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Adeus,
 Cherry Bom
  As Caves José Maria da Fonseca desistem
  de produzir o licor de ginja da avó.
  O presente faz-se de outros produtos.
  Como o Periquita tinto, reserva 2004.
  Vende que nem ginjas. Texto de Rita Pimenta
  Fotografia de Ricardo Jorge Carvalho
U
                             m a re c e i t a d e
                             licor de ginja da        Cherry Bom
                             avó Mariana foi
                             aproveitada pelo
                             tio António, filho       Ficha técnica
                             mais velho, para         Classificação: licor
                             produzir indus-          Castas: ginja
                             trialmente o que         Cor: rubi carregado com laivos amarelos
                             viria a chamar-          Aroma: ginja, canela e frutos
                             se Cherry Bom.           encarnados
Estava-se no início dos anos 1930. Quem conta         Paladar: muito frutado, redondo, macio
a história é o enólogo Domingos Soares Franco         e muito doce
(neto de Mariana Soares Franco), que justifica        Graduação: 20% de volume de álcool
o fim da produção pela fraca resposta do mer-         Acidez: 4,8 gr/l
cado. “São modas. O Cherry Bom já não dá. O           PH: 3,8
famoso Cherry Herring, uma marca que vendia           Temperatura de serviço: ligeiramente
bastante, também já acabou, desapareceu.” E           refrescado, 16ºC a 17ºC
reforça com mais um exemplo, o Xerez, “tam-           Sugestão de acompanhamento: deve
bém em queda”.                                        ser bebido à sobremesa, em copo a licor.
Em “stock” tem ainda seis mil litros, que             Ideal para acompanhar com bolo inglês.
conta escoar durante os próximos três anos.           Conservação: as garrafas devem ser
E até pondera vender parte a granel, se hou-          mantidas a uma temperatura de 15 ºC e
ver comprador, diz à Pública, que recebeu na          num ambiente com 60% de humidade.
elegante sala da administração da fábrica, em         Validade: vários anos
Azeitão. Mas dá prejuízo? “Prejuízo não dá
[cada garrafa custa € 9,5], mas há um desen-          Fonte: http://www.jmf.pt
canto, houve pessoas que estiveram cá em
casa que desistiram de vender o licor (essas
pessoas já cá não estão). Nunca foi reactivado.     Não o vendem sequer em supermercados,
Tenho pena mas tenho de me concentrar em            só na loja de enoturismo de Vila Nogueira
coisas novas.” E são elas? “Vinhos que vou          de Azeitão.
inventando por aí. Uma loucura. Isso é que          Convidamo-lo, no entanto, a recuar aos tem-
dá prazer e dá dinheiro.”                           pos em que iniciaram a produção e a explicar
Já lá vamos. Centremo-nos primeiro no pas-          o processo de fabrico. “Era feito com uma
sado.                                               ginja aqui da região, da serra [da Arrábida].
“Não sou muito agarrado à tradição”, diz o          Ia-se às ginjeiras selvagens, que havia pela
enólogo e também administrador delegado             serra fora. Apanhava-se, trazia-se para casa,
das caves José Maria da Fonseca. “Nós dize-         fermentava-se, fazia-se uma maceração,
mos que temos 174 anos. E daí?” Então a his-        parava-se com álcool e depois era envelhe-
tória e a memória não contam?, insiste-se.          cida em madeira usada e aguardava para ser
“Não renego nada do passado, aceito tudo.           engarrafada.”
Tenho de agradecer aos meus antepassados.           À pergunta se é esse envelhecimento que
Se não fossem eles, eu e o meu irmão não            diferencia o Cherry Bom da comum ginjinha,
estávamos à frente da empresa. Mas o pre-           responde inesperadamente: “Não faço ideia
sente não se compadece com o passado.” No           de como é que se faz a ginjinha.”
caso do Cherry Bom, o presente aconselhava          E continua a sua história: “Depois deixaram
a não insistir na produção. “Temos um mer-          de existir ginjeiras na região e passámos a ir
cado muito residual aqui à volta. Acabou.”          comprar à Cova da Beira, onde também




38 • 25 Maio 2008 • Pública
Pública • 25 Maio 2008 • 39
há cerejas. Fazíamos cinco mil a seis mil                             mais tarde, se for preciso, recomeça-se”, diz,
litros por ano.”                                                         mais por amabilidade do que por convicção.
Nunca exportaram, apesar de 75 por cento                                 “Eu prefiro os vinhos.”
do conjunto da produção das caves (vinhos                                Nos pequenos cadernos de arquivo que vai
de mesa, moscatéis e aguardentes) ser para                               folheando não há imagens da garrafa anterior
exportação. “Depois fez-se mais divulgação. E                            de Cherry Bom, mas há rótulos. Não estão
tivemos de produzir mais, por causa das enco-                            datados. “O meu pai é que sabia as datas de
mendas. Mas é o tipo de pescadinha de rabo                               cor. Mas já não está cá.” Depois de um curto
na boca.” Mais encomendas, mais produção e                               silêncio, repete: “Não há tradição em Portu-
maior risco de acumulação de “stocks”.                                   gal deste género de licores.”
“Para fazermos um produto melhor, tínha-                                 Nem em sua casa? “Na minha casa tenho a
mos de ter líquido novo, já sem a ginja, mas                             impressão de que não há uma única garrafa
com pouca idade, algo frutado. E era impres-                             de Cherry”, volta a rir. E se lhe pedirmos a
cindível que houvesse alguma ginja (líquido                              receita, para que não se perca? “Eu dou-lhe
também) com uma certa idade.” A mistura                                  a receita, não tem nada de misterioso.” Nem
faz-se numa proporção aproximada de 40                                   o tipo de açúcar? “É aquele açúcar castanho.
por cento de ginja antiga, 60 por cento de                               Não há nada de científico.”
nova. Antiga significa com dez, 15 anos.                                 Desistimos da receita e do passado. Deixamo-
“Depois, lá vem ‘a pescadinha’. Vamos supor:                             lo finalmente falar de vinhos. E o entusiasmo
este ano ia vender 7000 caixas, tinha de enco-                           dispara. Levanta-se, vai buscar garrafas e ace-
mendar ginja para 7000 caixas. Para o ano,                               lera o discurso. “O futuro são todos os vinhos
10 mil e, se não as conseguisse escoar, vá de                            que me vão passando pela cabeça: o rosé, o




crescer o ‘stock’. Para vender mil litros, dois
ou três anos depois, tinha de ir comprar ginja
                                                  Domingos Soares        Periquita branco.” Interrompe-se e mostra,
                                                                         orgulhoso, uma garrafa de Periquita tinto
para fazer o lote das novas. E estava sempre a    Franco: “Tenho pena,   reserva 2004. “Tínhamos previsto vender até
aumentar as reservas. Não havia maneira de
parar com este crescimento porque as ven-
                                                  mas não posso ter      esta altura mil litros, já vamos em 3500.”
                                                                         Sabe que é um enólogo privilegiado, pois tem
das oscilavam muito.”                             aquilo empatado        toda a liberdade para inovar. O que diz não ser
Embora alimentando um mercado muito
residual e irregular, houve uma altura em que
                                                  cá em casa”            muito comum na profissão: “Os meus amigos
                                                                         brincam: ‘Como és o dono e o enólogo, é o
ainda optaram por mudar a forma da garrafa,                              teu dinheiro que está em jogo. Por isso podes
chegando ao actual aspecto. “Isto vai ajudar                             fazer as experiências que quiseres’.” E é ver-
a sair”, pensaram. “Tenho a impressão de                                 dade. Mas Domingos Soares Franco acredita
que ainda foi mais rápida a morte”, diz sem                              que se não fosse enólogo, mas apenas dono,
conter uma quase gargalhada. “Não há muita                               deixaria que fizessem experiências. Gosta de
apetência, isso é ali na zona de Óbidos. O dis-                          novidade.
curso da tradição de família ‘já não pega’. Eu                           “Há produtos que não sou eu que invento,
tenho pena, mas tenho de olhar para a frente.                            é a minha equipa. Depois passa por mim e
Não vale a pena ter aquilo empatado cá em                                eu posso dar um toque no final.” Dá o exem-
casa, os materiais e não se vender... Um dia                             plo do Rosé roxo (feito com a casta Moscatel




40 • 25 Maio 2008 • Pública
Roxo), que a sua equipa inventou há dois                                    influência nos consumidores, mas ainda não
anos. “Depois perguntaram-me: ‘O que é que                                  conseguem o mesmo que os finlandeses:
acha disto?’ E eu disse: ‘Está quase lá. Para o                             criar modas.”
ano, tratamos disso’.” Em 2007 fizeram-no.                                  Enquanto posa para o fotógrafo, vai falando
“Umas vezes sou eu a inventar, outras vezes                                 da importância do mercado sueco para a
são eles. Eu começo a puxar por eles e eles                                 empresa. Perguntamos-lhe como se pro-
sabem que eu estou sempre aberto a ideias                                   nuncia “Periquita” em sueco. “‘Periquita’, tal
e experiências novas.” Outro exemplo é o                                    qual! E esse é também um dos motivos por
delicioso moscatel com Armagnac, que não                                    que foi fácil de se implantar. O nosso vinho
publicitam muito porque não é necessário,                                   José de Sousa, muito bom, é quase impronun-
“vende-se num instante”, mas também por-                                    ciável. Não pega. Já o Domingos (um vinho
que não deviam usar a palavra “Armagnac”.                                   com o meu nome) resultou. Diz-se exacta-
“Os franceses dizem que é proibidíssimo, não                                mente como nós o dizemos.”
percebo porquê, mas, até que me levem para                                  A importância da Suécia é tal que as caves
tribunal, continuarei a usar a palavra e a pô-                              contam com uma equipa criativa de suecos
la no rótulo.” À cautela, no entanto, não o                                 para o desenho de alguns rótulos. “Um vinho
exporta para França. “O meu fornecedor de                                   é tudo isso: a qualidade, o nome, o rótulo.”
Armagnac diz-me que os franceses ainda me                                   Em Portugal, as caves só participam em
vão fazer uma estátua porque as vendas estão                                três feiras, “e é porque ali se paga o que se
a cair no produtor e eu ando a comprar-lhes                                 bebe”: Festa das Vindimas (Palmela), Feira
cada vez mais. Ainda vou ser o salvador da                                  de Santiago (Setúbal) e Feira do Queijo, Pão
região de Armagnac!”, brinca.                                               e Vinho (Quinta do Anjo). Nesta última parti-




A empresa está, portanto, “de boa saúde”,
com as vendas a subir: Itália, Suécia, Brasil,
                                                  Como se pronuncia         cipam porque é organizada pela Associação
                                                                            Regional dos Criadores de Ovinos Leiteiros
EUA, Canadá e Noruega são os principais           “Periquita” em sueco?     da Serra da Arrábida (Arcosa), de que Domin-
mercados de exportação, mas ao todo são
mais de 70 os países que bebem José Maria
                                                  “Tal qual! E esse é um    gos Soares Franco é presidente.
                                                                            “Há feiras em que não se paga e, muitas vezes,
da Fonseca. Por isso Domingos Soares Franco       dos motivos por que foi   estamos ali a dar de beber. E não gosto. Nós,
está sempre em viagem, que aproveita tam-
bém para entrar em contacto com os jorna-
                                                  fácil de se implantar”    produtores de vinho, estamos sempre a dizer
                                                                            ‘beba com moderação’. E há situações em que
listas da especialidade. Conta como os finlan-                              a moderação não existe. Não queremos que
deses são muito bem informados e rigorosos                                  digam que viram alguém sair do ‘stand’ José
nas perguntas que fazem sempre que lança                                    Maria da Fonseca completamente bêbedo.”
um produto novo. E garante que têm uma                                      Estraga a imagem, estraga tudo. “Se uma
grande influência na venda ou não de um                                     garrafa de moscatel for cara, cem euros, por
vinho: “Conseguem levar as pessoas atrás.                                   exemplo, não há crise. Ali na feira vende-se.
Por isso temos de os conhecer a todos. Eu                                   Juntam-se cinco pessoas, está vendida.” O con-
conheço-os a todos. Telefono-lhes quando lá                                 sumidor prova e a dignidade preserva-se.
vou. E sujeito-me à apreciação.” E os jorna-                                Mas nem aí se consegue encontrar Cherry
listas portugueses? “Alguns já têm uma certa                                Bom. Só moscatel. a




                                                                                                Pública • 25 Maio 2008 • 41

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Cherry Bom

  • 1.
  • 2. Adeus, Cherry Bom As Caves José Maria da Fonseca desistem de produzir o licor de ginja da avó. O presente faz-se de outros produtos. Como o Periquita tinto, reserva 2004. Vende que nem ginjas. Texto de Rita Pimenta Fotografia de Ricardo Jorge Carvalho
  • 3. U m a re c e i t a d e licor de ginja da Cherry Bom avó Mariana foi aproveitada pelo tio António, filho Ficha técnica mais velho, para Classificação: licor produzir indus- Castas: ginja trialmente o que Cor: rubi carregado com laivos amarelos viria a chamar- Aroma: ginja, canela e frutos se Cherry Bom. encarnados Estava-se no início dos anos 1930. Quem conta Paladar: muito frutado, redondo, macio a história é o enólogo Domingos Soares Franco e muito doce (neto de Mariana Soares Franco), que justifica Graduação: 20% de volume de álcool o fim da produção pela fraca resposta do mer- Acidez: 4,8 gr/l cado. “São modas. O Cherry Bom já não dá. O PH: 3,8 famoso Cherry Herring, uma marca que vendia Temperatura de serviço: ligeiramente bastante, também já acabou, desapareceu.” E refrescado, 16ºC a 17ºC reforça com mais um exemplo, o Xerez, “tam- Sugestão de acompanhamento: deve bém em queda”. ser bebido à sobremesa, em copo a licor. Em “stock” tem ainda seis mil litros, que Ideal para acompanhar com bolo inglês. conta escoar durante os próximos três anos. Conservação: as garrafas devem ser E até pondera vender parte a granel, se hou- mantidas a uma temperatura de 15 ºC e ver comprador, diz à Pública, que recebeu na num ambiente com 60% de humidade. elegante sala da administração da fábrica, em Validade: vários anos Azeitão. Mas dá prejuízo? “Prejuízo não dá [cada garrafa custa € 9,5], mas há um desen- Fonte: http://www.jmf.pt canto, houve pessoas que estiveram cá em casa que desistiram de vender o licor (essas pessoas já cá não estão). Nunca foi reactivado. Não o vendem sequer em supermercados, Tenho pena mas tenho de me concentrar em só na loja de enoturismo de Vila Nogueira coisas novas.” E são elas? “Vinhos que vou de Azeitão. inventando por aí. Uma loucura. Isso é que Convidamo-lo, no entanto, a recuar aos tem- dá prazer e dá dinheiro.” pos em que iniciaram a produção e a explicar Já lá vamos. Centremo-nos primeiro no pas- o processo de fabrico. “Era feito com uma sado. ginja aqui da região, da serra [da Arrábida]. “Não sou muito agarrado à tradição”, diz o Ia-se às ginjeiras selvagens, que havia pela enólogo e também administrador delegado serra fora. Apanhava-se, trazia-se para casa, das caves José Maria da Fonseca. “Nós dize- fermentava-se, fazia-se uma maceração, mos que temos 174 anos. E daí?” Então a his- parava-se com álcool e depois era envelhe- tória e a memória não contam?, insiste-se. cida em madeira usada e aguardava para ser “Não renego nada do passado, aceito tudo. engarrafada.” Tenho de agradecer aos meus antepassados. À pergunta se é esse envelhecimento que Se não fossem eles, eu e o meu irmão não diferencia o Cherry Bom da comum ginjinha, estávamos à frente da empresa. Mas o pre- responde inesperadamente: “Não faço ideia sente não se compadece com o passado.” No de como é que se faz a ginjinha.” caso do Cherry Bom, o presente aconselhava E continua a sua história: “Depois deixaram a não insistir na produção. “Temos um mer- de existir ginjeiras na região e passámos a ir cado muito residual aqui à volta. Acabou.” comprar à Cova da Beira, onde também 38 • 25 Maio 2008 • Pública
  • 4. Pública • 25 Maio 2008 • 39
  • 5. há cerejas. Fazíamos cinco mil a seis mil mais tarde, se for preciso, recomeça-se”, diz, litros por ano.” mais por amabilidade do que por convicção. Nunca exportaram, apesar de 75 por cento “Eu prefiro os vinhos.” do conjunto da produção das caves (vinhos Nos pequenos cadernos de arquivo que vai de mesa, moscatéis e aguardentes) ser para folheando não há imagens da garrafa anterior exportação. “Depois fez-se mais divulgação. E de Cherry Bom, mas há rótulos. Não estão tivemos de produzir mais, por causa das enco- datados. “O meu pai é que sabia as datas de mendas. Mas é o tipo de pescadinha de rabo cor. Mas já não está cá.” Depois de um curto na boca.” Mais encomendas, mais produção e silêncio, repete: “Não há tradição em Portu- maior risco de acumulação de “stocks”. gal deste género de licores.” “Para fazermos um produto melhor, tínha- Nem em sua casa? “Na minha casa tenho a mos de ter líquido novo, já sem a ginja, mas impressão de que não há uma única garrafa com pouca idade, algo frutado. E era impres- de Cherry”, volta a rir. E se lhe pedirmos a cindível que houvesse alguma ginja (líquido receita, para que não se perca? “Eu dou-lhe também) com uma certa idade.” A mistura a receita, não tem nada de misterioso.” Nem faz-se numa proporção aproximada de 40 o tipo de açúcar? “É aquele açúcar castanho. por cento de ginja antiga, 60 por cento de Não há nada de científico.” nova. Antiga significa com dez, 15 anos. Desistimos da receita e do passado. Deixamo- “Depois, lá vem ‘a pescadinha’. Vamos supor: lo finalmente falar de vinhos. E o entusiasmo este ano ia vender 7000 caixas, tinha de enco- dispara. Levanta-se, vai buscar garrafas e ace- mendar ginja para 7000 caixas. Para o ano, lera o discurso. “O futuro são todos os vinhos 10 mil e, se não as conseguisse escoar, vá de que me vão passando pela cabeça: o rosé, o crescer o ‘stock’. Para vender mil litros, dois ou três anos depois, tinha de ir comprar ginja Domingos Soares Periquita branco.” Interrompe-se e mostra, orgulhoso, uma garrafa de Periquita tinto para fazer o lote das novas. E estava sempre a Franco: “Tenho pena, reserva 2004. “Tínhamos previsto vender até aumentar as reservas. Não havia maneira de parar com este crescimento porque as ven- mas não posso ter esta altura mil litros, já vamos em 3500.” Sabe que é um enólogo privilegiado, pois tem das oscilavam muito.” aquilo empatado toda a liberdade para inovar. O que diz não ser Embora alimentando um mercado muito residual e irregular, houve uma altura em que cá em casa” muito comum na profissão: “Os meus amigos brincam: ‘Como és o dono e o enólogo, é o ainda optaram por mudar a forma da garrafa, teu dinheiro que está em jogo. Por isso podes chegando ao actual aspecto. “Isto vai ajudar fazer as experiências que quiseres’.” E é ver- a sair”, pensaram. “Tenho a impressão de dade. Mas Domingos Soares Franco acredita que ainda foi mais rápida a morte”, diz sem que se não fosse enólogo, mas apenas dono, conter uma quase gargalhada. “Não há muita deixaria que fizessem experiências. Gosta de apetência, isso é ali na zona de Óbidos. O dis- novidade. curso da tradição de família ‘já não pega’. Eu “Há produtos que não sou eu que invento, tenho pena, mas tenho de olhar para a frente. é a minha equipa. Depois passa por mim e Não vale a pena ter aquilo empatado cá em eu posso dar um toque no final.” Dá o exem- casa, os materiais e não se vender... Um dia plo do Rosé roxo (feito com a casta Moscatel 40 • 25 Maio 2008 • Pública
  • 6. Roxo), que a sua equipa inventou há dois influência nos consumidores, mas ainda não anos. “Depois perguntaram-me: ‘O que é que conseguem o mesmo que os finlandeses: acha disto?’ E eu disse: ‘Está quase lá. Para o criar modas.” ano, tratamos disso’.” Em 2007 fizeram-no. Enquanto posa para o fotógrafo, vai falando “Umas vezes sou eu a inventar, outras vezes da importância do mercado sueco para a são eles. Eu começo a puxar por eles e eles empresa. Perguntamos-lhe como se pro- sabem que eu estou sempre aberto a ideias nuncia “Periquita” em sueco. “‘Periquita’, tal e experiências novas.” Outro exemplo é o qual! E esse é também um dos motivos por delicioso moscatel com Armagnac, que não que foi fácil de se implantar. O nosso vinho publicitam muito porque não é necessário, José de Sousa, muito bom, é quase impronun- “vende-se num instante”, mas também por- ciável. Não pega. Já o Domingos (um vinho que não deviam usar a palavra “Armagnac”. com o meu nome) resultou. Diz-se exacta- “Os franceses dizem que é proibidíssimo, não mente como nós o dizemos.” percebo porquê, mas, até que me levem para A importância da Suécia é tal que as caves tribunal, continuarei a usar a palavra e a pô- contam com uma equipa criativa de suecos la no rótulo.” À cautela, no entanto, não o para o desenho de alguns rótulos. “Um vinho exporta para França. “O meu fornecedor de é tudo isso: a qualidade, o nome, o rótulo.” Armagnac diz-me que os franceses ainda me Em Portugal, as caves só participam em vão fazer uma estátua porque as vendas estão três feiras, “e é porque ali se paga o que se a cair no produtor e eu ando a comprar-lhes bebe”: Festa das Vindimas (Palmela), Feira cada vez mais. Ainda vou ser o salvador da de Santiago (Setúbal) e Feira do Queijo, Pão região de Armagnac!”, brinca. e Vinho (Quinta do Anjo). Nesta última parti- A empresa está, portanto, “de boa saúde”, com as vendas a subir: Itália, Suécia, Brasil, Como se pronuncia cipam porque é organizada pela Associação Regional dos Criadores de Ovinos Leiteiros EUA, Canadá e Noruega são os principais “Periquita” em sueco? da Serra da Arrábida (Arcosa), de que Domin- mercados de exportação, mas ao todo são mais de 70 os países que bebem José Maria “Tal qual! E esse é um gos Soares Franco é presidente. “Há feiras em que não se paga e, muitas vezes, da Fonseca. Por isso Domingos Soares Franco dos motivos por que foi estamos ali a dar de beber. E não gosto. Nós, está sempre em viagem, que aproveita tam- bém para entrar em contacto com os jorna- fácil de se implantar” produtores de vinho, estamos sempre a dizer ‘beba com moderação’. E há situações em que listas da especialidade. Conta como os finlan- a moderação não existe. Não queremos que deses são muito bem informados e rigorosos digam que viram alguém sair do ‘stand’ José nas perguntas que fazem sempre que lança Maria da Fonseca completamente bêbedo.” um produto novo. E garante que têm uma Estraga a imagem, estraga tudo. “Se uma grande influência na venda ou não de um garrafa de moscatel for cara, cem euros, por vinho: “Conseguem levar as pessoas atrás. exemplo, não há crise. Ali na feira vende-se. Por isso temos de os conhecer a todos. Eu Juntam-se cinco pessoas, está vendida.” O con- conheço-os a todos. Telefono-lhes quando lá sumidor prova e a dignidade preserva-se. vou. E sujeito-me à apreciação.” E os jorna- Mas nem aí se consegue encontrar Cherry listas portugueses? “Alguns já têm uma certa Bom. Só moscatel. a Pública • 25 Maio 2008 • 41