1. O documento apresenta uma proposta de ensino da gravitação universal para alunos do ensino médio utilizando a história da física.
2. A história da física é apresentada desde Aristóteles, passando pela queda dos corpos até chegar à formulação da lei da gravitação universal por Newton.
3. O método proposto foi aplicado experimentalmente em uma escola no Rio de Janeiro, porém os resultados apresentados são preliminares.
A História da Gravitação Universal como organizador prévio
1. Revista Brasileira de Ensino de F´sica, v. 26, n. 3, p. 257 - 271, (2004)
ı
www.sbfisica.org.br
Hist´ ria da F´sica e Ciˆ ncias Afins
o ı e
¸˜
A Gravitacao Universal
(Um texto para o Ensino M´ dio)
e
(The Universal Gravity (A text for highschool students))
Penha Maria Cardoso Dias1 , Wilma Machado Soares Santos e
Mariana Thom´ Marques de Souza
e
Instituto de F´sica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
ı
Recebido em 10/05/04; Aceito em 12/08/04
Neste trabalho, propomos uma forma alternativa para apresentar o conceito de Gravitac ao Universal ao
¸˜
aluno do Ensino M´ dio. A Hist´ ria da F´sica — por apresentar os problemas que levaram a formulacao de um
e o ı ` ¸˜
dado conceito — mostra os elementos que d˜ o significado ao conceito. Por isso, acreditamos que ela possa
a
ser integrada ao processo de ensino-aprendizagem, tendo papel fundamental na inclus˜ o dos novos conceitos
a
a estrutura cognitiva, funcionando como os organizadores pr´ vios da teoria da Aprendizagem Significativa, de
` e
David Ausubel. O m´ todo e ilustrado por uma aplicacao a alunos do Col´ gio de Aplicacao da Unigranrio, escola
e ´ ¸˜ e ¸˜
da rede privada, no Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Hist´ ria da F´sica, aprendizagem significativa.
o ı
In this paper, we propose an alternative way to introduce the concept of Universal Gravity to high school
students. The History of Physics discloses the elements that give meaning to a concept, in so far as it presents the
problems that led to the formulation of the concept. Therefore we believe that it can be brought into the process
of teaching and learning, performing a fundamental role in the assimilation of new concepts to the cognitive
structure; this role can be understood in the context of David Ausubel’s theory of Meaningful Learning. The
method is illustrated by its application to students in Col´ gio de Aplicacao da Unigranrio, a private school in
e ¸˜
Rio de Janeiro.
Keywords: History of Physics, meaningful learning.
¸˜
1. Introducao ´
E, justamente, nessa qualidade que acreditamos jazer
seu potencial para o aprendizado de ciˆ ncia [2]. Mas,
e
A Hist´ ria da F´sica e, sem d´ vida, um excelente auxi-
o ı ´ u se assim, a Hist´ ria s´ e valiosa ao entendimento da
o o ´
liar no ensino de F´sica. Entretanto, se existe algum
ı ciˆ ncia, na medida em que enfatize aquelas qualidades.
e
consenso nessa afirmativa, esse consenso desaparece, Do ponto de vista de teorias do aprendizado, foi pro-
quando se pergunta sobre os atributos da Hist´ ria que a
o posto por duas de n´ s que a Hist´ ria da F´sica pode
o o ı
tornam “excelente auxiliar”. Em um trabalho anterior, servir como um organizador pr´ vio ([1], [3]).
e
comentamos que [1, p. 490]:
Organizador pr´ vio e um conceito da Teoria
e ´
A Hist´ ria da F´sica apresenta os problemas que
o ı da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel ([4],
levaram a formulacao de um particular conceito; ela
` ¸˜ [5], [6]). Nessa teoria, um conhecimento torna-se
revela os ingredientes, l´ gicos ou emp´ricos, que
o ı significativo por uma interac ao com alguns conheci-
¸˜
foram realmente importantes nesse processo [de mentos pr´ vios relevantes, que existem na mente do
e
criacao intelectual]. Portanto, a Hist´ ria da F´sica
¸˜ o ı aprendiz. Nesse processo, h´ conceitos — chamados
a
clarifica conceitos, revelando-lhes o significado. subsunc ores — relevantes aos novos conceitos a serem
¸
1
Enviar correspondˆ ncia para P.M.C. Dias. E-mail: penha@if.ufrj.br.
e
Copyright by the Sociedade Brasileira de F´sica. Printed in Brazil.
ı
2. 258 Dias et al.
aprendidos e que os modificam e podem ser por eles 3. Uma aula com base no texto e ministrada, antes
´
modificados. A “ponte” entre esses e o novo conheci- que a aula te´ rica de F´sica, nos moldes tradi-
o ı
mento e feita por algum outro conjunto de conceitos —
´ cionais, seja ministrada.
chamados organizadores pr´ vios ([4], [5]).
e
Pode-se considerar que a avaliac ao de que a apren-
¸˜ Neste artigo, apresentamos um material instru-
dizagem de um dado tema tenha sido significativa cional — a Hist´ ria da Gravitacao Universal — para
o ¸˜
possa ser feita pelo uso, ao longo de uma vida, que o alunos do Ensino M´ dio. O material e um desenvolvi-
e ´
indiv´duo faz do conhecimento adquirido. Entretanto,
ı mento da id´ ia proposta em [11] e est´ na secao 2.
e a ¸˜
n˜ o h´ , infelizmente, “receita de bolo” nem para se
a a O m´ todo de ensino foi aplicado a alunos da rede
e
identificar conhecimentos pr´ vios nem para produzir
e particular do Rio de Janeiro, mas os resultados obtidos
alguma evidˆ ncia de que um aprendizado tenha sido
e s˜ o, ainda, preliminares. Mesmo assim, a secao 3 foi
a ¸˜
significativo. Um modo de se descobrir conhecimen- inclu´da como ilustrac ao do m´ todo; as respostas antes
ı ¸˜ e
tos pr´ vios e por meio de avaliac ao das respostas dos
e ´ ¸˜ da aplicacao do m´ todo forneceriam sugest˜ es para a
¸˜ e o
aprendizes a um question´ rio [7].
a preparac ao do material instrucional.
¸˜
Duas de n´ s (W.M.S.S. e P.M.C.D.) tˆ m pro-
o e
` ¸˜
2. Da queda dos corpos a Gravitacao
posto uma sistem´ tica de elaborac ao de material
a ¸˜
did´ tico sobre F´sica para o Ensino M´ dio ([1], [3]):
a ı e Universal
1. Um question´ rio e aplicado em sala de aula,
a ´ 2.1. Arist´ teles
o
antes que um tema espec´fico de F´sica seja
ı ı 2.1.1. O movimento [12]
lecionado. As respostas dadas pelos aprendizes
indicariam conceitos subsunc ores e como est˜ o
¸ a Pensadores helˆ nicos colocaram o problema de ex-
e
sendo utilizados, mesmo se misturados a crencas ¸ plicar a Natureza. O problema era buscar “o porquˆ ” e
ou ficcao. Para inspirar a elaborac ao do ques-
¸˜ ¸˜ das transformac oes ou “movimentos”, que s˜ o obser-
¸˜ a
tion´ rio, procura-se satisfazer a duas condic oes:
a ¸˜ vados; entre essas transformac oes, est´ o chamado
¸˜ a
movimento local ou deslocamento.
(a) As quest˜ es devem tentar seguir os
o Na tradicao herdada por Arist´ teles, havia qua-
¸˜ o
Parˆ metros
a Curriculares Nacionais tro elementos b´ sicos — terra, agua, ar e fogo; a
a ´
(PCNs) [8], que recomendam que o Ensino cada um estavam associadas duas de quatro qualidades
M´ dio deva contemplar a interdisciplinari-
e prim´ rias fundamentais: quente ou frio, umido ou seco.
a ´
dade e o cotidiano do aprendiz. Em uma corrente filos´ fica mais antiga, o mundo
o
seria explicado por um elemento b´ sico e suas quali-
a
(b) As quest˜ es devem ser baseadas em
o
dades. Arist´ teles aderiu a uma corrente filos´ fica pos-
o o
quest˜ es de livros did´ ticos consagrados,
o a
terior: As propriedades de um corpo seriam parte de
usados no Ensino M´ dio, como o de Bea-
e
sua “essˆ ncia” ou “forma”. A cada um dos elementos
e
triz Alvarenga e Antˆ nio M´ ximo [9] e o
o a acima mencionados corresponderia um lugar natural e
de Alberto Gaspar [10]. um movimento natural: Aos corpos pesados, o centro
do Universo; a agua, ao ar e ao fogo, respectivamente,
` ´
2. Busca-se, na Hist´ ria da F´sica, o “como” e o
o ı
esferas concˆ ntricas com a Terra, com raios crescentes
e
“porquˆ ” um dado tema e seus conceitos perti-
e
nessa ordem. Um corpo s´ poderia se mover, quando
o
nentes foram propostos: Esse tipo de Hist´ ria
o
se encontrasse fora de seu lugar natural; portanto, a
da F´sica mostra o quˆ e preciso saber para fun-
ı e´
corpos pesados corresponderia um movimento natu-
damentar um tema e seus conceitos. A enfase
ˆ
ral em linha reta para baixo, em direcao ao centro do
¸˜
em problemas, no modo como foram colocados
Universo; os corpos leves (fogo) movimentar-se-iam
e como vieram a ser solucionados e o diferencial
´
em linha reta para cima, em direcao a sua esfera; a
¸˜ `
que torna a Hist´ ria adequada como organizador
o
agua, quando na terra, movimentar-se-ia para cima e,
´
pr´ vio potencial.
e
quando no ar, para baixo; o ar, quando na terra ou
Um texto de Hist´ ria e preparado, no qual con-
o ´ na agua, movimentar-se-ia para cima, mas, quando no
´
ceitos subsunc ores dos aprendizes d˜ o seq¨ encia
¸ a uˆ fogo, para baixo. Quando se encontram em seu lugar
a formacao do conceito correto.
` ¸˜ natural, os corpos n˜ o se movem.
a
3. A Gravitacao Universal
¸˜ 259
2.1.2. Corpos celestes pressaram as id´ ias de Arist´ teles assim:
e o
Os corpos celestes foram tratados diferentemente. W
v= ,
A eles foi atribu´do um movimento circular uniforme.
ı R
Isso tem bases observacionais: Os astros nascem a
onde v e a “velocidade” de queda; W , o “peso”; R,
´
leste e se p˜ em a oeste, parecendo percorrer um arco
o
a “resistˆ ncia”. Esses termos n˜ o podem ser enten-
e a
de c´rculo, no c´ u. Por´ m, dentro do esquema con-
ı e e
didos em seu sentido moderno: “Velocidade” e mais ´
ceitual, e preciso postular um novo tipo de mat´ ria, a
´ e `
bem entendida como simples celeridade ou rapidez,
qual corresponderia um movimento circular uniforme
sem indicar “espac o percorrido em um tempo”; “peso”
¸
— o eter. O eter tinha as caracter´sticas de incorrupti-
´ ´ ı
designa a simples “tendˆ ncia natural” de queda, que
e
bilidade e imutabilidade. Isso pode ser entendido de
difere, segundo Arist´ teles, de corpo a corpo; “re-
o
´
v´ rios modos. E suficiente pensar que o movimento
a
sistˆ ncia” e um conceito suficientemente vago para in-
e ´
circular possui uma simetria: Uma esfera e sempre´
cluir, em termos modernos, tanto uma resistˆ ncia do
e
igual a ela mesma, quando e girada em torno de seu
´
meio, quanto a in´ rcia dos corpos.
e
eixo. Os gregos associaram a imutabilidade a id´ ia de
` e
Uma outra quest˜ o complicada para Arist´ teles foi
a o
perfeicao: Aos objetos celestes perfeitos corresponde o
¸˜
o car´ ter n˜ o-inercial de sua descric ao do movimento:
a a ¸˜
movimento perfeito. Al´ m disso, os astros j´ se encon-
e a
Um corpo que se move e empurrado ou puxado por
´
tram em seu lugar natural e, como, ent˜ o, n˜ o haveria
a a
“algo”; esse “algo” estaria sempre em contato com o
necessidade de movimento, a solucao foi entender que
¸˜
corpo (n˜ o existiria acao a distˆ ncia), mas n˜ o e parte
a ¸˜ a a ´
os astros se movem “por amor a perfeic ao”.
` ¸˜
da natureza do corpo. O problema e, ent˜ o, identificar
´ a
O Universo foi, correspondentemente, dividido em esse “algo”. Arist´ teles atribuiu ao meio — o ar —
o
sublunar e supra-lunar: Aquele e corrupt´vel, mut´ vel
´ ı a a capacidade de empurrar o corpo; o movimento n˜ o a
e imperfeito; esse, incorrupt´vel, imut´ vel e perfeito.
ı a natural ou violento e, ent˜ o, explicado: No caso de
´ a
uma pedra lancada (proj´ til), o movimento inicial se-
¸ e
ria proveniente de quem a atirou; esse movimento se-
ria transmitido a camada de ar subjacente, que, ent˜ o,
` a
empurraria a pedra e transmitiria movimento a camada
`
seguinte e, assim, sucessivamente.
2.1.4. O v´ cuo
a
O Universo de Arist´ teles n˜ o apresenta espacos
o a ¸
vazios, pois ele supunha que o v´ cuo n˜ o existisse. A
a a
raz˜ o para isso e que era dif´cil para os gregos entender
a ´ ı
o “nada”, pois o que pode existir e a mat´ ria e o v´ cuo
´ e a
e, de certo modo, uma esp´ cie de “nada”.
´ e
Uma consequˆ ncia interessante segue-se da
e
f´ rmula acima: Como a resistˆ ncia no espaco vazio
o e ¸
e zero, a velocidade de qualquer corpo no v´ cuo se-
´ a
ria infinita e um corpo cairia instantaneamente, em
Figura 1 - Universo Aristot´ lico. A Terra est´ no centro do Uni-
e a
verso. Os planetas giram em torno dela, na seguinte ordem: Lua, contradic ao com o fato de que corpos mais pesados
¸˜
Merc´ rio, Vˆ nus, Sol, Marte, J´ piter e Saturno. A ultima esfera e
u e u ´ ´ caem mais rapidamente. A f´ rmula parece levar a um
o
a das estrelas. absurdo, a menos que se negue a existˆ ncia do v´ cuo,
e a
em cujo caso o racioc´nio n˜ o se aplicaria.
ı a
´
E importante mencionar outro argumento de
¸˜
2.1.3. Descric ao do movimento
Arist´ teles contra o v´ cuo. No v´ cuo, n˜ o h´ lu-
o a a a a
Arist´ teles entendeu que corpos mais pesados
o gar natural, pois cada regi˜ o seria igual a qualquer
a
caem mais rapidamente que corpos mais leves. Ele outra regi˜ o (dir´amos que o v´ cuo e homogˆ neo e
a ı a ´ e
nunca escreveu uma f´ rmula, nem poderia, pois o
o isotr´ pico). Assim, n˜ o existiria raz˜ o para que um
o a a
mundo sublunar n˜ o era matematizado, somente o
a corpo, uma vez em movimento, parasse em um lugar
movimento dos astros. Entretanto, historiadores ex- em vez de em outro, pois o que faz o corpo mover e ´
4. 260 Dias et al.
sua “ida” para seu lugar natural. O movimento seria, no tempo e a conceitualizac ao de velocidade ins-
¸˜
ent˜ o, eterno (como o movimento inercial), o que n˜ o
a a tantˆ nea.
a
e poss´vel em um Universo fechado e finito, como o de
´ ı
3. A definicao de acelerac ao como variacao de ve-
¸˜ ¸˜ ¸˜
Arist´ teles.
o
locidade no tempo.
2.2. Galileu Galilei 4. A considerac ao de movimentos uniformes
¸˜
e movimentos uniformemente acelerados.
2.2.1. Antecedentes medievais Tracaram os gr´ ficos v × t desses movimen-
¸ a
tos e entenderam que as distancias percorridas
ˆ
Uma modificacao profunda do entendimento do
¸˜
nesses movimentos s˜ o dadas, respectivamente,
a
movimento foi feita no s´ culo XIV, em Oxford, na
e
pelas areas do retˆ ngulo e do triˆ ngulo, forma-
´ a a
Inglaterra. William of Ockham, um te´ logo e frade
o
dos pelo conjunto das ordenadas (velocidade).
franciscano, definiu o movimento com conceitos bem
diferentes dos aristot´ licos. Ele enuncia um princ´pio
e ı 5. A formulacao e demonstrac ao do Teorema da Ve-
¸˜ ¸˜
epistemol´ gico, que ficou conhecido como Navalha de
o locidade M´ dia.
e
Ockham, que significa algo como (apud [12], p. 537) O problema colocado pelos Mertonianos foi o de
“[. . . ] e f´ til usar mais entidades [para explicar alguma
´ u como qualidades podem ser somadas ou subtra´das: ı
coisa], se for poss´vel usar menos [. . . ]”. Por exem-
ı Por exemplo, Santa Clara e Madre Tereza de Calcut´ , a
plo, se for poss´vel entender “movimento”, sem pos-
ı trabalhando juntas, formariam uma santidade maior?
tular “entidades” (conceituais) — tais como lugar na- Para tratar esse problema, os Mertonianos atribu´ram a
ı
tural, corpo pesado, corpo leve ou, ainda, como pen- uma qualidade uma intensidade e uma extens ao: A in-
˜
sava Arist´ teles, um “algo” para empurrar o corpo de
o tensidade e medida por graus; saber como uma quali-
´
modo que ele se mantenha em movimento — ent˜ o e a ´ dade varia consiste, agora, em saber como o grau
desnecess´ rio usar tais “entidades” para definir “movi-
a de sua intensidade varia ao longo de uma linha ar-
mento”. E, de fato, segundo Ockham, “movimento” bitr´ ria e imagin´ ria, chamada extens ao. Uma felici-
a a ˜
pode ser concebido como o mero deslocamento do dade na Hist´ ria da F´sica foi terem concebido o movi-
o ı
corpo (no tempo), o que torna “f´ til” o uso de outras
u mento como uma qualidade: O grau e a velocidade ins-
´
“entidades” ([12], p. 537): tantˆ nea e a extens˜ o, o tempo, embora se saiba que,
a a
durante muitos anos, Galileu usou a dist ancia ao inv´ s
ˆ e
[. . . ] e claro que movimento local e para ser con-
´ ´
do tempo [13].
cebido como se segue: Afirmando que o corpo est´
a
Galileu usou as id´ ias Mertonianas de maneira
e
em um lugar, depois em outro lugar, assim proce-
original. Ele deu ao Teorema da Velocidade M´ dia uma
e
dendo sem qualquer repouso ou qualquer coisa
aplicac ao que jamais seria concebida no s´ culo XIV:
¸˜ e
intermedi´ ria, al´ m do pr´ prio corpo, n´ s temos
a e o o
Ele o usou para resolver o problema da queda dos cor-
movimento local, verdadeiramente. Portanto, e f´ til
´ u
pos [13].
postular outras tais coisas.
As id´ ias de Ockham influenciaram seus contem-
e 2.2.2. O teorema da velocidade m´ dia e a queda dos
e
porˆ neos, em Oxford. Um grupo de pensadores, per-
a corpos
tencentes ao Col´ gio de Merton, inventaram o que
e
O teorema diz que a distˆ ncia percorrida em
a
se chama, hoje, Cinem´ tica. Embora n˜ o tivessem
a a
um movimento uniformemente acelerado e igual a
´ `
as categorias matem´ ticas para desenvolver um trata-
a
distˆ ncia que seria percorrida no movimento uniforme
a
mento matem´ tico anal´tico, puderam utilizar Geome-
a ı
feito com a velocidade m´ dia.
e
tria. Importantes contribuic oes foram [13]:
¸˜
1. Uma clara distinc ao entre descric ao do movi-
¸˜ ¸˜
mento e causa do movimento. Obviamente,
isso decorre da definicao de movimento dada por
¸˜
Ockham.
Figura 2 - Teorema da Velocidade M´ dia. A area do triˆ ngulo
e ´ a
2. A definicao de velocidade (no sentido de “rapi-
¸˜ AEM e igual a area do triˆ ngulo M DC, de modo que o triˆ ngulo
´ `´ a a
dez” ou de “vagarosidade”) como deslocamento ABC e o retˆ ngulo BCDE tˆ m a mesma area.
a e ´
5. A Gravitacao Universal
¸˜ 261
Galileu usou esse teorema para provar que, se um [. . . ]
corpo se move com movimento uniformemente ace- Salviati: [. . . ]. Durante quanto tempo vocˆ acha
e
lerado, as distˆ ncias, s1 e s2 , percorridas, respectiva-
a que a bola permanecer´ rolando e com qual veloci-
a
mente, em tempos t1 e t2 obedecem a seguinte relacao
` ¸˜ dade? Lembre-se que eu disse que era uma bola
[12]: perfeitamente esf´ rica e uma superf´cie altamente
e ı
polida, de modo a remover todos os impedimentos
s1 t1 2 acidentais e externos. Da mesma forma, eu quero
= ;
s2 t2 que vocˆ despreze, tamb´ m, qualquer impedimento
e e
do ar, causado por sua resistˆ ncia a separacao, e
e ` ¸˜
em notacao moderna: s = 1 gt2 . Ele tamb´ m demons-
¸˜ 2 e todos os outros obst´ culos acidentais, se existir al-
a
trou o corol´ rio
a gum.
2
s1 v1 Simpl´cio: Eu o compreendi perfeitamente e lhe re-
ı
= ; spondo que a bola continuaria a mover indefinida-
s2 v2
mente, t˜ o longe quanto a inclinacao da superf´cie
a ¸˜ ı
em notacao moderna: v 2 = 2gs.
¸˜ se estendesse e com um movimento continuamente
acelerado. Pois tal e a natureza dos corpos pesa-
´
dos [. . . ]; e, quanto maior a rampa, maior seria sua
velocidade.
Salviati: E se algu´ m quisesse que a bola se
e
movesse para cima, nessa mesma superf´cie, vocˆ
ı e
acha que a bola [poderia] ir?
Simpl´cio: N˜ o espontaneamente; n˜ o. Mas arras-
ı a a
tada ou atirada forcadamente, ela iria.
¸
Salviati: E se a bola fosse arremessada com um
Figura 3 - Demonstracao da Lei da Queda “ ”
¸˜ “ ” dos Corpos. Pelo Teo- ´mpeto forcadamente impresso nela, qual seria seu
ı ¸
rema da Velocidade M´ dia: s2 = v1 × t1 ; por definicao de
e s1
v2 t2
¸˜ movimento e qu˜ o r´ pido [seria ele]?
a a
“ ”2
v1 t1 s1 t1
movimento uniformente acelerado: v2 = t2 ; logo: s2 = t2 . Simpl´cio: O movimento iria constantemente
ı
“ ”2
diminuir e seria retardado, sendo contr´ rio a na-
a `
Segue-se um corol´ rio: s1 = v1 .
a s2 v2 tureza, e teria uma duracao maior ou menor, de
¸˜
acordo com um maior ou menor impulso e menor
ou maior aclive.
ı e ¸˜
2.2.3. O princ´pio da in´ rcia e a gravitac ao
Salviati: Muito bem; at´ aqui vocˆ me explicou o
e e
Galileu formulou o Princ´pio da In´ rcia no con-
ı e movimento sobre dois planos diferentes. Em um
texto de uma discuss˜ o sobre a origem da queda dos
a declive, o corpo pesado desce espontaneamente e
corpos, em seu livro Di´ logo sobre os Dois Sistemas do
a continua acelerando e mantˆ -lo em repouso requer
e
o uso de forca. No aclive, uma forca e necess´ ria
¸ ¸ ´ a
Mundo: O Ptolomaico e o Copernicano. Nesse livro, para arremess´ -lo e at´ para mantˆ -lo parado e o
a e e
as discuss˜ es acontecem entre trˆ s personagens: Um,
o e movimento impresso diminui continuamente at´ ser
e
que representa Galileu (Salviati); outro, que representa inteiramente aniquilado. Vocˆ diz, tamb´ m, que
e e
o pensamento comum arraigado (Simpl´cio); o ultimo,
ı ´ uma diferenca nos dois casos se origina na maior
¸
ou menor inclinacao do plano, de forma que, em
¸˜
o leigo inteligente (Sagredo) que, e claro, vai ser con-
´ um declive, uma velocidade maior se segue de uma
vencido por Salviati. O di´ logo e o seguinte [14, p.
a ´ maior inclinacao, enquanto que, ao contr´ rio, em
¸˜ a
144-148]: um aclive, um dado corpo em movimento, arremes-
sado com uma forca dada, move-se mais longe, de
¸
Salviati: [. . . ] Agora me diga: Suponha que vocˆe
acordo com uma menor inclinacao.
¸˜
tenha uma superf´cie plana, lisa, feita de um mate-
ı
rial como o aco. Ela n˜ o est´ paralela com o solo
¸ a a Agora, diga-me o que aconteceria, se o mesmo
e, em cima dela, vocˆ coloca uma bola perfeita-
e corpo em movimento fosse colocado numa su-
mente esf´ rica e feita de um material pesado, como
e perf´cie sem aclive ou declive [plana].
ı
o bronze. O que vocˆ acredita que ir´ acontecer,
e a
Simpl´cio: [. . . ]. N˜ o havendo declive, n˜ o have-
ı a a
quando a bola for solta? Vocˆ n˜ o acredita, como
e a
ria tendˆ ncia natural ao movimento; n˜ o havendo
e a
eu, que ela permanecer´ parada?
a
aclive, n˜ o haveria resistˆ ncia a ser movido. As-
a e
Simpl´cio: A superf´cie est´ inclinada?
ı ı a sim, haveria uma indiferenca quanto a propens˜ o e
¸ ` a
Salviati: Sim, isso foi assumido. a resistˆ ncia ao movimento. Parece-me que a bola
` e
deveria permanecer naturalmente est´ vel. [. . . ].
a
Simpl´cio: N˜ o acredito que ela permanecer´
ı a a
parada; pelo contr´ rio, tenho certeza de que ela ir´
a a Salviati: [. . . ]. Acho que isso e o que aconteceria,
´
espontaneamente rolar para baixo. se a bola fosse colocada firmemente. Mas o que
6. 262 Dias et al.
aconteceria, se fosse dado a esfera um impulso, em
` Simpl´cio: Muitas delas; tal seria a superf´cie de
ı ı
qualquer direcao?
¸˜ nosso globo terrestre, se ele fosse liso e n˜ o ondu-
a
Simpl´cio: Deve ser conclu´do que ela se moveria
ı ı lado e montanhoso, como e. [. . . ].
´
naquela direcao.
¸˜
Salviati: Mas com que tipo de movimento? Um O erro de Galileu parece ter origem na limitacao do
¸˜
continuamente acelerado, como no declive, ou um sistema f´sico que considera (queda livre) e do aparato
ı
continuamente retardado, como no aclive? conceitual de que disp˜ e: A origem da Gravitac ao,
o ¸˜
Simpl´cio: N˜ o havendo aclive ou declive, n˜ o
ı a a para ele, e a maior ou menor proximidade do centro
´
posso ver uma causa para desaceleracao ou
¸˜ da Terra, como explicitado no di´ logo; nesse contexto,
a
aceleracao.
¸˜
sua conclus˜ o e inevit´ vel, pois, de fato, uma superf´cie
a ´ a ı
Salviati: Exatamente. Mas, se n˜ o existe causa
a que n˜ o se aproxime e nem se afaste do centro s´ pode
a o
para a retardacao da bola, deve haver ainda menos
¸˜
[causa] para que venha ao repouso; assim, at´ onde
e
ser uma esfera (no caso, a Terra). Acontece que, para se
vocˆ sup˜ e que a bola se moveria?
e o andar sobre uma esfera, por exemplo, ao longo, de um
Simpl´cio: T˜ o longe quanto a extens˜ o da su-
ı a a
grande c´rculo, a pessoa faz curvas, o que exige uma
ı
perf´cie continuasse sem se levantar ou abaixar.
ı acelerac ao centr´peta e o movimento nessa superf´cie
¸˜ ı ı
Salviati: Ent˜ o, se tal espaco fosse ilimitado, o
a ¸ n˜ o seria inercial.
a
movimento nele seria, da mesma forma, ilimitado?
Isto e, perp´ tuo?
´ e
2.2.4. O movimento da Terra, o princ´pio da in´ rcia
ı e
Simpl´cio: Assim parece-me [. . . ].
ı ¸˜
e a Gravitac ao
Tendo feito a opini˜ o comum concordar com a exis-
a Um dos argumentos usados desde a Antig¨ idade u
tˆ ncia de um movimento (que chamamos de) inercial,
e contra a possibilidade de se atribuir um movimento
Galileu pergunta a causa do comportamento de corpos de rotacao a Terra era que uma flecha atirada verti-
¸˜ `
em uma superf´cie inclinada [14, p. 148]:
ı calmente para cima nunca poderia cair, de volta, no
mesmo lugar, se a Terra movesse: Enquanto a flecha
Salviati: Agora, diga-me, o que vocˆ considera ser
e
est´ em vˆ o, a Terra se move de oeste para leste, de
a o
a causa da bola se mover espontaneamente, quando
em declive, e somente forcadamente, quando em
¸ forma que a flecha cai de volta em um ponto mais a
aclive? oeste da pessoa que a atirou.
Simpl´cio: Que a tendˆ ncia dos corpos pesados e
ı e ´
Para derrubar o argumento, alguns pensadores
de se mover para o centro da Terra e de se mover
imaginaram que, em seu movimento para leste, a Terra
para cima, a partir de sua circunferˆ ncia, somente
e
arrastasse o ar e tudo que nele estivesse, como p´ ssaros
a
[forcadamente]; ora, a superf´cie em declive e a
¸ ı ´
e a flecha do exemplo; assim, embora a Terra se
que se aproxima do centro [da Terra], enquanto que
movesse, a flecha, por ser arrastada pela Terra, pode-
aquela em aclive se afasta para longe [do centro da
ria cair no mesmo lugar [12].
Terra].
Por´ m, essa resposta e dif´cil de ser sustentada no
e ´ ı
caso, por exemplo, em que em vez de flechas se tivesse
Embora, nessa passagem, Galileu associe “gravidade” uma bala de canh˜ o. Assim, a descoberta do canh˜ o
a a
com uma maior ou menor proximidade com o centro permitiu um argumento mais forte contra o movimento
da Terra, ele foi suficientemente inteligente para notar, da Terra: Se a Terra se move de oeste para leste, o al-
em uma outra passagem [14, p. 234], que “gravidade” cance do tiro para oeste seria maior do que o alcance do
e o nome de algo, cuja natureza ele n˜ o conhece .
´ a tiro para o leste. De fato, diz o argumento, enquanto a
Posto isso, Galileu apresenta um exemplo do que Terra move para leste, a bala move para oeste, de modo
seria a superf´cie inercial. Existe uma ironia na
ı que o alcance seria o que a Terra moveu acrescido do
situacao, pois o exemplo e o de uma superf´cie, na
¸˜ ´ ı que a bala moveu; no caso do tiro para leste, seria o que
qual um movimento inercial seria imposs´vel; no en-
ı a Terra moveu diminu´do do que a bala moveu. Se a
ı
tanto, erros de grandes homens s˜ o grandes erros [14,
a Terra est´ em repouso, os alcances s˜ o iguais. Como o
a a
p. 147]: observado e a igualdade dos alcances, conclui-se que a
´
Terra e im´ vel [14].
´ o
Salviati: Ent˜ o para que uma superf´cie n˜ o esteja
a ı a
nem em aclive e nem em declive, todas as suas
O Princ´pio da In´ rcia foi utilizado por Galileu
ı e
partes devem ser igualmente distantes do centro. para justificar a possibilidade da Terra estar em movi-
Existe tal superf´cie no mundo?
ı mento. A resposta de Galileu e que o movimento co-
´
7. A Gravitacao Universal
¸˜ 263
mum a Terra e a tudo que nela se encontra n˜ o desa-
` a 6, ora indo em um sentido, ora voltando para tr´ s e se
a
parece (pelo Princ´pio da In´ rcia); assim, a bala de
ı e aproximando da Terra.
canh˜ o e a flecha do primeiro exemplo, durante seus
a A outra anomalia era mais dif´cil de ser tratada.
ı
vˆ os, continuam a compartilhar com a Terra a veloci-
o Por´ m, e f´ cil entender (Fig. 4) que a introduc ao de
e ´ a ¸˜
dade que compartilhavam antes de serem lancadas. O
¸ uma excentricidade — isto e, deslocando o centro do
´
resultado e que uma pessoa sobre a Terra s´ pode ob-
´ o deferente do centro da Terra para um ponto D — per-
servar o movimento que a bala tem e que a Terra n˜ o a mite considerar um movimento que seja n˜ o uniforme
a
tem, isto e, o movimento da bala relativo a Terra. Um
´ ` do ponto de vista da Terra, embora uniforme, do ponto
modo curioso de ler esse argumento e que Galileu colo-
´ de vista do centro do deferente.
cou a Lei da In´ rcia no lugar do ar que, ao ser arrastado
e
pela Terra, arrastaria, com ele, tudo o que nele se en-
contrasse, como queriam os antigos.
Um outro argumento contra o movimento da Terra
era que, se ela girasse em torno de seu eixo, tudo
o que se encontrasse em sua superf´cie seria atirado
ı
para fora, como pessoas, arvores, casas, etc (tendˆ ncia
´ e
centr´fuga). Galileu tentou responder a esse argumento
ı
[14], mas sua resposta, al´ m de trabalhosa e cheia de
e
argumentos sutis, est´ inteiramente errada.
a
Figura 4 - Excentricidades. Visto de D, os arcos AB e CE, so-
bre o deferente, s˜ o iguais e s˜ o subtendidos por angulos iguais,
a a ˆ
2.3. Johann Kepler angulo ADB = angulo CDE, logo s˜ o percorridos no mesmo tempo,
ˆ ˆ a
pois a velocidade angular e suposta ser uniforme. Por´ m, visto da
´ e
ˆ
2.3.1. Modelos astronomicos [15] Terra (T ), os arcos s˜ o subtendidos por angulos diferentes, respec-
a ˆ
tivamente angulo ATB = angulo CTE; como os arcos s˜ o supostos
ˆ ˆ a
A Astronomia descrevia matematicamente o movi- serem percorridos no mesmo tempo, o observador em T vˆ arcos e
mento dos astros. De acordo com a natureza dos corpos (ou angulos) diferentes percorridos no mesmo tempo e a veloci-
ˆ
celestes, como j´ explicado, os astros deveriam mover-
a dade angular n˜ o pode ser uniforme.
a
se, uniformemente, em c´rculos, ao redor da Terra.
ı Mas o modelo e bem mais complexo. Para melho-
´
Por´ m, as observac oes mostram desvios desse movi-
e ¸˜ rar os resultados experimentais, foi necess´ rio intro-
a
mento, chamados anomalias [15]: duzir outra excentricidade, o ponto equante: A rotacao
¸˜
1. Os planetas de tempos em tempos parecem an- uniforme n˜ o mais seria o do centro do epiciclo sobre
a
dar para tr´ s, em seu movimento nos c´ us (re-
a e o deferente, mas o da linha Equante-centro do epiciclo,
trogress˜ o).
a em torno do equante.
2. Os planetas parecem n˜ o se mover uniforme-
a
mente, em sua jornada pelo c´ u, isto e, arcos
e ´
iguais, no c´ u, n˜ o s˜ o, necessariamente, percor-
e a a
ridos em tempos iguais.
3. O brilho dos planetas varia, o que era atribu´do a
ı
um menor ou maior afastamento da Terra.
No s´ culo II, Cl´ udio Ptolomeu escreveu o mais
e a
completo tratado de Astronomia da Antig¨ idade, Al-
u
magesto.
Para responder a primeira e terceira anomalias, foi
`
proposto que o planeta se movesse em um c´rculo (epi-
ı
ciclo), cujo centro moveria ao longo de outro c´rculo
ı
(deferente), centrado na Terra; o movimento do plan- Figura 5 - Sistema Ptolomaico. O modelo considera trˆ s c´rculos:
e ı
eta seria a composicao desses dois movimentos e, visto
¸˜ A ecl´ptica, que e o c´rculo com centro na Terra; o deferente, que
ı ´ ı
da Terra, sua trajet´ ria formaria “lacos”, como na Fig.
o ¸ tem centro em D; o c´rculo regular, que tem centro em E. O plane-
ı
8. 264 Dias et al.
ta est´ em P , no c´rculo epiciclo, com centro no deferente. Uma
a ı paralaxe. Como as estrelas est˜ o muito longe, o angulo de para-
a ˆ
hip´ tese fundamental feita por Ptolomeu, que n˜ o se consegue jus-
o a laxe e muito pequeno e s´ foi observado no final do s´ culo XIX,
´ o e
tificar, e: ED = DT ; por´ m, ela e consistente com o fato que
´ e ´ com potentes telesc´ pios. A observacao de Tycho era a olho n´ .
o ¸˜ u
Ptolomeu desenha os c´rculos com o mesmo raio. O c´ lculo da
ı a Tycho n˜ o observou a paralaxe, mas n˜ o aceitou integralmente o
a a
excentricidade, T D, a partir de dados observacionais (ˆ ngulos em
a sistema ptolomaico; ele propˆ s seu pr´ prio sistema, intermedi´ rio
o o a
que o planeta e visto em v´ rias ocasi˜ es), e o ponto para o qual
´ a o ´ entre os dois outros: A Terra estaria no centro, com o Sol orbitando
convergem os c´ lculos no Almagesto.
a em torno dela, enquanto os outros planetas orbitariam em torno do
Sol.
Johann Kepler trabalhou como assistente de Tycho.
Ele usou os dados de Tycho para resolver o problema
de determinar a orbita de Marte. Inicialmente, o pro-
´
blema de Kepler foi o mesmo de Ptolomeu: Calcular
excentricidades (ED e T D, na Fig. 5), direcao do ¸˜
peri´ lio e af´ lio, etc. Mas ele tinha melhores dados
e e
e pˆ de almejar uma melhor precis˜ o dos c´ lculos. Ele
o a a
teve de fazer hip´ teses tentativas para ajustar seus da-
o
Figura 6 - Movimento do Planeta visto da Terra. dos aos c´ lculos e test´ -las para muitas posicoes [16].
a a ¸˜
Nicolau Cop´ rnico colocou o Sol no centro e a
e Foi um trabalho arduo, que lhe consumiu, aproximada-
´
Terra girando em seu redor, mas n˜ o abandonou as
a mente, 5 ou 6 anos e que resultou na publicac ao do
¸˜
orbitas circulares de Ptolomeu. Historiadores tˆ m dito
´ e Astronomia Nova, em 1609.
que o ganho de Cop´ rnico se encontra nas explicacoes
e ¸˜ Dos c´ lculos de Kepler resultaram as leis:
a
qualitativas, por´ m seu sistema se complica, quando
e 1. As orbitas planet´ rias s˜ o el´pticas, com o Sol
´ a a ı
detalhes quantitativos se tornam importantes [15]; em em um foco.
particular, a colocac ao da Terra em orbita, analoga-
¸˜ ´
mente aos outros planetas, permite explicar de modo 2. A linha ligando o Sol ao planeta descreve areas
´
muito simples a “anomalia” da retrogress˜ o [15].
a iguais em intervalos de tempo iguais.
Tycho Brahe construiu melhores instrumentos que, Anos depois, ele acrescenta nova lei: A raz˜ o entre o
a
junto com sua inata habilidade para observar o c´ u, lhe
e quadrado do per´odo da orbita do planeta e o cubo do
ı ´
permitiram obter medidas mais precisas de posicoes ¸˜ raio m´ dio de sua orbita e uma constante.
e ´ ´
(angulares) de Marte. Marte representava um desafio;
hoje, sabemos que a orbita de Marte e acentuadamente
´ ´
el´ptica, o que n˜ o e t˜ o acentuado, no caso dos outros
ı a ´ a
planetas.
Figura 8 - O Modelo de Kepler. O planeta descreve uma elipse
com o Sol no foco. Quando o Planeta vai de A a B, a linha do
Sol a ele descreve a area SAB; e, quando o Planeta vai de C a D,
´
a linha descreve a area SCD. Se o tempo gasto pelo Planeta de
´
ir de A a B for igual ao tempo para ir de C a DC, segue-se que
area SAB =´ rea SCD.
´ a
2.4. Isaac Newton [17]
Figura 7 - A Paralaxe. Tycho n˜ o aceitou o sistema copernicano,
a ¸˜
2.4.1. O Caso da maca
por raz˜ es t´ cnicas: O sistema copernicano prediz a paralaxe, um
o e
fenˆ meno n˜ o predito pelo ptolomaico: Uma pessoa em 1 observa
o a Em 1687, Isaac Newton publicou seu livro
uma estrela (S) projetada contra o pano de fundo do c´ u, em A; seis
e
meses depois, como a Terra girou, a pessoa est´ diametralmente
a
Princ´pios Matem´ ticos da Filosofia Natural, no qual
ı a
oposta, em 2, e vˆ a estrela projetada em B; ela pensa que a estrela
e estabelece as categorias para o desenvolvimento de
moveu de A para B; angulo ASB = angulo 1S2 e chamado angulo de
ˆ ˆ ´ ˆ uma Filosofia Natural mecanicista: As trˆ s leis da
e
9. A Gravitacao Universal
¸˜ 265
Mecˆ nica, os conceitos de forca, massa e o tratamento
a ¸ ultimo rascunho do Princ´pios, por volta de
´ ı
de trajet´ rias curvas. Na ultima parte do livro, ele for-
o ´ 1685. Logo, a hist´ ria da maca e falsa, pois teria
o ¸˜ ´
mula a Lei da Gravitac ao Universal.
¸˜ ocorrido 20 anos antes.
Uma lenda na Hist´ ria da F´sica e a da queda
o ı ´
da maca. Newton tentava entender porque a Lua
¸˜ 3. Foi aplicando o m´ todo de Hooke que Newton
e
n˜ o se afasta da Terra; na d´ cada de 1660, quando
a e aprendeu a tratar trajet´ rias curvas.
o
passeava em um jardim, observou uma maca caindo ¸˜
de uma arvore; isso o teria feito pensar que, talvez,
´
o “poder” respons´ vel pela queda da maca atuasse,
a ¸˜ 2.4.2. O M´ todo de Hooke
e
tamb´ m, na Lua, de modo que a Lua estaria continu-
e
A id´ ia de Hooke consiste em separar um movimento
e
amente “caindo” para a Terra, o que a impediria de se
central em duas componentes: Uma componente iner-
afastar.
cial, o movimento que o corpo teria, se continuasse a
Segundo Isaac Bernard Cohen, na epoca da ale-
´ se mover com a velocidade instantˆ nea, sem atuacao
a ¸˜
gada queda da maca Newton n˜ o estava preparado para
¸˜ a da atracao; um “soco” em direcao a um centro atrativo
¸˜ ¸˜
descobrir a Gravitac ao Universal, pois n˜ o possu´a,
¸˜ a ı (centr´peto), isto e, o que n´ s chamar´amos “impulso
ı ´ o ı
ainda, as ferramentas conceituais que, de fato, o instantˆ neo”, radial, na direcao de um centro de forcas.
a ¸˜ ¸
levaram a conceber a lei. A “est´ ria” teria sido in-
o A Fig. 9 ilustra a aplicacao do m´ todo de Hooke, feita
¸˜ e
ventada pelo pr´ prio Newton para fortalecer e tornar
o por Newton, no Princ´pios, para demonstrar a Lei das
ı
cr´vel sua alegacao de que a descoberta da Gravitac ao
ı ¸˜ ¸˜ ´
Areas, de Kepler.
Universal ocorrera cerca de 20 anos antes de sua
publicac ao, no Princ´pios; ele se envolveu em uma
¸˜ ı
contenda com Robert Hooke pela paternidade da lei r12
e, ent˜ o, antecipou a descoberta da Gravitac ao Uni-
a ¸˜
versal para um per´odo anterior a uma troca de cartas
ı
com Hooke. Essa troca de cartas est´ na origem do
a
Princ´pios.
ı
Em novembro de 1679, Hooke escreveu a New-
ton, convidando-o a comentar sobre um m´ todo de sua
e ´
Figura 9 - O M´ todo de Hooke e a Lei das Areas. Na figura da
e
autoria para descrever movimentos curvil´neos. New-
ı esquerda, o corpo move-se uniformemente ao longo da linha reta
horizontal; em intervalos de tempo iguais, o corpo ter´ , suces-
a
ton respondeu a Hooke que esse m´ todo lhe era des-
e sivamente, as posicoes A, B, C, D; esses pontos s˜ o ligados a
¸˜ a
conhecido. Hooke apresentou, ainda, a Newton um um ponto P , acima do ponto O (origem), formando os triˆ ngulos
a
problema, que pode ser parafraseado como se segue: P AB, P BC, P CD; esses triˆ ngulos tˆ m a mesma area, pois tˆ m
a e ´ e
Se um corpo sofre uma atracao em direcao a um cen-
¸˜ ¸˜ base de comprimentos iguais (AB = BC = CD) e mesma altura
(P O). Suponha, agora (figura do centro), que o corpo receba, em
tro, que tipo de curva seria sua orbita, se a “atracao”
´ ¸˜ C, um “soco” (impulso instantˆ neo ou durando um tempo muito
a
varia inversamente com o quadrado da distˆ ncia? New-
a pequeno) na direcao do ponto P ; ap´ s o impulso, o corpo move-
¸˜ o
ton n˜ o lhe respondeu, mas apresentou um outro pro-
a se em uma linha reta, mas em outra direcao; ap´ s um intervalo
¸˜ o
blema. Quando, em 1684, Edmund Halley, o famoso de tempo igual aos anteriores, ele est´ em D, mas n˜ o necessaria-
a a
mente CD = AB ou CD = BC (s´ o ser´ , se o “soco” for per-
o a
astrˆ nomo, visitou Newton e lhe fez a mesma pergunta,
o ´
pendicular a CD, que e o caso do movimento circular). E poss´vel
´ ı
Newton teria respondido, imediatamente, que, segundo mostrar, com pequeno trabalho, que as areas dos triˆ ngulos ainda
´ a
seus c´ lculos, era uma elipse, por´ m n˜ o achou os
a e a s˜ o iguais: area PAB = area PBC = area PCD. Se o corpo re-
a ´ ´ ´
c´ lculos. Halley insistiu, ent˜ o, que ele escrevesse
a a cebesse “socos” a iguais intervalos de tempo, sua trajet´ ria for-
o
maria uma poligonal, ao redor do ponto P (figura da direita) e os
seus c´ lculos; o resultado, ap´ s alguns pequenos trata-
a o
triˆ ngulos formados teriam a mesma area. No caso limite em que
a ´
dos (verdadeiros rascunhos do trabalho maior) foi o o intervalo de tempo entre “socos” sucessivos for muito pequeno,
Princ´pios Matem´ ticos da Filosofia Natural.
ı a tendendo a zero, a forca se torna cont´nua, sempre direcionada para
¸ ı
Com uma leitura cuidadosa do livro de Newton e o ponto P , e o pol´gono se torna uma curva suave.
ı
de seus cadernos de notas, I.B. Cohen prop˜ e que:o
1. Newton chegou a Gravitac ao Universal por uma
` ¸˜ ` ¸˜
2.4.3. Da Terceira Lei a Gravitac ao Universal
aplicac ao de sua Terceira Lei.
¸˜
No ultimo rascunho que antecedeu ao Princ´pios, New-
´ ı
2. A Terceira Lei s´ foi formulada por ele no
o ton formula a Terceira Lei [apud 17]:
10. 266 Dias et al.
As acoes de corpos que atraem e s˜ o atra´dos s˜ o
¸˜ a ı a outra ponta do fio. A solucao de Newton (c.1664-
¸˜
m´ tuas e iguais. Se existirem dois corpos, nem o
u 1665) foi anterior a de Huygens, por´ m Huygens publi-
` e
atra´do nem o que atrai podem estar em repouso.
ı cou seus resultados antes de Newton, em 1673, no
O Rel´ gio Oscilat´ rio (Horologium Oscillatorium); a
o o
Newton compreendeu que, se o Sol atrai a Terra, a
demonstrac ao dos resultados de Huygens, contudo, s´
¸˜ o
Terra deveria tamb´ m atrair o Sol, com uma forca de
e ¸
foi publicada postumamente, em 1703, no Sobre a
mesma intensidade. Ora, se cada planeta e, por sua
´
Forca Centr´fuga [18]. O modo como Huygens con-
¸ ı
vez, atra´do pelo Sol, ent˜ o ele atrai o Sol, pela Ter-
ı a
cebeu o problema e conceitualmente mais rico do que
´
ceira Lei. Ent˜ o, cada planeta e um centro de forca
a ´ ¸
o de Newton.
atrativa, tamb´ m. Mas, se assim, cada planeta n˜ o s´
e a o
atrai como e atra´do pelo Sol, mas tamb´ m atrai e e
´ ı e ´ Considere a Fig. 10 ([18], p. 261), onde o c´rculo
ı
atra´do por cada um dos outros planetas.
ı BEFG e uma grande roda vertical (pode ser a Terra),
´
A lei do inverso do quadrado seria, apenas, uma tal que uma pessoa possa estar de p´ em B, segurando
e
parte da Gravitac ao Universal. A descoberta impor-
¸˜ um fio do qual pende uma esfera. Quando a roda gira
tante — feita por Newton — e a interacao m´ tua. Co-
´ ¸˜ u em torno de A, caso a esfera se soltasse, ela se moveria
hen argumenta que a forma r12 era suficientemente co- ao longo da reta BCDH.
nhecida e e uma conseq¨ encia da Terceira Lei de Ke-
´ uˆ
pler, junto com a express˜ o da tendˆ ncia centr´fuga.
a e ı
Newton e, antes dele, Chistiaan Huygens, haviam de-
monstrado que a tendˆ ncia centr´fuga pode ser ex-
e ı
2
pressa (em notacao moderna) a = vr , onde v e a ve-
¸˜ ´
locidade e r e o raio da trajet´ ria. Ent˜ o, em termos
´ o a
modernos, se um corpo de massa m se move em um
movimento circular uniforme, de raio r:
v2 2πr
F =m× ; v =
r τ
r3
onde τ e o per´odo e
´ ı τ2
e constante, pela Terceira Lei,
´
de Kepler.
2πr 2
r3 1
F =m× τ
≡ m × (2π)2
r τ2 r2
1
= m × constante × Figura 10 - A “Tendˆ ncia Centr´fuga” (Huygens). O homem e a
e ı
r2 esfera percorrem distˆ ncias iguais, respectivamente, sobre a roda e
a
Newton reconheceu que a interacao gravitacional
¸˜ sobre a reta, pois tˆ m a mesma velocidade. Para distˆ ncias muito
e a
m´ tua implica que as leis de Kepler n˜ o s˜ o estrita-
u a a pequenas, pode-se considerar que o homem, a esfera e o centro da
roda estejam alinhados. Al´ m disso, “a vertical” (direcao AB) n˜ o
e ¸˜ a
mente verdadeiras, mas v´ lidas, somente, na situacao
a ¸˜ difere muito desse alinhamento, de modo que n˜ o importa — caso
a
ideal em que a Terra e reduzida a um ponto com massa
´ a roda seja a Terra — se a atracao da Terra e ao longo da vertical
¸˜ ´
e o Sol, sem massa, a um centro im´ vel de forca. De
o ¸ ou ao longo do alinhamento.
fato, o Sol tamb´ m e atra´do pela e para a Terra. Para
e ´ ı
lidar com situacoes reais, Newton procedeu de acordo
¸˜ Huygens argumenta que, para distˆ ncias muito pe-
a
com o que I. B. Cohen chamou de estilo newtoniano: quenas, pode-se considerar que as posicoes da esfera
¸˜
Ele parte de uma construc ao abstrata e introduz novas
¸˜ sobre a reta (C, D) tendem a se afastar das posicoes
¸˜
condicoes, para adaptar a situacao concreta.
¸˜ ` ¸˜ do homem sobre a roda (E, F ) ao longo de uma reta
passando pelo centro da roda, pelo homem e pela
esfera (EC, FD). Ora, se a pessoa e a esfera gi-
2.5. Christiaan Huygens: A tendˆ ncia
e
rassem sempre juntas, o fio estaria sempre tencionado
centr´fuga
ı
pelo peso da esfera, de acordo com a pessoa; por-
Newton e Huygens, independentemente, procu- tanto, a “tendˆ ncia” de se afastar do centro da roda
e
raram uma express˜ o para a tendˆ ncia que qualquer
a e (distˆ ncias EC, FD) estaria, nesse caso, sendo anulada
a
corpo tem de tensionar um fio a ele amarrado por uma pelo peso; a “tendˆ ncia” (EC, FD) deve, pois, ser de-
e
1
ponta, quando uma pessoa gira o corpo, segurando a scrita de modo similar a “queda livre”: EC ≈ 2 gt2 ,
`