhor conhecimento deste aglomerado. O estudo que nos propusemos desenvolver incide sobre Estoi, um aglomerado rural com cerca de 1500 habitantes, localizado a cerca de 10 Km a Norte de Faro. A escolha do tema prendeu-se antes de mais com o elevado interesse que o núcleo desperta, dadas as particularidades quer em termos geográficos, quer em termos patrimoniais, mas também por se tratar de um pequeno aglomerado cuja configuração e estrutura urbana mantêm uma unidade e coerência ainda muito perceptível. A estes elementos alia-se também o facto de se tratar de um núcleo antigo habitado, com actividades e vivências culturais ainda muito presentes. Estoi, apesar das cada vez mais presentes intervenções dissonantes sobre o edificado, conseguiu fixar população e conservar em termos de conjunto alguma coerência e unidade ao nível urbano, aspectos que lhe conferem uma certa exclusividade ao nível da região. A sua excepcionalidade prende-se fundamentalmente com a existência de um Palácio Setecentista, Tardo-Barroco e um importante núcleo arqueológico, as Ruínas de Milreu, representando este uma das mais importantes villas romanas no país. Opção temática e objectivos 1 AA. VV., La costruzione del territorio,- Uno studio sul Canton Ticino, Fondazione Ticino Nostro, 1985 Clup, Milano
  • 15. 15Estoi| Identidadeetransformação.Introdução Estas duas estruturas ressaltam a sua posição estratégica no contexto territorial à qual se acrescenta a proximidade com os principais centros urbanos da região, nomeadamente a capital de distrito. Estoi revela ainda algumas semelhanças com outros aglomerados rurais vizinhos, tais como Moncarapacho, Santa Barbara, Pechão, Quelfes ou São Brás de Alportel que, situados na faixa de transição entre o Barrocal e a planura litoral, mantêm permanente essa relação de proximidade e dependência com os principais centros urbanos. Interessa-nos fundamentalmente neste trabalho, partindo do conhecimento do que é hoje o seu território, analisar, interpretar e reconhecer, através de uma leitura contínua, as várias transformações do núcleo de Estoi na sua componente arquitectónica e urbana, desde o período medieval até à actualidade. A partir de uma metodologia de abordagem feita através do conhecimento das várias partes que compõem o núcleo, procuramos entender de que forma é ele resultante da articulação dessas mesmas partes, cronologicamente distintas. Pretende-se assim ensaiar uma metodologia de identificação e caracterização de uma estrutura urbana que permita ampliar não só o conhecimento que temos sobre a mesma, como avaliar o seu estado actual, identificando os testemunhos patrimoniais remanescentes, relacionando-os e articulando-os num sentido de gestão patrimonial contemporâneo. Os princípios estratégicos de salvaguarda e valorização do núcleo aqui considerados deverão ser entendidos numa perspectiva que teve em conta a especificidade deste território, não se pretendendo que funcionem como regra ou modelos estanques. Pretende-se que o material exposto neste trabalho funcione enquanto matéria de estudo e de reflexão sobre como construir um projecto mais amplo e alternativo às tendências actuais e de como deve ser entendido o seu crescimento. Considerando que a salvaguarda do património construído deve passar também pelo atenuar das rupturas com a paisagem natural envolvente, enquanto “limiar” de um território que é composto por um espaço nuclear e uma área de salvaguarda. Esperamos que a informação recolhida e reinterpretada possa contribuir, enquanto material operativo de projecto, para futuras intervenções em Estoi.
  • 16. Partir para um estudo desta natureza pressupõe seleccionar diferentes áreas de trabalho. Optámos, enquanto processo metodológico, por encontrar na geografia, sociologia, antropologia e história os instrumentos de trabalho com os quais foi possível chegar a um melhor entendimento global sobre o lugar e a sua realidade. Estes não são portanto “únicos, especiais” deste contexto, mas foram cientificamente testados e verificados na prática de análise já efectuada para outros estudos. O trabalho estrutura-se segundo uma primeira componente - capítulo I que fundamenta teoricamente as opções metodológicas da análise, clarificando os próprios conceitos utilizados ao longo do estudo e, por outra componente que diz respeito à própria análise morfo-tipológica de Estoi. Os três capítulos subsequentes que compõem a análise de Estoi apresentam de forma gradual essa aproximação e aprofundamento ao objecto de estudo. Partindo do enquadramento geográfico e histórico, analisando o processo de ocupação do núcleo, procurámos chegar a uma leitura mais clara sobre as suas principais características. Através da análise comparativa dos diferentes aglomerados rurais, confrontando as suas realidades e modos de transformação, identificamos quais as principais proximidades com o núcleo de Estoi. O entendimento da sua vocação inicial, do seu papel face a um território envolvente, constituiu uma etapa fundamental para a compreensão da sua estrutura e morfologia urbana. A lógica de ocupação é reveladora de uma situação comum a outros assentamentos, em que a estrutura urbana resulta de antigos caminhos que ligavam aos principais lugares dispersos ao longo da freguesia. Enquanto pólo de referência quer religiosa, quer produtiva, quer cultural, o núcleo traduz na sua estrutura urbana mais antiga essa permanente articulação com o território - concentrada num lugar elevado o lugar da Praça, constitui o ponto de chegada, de encontro, a partir do qual desaguam os principais caminhos, transformados posteriormente em ruas. A necessidade de estabelecer uma relação entre o desenvolvimento morfológico do núcleo e a individualidade tipológica do seu edificado pressupõe uma postura de análise que incidiu na interpretação cronológica das principais fases de transformação. No segundo capítulo procurou-se identificar cronologicamente os momentos que determinaram as principais transformações em termos de forma urbana tentando perceber também, quais as correspondências em termos de edificado. O estudo da evolução urbana de Estoi apoiou-se fundamentalmente em três fases: 1 entre o século XV e o século XVIII - a sua origem e formação correspondendo esta à delineação da estrutura urbana e dos “elementos primários”, representados essencialmente pelos edifícios religiosos; 2 entre os finais do século XVIII e o século XIX, momento de consolidação e expansão associado à construção do Palácio e de novos eixos de expansão; 3 o século XX que se desdobra em duas etapas: uma primeira de maior continuidade com os pressupostos e a matriz imposta desde o final do século XIX e uma outra, já na segunda metade do século XX que evidencia maiores rupturas com o tecido existente. Constatamos que o tecido urbano antigo assenta numa matriz que se estruturou durante os séculos XV e XVI, consolidando-se e expandindo-se a partir da segunda metade do século XVIII e século XIX, correspondendo este ao período onde nos reportam os dados mais concretos referentes ao núcleo. A sua estrutura e forma urbana transformam-se com o desenvolvimento de novas matrizes já no século XX. Opções metodológicas
  • 17. 17Estoi| Identidadeetransformação.Introdução No terceiro capítulo incidimos sobre a caracterização dos principais valores patrimoniais existentes, sobretudo no âmbito do espaço público e do conjunto edificado, numa perspectiva de análise morfo-tipológica. Esta metodologia de análise pressupõe observar no passado determinados parâmetros definidos e experimentados, permitindo não só, a sua recolha e identificação, mas também uma futura reinterpretação enquanto “ferramenta essencial no exercício corrente da arquitectura do projecto ao plano”.1 Pretende-se nesta leitura perceber quais as tendências de ocupação do lote e sobretudo, o tipo de relação tipológica predominante entre espaço público e edificado. O interesse pelo entendimento tipológico da arquitectura assenta num tipo de abordagem que utiliza o tecido pré-existente, enquanto material de trabalho conceptual. O estudo apresentado apoia-se numa amostragem de casos onde procuramos, através do reconhecimento de semelhanças ou de situações de repetição, individualizar modelos e identificar tipos dominantes. No quarto capítulo procuramos identificar as principais tendências de transformação actuais. Perceber de que forma se processa hoje a expansão e transformação e de como estas interferem na conservação da sua identidade física. Tentamos entender como poderão os diferentes modos de actuação sobre o construído complementar-se e conciliar-se com o existente, apoiado num maior conhecimento sobre o objecto de estudo. 1 F. Barata Fernandes, Transformação e Permanência na Habitação portuense - As formas da casa na forma da cidade, Faup, Porto, 1999, p 35
  • 18. A informação histórica que surgirá em determinados capítulos deste trabalho deverá ser entendida como material necessário à sua compreensão. Os dados e documentos recolhidos surgem-nos enquanto matéria com a qual foi possível entender do ponto de vista da arquitectura, os processos de transformação e a existência de determinados modelos habitacionais. No estudo da sua evolução e transformação urbana apoiamo-nos para além das principais marcas e vestígios físicos sobreviventes, nas fontes materiais, em testemunhos orais que constituindo verdadeiros documentos, em muito contribuíram para o seu entendimento. O material levantado e adquirido permitiu um sistema de observação e de análise dos principais factos urbanos. A passagem entre o primeiro momento de ocupação, concentrado em Milreu, e o período medieval, onde nos reportam as primeiras referências sobre a aldeia de Estoi, localizada a uma distância de sensivelmente 900 metros a Nascente da antiga villa, envolve um intervalo de tempo onde permanecem apenas alguns testemunhos arqueológicos, passíveis de serem acrescentados e ou aprofundados, no campo da antropologia e da arqueologia. Particularizar Estoi remeteu-nos sistematicamente para uma contextualização de âmbito mais vasto, ao território envolvente e naturalmente à cidade de Faro. Procurámos assim reunir o máximo de informação dispersa. As primeiras referências ao núcleo remontam ao início do século XV e XVI e apoiam-se nas descrições das Visitações da Ordem de Santiago ou nas obras corográficas disponíveis. Na análise dessas mesmas fontes, apercebemo-nos que as referências ao aglomerado ora se reportam exclusivamente às Ermidas, como a actual Matriz, ou a outros edifícios religiosos, sendo escassas as alusões ao núcleo e ao seu território, ora nos remetem sistematicamente para Milreu associando os vestígios existentes à antiga Ossónoba. Este tema sobrepõe-se, na maior parte das vezes, ao do próprio núcleo. O território envolvente, a paisagem e a abundância de água, constituem referências dominantes evidenciando o seu sentido funcional, dependente destas mesmas condicionantes. Em termos de cartografia conseguimos contar apenas até ao século XIX, com o mapa de 1800 que nos fornece um desenho do núcleo ainda concentrado exclusivamente na parte mais elevada. Apesar da riqueza dos dados revelados permaneceu ao longo do trabalho, a necessidade de colmatar algumas omissões. No inventário do Arquivo Histórico Municipal, a partir dos documentos para Cobrança da Décima, Sisa e Contribuição Municipal identificaram-se algumas das ruas já existentes durante os séculos XVIII e XIX. Já para o século XX foi possível apoiarmo-nos nos testemunhos orais ou nos dados recolhidos nos livros de Actas da Câmara Municipal que permitiram chegar a algumas conclusões sobre a sua actual forma urbana. Podemos ainda constatar que grande parte da documentação relativa a Estoi tem conhecido nos últimos anos um maior contributo sobretudo a partir da proposta de Plano Geral de Urbanização (1981), Proposta de Plano de Pormenor (1996- 2002) e mais recentemente com os estudos elaborados no âmbito dos Planos de intervenção das aldeias do Algarve (CCDRAlgarve e ProAlgarve 2001-2004), do qual Estoi integrou. No arquivo da Câmara Municipal foi possível através da consulta de processos de obras, a identificação de algumas casas e tipologias hoje inexistentes. Esta base permitiu proceder a um levantamento e registo mais rigoroso do processo de transformação. A confirmação de dados e recolha de outros obrigou naturalmente a um trabalho de campo que se apoiou fundamentalmente no registo fotográfico, oral e tratamento gráfico de todo o material. Não será demais referir o contributo valioso dado pelos próprios habitantes que disponibilizaram e mostraram as suas casas, revelando informações preciosas, possibilitando uma melhor compreensão sobre o núcleo. Fontes escritas e gráficas
  • 19. 19Estoi| Identidadeetransformação.Introdução O âmbito deste estudo obrigou-nos a recorrer para além das fontes materiais existentes, a novos “objectos documentais”. Salientamos a importância que o material gráfico elaborado assume no presente trabalho, constituindo este o seu suporte, complementando a leitura e a compreensão deste estudo. Em anexo apresentamos toda a documentação complementar à leitura dos capítulos, incluindo as fichas dos núcleos rurais, as análises aos planos de Estoi, assim como toda a informação essencial recolhida em arquivo tais como as fontes gráficas existentes até meados do século XX, reunidas no apêndice documental gráfico. Notas sobre a organização gráfica e documental
  • 20.
  • 21. 1 Conceitos teórico - metodológicos 21Estoi| Identidadeetransformação.
  • 22. O modo como conhecemos um lugar determina, em parte, o tipo de relação que construímos com esse mesmo sítio e o valor que lhe atribuímos. Se o nosso conhecimento é superficial ou distante muito dificilmente conseguiremos compreender o seu sentido, reflectindo-se naturalmente no modo como nele actuamos. Do conhecimento à salvaguarda do património constitui um percurso essencial no qual se têm pautado as principais metodologias de intervenção. As preocupações teóricas sobre a salvaguarda do património iniciadas nos finais do século XIX e prolongadas pelo século XX adentro, lançaram as bases metodológicas nas quais assentam grande parte das intervenções actuais sobre o património. Pretende-se neste capítulo abordar de forma mais rigorosa os conteúdos teórico metodológicos nos quais se apoiou a análise de Estoi. O modo como vemos e intervimos sobre determinado lugar ou edifício reporta-nos, quase sempre, a experiências anteriores que se demonstraram eficazes ou não eficazes, mas com as quais se foram apoiando as estratégias, modelos, processos de intervenção que conhecemos na maior parte dos tecidos urbanos. Procuramos destacar e clarificar os principais momentos em que foram introduzidos princípios e como eles têm vindo a influenciar as políticas de intervenção e salvaguarda no património construído. Interessa-nos também perceber como se processou, ao longo dos tempos, a transformação dos conjuntos urbanos, enquanto palco de demonstração dos vários níveis de intervenção sobre o construído. Pretendemos ainda analisar o quanto a valorização exclusiva do monumento, justificou num primeiro momento o sacrificar de muitos dos tecidos antigos. Esta prática refutada ainda durante a primeira metade do século XX, deu lugar uma maior consciencialização no sentido de valorização e salvaguarda dos tecidos urbanos antigos enquanto um todo, conciliada ao seu inevitável processo de transformação e expansão. A identidade de um lugar não está assim exclusivamente ligada a um objecto isolado. Ela estende-se a um campo mais vasto, composto por partes que vivem interdependentes e em permanente transformação. A análise das várias partes que compõem qualquer tecido urbano pressupõe neste trabalho, para além de um conhecimento geral do seu enquadramento histórico e geográfico, o entendimento tipológico da arquitectura, analisando os tipos ou modelos que constituem e definem parte da sua forma urbana. Neste sentido prende-se também a necessidade de clarificar e precisar definições e distinguir conceitos, como os referentes à identidade, tipologia e modelo, reflectindo sobre a abordagem morfo-tipológica enquanto instrumento de clarificação de uma das principais partes constituintes dessa mesma identidade. O cenário sócio cultural e político que marcou o panorama internacional, no final do século XIX, foi fortemente influenciado pelas consequências da revolução industrial. A introdução de novas correntes ideológicas que transformaram e provocaram profundas alterações no ritmo e tempo, significaram também um despertar para a problemática da salvaguarda do património construído. As novas regras impostas pelo desenvolvimento industrial reflectiam-se sobretudo na construção de novas infra-estruturas, como estradas, canais, caminhos-de- ferro, necessárias para dar resposta a um modelo de cidade que enunciava a separação entre residência e o local de trabalho. O modelo oitocentista de cidade traduzia um nova noção de urbanismo apoiado na mobilidade, nos transportes, contribuindo com fortes transformações na paisagem urbana pré existente e numa cada vez maior oposição entre o campo e a cidade. A par desta conjuntura assistia-se ainda à afirmação de ideais nacionalistas e a fortes reacções por parte de classes mais aburguesadas que se sentiam atingidas com as novas alterações da vida urbana. As influências sobre a cultura arquitectónica não se fizeram esperar. John Ruskin, arquitecto, representava a sociedade inglesa incomodada com as alterações que o novo movimento industrial imprimia na sociedade e no ambiente urbano e, consequentemente, na qualidade de vida das pessoas. Evolução dos conceitos sobre a salvaguarda do património arquitectónico
  • 23. Insurgindo-se contra a industrialização, Ruskin afirmou-se como um forte adversário da produção industrial, em detrimento da produção manual, enaltecendo os valores culturais e históricos traduzidos nos bens patrimoniais construídos pelo Homem. Introduziu nos seus textos1 os valores moralistas e românticos, assumindo uma atitude conservadora e radical enquanto defensor da preservação da natureza e do passado arquitectónico, como testemunho de um mundo a preservar em oposição às novas tendências. Contemporaneamente a França implementava uma política de salvaguarda dos monumentos, enquanto promoção dos símbolos nacionalistas, sendo Viollet-le-Duc, um dos principais protagonistas das inúmeras campanhas de restauro. Viollet-le-Duc enquanto arquitecto do regime, participa em várias obras de reconstrução, incutindo nelas um método estilístico, com base no conhecimento técnico, material e formal do edifício existente a intervir. As suas intervenções implicariam obras de reconstrução profundas nos edifícios existentes, utilizando na maior parte das vezes a mesma “matéria”, empregando elementos originais repostos para reconstruir o existente, resultando num processo de restauro muito próximo da “anastilosis”. Esta postura viria a provocar reacções nas quais se inseria Ruskin e Morris. É neste contexto que se lançam as bases da discussão bipolar sobre a teoria de intervenção nos monumentos que separou ideologicamente Ruskin, conservador (não intervencionista) de Viollet-le-Duc, restaurador (intervencionista)2 . A posição de Ruskin destacava-se pela manutenção do monumento, valorizando a verdade do material, da sua execução enquanto técnica de construção tradicional, feita pela mão do homem e não pela máquina, defendendo a sua intocabilidade no processo de intervenção mesmo que isso implicasse a morte da ruína. A sua posição porém, não viria a vingar. Como refere Francisco Barata3 , esta contrariava a evolução natural na qual se apoiou, desde sempre, a transformação das cidades europeias “feita de sobreposições, cruzamentos, demolições e culturas diversas“. A importância desta personagem num período de fortes transformações sociais, económicas e culturais, reside em parte, na sua contribuição enquanto protagonista de um conflito que despoletou a discussão teórica e a ideologia da conservação como método de intervenção e salvaguarda patrimonial, em alternativa ao restauro intervencionista até aí predominante4 . Para além disso Ruskin ajudou a despertar a atenção não só para os aspectos de preservação dos bens arquitectónicos, como também para a própria paisagem urbana e território rural, encontrando em ambas o valor da presença da marca humana. Apesar de formarem frentes opostas relativamente ao tipo de intervenção, Ruskin partilha do mesmo sentimento de contemporaneidade estilística de Viollet-le-Duc, na adopção do românico ou do gótico respectivamente, enquanto estilos universais e como expressão desse “revival” romântico. A necessidade de conservação dos monumentos, ainda que sob dois pontos de vista intervencionistas diferentes, despoletou o surgir de outras vozes teóricas preconizadas por Camilo Boito (1834-1914) que, embora contemporâneo de ambos, procura “reconciliar” as duas posições: a conservação, na salvaguarda e valorização do seu valor histórico, artístico e memorial; o restauro, desde que pontual, aceitando o acrescento desde que fosse perceptível enquanto “registo novo”, distinto dos vários estratos que constituem a história do monumento. Dos princípios enunciados por Boito destaca-se aquele que melhor traduz o tipo de intervenção, no qual se apoiaram durante o século XX, muitas das operações de restauro que conhecemos: diferenciando o que é novo do que é antigo quer ao nível formal, quer ao nível material e construtivo. Esta atitude ainda tão contemporânea contribuiu, segundo refere José Aguiar5 , para a formulação dos conceitos base, de uma teoria moderna de restauro. Mas um dos maiores contributos na clarificação dos conceitos de monumento, valor histórico e valor artístico, foi dado em 1905, com a publicação da obra de Alois Riegl – O culto moderno dos monumentos. Riegl, embora aproximando-se da atitude intervencionista de Viollet-le-Duc, salienta a possibilidade da intervenção sobre um monumento assentar em critérios mais científicos. Estabelece a distinção entre monumentos intencionais e monumentos histórico-artísticos, 23Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos 1 J. Ruskin, Le sette Lampade dell’architettura, Jaca BooK, 2001 2 J. Aguiar, Cor e cidade histórica. Estudos cromáticos e conservação do património, Faup, Porto 2003 3 Cf. F. Barata Fernandes, Transformação..., op. cit 4 Idem, Ibidem 5 Cf. J. Aguiar, Cor ..., op. cit.
  • 24. estes últimos, segundo Riegl, resultantes de um valor assente na antiguidade no qual o período temporal tem um papel determinante. Define que o seu valor está associado a uma “catalogação” contemporânea, dependente do sujeito que o avalia e da sua noção de antigo/moderno. Riegl vem ainda reforçar a necessidade da análise morfo-tipológica, enquanto meio objectivo de classificação e ligação do património ao seu lugar específico1 . Nos anos 30, encontramos em Giovannoni um dos maiores contributos para o reconhecimento da importância patrimonial dos tecidos urbanos antigos contrariando a tendência então dominante, para a valorização apenas do objecto isolado ou do monumento. Enquanto defensor do princípio da intervenção mínima ou consolidação estrita, Giovannoni alertou ainda para a necessidade de estabelecer a articulação entre tecidos antigos e os novos tecidos urbanos. Como refere José Aguiar, “Giovannoni é, juntamente com Ruskin e Sitte, um dos pioneiros da invenção e consolidação metodológica do conceito de conservação do património urbano […]”2 . Em 30 de Outubro de 1931, é elaborada e publicada a primeira Carta Internacional do Restauro – A Carta de Atenas. Tratava-se de um documento internacional onde se estabeleciam pela primeira vez os princípios e critérios aplicáveis à conservação do património, constituindo esta até hoje, a base da maior parte das legislações nacionais europeias de salvaguarda do património arquitectónico. Nela se decretou a rejeição ao restauro estilístico lançando o tema da conservação estrita. Introduziram-se ainda outros temas como o da gestão patrimonial, em que se defendia a prevalência jurídica do direito público sobre o direito privado em monumentos. Em 1931 Giovannoni colabora ainda em Itália na elaboração de outra Carta del restauro (1931), onde segundo José Aguiar se realçam como principais novidades “o destaque dado à salvaguarda e à envolvente dos monumentos e à necessidade da adequação do programa aos monumentos […]”3 . Em 1964, na sequência do II Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos dos Monumentos Históricos, resulta um dos mais importantes documentos internacionais: a Carta de Veneza sobre Conservação e Restauro de Monumentos e Sitios. Desta se destacam os principais princípios orientadores da conservação, nomeadamente o principio da autenticidade, a necessidade de conservação dos vários momentos históricos, da preservação e cuidado com as envolventes e demais relações volumétricas e ainda a importância da reutilização funcional, privilegiando a adequação do programa ao monumento e não o inverso. Nos anos 70, Cesare Brandi com a sua obra Teoria del restauro lança um conjunto de princípios teóricos segundo a seguinte premissa: “[…] o reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dupla vertente estética e histórica, com vista a sua transmissão para o futuro […]”. As suas teses viriam também a sustentar o documento que sucederia à Carta de Veneza: a Carta del restauro (1972). José Aguiar refere que um dos aspectos mais inovadores neste documento é precisamente o conceito de reversibilidade. A sua contribuição estende-se ainda ao conceito de centro histórico que passa a incluir - os antigos centros tradicionalmente entendidos como tais, como também “[…] todos os assentamentos humanos cujas estruturas unitárias e fragmentadas – ainda que transformadas ao longo do tempo – […] possuam particular valor de testemunho histórico, arquitectónico ou urbanístico”4 . A evolução dos conceitos traduziu-se assim numa progressiva consciencialização do valor da cidade e da sua salvaguarda. Em 1975, na sequência da iniciativa do Ano Europeu do Património Arquitectónico, o Conselho da Europa aprova a Carta Europeia do Património Arquitectónico em cujo conteúdo se baseou a conhecida Carta de Amesterdão (1977). Nesta se reforçaram os conceitos sobre conservação integrada. A importância deste último documento reveste-se sobretudo numa maior sensibilização para a conservação do património arquitectónico enquanto prioridade no planeamento urbano e ordenamento do território, e ainda, no alerta por parte dos poderes locais para uma maior responsabilização e comprometimento5 . A conservação urbana integrada tem origem no urbanismo italiano dos anos 70, mais especificamente com a experiência de reabilitação do centro histórico de 1 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit., p. 320 2 Cf. José Aguiar, Cor ..., op.cit, p. 50 3 Idem, ibidem, p. 53 4 Carta del Restauro, citado por José Aguiar Cor ..., op.cit, pp. 67 e 68 5 Idem, ibidem, pp. 67 e 68
  • 25. Bolonha, onde se tentava a recuperação tendo em conta as suas várias vertentes – física, económica e social. Nos anos 80 destaca-se a obra de Françoise Choay L’ Allégorie du patrimoine que analisa o conceito de monumento e de património histórico nas suas variadas vertentes e interpretações, analisando e cruzando com a história, a cultura e memória dos tempos as diversas atitudes e conceitos. A crise da arquitectura e da cidade actual têm, segundo Choay, lançado o culto ao monumento ou ao património sem se perceber efectivamente qual o seu lugar hoje “[…] o património arquitectónico e urbano, figurado por um labirinto que dissimula a superfície cativante de um espelho […] pode ser decifrado como uma alegoria do Homem na alvorada do século XX. Sem certezas sobre a direcção para onde o orientam a ciência e a técnica, à procura de um caminho onde elas o possam libertar do espaço e do tempo para, de outra forma e mais eficazmente, o deixarem aí investir-se […]1 . Em 1987, ainda em Itália é elaborada a Carta da Conservação e Restauro de objectos de Arte e Cultura, com o contributo de Paolo Marconi. A sua importância reside fundamentalmente na ampliação, em relação à Carta de 1972, do conceito de património. Substituem-se os termos “monumento” e “obra de arte” pelo de “artefacto histórico”. Propõem-se ainda em termos de conteúdo algumas modificações, nomeadamente no que diz respeito à introdução de novos materiais e tecnologias sobre estruturas antigas. Alerta-se sobretudo para os efeitos negativos dos mesmos, defendendo-se a aplicação de soluções de cultura construtiva idênticas à da edificação original. Do mesmo ano é redigida a Carta Internacional para a Conservação das Cidades Históricas, também conhecida como Carta de Toledo. Esta teve como objectivo importante para a conservação da cidade, a manutenção das suas funções e actividades já preexistentes. Tal como refere José Aguiar esta define como valores a preservar: “[…] a forma urbana, definida pela malha fundiária e pela rede viária; as relações entre edifícios, espaços verdes e espaços livres; a forma e o aspecto dos edifícios (interior e exterior) definidos pela sua estrutura, volume, estilo, escala, materiais, cor e decoração […]. É expresso ainda, mais uma vez, o conceito de autenticidade, fundamental para garantir o valor de um determinado objecto patrimonial. As questões sobre autenticidade patrimonial levantam-se novamente em 1994 na conferência de Nara, na qual se reflecte o significado e o uso do património edificado sujeito às inevitaveis transformações de uma cultura. Nesta reflexão ganha importância a questão do património intangível, na valorização dos materiais e técnicas tradicionais. O debate teórico tem privilegiado nos últimos tempos o conhecimento cada vez mais profundo sobre o objecto a intervir, pautando-se fundamentalmente pelos conceitos da reversibilidade, a intervenção mínima, a compatibilidade e a autenticidade. A evolução das tecnologias e sistemas construtivos e sua difusão durante o século XX vieram contribuir não só para a universalização das técnicas como para a perda progressiva dos saberes e profissões tradicionais. Este factor foi determinante na perda de conhecimento de processos construtivos, comprometendo consequentemente a manutenção de factos arquitectónicos. Hoje verificamos que o campo do restauro arquitectónico tem vindo a exigir cada vez mais, um conhecimento especializado das técnicas tradicionais. Esta actividade vem por isso incentivando um conhecimento mais especializado, com base numa investigação e diagnóstico específicos que tornam mais ajustadas as técnicas de intervenção sobre sistemas construtivos antigos, tornando-as assim capazes de prolongar pelo maior tempo possível, a sua identidade física. 25Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos 1 Françoise Choay, A alegoria do património, edições 70, 2000, p. 225
  • 26. Do reconhecimento do valor do monumento à valorização da cidade, pressupõe um período de tempo relativamente extenso que conhece em Sitte, Alois Riegl e Giovannoni os maiores contributos. O conceito de valor patrimonial prevaleceu pelo século XX adentro, fortemente associado ao objecto monumento e a seu contexto próximo. O tipo de intervenção centrava-se essencialmente no restauro do monumento e na sua valorização enquanto objecto a destacar ou a isolar. Esta postura contribuiu e justificou, na primeira metade do século XX, inúmeras demolições de bairros ou quarteirões que interferiam supostamente na leitura do edifício. Podemos ainda acrescentar que as intervenções de maior ruptura verificadas sobre a cidade antiga estão ligadas a dois momentos históricos distintos: no século XIX, a revolução industrial e depois já no século XX, a reconstrução das cidades, após a segunda guerra mundial. Mas as principais etapas de transformação urbana da cidade estiveram também ligadas a grandes inovações técnicas que se inauguraram nos finais do século XIX. Françoise Choay refere-se a propósito da transformação da cidade, aos três campos onde sequencialmente se manifestaram essas transformações - ao nível da construção, com a introdução de novos materiais como o aço, o betão e o vidro; nos transportes, com a mobilidade das massas e a difusão do carro a partir dos anos 30; nas telecomunicações, o telégrafo, o rádio e depois o telefone, transformando “[…] o seu campo de acção e a sua experiência de espaço, de tempo e da mesma forma, a estrutura dos seus comportamentos […]”1 . Considerando os modelos de intervenção sobre o construído e de cidade teorizados a partir do século XIX, conhecemos como maior contributo o papel de Cerdá com o seu plano de 1859. O Plano de Ensanche vem estabelecer pela primeira vez uma articulação racional entre a cidade existente e um território novo a edificar, assegurando a continuidade construtiva da trama existente com os novos tecidos. Este define uma hierarquia viária, estabelecendo uma malha de quarteirões onde se privilegia a rua como elemento estruturante. Organiza a circulação, os equipamentos, os transportes, defendendo contudo a polifuncionalidade e um controlo morfológico do espaço público e da própria forma da cidade. O século XIX confrontava-se assim com dois modelos de cidade – a cidade linear que tem no contexto espanhol da cidade de Madrid um exemplo paradigmático, através da experiência de Arturo Soria y Mata (1888), e a cidade concentrada ou nuclear. Estes dois modelos irão constituir segundo Francisco Barata Fernandes “a base do debate das intervenções urbanísticas na cidade contemporânea”, nomeadamente ao nível tipológico – a habitação plurifamiliar ou uni-familiar com a construção em bloco ou em banda2 . Mas as exigências relacionadas com os novos ritmos de vida como as condições de salubridade, de mobilidade, estimularam a defesa de outros modelos urbanos que se traduziram sobretudo, depois da segunda guerra mundial, em fortes alterações e modificações sobre o construído. A reformulação de infra-estruturas, o alargamento de vias, implicou um conjunto de transformações que afectaram de forma irreversível os tecidos urbanos mais antigos. Nos anos 30, no CIAM, (Congrès International d’Architecture Moderne), lançaram- -se as sementes do Movimento Moderno, constituindo um marco importantíssimo na formulação de uma nova doutrina de intervenção arquitectónica. Os ecos do modernismo anunciado nos CIAM reflectiram-se acima de tudo segundo Choay “pela erradicação das formas e tradições arquitectónicas do passado”. Segundo Le Corbusier, enquanto protagonista deste movimento, a evolução tecnológica deveria ser acompanhada por uma transformação da imagem arquitectónica, enquanto reflexo do seu próprio tempo. O edifício era pensado como um objecto técnico, como uma máquina, mergulhando no conceito de objecto autónomo, desligado de todas as dependências e articulações contextuais3 . Le Corbusier defende ainda uma concepção de cidade mais hierarquizada, apoiada numa relação centro – periferia, na progressiva diminuição de densidade e A salvaguarda do património urbano: do monumento/edifício à cidade “[…] o principal trabalho do arquitecto é o de cerzir, o de remendar ou corrigir. Trata-se de um trabalho de permanente avaliação de heranças […]”. Daniele Vitale, 1993 1 Citado por Françoise Choay, “Le règne de l’urbain et la mort de la ville”, La ville – Art et architecture en Europe 1870-1993, Centre George Pompidou, Paris 1993 2 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit. 3 Idem, ibidem
  • 27. volumetria de um ponto para outro. Segundo Françoise Choay, Le Corbusier vai excluir do seu modelo de cidade, o elemento rua, elemento este onde assenta a base do tecido urbano, no qual se baseia a compactidade das cidades antigas1 . Este modelo vai inspirar as principais renovações urbanas pelo século XX adentro, sobretudo após a segunda metade, no período pós-guerra. A valorização do objecto arquitectónico estende-se à própria cidade onde as intervenções não se inibem de destruir em alguns casos, as preexistências, impondo novas regras resultantes de um novo programa ou de novas exigências de habitabilidade. As exigências de higiene, circulação, vivência, impuseram novos modelos de desenho da cidade, levando em grande parte dos casos, à anulação do tecido existente. O valor patrimonial da cidade antiga continuaria ainda na primeira metade do século XX, circunscrito ao objecto monumento e ao seu contexto próximo. Em Itália, Gustavo Giovannoni reage contrariamente quanto à forma como se vinham processando as intervenções na Europa sobre a cidade antiga. Este propõe o diálogo entre cidade histórica e a nova construção, rejeitando a cultura industrial e a falsa memória dos tecidos antigos. Opõe-se, tal como anteriormente Camilo Sitte, não só às intervenções de anulação de quarteirões como também àquelas que implicavam o seu esvaziamento, em detrimento da fachada2 . Giovannoni propõe como ideia base a permanência do esquema planimétrico enquanto princípio orientador, na continuidade do tecido urbano, entre cidade antiga e cidade moderna. Esta visão fundamentava-se numa aproximação à cidade existente enquanto matriz orientadora, funcionando esta de princípio gerador e regulador na concepção de novos tipos de construção. Assentava ainda no papel indentitário da cidade antiga enquanto depósito de memórias às quais a nova cidade se devia apoiar e estruturar. Giovannoni reconhece também a importância do património urbano não restrito a uma função puramente museológica. Sugere a sua reutilização com a introdução de novos usos, compatibilizando-os com a sua morfologia. Propõe a conservação física como alternativa às operações de substituição - o processo de diradamento em alternativa ao sventramento3 . Apesar das inúmeras transformações que se vêm registando sobre os tecidos antigos desde a segunda metade do século XX, constatamos que desde os anos 70 se avançou num consenso sobre o tipo de intervenção no património. A análise dos factos urbanos centrada no estudo da habitação tornou-se num tema que progressivamente foi tomando maior expressão. O entendimento do valor da cidade e da arquitectura menor enquanto conjunto, formado por partes diversas e contrastantes, difusamente sobrepostas e entrelaçadas em permanente transformação, foi conquistando a partir da segunda metade do XX, uma maior importância nas discussões e temáticas sobre a recuperação do património arquitectónico. Nos anos 70, Leonardo Benevolo e Campos Venuti, salientam a importância da recuperação do património apoiada numa metodologia de contenção, reforçando a ideia de gestão do património construído sem necessidade de expansão. A sua reabilitação deveria pressupor revitalização, a reutilização, num processo de quase reciclagem do tecido herdado. Segundo Daniele Vitale “[…] o carácter individual das cidades está no seu modo de se construírem sobre um corpo precedente, recolhendo, acumulando e transformando as suas próprias heranças […]”4 . A ideia de transformação é pois um facto inevitável de qualquer tecido urbano ou caso contrário estaríamos a correr o risco de o transformar num tecido congelado, condenando-o ao esquecimento e à ruína. Os estudos morfotipológicos desenvolvidos sobre a cidade existente a partir dos anos 70 (Caniggia em Florença, Génova e Roma, Carlo Aymonino em Pádua, Aldo Rossi em Veneza) contribuíram significativamente numa visão mais sistematizada dos factos urbanos e no melhor entendimento da sua importância sobretudo em termos de prática projectual. 27Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos 1 Cf. Françoise Choay, “Le règne..., op.cit. 2 Giovannoni, Gustavo, Vecchie città ed edilizia nuova, Città studi, 1992 3 diradamento, s. m. “Tipo de intervenção nos centros históricos antigos, assente no processo de demolição pontual”; sventramento, s.m. “[…] demolição de uma construção por razões urbanísticas e higiénicas de uma cidade ou quarteirão […]”. in Giacomo Devoto; Giancarlo Oli, Dizionario della lingua italiana, Le Monnier, Firenze 1990 4 Daniele Vitale, citado por Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit.
  • 28. Mais recentemente verificamos que a conservação urbana e territorial tem vindo a tornar-se na nova aposta em termos de gestão enquanto alternativa ao processo de expansão. Giuseppe Campos Venuti refere esta fase como “a terceira geração do urbanismo”, na qual assinala estarmos perante a “passagem da cultura da expansão urbana, à cultura da transformação”1 . Em 1924, a salvaguarda dos monumentos e áreas envolventes contemplava ainda a possibilidade de expropriação para demolição, das áreas em torno a um monumento. O reconhecimento do valor patrimonial do espaço da cidade antiga continuava, durante a primeira metade do século XX em Portugal, ainda pouco maturado. No princípio do século XX exemplos como no Porto - na zona da Sé ou ainda em Vila Viçosa, com o alargamento da praça à custa da supressão de quarteirões existentes, ilustram as ideias e metodologias de intervenção correntes. Estas operações apoiavam-se numa estratégica de valorização dos monumentos, recorrendo ao seu isolamento, para conseguir uma melhor leitura. Intervenções como estas prolongaram-se em escalas diferentes pela segunda metade do século XX. O espaço envolvente era tomado como área de contemplação do objecto ilha. O seu esvaziamento em torno permitia a criação de um novo cenário. As intervenções no património oscilavam assim essencialmente, na primeira metade do século XX, entre o restauro do monumento e o esvaziamento ou demolição das partes envolventes. A ideia de cidade antiga aparecia ainda associada à imagem dos vários monumentos, a objectos arquitectónicos que eram tratados e intervencionados numa visão monumentalista e isolada. A partir dos anos 30, a nova prática iniciada por Duarte Pacheco, determinou a obrigatoriedade de planos de urbanização e expansão nas principais sedes de concelho ou localidades com mais de 2500 habitantes. Estes planos, orientados numa perspectiva higienista e funcionalista, contemplavam a preservação dos centros antigos apenas quando estes não interferiam com a estratégia definida para as novas áreas. Alguns dos Planos de melhoramentos, promovidos posteriormente pelo MOP (Ministério das Obras Públicas), nos anos 50, revelavam ao contrário dos anteriores (Planos de Urbanização), uma maior preocupação na manutenção das vivências locais da cidade antiga, distinguindo-se numa metodologia de acção que passava de forma prioritária, pelos seguintes campos: a infra-estruturas; b requalificação do espaço público; c reabilitação do edificado; d restauro dos monumentos; e regulamentação da gestão municipal. No entanto o seu campo de actuação viu-se apenas limitado a um conjunto de aglomerados que segundo Miguel Tomé “[…] apresentavam alto grau de integridade das estruturas antigas, conjugada com evidentes potencialidades económicas e turísticas […]”2 . São os casos de Valença do Minho, Monção, Almeida, Marvão, Monsaraz e ainda as vilas de Ourém e Porto de Mós. Em 1949 procedem-se às primeiras classificações de conjuntos arquitectónicos como a Baixa Pombalina e a Avenida da Liberdade em Lisboa. Nos anos 50 os critérios expressos no Congresso Nacional de Arquitectura reforçam a importância da contextualização e do diálogo entre novo e antigo, rejeitando as tendências miméticas até aí predominantes nos processos de intervenção. Em 1951 Francisco Azeredo propõe a classificação da cidade de Guimarães, traduzindo como refere Miguel Tomé “a gradual consciencialização da importância da cidade ou de sectores urbanos como elementos patrimoniais […]”3 . Esta consciencialização da importância do contexto urbano e sua salvaguarda continuava, contudo, muito associada à imagem da frente urbana, na manutenção da fachada enquanto marca de uma unidade arquitectónica. A importância na salvaguarda da arquitectura menor continuaria assim associada a essa visão cenográfica da cidade. O contexto nacional 1 Giuseppe Campos Venuti, La terza generazione dell’ urbanistica, Franco Angeli, Milano 1994 2 Cf. Miguel Tomé, Património e restauro em Portugal, 1920 -1995, Faup, Porto 2002 3 Idem, ibidem, p. 163
  • 29. Esta postura justificou também uma progressiva tendência, mais uma vez, para a generalização do fachadismo apoiado em operações mais de cosmética, à custa do esvaziamento dos interiores. Em síntese constatamos que desde os anos 30 até aos anos 70 as operações institucionais de intervenção no construído se centraram essencialmente sobre os monumentos nacionais e no seu contexto imediato, com excepção de alguns conjuntos fortificados acima referidos. As intervenções passaram assim fundamentalmente por recuperações estilísticas (apoiadas nas doutrinas do século XIX), enfatizando o monumento como elemento excepcional, sempre que possível isolado, de forma a permitir a sua contemplação. O entendimento da cidade antiga enquanto contentor de memórias e vivências sociais aproximando-se de uma abordagem mais morfo-tipológica, começa a ganhar maior expressão só a partir dos anos 60. O contributo impresso pelos estudos da Arquitectura Popular, a partir desta mesma década, começam a revelar-se nalgumas intervenções paradigmáticas sobre o edificado1 . Por outro lado, constata-se uma cada vez maior necessidade de mecanismos de protecção para monumentos e conjuntos edificados. Ainda nos anos 60 e no caso particular do Algarve, começam a fazer-se sentir os primeiros interesses de grupos e investidores económicos no turismo, exercendo uma forte pressão imobiliária sobre as principais cidades e aglomerados a litoral. Em 1970, a administração central promove a elaboração de estudos de inventariação e preservação de elementos a salvaguardar, entre os quais os Estudos de prospecção, preservação e recuperação de elementos urbanísticos e arquitectónicos notáveis, em áreas urbanas e marginais viárias, na região do Algarve. Este estudo pretendia funcionar como instrumento de apoio, orientação e consulta para os municípios. No entanto, a falta de quadros técnicos e de capacidade financeira dos mesmos, mergulhou-os numa situação de incapacidade para poder suportar a forma acelerada com que se procedia à renovação e a expansão urbana. A queda do regime e o fim da guerra colonial vão provocar também o regresso e a fixação de uma população significativa, ditando transformações profundas na paisagem urbana, rural e descaracterizando o tecido fundiário, contribuindo ainda para o crescimento das periferias e perímetros urbanos de forma descontrolada2 . A política de reabilitação das cidades continuava assim praticamente ausente. Algumas acções especificas tornaram-se como refere Miguel Tomé - fundamentais para a definição de doutrinas, práticas e metodologias de acção. Programas como o CRUARB que interveio na zona antiga do Porto, o PRID3 e o SAAL4 , centraram-se sobretudo em operações de recuperação e realojamento, procurando dar respostas às sucessivas transformações introduzidas sobre a cidade existente5 . Os anos 80 ficaram ainda marcados pelo aparecimento dos Gabinetes Técnicos Locais (GTL) e Gabinetes de Apoio Técnico (GAT) que permitiram descentrar as operações de planeamento, transferindo-as para as autarquias através de equipas multi-disciplinares. A acção dos GTL centrava-se sobretudo na elaboração dos chamados Planos de Salvaguarda, sem reconhecimento jurídico até hoje. A lei de1985 veio, por outro lado, implementar a categoria de monumento, conjunto e sitio, presente na Convenção do património mundial de 1972, ratificada em Portugal apenas em 1979. A valorização da cidade antiga passou também por ganhar um maior peso nas estratégias de promoção turística e nas políticas municipais, existindo alguns casos paradigmáticos tais como o caso de Guimarães ou Óbidos. A partir dos anos 80 e 90 o debate teórico sobre a intervenção no construído assentava na “conservação integrada”. O conhecimento morfo-tipológico do objecto arquitectónico e da cidade, pautava as principais metodologias de intervenção. Ao nível dos órgãos institucionais a quem compete a salvaguarda e conservação dos monumentos nacionais, (IPPAR e DGEMN), assiste-se desde então a uma abordagem cada vez mais cientifica, apoiada num conhecimento mais profundo do objecto arquitectónico ou do lugar. 29Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos 1 Destacam-se algumas intervenções nos anos 60 e 70 de Fernando Távora e Álvaro Siza Vieira 2 Cf. Proposta de urbanização do espaço histórico de Faro, Divisão do Centro Histórico, CMF, Faro 2001 3 Plano de recuperação de imóveis degradados 4 Serviço de apoio ambulatório local 5 Cf. Miguel Tomé, Património..., op. cit.
  • 30. As questões de intervenção sobre o construído passam necessariamente pela resolução de problemas de arquitectura e de projecto. É neste ponto que qualquer processo se inicia e se fundamenta. Antón Capitel critica a intervenção no construído segundo uma perspectiva estritamente de conservação. Este acredita que a intervenção deve ser entendida como um processo de reapropriação e reutilização no qual entra como elemento clarificador “[…] que toma a história como um dado precioso mas que em situação extrema poderia prescindir dela […]2 . Francisco Gracia explora o tema da intervenção no construído identificando os diferentes padrões de actuação de um projecto arquitectónico frente ao contexto. Ele expõe assim três posições: 1 a de quem defende uma arquitectura moderna “[…] orgulhosa da sua condição e que consiga mediante a descontextualização, ser capaz de confirmar o confronto do antigo com o moderno […]”; 2 a de quem propõe uma arquitectura manifestamente historicista “[…] que recorre, total ou parcialmente, a significados nostálgicos mediante significantes miméticos […]”; 3 a de quem usa uma linguagem com maior intenção de desenho, chegando a superar “a suposta impossibilidade do original para integrar-se em centros históricos”, sem contudo renunciar à sua condição de modernidade. Uma arquitectura que reinterpreta o existente mas não de maneira reprodutiva. No primeiro ponto podemos incluir aquilo que o próprio autor identifica como arquitectura descontextualizada. Este refere-se particularmente a um tipo de intervenção que prolifera na maior parte dos centros históricos e que está segundo o autor “condenada ao anonimato da indiferença”. Ou ainda a arquitectura de contraste, aquela que segundo o mesmo autor “reafirma uma individualidade mediante a expressão de uma formalidade alternativa ou como excepção ao consenso operante”. Esta atitude pressupõe segundo Francisco Garcia “expressar a contemporaneidade como contraste”. Na segunda posição podemos situar a chamada arquitectura historicista que segundo o autor poderá corresponder a uma atitude ecléctica como a proferida antes do movimento moderno, de continuidade, resultando num processo ora de reprodução/mimésis, ora de reinterpretação/analogia. Refere-se ainda a uma arquitectura de base tipológica, assente numa matriz estruturante sempre “indutora de algum tipo arquitectónico reconhecível”. Salienta ainda quais os elementos que permitem associar esta arquitectura ao contexto histórico – os princípios topológicos de relação básica entre os elementos; a proporção volumétrica, os traçados tipológicos ou ainda outros aspectos formais como a cor, a textura e a orientação. O terceiro ponto refere-se à designada arquitectura contextual aquela que segundo Gracia “sem utilizar os recursos da mimésis superficial nem de analogia directa, estabelece uma rara simbiose com o contexto”. A este grupo pertencem as intervenções ambientalmente integradas, as pertencentes ao seu próprio momento histórico. As que permitem estabelecer a continuidade entre o que é novo e antigo mediante um conhecimento particularizado do lugar. Apoiam-se numa reflexão intelectual e na observação das leis de formação sobre um determinado lugar ou contexto3 . Os três grupos definem modos de intervenção distintos que, nas mais variadas formas, se vêm implementando nos tecidos urbanos mais antigos. As diferentes atitudes face ao contexto “[…] Faltou a cidade, quando os seus projectos não nasceram dela própria e utopicamente se reivindicou, por absurdo, um pedaço definido de uma terra real à qual não pertenciam[…]“1 . 1 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit. 2 Antón Capitel, Metamorfosis de monumentos y teorias de la restauración, Alianza Forma, Madrid 1992, citado por José Aguiar, Cor..., op. cit. p. 511 3 Francisco de Gracia, Construir en lo construído: la arquitectura como modificación, Nerea, Madrid 1992
  • 31. Encontramos assim ao longo dos vários momentos da história o tema do património arquitectónico colocado sob pontos de vista distintos. O que nos interessa reter é fundamentalmente o sentido para o qual estes conceitos e princípios se têm conduzido e manifestado em termos de intervenção nos conjuntos urbanos ou no edificado. Se inicialmente partimos de uma visão circunscrita ao objecto monumento enaltecendo a sua importância em detrimento do restante tecido, percebemos também que ao longo dos tempos a história foi contribuindo com alguns protagonistas que apontaram métodos e conceitos, determinantes na alteração desse mesmo processo. Encontrando em Ruskin e Viollet o primeiro debate teórico, podemos talvez daí retirar os dois sentidos fulcrais nos quais assenta a lógica de intervenção que se prolongou pelo século XX adentro – restaurar ou conservar. Por outro lado, Camilo Boito (1834-1914), ainda no século XIX, teve um papel importantíssimo ao salientar no processo de intervenção o reconhecimento da sua própria contemporaneidade, aceitando a transformação, como mais um momento de continuidade e sobreposição. A distinção entre novo e antigo, determinou um método de intervenção assente numa nova lógica material e formal, adoptada ainda hoje, em muitas intervenções. A necessidade de clarificação dos conceitos de valor histórico, artísticos, de definir aquilo que se pretende valorizar e preservar, encontrou em Riegl um enorme contributo. Neste tema reside em parte uma das principais problemáticas sobre a salvaguarda. Por outro lado a evolução dos conceitos de valorização estendem-se do monumento ao seu contorno envolvente, chegando ao conjunto urbano. O reconhecimento da importância da arquitectura menor suscitado por Giovannoni aquando da sua obra Vecchie città ed edilizia nuova (1930) esteve na base do estudo dos fenómenos urbanos antigos, segundo uma lente morfo-tipológica. Assumindo a transformação na cidade existente como um processo de continuidade, defende os tecidos antigos como material ainda a reutilizar e a prolongar. A experiência de alguns arquitectos italianos, durante os anos 70, tem influenciado, ainda hoje os principais métodos de intervenção sobre o edificado e sobre os conjuntos urbanos antigos. Considerando os tecidos antigos enquanto resultantes de momentos de continuidade e contradição, de processos de modificação e transformação permanentes, percebemos que a sua grande problemática reside, ainda hoje, no modo como se continua a intervir. Se pensarmos na importância que a arquitectura moderna imprimiu a partir dos anos 30, à lógica formal e funcional dos objectos arquitectónicos quando aplicada também sobre os tecidos antigos. Se pensarmos na dificuldade com que a arquitectura moderna tem participado na construção dos próprios aglomerados antigos, reconhecemos tal como nos refere Francisco Gracia que esta radica contemporaneamente “[…] nessa incapacidade de assumir tanto a história do lugar como a sua própria condição histórica […]”1 . O nível de intervenção no construído tem sido determinante para a sua conservação ou anulação. Actualmente as posições confundem-se e mais uma vez são contraditórias. Se por um lado Daniele Vitale2 aponta a intervenção no construído enquanto um processo mais contido que exige “cerzir”, seleccionar, por outro lado encontramos em Antón Capitel uma posição mais intervencionista. Este defende a intervenção no existente sem “medos”, assumindo-a como mais um processo de resposta a uma necessidade, que sem ignorar a história do objecto, pode reinterpretá-la aproximando-se do que sempre caracterizou qualquer intervenção no existente, ao longo dos tempos – a construção, a destruição e a reconstrução. As metodologias de intervenção ainda muito difusas ajustam-se a cada caso específico, contrariando em muitas situações, os próprios conceitos implícitos à priori. Na generalidade constatamos diferentes abordagens e modos de intervir misturando-se conceitos que revelam a complexidade e diversidade com que cada um entende e se relaciona com o contexto ou o objecto construído e ainda a dificuldade em transferir a teoria para a prática. Em síntese 31Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos 1 Cf. Francisco de Gracia, Construir…, op. cit. 2 Daniele Vitale, “La questione dell’ Antico e il destino delle città”, in A recuperação e reanimação dos centros históricos - a experiência italiana (conferência), Alta estremadura e centros históricos, Leiria 1992
  • 32. O que queremos afinal preservar: onde reside a identidade de um lugar ou de um conjunto ou de um edifício? A noção que temos de um determinado lugar está normalmente associada a um conjunto de imagens que se repetem, imagens estas que se traduzem em partes desse mesmo lugar. Elementos como monumentos, praças, ruas ou outros edifícios constituem fragmentos que contribuem para a construção de uma identidade. Mas a consciência e o entendimento que temos de determinado sitio pode ainda aparecer ligada a certas especificidades, relacionadas com o seu próprio perfil ou tipo de assentamento – próximo de um rio ou do mar, sobre uma colina ou de um vale – traduzindo uma morfologia e uma tipologia dominante. Num tipo de análise morfotipologica, na qual se traduziu nos últimos tempos um modo de projectar, reconhece-se a importância que cada lugar ou aglomerado estabelece com o seu espaço físico. A permanente dialéctica entre espaço construído – suporte morfológico, esse sentido do lugar, na qual se caracteriza em grande parte, a génese das nossas cidades ou aglomerados, traduz-se naquilo a que normalmente designamos por tecido antigo ou tecido histórico. Esta especificidade surge como uma das características que melhor distinguem os espaços da cidade antiga, da cidade nova. Podemos assim considerar que cada lugar confere características específicas, particularidades que contribuem, não só nas variadíssimas formas de conformação dos espaços urbanos e do edificado, como possibilitam diferentes modos de fruição. Esta diversidade formal, material enuncia uma determinada imagem que a nossa memória assume ou ”identifica” como especifica daquele sítio. Podemos assim considerar que o carácter morfológico, o tipo de assentamento, o suporte geográfico e paisagístico de um determinado espaço físico determinam grande parte do seu carácter indentitário1 . Para além das condicionantes naturais, já mencionadas e que conferem formas de assentamento e características especificas ao aglomerado, outros factores como a vocação contribuem de forma importante para a construção desse conceito. Reportando-nos ao nosso objecto de estudo, para melhor exemplificar esta condição, encontramos desde a sua génese em Estoi, uma vocação funcional profundamente ligada ao território agrícola que o conforma. Essa mesma vocação explica em parte a origem do próprio assentamento, a proximidade de culturas mistas e a sempre permanente articulação funcional com o restante território. Esta foi imprimindo marcas fundamentais nos sentidos e modos de crescimento do próprio núcleo. Os próprios materiais disponíveis na sua paisagem conferiram modos de construção e produção, estimulando técnicas e vocações específicos naquela região. Se a identidade de um lugar está fortemente associada ao entendimento dele nesta perspectiva, podemos assim perceber que a sua perda está também associada à alteração ou adulteração de todas estas características. O seu não entendimento conduzirá como em tantos outros casos, à alteração ou anulação das suas características físicas. A identidade é assim algo que se constrói resultante da sobreposição e acumulação, de um conjunto de factos urbanos e arquitectónicos, de vivências e actividades que esse mesmo espaço vai recebendo ao longo dos tempos e nos quais concorrem outras disciplinas como a antropologia ou a sociologia. Segundo Alves Costa “[…] ela constitui assim em cada momento o resultado de um processo de longa duração cuja síntese está fixada nas construções e na organização espacial […]”2 . Está ainda associada a uma determinada colectividade que a vive, que a habita e que vai contribuindo na sua modificação, alteração, preservação, construindo a memória colectiva ou as memórias especificas que cada um vai reservando. Como refere Paolo Rossi na obra Il passato, la memoria, l’oblio (1991), o mundo no qual vivemos é há muito tempo cheio de lugares nos quais estão presentes imagens que evocam e reclamam constantemente a nossa memória, tal como acontece com os monumentos que reclamam ao passado das nossas histórias, “[…] a sua pressuposta ou real continuidade com o nosso presente […]”3 . Do conceito de identidade “As pedras da construção mais antiga passaram a uma construção mais recente, assim como uma época trespassa numa outra. Aqui sinto um movimento sem fracturas, sem limites. A pedra desliza como o tempo.“ Joseph Roth, 1976 1 Cf. José Aguiar, Cor…, op. cit. este desenvolve os vários parâmetros de identidade entre eles o genius loci referido por Norberg Schulz 2 Alexandre Alves Costa, Cidade, moda, identidade e globalização, revista Promontoria ano I, n° 1, Universidade do Algarve, 2003 3 Paolo Rossi, Il passato, la memoria, l’oblio, Il Mulino Intersezioni, Bolonha 1991
  • 33. Mas o crescimento e o progresso são feitos à custa de um processo de selecção contínua que se estende a todos os campos do conhecimento. A memória faz reentrar os dados entre esquemas conceptuais, reconfigura sempre o passado sobre a base das existências do presente. Segundo o mesmo autor existem muitas razões e modos de induzir o esquecimento. O esquecimento segundo Paolo Rossi “[…] pode estar ligado a uma intenção de esconder, ocultar, despistar confundir as marcas, distanciando a verdade, destruindo-a […]”. Este refere-se ainda ao problema actual relativamente à perda da memória colectiva e no sempre menor discernimento do próprio passado – “[…] as partes que permanecem vivas vêm transformadas até se tornarem quase irreconhecíveis, o resto fica entregue ao mundo da curiosidade histórica e àquela do esquecimento […]”1 . A memória parece estar assim ligada a uma certa persistência, “[…] à recuperação de um conhecimento ou sensação já tida precedentemente […] sobre uma realidade de qualquer modo intacta e contínua”2 . José Aguiar refere ainda que o dever da memória coloca a obrigação de transmitir, ensinar, contar à geração seguinte a história, assegurando a sua continuidade sob o signo da pedagogia3 . A memória remete-nos assim para uma capacidade de recuperar qualquer coisa que possuía um tempo e que foi esquecido, como se tratasse de uma recolha de imagens, sempre referente um tempo específico. Considerando que é no traçado que se expressa formalmente a ordem infra- estrutural primogénita5 , verificamos também que é no espaço público, entendido numa perspectiva tridimensional, onde se inclui a superfície urbana delimitada pelas próprias fachadas, que reside parte da memória colectiva de qualquer tecido urbano. Nos tecidos urbanos tradicionais a rua assume-se como elemento estruturador representado e definido pelos planos de fachada. A imagem que temos de determinado espaço público vive assim associada, inerentemente, às fachadas enquanto partes integrantes desse mesmo espaço. Se temos por um lado praças que resultam de um desenho de conjunto e de uma definição tipológica pré definida, por outro temos espaços cuja imagem se foi construindo e resultando por associação de edifícios singulares que permaneceram. São estas imagens que residem na memória colectiva e que segundo Daniele Vitale6 constituem o primeiro factor de reconhecimento de uma determinada comunidade, lugar. Podemos assim considerar que a fachada funciona como parte complementar de um determinado espaço ou rua que vive a partir de um esquema morfotipológico intrínseco ao qual corresponde um espaço interno que estabelece e determina relações distintas com o espaço público que define. É nessa relação entre espaço público e espaço interior que assenta em parte a identidade de um determinado aglomerado antigo e o distingue dos modelos tipológicos mais frequentes nos núcleos urbanos como os prédios de rendimento. Este tipo de abordagem sobretudo após algumas intervenções paradigmáticas, como as intervenções de Siza Vieira no Chiado, veio lançar a discussão sobre a importância da fachada enquanto elemento constituinte ou parte do espaço urbano, determinante na sua identidade e não como elemento autónomo da arquitectura. Segundo refere Francisco Barata, “[…] o discurso contemporâneo tem privilegiado a ideia de que quando se intervém num edifício, transformando a sua função e organização interna, isso deve reflectir-se na fachada […]”7 . Contudo esta postura não pode ser tomada como verdade absoluta. A intervenção na cidade ou num tecido antigo pressupõe um entendimento das suas partes, sendo a intervenção resultante de um processo de selecção sobre o que deve ou não ser mantido. Se a tipologia é mantida numa lógica de continuidade e adaptabilidade aos novos usos, é porque que ainda não se esgotou. Se a opção decorre pela substituição do conteúdo da parcela ela não tem que ser obrigatoriamente extensível àquilo que a delimita e simultaneamente delimita o espaço público. A relação entre fachada e interior pode continuar, não estando à partida esgotada. A ruptura tipo-morfológica em que se têm baseado as intervenções da segunda metade do século XX tem contribuído assim para uma alteração do 1 Idem, Ibidem 2 Idem, Ibidem 3 Cf. José Aguiar, Cor…, op. cit. p. 504 4 Bernard Huet, La città come spazio abitabile. Alternative alla Carta di Atene, in “Lotus” n. 41, Milano 1984 5 Manuel de Solà Morales, Spazio, tempo e città, citado por Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit., p. 305 6 Daniele Vitale, “La questione dell’Antico e il destino delle città”, texto que integrou a conferência “A recuperação e reanimação dos Centros históricos - a experiência italiana”, Alta estremadura e Centros históricos, Leiria 1992 7 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit. A fachada enquanto parte dessa identidade “...a fachada pública de uma casa não pertence apenas ao proprietário mas também ao passante”4. 33Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos
  • 34. papel tradicional na qual se apoiam a maior parte dos tecidos mais antigos, fundamentados no sentido de rua-corredor. A autonomização da obra arquitectónica, na qual se têm pautado as intervenções contemporâneas, assente numa procura pela unidade lógico-formal entre fachada e intervenção no lote, fez mergulhar as cidades num acumular de objectos muitas vezes sem qualquer articulação com o contexto envolvente. Esta mesma unidade tão defendida contemporaneamente nas intervenções sobre o construído pode não ter de ser necessariamente levada ao extremo. A fachada deve ser um elemento a salvaguardar enquanto parte do lote mas fundamentalmente enquanto parte de um determinado espaço público e de um conjunto urbano. Segundo Francisco Barata, “[…] quanto mais se pretende autonomizar a obra arquitectónica corrente, mais se perde a noção de espaço público e da própria cidade […]”1 . Ao longo da história somos confrontados com o permanente recurso a estilos ou modelos arquitectónicos numa perspectiva de manutenção da imagem na cidade histórica. Se pensarmos que ao longo da história da arquitectura os vários movimentos revivalistas sempre coexistiram a par de uma introdução de novos valores, num processo de contínua resistência à novidade, podemos também constatar nos dias de hoje, século XXI, que apesar da alteração da postura face aos modelos de referência do século XIX, esta atitude coexiste, tendo agora como referência os modelos do início século XX, prolongados nas novas formas e desenho, mergulhando as intervenções sobre o construído naquilo que correntemente designamos de “pastiche” ou fachadismo. A leitura cenográfica dos núcleos históricos não pode ser tomada como princípio, mas apenas enquanto parte de um todo que deve ser analisado e estudado no campo projectual. Daniele Vitale, por outro lado, defende que a manutenção dessas imagens cenográficas é também fundamental, não constituindo contudo um princípio ordenador. Este refere que a reconstrução dos edifícios conservando apenas a frente “[…] não é por princípio negativo, é só um modo radical e extremo não o sendo necessariamente, noutras circunstâncias particulares […]”2 . A fachada deve ser entendida como um elemento complementar na definição da identidade de um sítio. O que importa perceber é que esta não vive isolada. Ela obedece a uma lógica funcional entre interior e exterior que deve ser sempre, por princípio, preservada ou continuada. A intervenção extrema pode resultar em inúmeras soluções das quais o problema resultante se prenderá fundamentalmente com questões de arquitectura enquanto disciplina. Da evolução dos conceitos sobre a salvaguarda arquitectónica, sobre o conhecimento da própria cidade, reconhecemos que ao longo dos tempos a história tem-se apoiado sobretudo nos edifícios de excepção, enquanto instrumentos fundamentais na interpretação dos factos arquitectónicos. Verificamos também que o estudo fenomenológico da cidade tem valorizado a análise da arquitectura menor ou arquitectura corrente, tendo em conta uma perspectiva morfo-tipológica da cidade, enquanto processo para melhor compreensão e sistematização dos factos urbanos. No âmbito deste trabalho definiu-se como metodologia de análise, o entendimento das diversas partes, quer ao nível de relevo, espaço público e conjunto edificado, parâmetros nos quais se estrutura segundo Barata Fernandes “[…] um principio eficaz de caracterização objectiva de um fenómeno complexo e dinâmico […]”. Desta forma, a análise morfo-tipológica funcionará também enquanto instrumento sistematizante do conhecimento global sobre o lugar. Como refere Francisco Barata a obra arquitectónica “[…] sempre foi objecto de classificação e tipificação, sempre pressupôs, na sua produção, dois conceitos complementares: o de regra e os de excepção; o de repetição e o de singularidade […]“. Ainda no século XIX a noção de tipo encontra em Quatremère de Quincy um dos principais contributos. Este define-o enquanto esquema conceptual apenas concretizável no modelo acabado. O tipo não deveria ser entendido enquanto condição obrigatória de modelo imperativo mas como uma estrutura conceptual no Sobre a noção de tipo, tipologia e modelo 1 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit. 2 Daniele Vitale, citado por Francisco Barata Fernandes, ibidemx
  • 35. qual se fundamentavam os modelos. Já no século XX, nos anos 50, Saverio Muratori aborda o conceito de tipo numa perspectiva evolucionista onde refere que “o tipo edificado não se individualiza senão na sua aplicação concreta, isto é, no tecido edificado; por sua vez, um tecido urbano não se individualiza se não em termos totais […] o valor total de um organismo urbano só lhe é atribuído na sua dimensão histórica uma vez que é a sua intrínseca continuidade; a sua realidade cresce com o tempo e realiza- -se apenas como reacção e desenvolvimento consequente da condição do seu passado […]”1 . Este descreve a necessidade de afirmar o entendimento do tipo como algo que envolve mudança. A valorização do conhecimento do tecido morfo-tipológico enquanto método de intervenção e projecção sobre o construído teve, a partir dos anos 70, como principal contribuição os estudos de Caniggia, Aldo Rossi, Carlo Aymonino, Giorgio Grassi, Carlos Martí e mais recentemente Ignasi de Solà Morales. Gianfranco Cannigia defendia o processo tipológico enquanto instrumento de análise e de projecto. A escolha tipológica sobre determinado sítio deveria ser encarada pelo arquitecto como uma “reprojectação”, devolvendo ao lugar um seu projecto2 . Para Aldo Rossi o tipo representava “[…] um papel próprio na criação da arquitectura […] é constante e apresenta-se com caracteres de necessidade e de universalidade […]”. Barata Fernandes refere que a sua obra reflecte ainda em termos de significado tipológico “a adopção de modelos arquitectónicos escolhidos, de determinados períodos históricos e de determinados lugares […]“. Carlo Aymonino por outro lado propõe o entendimento da cidade como um conjunto, tendo sido, segundo Barata Fernandes um dos primeiros a expor de forma muito clara “a relação dialéctica e não casual entre tipologia e morfologia urbana”3 . Defendia a leitura do tecido urbano segundo uma lente tipológica e não estilística. Por outro lado define ainda o conceito de tipologia de edificação como o “estudo dos elementos organizativo - estruturais artificiais”, estendendo este conceito além da construção, para os elementos que compõem a cidade (alamedas, jardins), relacionando a forma urbana com um determinado período cronológico. Segundo Barata Fernandes, com Aymonino se “[…] abrem as possibilidades de interpretação dinâmica de tipologia de edificação e da própria forma urbana enquanto organismo em transformação […]”4 . Giorgio Grassi retoma, por outro lado, o conceito de tipo arquitectónico de Quatremère de Quincy associado à ideia de esquema. Durante o seu trabalho valoriza como elemento fundamental o modo como a edificação se relaciona com o espaço envolvente, público e privado, não entrando especificamente na descrição das próprias habitações nem na sua cronologia histórica5 . Já na década de noventa, Carlos Martí, explora a noção do tipo arquitectónico como “um enunciado que descreve uma estrutura formal”. Apresenta-nos assim três corolários desta definição: 1 o tipo enquanto natureza conceptual, não objectual; 2 o tipo enquanto descrição através da qual é possível reconhecer os objectos que o constituem; 3 o tipo enquanto estrutura formal: “[…] falamos de tipo a partir do momento em que reconhecemos a existência de ‘similitudes estruturais’ entre objectos arquitectónicos para lá das suas diferenças ao nível mais aparente e superficial”6 . Para Solà Morales existem também questões essenciais que se colocam na análise da cidade às quais a relação morfologia - tipo não responde. Segundo este “[…] é preciso medir o tempo sobre o espaço […]”7 ; é preciso perceber através das várias transformações sobre o edificado as diferenças que esses mesmos momentos cronológicos imprimem sobre a forma. 35Estoi| Identidadeetransformação.Conceitosteórico-metodológicos 1 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit. 2 Idem, p. 42 3 Carlo Aymonino, citado por Francisco Barata Fernandes, Ibidem 4 Idem, ibidem 5 Idem, Ibidem 6 Carlos Martí Aris, Las variaciones de la identidad; ensayo sobre il tipo en arquitectura, ediciones del Serbal, Barcelona 1992, p. 53 O autor refere ainda que “...a evolução da cultura demonstra até a saciedade que a mestiçagem entre ingredientes diversos, a confluência e a fusão de caudais precedentes de uma variada geografia intelectual, continua a ser condição indispensável para a fertilidade do pensamento criativo”. 7 Manuel de Solà Morales, Spazio..., op. cit., citado por Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit.
  • 36. Estas perspectivas permitem-nos assim chegar a três noções base: a tipo – enquanto esquema ou regra conceptual; b modelo – a estrutura acabada, correspondente ao esquema já realizado, concretizado; c tipologia – a matriz organizacional, estrutural. Neste sentido podemos reconhecer que o conceito de tipo evoluiu numa perspectiva que inclui quer a noção de transformação salientada por Aymonino, quer a de variação de identidade, referida por Carlos Martí1 . Estas noções ilustram um sentido de análise tipológica que tem por objectivo perceber os diferentes processos de transformação e variação a que um determinado esquema ou tipo está sujeito. Ao longo dos tempos as transformações tipológicas foram surgindo a partir de reinterpretações espontâneas de formas primitivas e que traduzem uma necessidade de melhorar a construção e o seu ajuste às circunstâncias económicas vigentes, relacionadas com alterações sociais, técnicas, gerais ou individuais. Aproximando-nos da noção de tipo base não podemos deixar de referir o esquema do lote gótico, cujas dimensões da parcela, estreita e comprida, assenta em grande parte a permanência do tecido parcelar de muitos aglomerados medievais. Dele derivam, segundo Aymonino, “[…] a longa permanência das dimensões parcelares que se podem ler ainda na cartografia setecentista, mesmo que os edifícios tenham sido substituídos por outros […]”2 . A transformação faz-se por substituição não implicando ou envolvendo, na maior parte das vezes, uma substituição morfológica. Ernesto Veiga de Oliveira refere ainda relativamente ao processo de transformação da arquitectura tradicional que “[…] mesmo nas formas tradicionais ele constitui o produto de uma evolução lenta a partir de certas formas primordiais remotas […]”. O estudo tipológico funcionará como um instrumento basilar para uma interpretação morfológica e cultural da construção deste lugar. No estudo que nos propusemos aprofundar tivemos como noção o conceito de tipo enquanto estrutura conceptual não estática, mas sujeita a mutações. Através das várias tipologias levantadas, mesmo que se resumam a uma pequena amostragem, procuramos interpretar o que lhes é estrutural e permanente quer em termos de programa, quer em termos de construtivo, percebendo as transformações introduzidas nas vários momentos cronológicos, nos quais as mesmas se readaptam, reajustam ou se esgotam. Da identificação dos seus “traços” distintos e pertinentes, mediante a análise dos levantamentos planimétricos, resultará uma determinada classificação formal. Com base nos modelos levantados em Estoi procuramos reconhecer onde residem essas mesmas “similitudes estruturais” identificando qual o tipo recorrente, capaz de contagiar e se prolongar ainda por mais tempo. 1 Cf. Francisco Barata Fernandes, Transformação ..., op. cit. 2 Carlo Aymonino, Lo studio dei Fenomeni Urbani, Oficina, Roma 1977 3 Fernando Galhano e Ernesto Veiga de Oliveira, Arquitectura tradicional portuguesa, Publicações Dom Quixote, Lisboa 2003
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