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Memorial do Convento - Espaço social e a crítica
«O espaço social é construído, na obra, através do relato de determinados momentos (ou episódios)
e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando-o.
É através do espaço social que o leitor tem um quadro da vida social do reiunado de D. João V (primeira
metade do séc. XVIII – na obra, entre 1711 e 1739).
Lisboa e Mafra são os palcos desse desfilar de personagens que encarnam o ponto de vista sociológico do
narrador, corporizando a crítica que o mesmo vai fazendo às injustiças e à opressão da época.
Em Lisboa refletem-se as relações sociais, os jogos políticos e do poder, a futilidade, a corrupção, o
oportunismo da Igreja (promessa) e a subserviência dos cortesãos; mas também a pobreza do povo, o sofrimento,
a ignorância, o medo, o fanatismo e histeria religiosa, a sujidade, o gosto pelas atividades sanguinárias, como
as praticadas nos autos de fé e nas touradas. À riqueza, luxo e sumptuosidade da família real, da corte e daqueles
que lhe estão próximos, como até dos altos dignitários do clero, como a Inquisição e o patriarca da Procissão
do Corpo de Deus, opõem-se os populares miseráveis e oprimidos, que participam ou assistem aos principais
acontecimentos sociais como as Procissões da Quaresma e do Corpo e Deus, aos Autos de fé, às Touradas, à ao
cortejo que antecede a Troca das Princesas e à Sagração da Basílica. Nestes momentos, também o povo patenteia
inegáveis manifestações de prazer, encontrando no sofrimento alheio uma certa forma de divertimento e
regozijo.
Ainda em Lisboa, a abegoaria de S. Sebastião da Pedreira, onde é construída a Passarola Voadora,
representa o espaço do sonho e da liberdade. É também o espaço social que simboliza o contrapoder, o sonho,
a partilha e a liberdade. É o espaço da vida simples, da amizade e do encontro solidário das personagens que o
frequentam.
Por sua vez, Mafra é também um palco significativo para o desfile de outros quadros socais. É lá que a
megalomania do rei ganha mais dimensão. Mas Mafra é também o local que melhor representa o esforço
desmedido de milhares de trabalhadores que, voluntariamente ou à força, aí se encontram para dar forma ao
sonho do rei. Torna-se, por isso, espaço de sofrimento, de solidão, de escravatura e de morte, como também de
companheirismo, solidariedade, tolerância e amizade entre os trabalhadores, como bem se prova no episódio da
Epopeia da Pedra, quer no funeral de Francisco Marques, quer nos momentos das micronarrativas dos homens
qu fazem o transporte da pedra mãe de Pero pinheiro para Mafra, no chamado episódio da Epopeia da Pedra.»
Elsa Freitas e Isabel Ferreira, Preparar o Exame Nacional de Português, 12.º, Areal, p.254
Ao nível da construção do espaço social, destacam-se os seguintes momentos:
PROCISSÃO DA QUARESMA (III, 28-31)
AUTOS-DE-FÉ (V,50-54)
A TOURADA (IX,101-104)
PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS (XIII, 152-164)
O TRABALHO NO CONVENTO (cap. XVII, 220-225 - Ilha da Madeira e XIX, 249-274 – Epopeia da
pedra)
1. Procissão da Quaresma - ano 1711 - (Cap. III, pp. 28-31)
1.1.Aspetos apresentados e críticas correspondentes
Excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas - as
pessoas comiam e bebiam demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas", atiravam água à cara umas das outras,
batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas.
Penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é tempo de "mortificar
a alma para que o corpo finja arrepender-se”).
Descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andares, as
confrarias e as irmandades).
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Manifestações de fé que tocavam a histeria (as pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam os
cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz sinais da cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes
recorrem à autoflagelação.
O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia uma
cidade suja, caótica e as suas gentes eram dominadas pela hipocrisia de uma alma que, ironicamente, este define
como “perfumada”.
1.2. Interpretação
Passado o Carnaval, altura em que a população cometia excessos, era o tempo da Quaresma, momento
em que as pessoas procuravam redimir-se dos seus pecados. Durante a procissão dos penitentes, é realçada a
forma como a população se manifesta histericamente, servindo-se dessa festa religiosa para satisfações carnais
(Trata-se da crítica à mistura entre o sagrado e o profano).
As ruas enchiam-se de pessoas que faziam as suas penitências histericamente e recorrendo à
autoflagelação. A população que assistia revela o seu gosto por sangue (quando as pessoas se exaltam devido
ao som do chicote e a visão do sangue que escorre).
Por outro lado, a Quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as igrejas sozinhas e
assim gozar de uma rara liberdade que lhes permitia até mesmo encontrarem-se com os seus amantes secretos
«(…) por isso a mulher, entre duas igrejas, foi a encontrar-se com um homem, qual seja (…)» (p. 30). Trata-se
da denúncia da infidelidade (adultério) aparentemente consentida, «Entretanto, se é dia, estarão dormindo sesta
os maridos ingénuos, ou que fingem sê-lo (…)» (p. 31).
2. AUTOS DE FÉ (V, 50-54)
No primeiro auto de fé presente na obra, o povo está em festa por ser domingo e haver auto de fé. Em
todos os autos de fé referenciados (cap. V, IX e XV) aparece uma grande procissão composta por dominicanos,
inquisidores e condenados.
Um mar de gente vinha ao Rossio para ver os condenados. As pessoas atiravam legumes e frutas podres
aos condenados ao mesmo tempo em que os insultavam. O povo dançava em frente às fogueiras onde alguns
condenados ardiam e não se importavam com o cheiro a carne queimada, porque já estavam habituados.
Os autos de fé, em particular, mostram a força que a Inquisição exercia sobre todas as classes
sociais, assim, todos sofriam repressões religiosas e politicas.
2.1. Aspetos a salientar
O Rossio está cheio de assistência; a população está duplamente em festa, porque é domingo e porque vai
assistir a um auto de fé (passaram dois anos após o último evento deste tipo).
A assistência feminina, à janela (como na procissão da Quaresma, III 28), exibe as suas toilettes, preocupa-
se com pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta),
e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo.
Sai a procissão em forma de serpente, à frente os dominicanos, depois, os inquisidores.
Distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de costas
voltadas, para as mulheres que irão arder na fogueira;
Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de
Blimunda)
Punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo dança em frente das fogueiras.
2.2. Críticas do narrador
O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos de fé ou de touradas,
evidenciando com esta afirmação a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura
nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência.
A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa. Esta constatação suscita,
mais uma vez, a crítica do narrador - na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados
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iriam, em breve, arder nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia
e de se consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas. Contrapondo a pobreza desta alimentação, o
narrador refere o luxo e a riqueza do jantar da família real na Inquisição - «El-rei, com os infantes seus manos
e suas manas infantas, jantará na Inquisição, depois de terminado o auto de fé (…) a mesa do inquisidor-mor,
soberbíssima de tijelas de caldo de galinha, de perdigões, de peitos de vitela, de pastelões, de pastéis de carneiro
com açúcar e canela, de cozido à castelhana (…)» (V, 51).
A ironia do narrador é ainda traduzida pela constatação de que, em Lisboa, as pessoas não estranham o
cheiro a carne queimada, acrescentando ainda numa perspetiva crítica, que a morte dos judeus é positiva, pois
os seus bens são deixados à Coroa.
3. Tourada (Terreiro do Paço) (cap. IX)
Tanto a tourada como os autos de fé são descritivos da sociedade em geral, mas as maiores críticas incidem
sobre o povo. É a caracterização de um povo enquanto admirador de sangue, sofrimento e morte. Ao ver estes
espetáculos sanguinários até é capaz de se esquecer da miséria em que vive.
No início do episódio a “Tourada”, o espetáculo descreve a forma como os touros são torturados, exibindo
o sangue, as feridas, as ”tripas” ao público que, em exaltação, se liberta de inibições, e as pessoas presentes nas
bancadas esfregam-se umas nas outras para demostrarem o seu desejo por sexo, «(…) os homens em delírio
apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce, nem Blimunda é exceção, e porque
havia de ser, toda apertada contra Baltasar, sobe-lhe à cabeça o sangue que vê derramar-se.» (IX, 102).
Dois toiros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça; de um saem coelhos
que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão.
4. Procissão do Corpo de Deus (Cap. XIII)
A procissão do Corpo de Deus, em conjunto com a procissão da Quaresma, caracteriza a sociedade em
geral. Assim, mostra uma Igreja e um rei fúteis, pois o facto de a procissão estar cheia de adornos luxuosos não
contribui propriamente para a glorificação divina, é antes a demonstração da ostentação e luxo do monarca e da
Igreja.
4.1. Preparação da procissão
Nos dias que antecedem a procissão, as damas vêm às janelas (como na procissão da Quaresma e nos
autos de fé) para mostrarem os seus penteados às vizinhas, rivalizando com elas e gritando motes. Há pessoas
a dançar e a tocar na rua, e também se improvisam touradas. O povo, ao ver todos os preparativos para a
procissão, fica fascinado com a riqueza que esta ostenta.
Descrição dos "preparos da festa” feita pelo narrador, que assume o olhar do povo (as descrever as colunas,
as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com
cortinas e sanefas de damasco e franjas de ouro), mostra que se sente maravilhado com a riqueza da decoração.
A reflexão do narrador leva-o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo
teme os pretos que se encontram armados à porta das lojas, tal como os quadrilheiros, que procederiam à prisão
dos infratores.
4.2. Realização da procissão:
O evento começa cedo. De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão,
devidamente fardados
Durante a procissão, à frente, surgem as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro
lugar a dos carpinteiros em honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os tambores, os trombeteiros, as
irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas,
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dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos
sacros
4.3. Críticas do narrador
Inicialmente, é evidenciado o descontentamento do povo perante o facto de a procissão não ser a mesma
de antigamente. Esta é uma crítica às pessoas que se colam às tradições, não querendo evoluir. Mas, afinal,
quando são sujeitas à mudança até gostam.
Verifica-se uma rítica do narrador às crenças e interditos religiosos, com a visão oficial da procissão como
forma de purificação das almas, que tentam libertar-se dos pecados cometidos. Denuncia-se assim a histeria
coletiva das pessoas que batem em si próprias e nos outros como manifestação da sua condição de pecadores.
Há censura à riqueza da decoração, ao luxo da igreja e aos pensamentos mundanos do Patriarca (“Ah,
gente pecadora, homens e mulheres que em danação teimais viver essas vossas transitórias vidas, fornicando,
comendo, bebendo mais que a conta (…) pagai portanto o devido, dai a César o que é de Deus, a Deus o que é
de César, depois cá faremos as contas e distribuiremos o dinheiro, pataca a mim, ati pataca, em verdade vos
digo e hei de dizer (…)” (XIII; p. 162)
É feita também uma mordaz sátira à luxúria do Rei (Pensamentos do rei: «(…) ajoelhai lá, porque vai
passando a custódia eu vou passando. Cristo vai dentro dela, dentro de mim a graça de ser rei na terra, ganhará
qual dos dois, o que for de carne para sentir, eu, rei e varrasco, bem sabeis como as monjas são esposas do
Senhor, é uma verdade santa, pois a mim como a Senhor me recebem nas suas camas, e é por ser eu o Senhor
que gozam e suspiram (…)» (XIII, p. 163).
O autor critica também a futilidade das damas que só pensavam no aspeto físico, que se exibiam em
disputa pelo título da mais “arranjada” e espirituosa no que se refere aos motes que declamavam em forma de
piropo.
Há até uma crítica à escravatura, evidenciada pelo facto de cada comerciante possuir um escravo preto
para guardar a porta da sua loja.
Posto isto, pode dizer-se que Lisboa foi retratada como sendo um espaço caótico com rituais
religiosos.
4.4. Relação com a atualidade
O principal acontecimento ou situação que se pode relacionar com a atualidade é a Procissão do Corpo de
Deus. Como diz o poeta Camões «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». Também as procissões foram
evoluindo, tomando uma forma mais liberal. Contudo, ainda hoje, para algumas gentes, a procissão da terra é o
acontecimento onde se exibe o melhor traje, as joias mais valiosas, o penteado mais bonito. E, tal como naqueles
tempos, as senhoras ainda colocam a questão “Qual a mais bem vestida?”. Por outro lado, há ainda as “beatas”
que usam a procissão para murmurar todo o caminho, como se estivessem a rezar pelo perdão dos pecados dos
outros. No que diz respeito à procissão em si, o desfile continua a ser uma manifestação de luxo e ostentação
por parte do clero.
Concluindo, as procissões são vistas pelo narrador (aqui coincidente com a voz de José Saramago) como
meio de exibicionismo, ostentação e falta de fé. Não passam de uma fachada católica.
5. O TRABALHO NO CONVENTO (cap. XVII, 220-225 - Ilha da Madeira , XIX, 249-274 – Epopeia
da pedra, recrutamento forçado dos trabalhadores, XXI)
5.1. Trabalho no convento – a Ilha da Madeira
O espaço da construção simboliza um espaço da servidão desumana, em que os trabalhadores foram
obrigados a erguer o convento e a viverem em condições deploráveis. Muitos homens eram obrigados a deixar
a sua terra natal e iam acorrentados para Mafra e de lá não saíam até a morte os resgatar. João V sujeitou os
seus súbditos para alimentar a sua vaidade.
Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que D. João V sujeitou todos os seus súbditos para
alimentar a sua vaidade. Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram
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obrigados, à força de armas, o abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do seu rei
e aumentar a sua glória. A construção do convento é a imagem de marca da escravatura
5.2. Epopeia da pedra (XIX, pp. 249-274)
O cap. XIX é consagrado à saga heroica do transporte de uma pedra enorme de Pêro Pinheiro para Mafra,
num percurso de cerca de 15 Km. A pedra destinava-se à varanda situada sobre o pórtico da basílica. (249)
Para ao transporte foi necessário construir um enorme carro próprio, puxado por 200 juntas de bois e com
a colaboração de cerca de 600 homens. A pedra tinha sete metros de comprimento, três de largura e sessenta e
quatro centímetros de espessura. Pesava mais de trinta toneladas e levou oito dias a ser transportada.
Durante esses oito dias, homens e animais trabalhavam até à exaustão, descansando apenas durante a
noite. É nessas horas que, encaixada na narrativa principal, surge a história da “Rainha e o Ermitão”, contada
por Manuel Milho. Com esta se ameniza o sofrimento dos homens, porque os distrai e os deixa curiosos para
desenlace, mantendo-os interessados para o episódio que surgirá apenas na noite seguinte. Trata-se de uma
história que parece uma sátira antimonárquica, mas é sobretudo uma reflexão profunda sobre a existência
humana e sobre a possibilidade de transformação pelo sonho: “João Pequeno esfregou o queixo, áspero da barba,
e perguntou, Como é que um boieiro se faz homem, e Manuel Milho respondeu, Não sei. Sete-Sóis atirou o
calhau para a fogueira e disse, Talvez voando. (Cap. XIX, p. 273)
É neste capítulo que o narrador faz sobressair o povo e nele elege os seus heróis, os construtores da
História, que sempre ficaram no anonimato. Funciona assim como uma epopeia cujo herói é o povo que,
humilhado, sacrificado e miserável, alcança uma dimensão trágica e se eleva aos nossos olhos, na sua força e
humanidade, superando de longe as duas outras classes.
Aqui se destaca a força, o suor, o sacrifício e até a morte dos homens (como é o caso de Francisco
Marques) que, pela sobrevivência e até forçados, trabalham sem descanso para tornar possível o cumprimento
da promessa do rei. Alguns desses homens são tirados do anonimato e adquirem forma e identidade próprias,
entrando em ação, como é o caso de Francisco Marques e Manuel Milho. Aos outros é-lhes prestada homenagem
num simples desejo de os tornar imortais, de os incluir numa história de Portugal que os esqueceu, como são
esquecidos todos os “pequenos”.» (Alzira Falcão, Como Abordar o Memorial do Convento, Areal Editores. Porto.
2002. p. 49)
“Tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudo quanto é vida também, sobretudo se atribulada,
principalmente se miserável (…) só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende,
Alcino, Brás, Cristóvão (…) Zacarias, uma letra de cada um para ficarem todos representados. (p. 250)
O autor salienta o carácter heterodoxo destes “heróis” – “(…) um marreco, um maneta, um zarolho (…)
(250). Caso de Francisco Marques e o desvio da rota para se encontrar com a esposa – episódio cómico! (251 e
8)
5.3. Fases do episódio da epopeia da pedra
- Em Pêro Pinheiro, espanto ao primeiro contacto com a pedra - «É a mãe da pedra». (252)
- Descrição pormenorizada e medidas exatas, em termos da época e atuais. (253-4)
- Carregamento da pedra e ferimento de um homem. (255)
- Dificuldades da viagem anunciadas desde o início (259) – primeiro dia, apenas quinhentos passos, devido
aos declives do terreno. (259)
- O dia seguinte “foi de grandes aflições” e dificuldades para controlar a “nau da Índia”, sobretudo nas
descidas. (261-2) Comentário crítico e humorístico (266)
- O calvário da descida de Cheleiros, em relação ao qual nem “o diabo não tinha imaginado suplício
assim”. (268)
- Morte trágica de Francisco Marques. (268)
- São mortos dois bois que ficaram feridos e a carne é distribuída. (269-70)
- Apesar de todo o sacrifício, a pedra é conduzida ao seu destino, «Entre Pêro Pinheiro e Mafra gastaram
oito dias completos. Quando entraram no terreiro, foi como se estivessem chegando duma guerra perdida, sujos,
esfarrapados, sem riquezas. Toda a gente se admirava com o tamanho desmedido da pedra, Tão grande. Mas
Baltasar murmurou, olhando a basílica, tão pequena». (273)
6
5.4. Da prepotência do rei ao sacrifício do povo – o recrutamento forçado para as obras (Cap. XXI)
Numa fase em que as obras no convento em Mafra decorriam em ritmo lento, apesar dos 11 anos de
trabalho, tendo começado em 1717 (p. 141) e estando-se já em 1728 (p. 296 e 299), o rei D. João V revela ao
arquiteto Ludovice que quer fazer em Lisboa uma basílica como a de S. Pedro em Roma. Ludovice informa-o
que isso demoraria 240 anos a concluir. O rei decide então aumentar o tamanho do convento de Mafra (p. 291),
inicialmente pensado para 13, depois para oitenta e finalmente para nele passarem a viver 300 frades.
(Visão satírica e caricatural, num cómico diálogo do rei D. João V com o responsável pelo tesouro
público «Então diz-me lá como estamos de deve e haver (…) Saiba vossa majestade que, haver, havemos cada
vez menos, e dever, devemos cada vez mais, Já o mês passado me o mesmo, E também o outro mês, e o ano
que lá vai, por este andar ainda acabamos por ver o fundo ao saco, majestade. Está longe daqui o fundo dos
nossos sacos, um no Brasil, ouro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo com tão grande atraso que
poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos. Se vossa majestade me perdoa o atrevimento,
eu ousaria dizer que estamos pobres e sabemos (…) isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo, entra-
lhe o dinheiro pela boca e sai-lhe pelo cu, com perdão de vossa majestade, Ah, ah, ah, , riu o rei, essa tem muita
graça, sim senhor, queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda, e eu
estou em muito boa posição para o saber, de cócoras, que é como sempre deve estar quem faz as contas do
dinheiro dos outros. Este diálogo é falso, apócrifo, calunioso, e também profundamente imoral, não respeita o
trono nem o altar, põe um rei e um tesoureiro real a falar como arrieiros em taberna (…)» - comenta irónica e
satiricamente o narrador (pp. 293-4).
Apavorado perante a perspetiva de morrer sem poder assistir à conclusão da sua obra, o rei exige que a
sagração da basílica de Mafra seja feita num domingo que coincida com o seu aniversário: será 22 de outubro
de 1730 . Nova coincidência só ocorreria dez anos depois, sofrendo o rei a agonia de pensar que já não viveria
nessa altura. (ver p.301)
O rei exige a contratação imediata e coerciva de todos os trabalhadores do país disponíveis. «(…) ordeno
a todos os corregedores do reino se mande que reúnam e enviem para Mafra quantos operários se encontrem
(…) retirando-os, ainda que por violência. (…) Foram as ordens, vieram os homens (…) à força quase todos.”
(cap. XXI, p. 302)
Os homens são tratados como escravos e as mulheres abusadas (304). Intertextualidade com Os Lusíadas
na despedida de Belém e no episódio do Velho do Restelo (304)
A violência do recrutamento (304- e 325) e respetivo sofrimento gravados nas iniciais de MAFRA -
“mortos, assados, fundidos, roubados, arrastados” (p. 306). Os homens são mesmo tratados como “tijolos”
(307), ou seja, simples peças de uma obra, sem valor humano.
6. Sagração da Basílica (cap. XXIV)
Em 22 de outubro de 1730, fazia o rei 41 anos, inicia-se a festa da sagração da basílica.
As cerimónias revestiram-se de grande luxo e ostentação (365-6), uma vez que o dinheiro abundava e a
sagração era motivo de glória para o rei. A sagração prolongou-se por oito dias (coincidentes com o tempo
necessário para o transporte da pedra da varanda da Benedictione de onde o patriarca lança a bênção ao povo.
(p. 366)
O rei chega a Mafra alguns dias antes da sagração da basílica, com um enorme cortejo de pessoas da alta
aristocracia. A sagração da basílica aconteceu no dia em que o rei fez 41 anos. A obra ainda nem sequer estava
concluída. Os festejos duraram oito dias e durante esse tempo ocorreram cerimónias incontáveis.
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6.1. Intencionalidade crítica
A crítica é visível na denúncia da pompa e luxo que caracterizaram as cerimónias, com referências
múltiplas:
- magnífico trono patriarcal;
- cadeiras e dossel de veludo carmesim, com guarnições de ouro;
- o chão coberto de alcatifas;
- vinho branco numa garrafa de prata;
- uma colher de prata, uma concha dourada;
- o anel faiscante;
- os ouros e os carmesins resplandecentes;
- as alvas cambraias.
Por outro lado, a sátira incide sobre a figura do patriarca, nas suas vestes e salamaleques (mesuras
exageradas) que acompanhavam a cerimónia e prendiam a atenção de povo, alheios às palavras que nem se
conseguiam ouvir, já que a multidão era de “setenta, oitenta mil pessoas” e D. Tomás de Almeida não dispunha
ainda das “trombetas eletrónicas” (366)
- o principal da festa é o patriarca;
- estar o patriarca escrevendo com a ponta do báculo (bordão) (…) parece mais obra de bruxedo, eu te
talho e retalho, do que ritual canónico;
- não faltam hieróglifos, gatimanhos, passos e passes, para lá e para cá;
- começou a missa pontifical, que, claro está, levou o seu tempo, e não foi pouco;
- D. Tomás de Almeida recitando lá do alto as palavras da bênção;
-mas a maior sabedoria do homem ainda continua a ser contentar-se com o que tem, enquanto não inventa
melhor;
- levantou-se o pastor com o séquito, as ovelhas já se levantaram.
Assim, o autor põe em destaque o luxo e o fausto da Igreja, fazendo sobressair a miséria do povo a quem
chama “sábio”, ironicamente, por saber contentar-se com o que tem”. (366?)
7. Batizado da princesa, Cortejo do casamento e a Sagração da Basílica
Estes três momentos da obra mostram o luxo e a ostentação em que vive o rei, a nobreza e o clero.
Estes grupos sociais esbanjam dinheiro com futilidades e em luxos, enquanto o povo vive na miséria.
O batizado da princesa Maria Bárbara, o cortejo do casamento e a sagração da basílica são três
momentos que caracterizam a nobreza e o clero ao mesmo tempo que as suas vidas contrastam com a
miséria do povo.
7.1. Batizado da princesa
Para o batizado da princesa Maria Bárbara a capela real estava decorada com panos e ouros. Os convidados
estavam vestidos de uma forma tão exagerada que nem se distinguiam as feições. Durante a cerimónia, é
realçado o número elevado de pessoas que acompanharam a princesa para o seu batismo bem como a riqueza
que aquela bebé já adquirira do padrinho, que também presenteou a mãe (VII, p. 75) (que D. Francisco andava
a galantear e com quem ela tinha sonhos eróticos – ver cap. I, pp. 17, IX, p. 118 ).
7.2. Cortejo do casamento d princesa Maria Bárbara (troca das princesas)
O capítulo 22 é essencialmente sobre as famílias reais portuguesa e espanhola.
Desde muito cedo foram organizados casamentos entre as duas como os que são retratados na obra.
No decorrer do capítulo apercebemo-nos que iremos assistir ao percurso de Maria Bárbara e da família
real até Espanha, onde ela se vai casar. Durante a viagem, a comitiva real passa por várias cidades portuguesas
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e depara-se com alguns problemas, principalmente os meteorológicos, visto a chuva tornar os caminhos muito
complicados para passar. Há referência da construção de várias propriedades reais para que se pudessem acolher
durante a viagem.
Destaca-se o palácio de Vendas Novas, edifício grandioso e de extremo luxo, construído propositadamente
apenas para acolher a família real por ocasião da viagem de ida e volta para o casamento de Maria Bárbara com
o futuro rei e Espanha - «(…) aqui andaram pra cima e dois mil homens (…) Neste palácio e na casa que viste
em Pegões se gastou um milhão de cruzados, sim, um milhão (…»(Cap. XXII, p. 317.
Síntese
A procissão do Corpo de Deus, em conjunto com a procissão da quaresma, caracteriza a sociedade em
geral. As procissões servem para caracterizar a sociedade em geral, tendo em comum o caracter histérico com
que são vividas
A tourada, tal como os autos-de-fé, é uma caracterização de um povo, enquanto admirado e entusiasmado
pelo sangue, sofrimento e morte. O povo, ao ver estes espetáculos sanguinários, até é capaz de se esquecer da
miséria em que vive. Os autos-de-fé, em particular, mostram a força que a Inquisição exercia sobre todas as
classes sociais, assim, todos sofriam repressões religiosas e politicas.
.A violência das touradas e dos autos-de-fé agrada ao povo que obscuro e ignorante, se diverte com
imagens de morte.
Os momentos como o cortejo real, o batizado da princesa Maria Barbara e a sagração da basílica são a
demostração de como o rei e a nobreza viviam, sempre procurando o luxo e a exibição da riqueza, enquanto o
povo assiste vivendo na miséria.
NOTA: podem também ser consultados os sites:
http://memorialdoconventojosesaramago.blogspot.pt/2011/03/espaco-social.html
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A.Teixeira, março 2017

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  • 1. 1 Memorial do Convento - Espaço social e a crítica «O espaço social é construído, na obra, através do relato de determinados momentos (ou episódios) e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando-o. É através do espaço social que o leitor tem um quadro da vida social do reiunado de D. João V (primeira metade do séc. XVIII – na obra, entre 1711 e 1739). Lisboa e Mafra são os palcos desse desfilar de personagens que encarnam o ponto de vista sociológico do narrador, corporizando a crítica que o mesmo vai fazendo às injustiças e à opressão da época. Em Lisboa refletem-se as relações sociais, os jogos políticos e do poder, a futilidade, a corrupção, o oportunismo da Igreja (promessa) e a subserviência dos cortesãos; mas também a pobreza do povo, o sofrimento, a ignorância, o medo, o fanatismo e histeria religiosa, a sujidade, o gosto pelas atividades sanguinárias, como as praticadas nos autos de fé e nas touradas. À riqueza, luxo e sumptuosidade da família real, da corte e daqueles que lhe estão próximos, como até dos altos dignitários do clero, como a Inquisição e o patriarca da Procissão do Corpo de Deus, opõem-se os populares miseráveis e oprimidos, que participam ou assistem aos principais acontecimentos sociais como as Procissões da Quaresma e do Corpo e Deus, aos Autos de fé, às Touradas, à ao cortejo que antecede a Troca das Princesas e à Sagração da Basílica. Nestes momentos, também o povo patenteia inegáveis manifestações de prazer, encontrando no sofrimento alheio uma certa forma de divertimento e regozijo. Ainda em Lisboa, a abegoaria de S. Sebastião da Pedreira, onde é construída a Passarola Voadora, representa o espaço do sonho e da liberdade. É também o espaço social que simboliza o contrapoder, o sonho, a partilha e a liberdade. É o espaço da vida simples, da amizade e do encontro solidário das personagens que o frequentam. Por sua vez, Mafra é também um palco significativo para o desfile de outros quadros socais. É lá que a megalomania do rei ganha mais dimensão. Mas Mafra é também o local que melhor representa o esforço desmedido de milhares de trabalhadores que, voluntariamente ou à força, aí se encontram para dar forma ao sonho do rei. Torna-se, por isso, espaço de sofrimento, de solidão, de escravatura e de morte, como também de companheirismo, solidariedade, tolerância e amizade entre os trabalhadores, como bem se prova no episódio da Epopeia da Pedra, quer no funeral de Francisco Marques, quer nos momentos das micronarrativas dos homens qu fazem o transporte da pedra mãe de Pero pinheiro para Mafra, no chamado episódio da Epopeia da Pedra.» Elsa Freitas e Isabel Ferreira, Preparar o Exame Nacional de Português, 12.º, Areal, p.254 Ao nível da construção do espaço social, destacam-se os seguintes momentos: PROCISSÃO DA QUARESMA (III, 28-31) AUTOS-DE-FÉ (V,50-54) A TOURADA (IX,101-104) PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS (XIII, 152-164) O TRABALHO NO CONVENTO (cap. XVII, 220-225 - Ilha da Madeira e XIX, 249-274 – Epopeia da pedra) 1. Procissão da Quaresma - ano 1711 - (Cap. III, pp. 28-31) 1.1.Aspetos apresentados e críticas correspondentes Excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas - as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas", atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas. Penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é tempo de "mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se”). Descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andares, as confrarias e as irmandades).
  • 2. 2 Manifestações de fé que tocavam a histeria (as pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam os cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz sinais da cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes recorrem à autoflagelação. O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia uma cidade suja, caótica e as suas gentes eram dominadas pela hipocrisia de uma alma que, ironicamente, este define como “perfumada”. 1.2. Interpretação Passado o Carnaval, altura em que a população cometia excessos, era o tempo da Quaresma, momento em que as pessoas procuravam redimir-se dos seus pecados. Durante a procissão dos penitentes, é realçada a forma como a população se manifesta histericamente, servindo-se dessa festa religiosa para satisfações carnais (Trata-se da crítica à mistura entre o sagrado e o profano). As ruas enchiam-se de pessoas que faziam as suas penitências histericamente e recorrendo à autoflagelação. A população que assistia revela o seu gosto por sangue (quando as pessoas se exaltam devido ao som do chicote e a visão do sangue que escorre). Por outro lado, a Quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as igrejas sozinhas e assim gozar de uma rara liberdade que lhes permitia até mesmo encontrarem-se com os seus amantes secretos «(…) por isso a mulher, entre duas igrejas, foi a encontrar-se com um homem, qual seja (…)» (p. 30). Trata-se da denúncia da infidelidade (adultério) aparentemente consentida, «Entretanto, se é dia, estarão dormindo sesta os maridos ingénuos, ou que fingem sê-lo (…)» (p. 31). 2. AUTOS DE FÉ (V, 50-54) No primeiro auto de fé presente na obra, o povo está em festa por ser domingo e haver auto de fé. Em todos os autos de fé referenciados (cap. V, IX e XV) aparece uma grande procissão composta por dominicanos, inquisidores e condenados. Um mar de gente vinha ao Rossio para ver os condenados. As pessoas atiravam legumes e frutas podres aos condenados ao mesmo tempo em que os insultavam. O povo dançava em frente às fogueiras onde alguns condenados ardiam e não se importavam com o cheiro a carne queimada, porque já estavam habituados. Os autos de fé, em particular, mostram a força que a Inquisição exercia sobre todas as classes sociais, assim, todos sofriam repressões religiosas e politicas. 2.1. Aspetos a salientar O Rossio está cheio de assistência; a população está duplamente em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto de fé (passaram dois anos após o último evento deste tipo). A assistência feminina, à janela (como na procissão da Quaresma, III 28), exibe as suas toilettes, preocupa- se com pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo. Sai a procissão em forma de serpente, à frente os dominicanos, depois, os inquisidores. Distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de costas voltadas, para as mulheres que irão arder na fogueira; Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda) Punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo dança em frente das fogueiras. 2.2. Críticas do narrador O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos de fé ou de touradas, evidenciando com esta afirmação a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência. A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa. Esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador - na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados
  • 3. 3 iriam, em breve, arder nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas. Contrapondo a pobreza desta alimentação, o narrador refere o luxo e a riqueza do jantar da família real na Inquisição - «El-rei, com os infantes seus manos e suas manas infantas, jantará na Inquisição, depois de terminado o auto de fé (…) a mesa do inquisidor-mor, soberbíssima de tijelas de caldo de galinha, de perdigões, de peitos de vitela, de pastelões, de pastéis de carneiro com açúcar e canela, de cozido à castelhana (…)» (V, 51). A ironia do narrador é ainda traduzida pela constatação de que, em Lisboa, as pessoas não estranham o cheiro a carne queimada, acrescentando ainda numa perspetiva crítica, que a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens são deixados à Coroa. 3. Tourada (Terreiro do Paço) (cap. IX) Tanto a tourada como os autos de fé são descritivos da sociedade em geral, mas as maiores críticas incidem sobre o povo. É a caracterização de um povo enquanto admirador de sangue, sofrimento e morte. Ao ver estes espetáculos sanguinários até é capaz de se esquecer da miséria em que vive. No início do episódio a “Tourada”, o espetáculo descreve a forma como os touros são torturados, exibindo o sangue, as feridas, as ”tripas” ao público que, em exaltação, se liberta de inibições, e as pessoas presentes nas bancadas esfregam-se umas nas outras para demostrarem o seu desejo por sexo, «(…) os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce, nem Blimunda é exceção, e porque havia de ser, toda apertada contra Baltasar, sobe-lhe à cabeça o sangue que vê derramar-se.» (IX, 102). Dois toiros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça; de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão. 4. Procissão do Corpo de Deus (Cap. XIII) A procissão do Corpo de Deus, em conjunto com a procissão da Quaresma, caracteriza a sociedade em geral. Assim, mostra uma Igreja e um rei fúteis, pois o facto de a procissão estar cheia de adornos luxuosos não contribui propriamente para a glorificação divina, é antes a demonstração da ostentação e luxo do monarca e da Igreja. 4.1. Preparação da procissão Nos dias que antecedem a procissão, as damas vêm às janelas (como na procissão da Quaresma e nos autos de fé) para mostrarem os seus penteados às vizinhas, rivalizando com elas e gritando motes. Há pessoas a dançar e a tocar na rua, e também se improvisam touradas. O povo, ao ver todos os preparativos para a procissão, fica fascinado com a riqueza que esta ostenta. Descrição dos "preparos da festa” feita pelo narrador, que assume o olhar do povo (as descrever as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e franjas de ouro), mostra que se sente maravilhado com a riqueza da decoração. A reflexão do narrador leva-o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os pretos que se encontram armados à porta das lojas, tal como os quadrilheiros, que procederiam à prisão dos infratores. 4.2. Realização da procissão: O evento começa cedo. De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão, devidamente fardados Durante a procissão, à frente, surgem as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos carpinteiros em honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os tambores, os trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas,
  • 4. 4 dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos sacros 4.3. Críticas do narrador Inicialmente, é evidenciado o descontentamento do povo perante o facto de a procissão não ser a mesma de antigamente. Esta é uma crítica às pessoas que se colam às tradições, não querendo evoluir. Mas, afinal, quando são sujeitas à mudança até gostam. Verifica-se uma rítica do narrador às crenças e interditos religiosos, com a visão oficial da procissão como forma de purificação das almas, que tentam libertar-se dos pecados cometidos. Denuncia-se assim a histeria coletiva das pessoas que batem em si próprias e nos outros como manifestação da sua condição de pecadores. Há censura à riqueza da decoração, ao luxo da igreja e aos pensamentos mundanos do Patriarca (“Ah, gente pecadora, homens e mulheres que em danação teimais viver essas vossas transitórias vidas, fornicando, comendo, bebendo mais que a conta (…) pagai portanto o devido, dai a César o que é de Deus, a Deus o que é de César, depois cá faremos as contas e distribuiremos o dinheiro, pataca a mim, ati pataca, em verdade vos digo e hei de dizer (…)” (XIII; p. 162) É feita também uma mordaz sátira à luxúria do Rei (Pensamentos do rei: «(…) ajoelhai lá, porque vai passando a custódia eu vou passando. Cristo vai dentro dela, dentro de mim a graça de ser rei na terra, ganhará qual dos dois, o que for de carne para sentir, eu, rei e varrasco, bem sabeis como as monjas são esposas do Senhor, é uma verdade santa, pois a mim como a Senhor me recebem nas suas camas, e é por ser eu o Senhor que gozam e suspiram (…)» (XIII, p. 163). O autor critica também a futilidade das damas que só pensavam no aspeto físico, que se exibiam em disputa pelo título da mais “arranjada” e espirituosa no que se refere aos motes que declamavam em forma de piropo. Há até uma crítica à escravatura, evidenciada pelo facto de cada comerciante possuir um escravo preto para guardar a porta da sua loja. Posto isto, pode dizer-se que Lisboa foi retratada como sendo um espaço caótico com rituais religiosos. 4.4. Relação com a atualidade O principal acontecimento ou situação que se pode relacionar com a atualidade é a Procissão do Corpo de Deus. Como diz o poeta Camões «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». Também as procissões foram evoluindo, tomando uma forma mais liberal. Contudo, ainda hoje, para algumas gentes, a procissão da terra é o acontecimento onde se exibe o melhor traje, as joias mais valiosas, o penteado mais bonito. E, tal como naqueles tempos, as senhoras ainda colocam a questão “Qual a mais bem vestida?”. Por outro lado, há ainda as “beatas” que usam a procissão para murmurar todo o caminho, como se estivessem a rezar pelo perdão dos pecados dos outros. No que diz respeito à procissão em si, o desfile continua a ser uma manifestação de luxo e ostentação por parte do clero. Concluindo, as procissões são vistas pelo narrador (aqui coincidente com a voz de José Saramago) como meio de exibicionismo, ostentação e falta de fé. Não passam de uma fachada católica. 5. O TRABALHO NO CONVENTO (cap. XVII, 220-225 - Ilha da Madeira , XIX, 249-274 – Epopeia da pedra, recrutamento forçado dos trabalhadores, XXI) 5.1. Trabalho no convento – a Ilha da Madeira O espaço da construção simboliza um espaço da servidão desumana, em que os trabalhadores foram obrigados a erguer o convento e a viverem em condições deploráveis. Muitos homens eram obrigados a deixar a sua terra natal e iam acorrentados para Mafra e de lá não saíam até a morte os resgatar. João V sujeitou os seus súbditos para alimentar a sua vaidade. Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que D. João V sujeitou todos os seus súbditos para alimentar a sua vaidade. Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram
  • 5. 5 obrigados, à força de armas, o abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do seu rei e aumentar a sua glória. A construção do convento é a imagem de marca da escravatura 5.2. Epopeia da pedra (XIX, pp. 249-274) O cap. XIX é consagrado à saga heroica do transporte de uma pedra enorme de Pêro Pinheiro para Mafra, num percurso de cerca de 15 Km. A pedra destinava-se à varanda situada sobre o pórtico da basílica. (249) Para ao transporte foi necessário construir um enorme carro próprio, puxado por 200 juntas de bois e com a colaboração de cerca de 600 homens. A pedra tinha sete metros de comprimento, três de largura e sessenta e quatro centímetros de espessura. Pesava mais de trinta toneladas e levou oito dias a ser transportada. Durante esses oito dias, homens e animais trabalhavam até à exaustão, descansando apenas durante a noite. É nessas horas que, encaixada na narrativa principal, surge a história da “Rainha e o Ermitão”, contada por Manuel Milho. Com esta se ameniza o sofrimento dos homens, porque os distrai e os deixa curiosos para desenlace, mantendo-os interessados para o episódio que surgirá apenas na noite seguinte. Trata-se de uma história que parece uma sátira antimonárquica, mas é sobretudo uma reflexão profunda sobre a existência humana e sobre a possibilidade de transformação pelo sonho: “João Pequeno esfregou o queixo, áspero da barba, e perguntou, Como é que um boieiro se faz homem, e Manuel Milho respondeu, Não sei. Sete-Sóis atirou o calhau para a fogueira e disse, Talvez voando. (Cap. XIX, p. 273) É neste capítulo que o narrador faz sobressair o povo e nele elege os seus heróis, os construtores da História, que sempre ficaram no anonimato. Funciona assim como uma epopeia cujo herói é o povo que, humilhado, sacrificado e miserável, alcança uma dimensão trágica e se eleva aos nossos olhos, na sua força e humanidade, superando de longe as duas outras classes. Aqui se destaca a força, o suor, o sacrifício e até a morte dos homens (como é o caso de Francisco Marques) que, pela sobrevivência e até forçados, trabalham sem descanso para tornar possível o cumprimento da promessa do rei. Alguns desses homens são tirados do anonimato e adquirem forma e identidade próprias, entrando em ação, como é o caso de Francisco Marques e Manuel Milho. Aos outros é-lhes prestada homenagem num simples desejo de os tornar imortais, de os incluir numa história de Portugal que os esqueceu, como são esquecidos todos os “pequenos”.» (Alzira Falcão, Como Abordar o Memorial do Convento, Areal Editores. Porto. 2002. p. 49) “Tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudo quanto é vida também, sobretudo se atribulada, principalmente se miserável (…) só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende, Alcino, Brás, Cristóvão (…) Zacarias, uma letra de cada um para ficarem todos representados. (p. 250) O autor salienta o carácter heterodoxo destes “heróis” – “(…) um marreco, um maneta, um zarolho (…) (250). Caso de Francisco Marques e o desvio da rota para se encontrar com a esposa – episódio cómico! (251 e 8) 5.3. Fases do episódio da epopeia da pedra - Em Pêro Pinheiro, espanto ao primeiro contacto com a pedra - «É a mãe da pedra». (252) - Descrição pormenorizada e medidas exatas, em termos da época e atuais. (253-4) - Carregamento da pedra e ferimento de um homem. (255) - Dificuldades da viagem anunciadas desde o início (259) – primeiro dia, apenas quinhentos passos, devido aos declives do terreno. (259) - O dia seguinte “foi de grandes aflições” e dificuldades para controlar a “nau da Índia”, sobretudo nas descidas. (261-2) Comentário crítico e humorístico (266) - O calvário da descida de Cheleiros, em relação ao qual nem “o diabo não tinha imaginado suplício assim”. (268) - Morte trágica de Francisco Marques. (268) - São mortos dois bois que ficaram feridos e a carne é distribuída. (269-70) - Apesar de todo o sacrifício, a pedra é conduzida ao seu destino, «Entre Pêro Pinheiro e Mafra gastaram oito dias completos. Quando entraram no terreiro, foi como se estivessem chegando duma guerra perdida, sujos, esfarrapados, sem riquezas. Toda a gente se admirava com o tamanho desmedido da pedra, Tão grande. Mas Baltasar murmurou, olhando a basílica, tão pequena». (273)
  • 6. 6 5.4. Da prepotência do rei ao sacrifício do povo – o recrutamento forçado para as obras (Cap. XXI) Numa fase em que as obras no convento em Mafra decorriam em ritmo lento, apesar dos 11 anos de trabalho, tendo começado em 1717 (p. 141) e estando-se já em 1728 (p. 296 e 299), o rei D. João V revela ao arquiteto Ludovice que quer fazer em Lisboa uma basílica como a de S. Pedro em Roma. Ludovice informa-o que isso demoraria 240 anos a concluir. O rei decide então aumentar o tamanho do convento de Mafra (p. 291), inicialmente pensado para 13, depois para oitenta e finalmente para nele passarem a viver 300 frades. (Visão satírica e caricatural, num cómico diálogo do rei D. João V com o responsável pelo tesouro público «Então diz-me lá como estamos de deve e haver (…) Saiba vossa majestade que, haver, havemos cada vez menos, e dever, devemos cada vez mais, Já o mês passado me o mesmo, E também o outro mês, e o ano que lá vai, por este andar ainda acabamos por ver o fundo ao saco, majestade. Está longe daqui o fundo dos nossos sacos, um no Brasil, ouro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo com tão grande atraso que poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos. Se vossa majestade me perdoa o atrevimento, eu ousaria dizer que estamos pobres e sabemos (…) isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo, entra- lhe o dinheiro pela boca e sai-lhe pelo cu, com perdão de vossa majestade, Ah, ah, ah, , riu o rei, essa tem muita graça, sim senhor, queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda, e eu estou em muito boa posição para o saber, de cócoras, que é como sempre deve estar quem faz as contas do dinheiro dos outros. Este diálogo é falso, apócrifo, calunioso, e também profundamente imoral, não respeita o trono nem o altar, põe um rei e um tesoureiro real a falar como arrieiros em taberna (…)» - comenta irónica e satiricamente o narrador (pp. 293-4). Apavorado perante a perspetiva de morrer sem poder assistir à conclusão da sua obra, o rei exige que a sagração da basílica de Mafra seja feita num domingo que coincida com o seu aniversário: será 22 de outubro de 1730 . Nova coincidência só ocorreria dez anos depois, sofrendo o rei a agonia de pensar que já não viveria nessa altura. (ver p.301) O rei exige a contratação imediata e coerciva de todos os trabalhadores do país disponíveis. «(…) ordeno a todos os corregedores do reino se mande que reúnam e enviem para Mafra quantos operários se encontrem (…) retirando-os, ainda que por violência. (…) Foram as ordens, vieram os homens (…) à força quase todos.” (cap. XXI, p. 302) Os homens são tratados como escravos e as mulheres abusadas (304). Intertextualidade com Os Lusíadas na despedida de Belém e no episódio do Velho do Restelo (304) A violência do recrutamento (304- e 325) e respetivo sofrimento gravados nas iniciais de MAFRA - “mortos, assados, fundidos, roubados, arrastados” (p. 306). Os homens são mesmo tratados como “tijolos” (307), ou seja, simples peças de uma obra, sem valor humano. 6. Sagração da Basílica (cap. XXIV) Em 22 de outubro de 1730, fazia o rei 41 anos, inicia-se a festa da sagração da basílica. As cerimónias revestiram-se de grande luxo e ostentação (365-6), uma vez que o dinheiro abundava e a sagração era motivo de glória para o rei. A sagração prolongou-se por oito dias (coincidentes com o tempo necessário para o transporte da pedra da varanda da Benedictione de onde o patriarca lança a bênção ao povo. (p. 366) O rei chega a Mafra alguns dias antes da sagração da basílica, com um enorme cortejo de pessoas da alta aristocracia. A sagração da basílica aconteceu no dia em que o rei fez 41 anos. A obra ainda nem sequer estava concluída. Os festejos duraram oito dias e durante esse tempo ocorreram cerimónias incontáveis.
  • 7. 7 6.1. Intencionalidade crítica A crítica é visível na denúncia da pompa e luxo que caracterizaram as cerimónias, com referências múltiplas: - magnífico trono patriarcal; - cadeiras e dossel de veludo carmesim, com guarnições de ouro; - o chão coberto de alcatifas; - vinho branco numa garrafa de prata; - uma colher de prata, uma concha dourada; - o anel faiscante; - os ouros e os carmesins resplandecentes; - as alvas cambraias. Por outro lado, a sátira incide sobre a figura do patriarca, nas suas vestes e salamaleques (mesuras exageradas) que acompanhavam a cerimónia e prendiam a atenção de povo, alheios às palavras que nem se conseguiam ouvir, já que a multidão era de “setenta, oitenta mil pessoas” e D. Tomás de Almeida não dispunha ainda das “trombetas eletrónicas” (366) - o principal da festa é o patriarca; - estar o patriarca escrevendo com a ponta do báculo (bordão) (…) parece mais obra de bruxedo, eu te talho e retalho, do que ritual canónico; - não faltam hieróglifos, gatimanhos, passos e passes, para lá e para cá; - começou a missa pontifical, que, claro está, levou o seu tempo, e não foi pouco; - D. Tomás de Almeida recitando lá do alto as palavras da bênção; -mas a maior sabedoria do homem ainda continua a ser contentar-se com o que tem, enquanto não inventa melhor; - levantou-se o pastor com o séquito, as ovelhas já se levantaram. Assim, o autor põe em destaque o luxo e o fausto da Igreja, fazendo sobressair a miséria do povo a quem chama “sábio”, ironicamente, por saber contentar-se com o que tem”. (366?) 7. Batizado da princesa, Cortejo do casamento e a Sagração da Basílica Estes três momentos da obra mostram o luxo e a ostentação em que vive o rei, a nobreza e o clero. Estes grupos sociais esbanjam dinheiro com futilidades e em luxos, enquanto o povo vive na miséria. O batizado da princesa Maria Bárbara, o cortejo do casamento e a sagração da basílica são três momentos que caracterizam a nobreza e o clero ao mesmo tempo que as suas vidas contrastam com a miséria do povo. 7.1. Batizado da princesa Para o batizado da princesa Maria Bárbara a capela real estava decorada com panos e ouros. Os convidados estavam vestidos de uma forma tão exagerada que nem se distinguiam as feições. Durante a cerimónia, é realçado o número elevado de pessoas que acompanharam a princesa para o seu batismo bem como a riqueza que aquela bebé já adquirira do padrinho, que também presenteou a mãe (VII, p. 75) (que D. Francisco andava a galantear e com quem ela tinha sonhos eróticos – ver cap. I, pp. 17, IX, p. 118 ). 7.2. Cortejo do casamento d princesa Maria Bárbara (troca das princesas) O capítulo 22 é essencialmente sobre as famílias reais portuguesa e espanhola. Desde muito cedo foram organizados casamentos entre as duas como os que são retratados na obra. No decorrer do capítulo apercebemo-nos que iremos assistir ao percurso de Maria Bárbara e da família real até Espanha, onde ela se vai casar. Durante a viagem, a comitiva real passa por várias cidades portuguesas
  • 8. 8 e depara-se com alguns problemas, principalmente os meteorológicos, visto a chuva tornar os caminhos muito complicados para passar. Há referência da construção de várias propriedades reais para que se pudessem acolher durante a viagem. Destaca-se o palácio de Vendas Novas, edifício grandioso e de extremo luxo, construído propositadamente apenas para acolher a família real por ocasião da viagem de ida e volta para o casamento de Maria Bárbara com o futuro rei e Espanha - «(…) aqui andaram pra cima e dois mil homens (…) Neste palácio e na casa que viste em Pegões se gastou um milhão de cruzados, sim, um milhão (…»(Cap. XXII, p. 317. Síntese A procissão do Corpo de Deus, em conjunto com a procissão da quaresma, caracteriza a sociedade em geral. As procissões servem para caracterizar a sociedade em geral, tendo em comum o caracter histérico com que são vividas A tourada, tal como os autos-de-fé, é uma caracterização de um povo, enquanto admirado e entusiasmado pelo sangue, sofrimento e morte. O povo, ao ver estes espetáculos sanguinários, até é capaz de se esquecer da miséria em que vive. Os autos-de-fé, em particular, mostram a força que a Inquisição exercia sobre todas as classes sociais, assim, todos sofriam repressões religiosas e politicas. .A violência das touradas e dos autos-de-fé agrada ao povo que obscuro e ignorante, se diverte com imagens de morte. Os momentos como o cortejo real, o batizado da princesa Maria Barbara e a sagração da basílica são a demostração de como o rei e a nobreza viviam, sempre procurando o luxo e a exibição da riqueza, enquanto o povo assiste vivendo na miséria. NOTA: podem também ser consultados os sites: http://memorialdoconventojosesaramago.blogspot.pt/2011/03/espaco-social.html http://copia-me.blogs.sapo.pt/memorial-do-convento-espaco-social-13323 A.Teixeira, março 2017