1. ANO 3 – Nº 4 – DEZEMBRO/2006
Diálogos
SAÚDE
e
PSICOLOGIA
Os desafios teóricos
e práticos e as conquistas
no cuidado com o sujeito
2. Expediente
Diálogos
EDITORES RESPONSÁVEIS
Monalisa Nascimento dos Santos Barros
(CFP)
Marcus Vinícius de Oliveira Silva
(CFP)
Marcos Ribeiro Ferreira
(convidado)
CONSELHO EDITORIAL
Cármen Maria Mota Cardoso
(Região Nordeste)
Eleonora Arnaud Pereira Ferreira
(Região Norte)
Daniela Sacramento Zanini
(Região Centro-Oeste)
Tonio Dorrenbach Luna
(Região Sul)
Esta revista é produzida pelo Sistema Conselhos de Psicologia,
composto pelos 16 Conselhos Regionais de Psicologia
(ver 3ª capa) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) SRTVN,
Quadra 702, Edifício Brasília Rádio Center, 4º andar, Conjunto 4024-A
CEP 70719-900
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JORNALISTA RESPONSÁVEL
Mônica Lima
MTB 17025
IMAGENS
Inez Laranjeiras, Jefferson Coppola, Paulo Reis, Roberto Caiafa
e Carlos Gutemberg de Assis (fotografias),
Ramon Muniz (ilustração)
IMPRESSÃO
Posigraf - Gráfica e Editora S/A
Novembro/2006
TIRAGEM
130 mil exemplares
www.pol.org.br
ANO 3 – Nº 4 – DEZEMBRO/2006
3. Índice
4 CARTAS E
REPERCUSSÃO
5 EDITORIAL 10 A HUMANIZAÇÃO
6 ENTREVISTA DA UTI
SÔNIA FLEURY Medidas simples podem
auxiliar na diminuição
34 ENTREVISTA do sofrimento do paciente
JOSÉ RICARDO
AYRES
24 COLUNA DO
PSICÓLOGO
REPORTAGENS
20 HISTÓRIA
DA PSICOLOGIA
14 A FORMAÇÃO DO HOSPITALAR
PSICÓLOGO Uma análise da aproximação
entre a Psicologia e os
18 CRESCIMENTO DOS cuidados dentro dos hospitais
CUIDADOS PALIATIVOS
30 DROGAS E
REDUÇÃO DE DANOS
32 OS DESAFIOS DO 26 MÚLTIPLAS
SEXO ADOLESCENTE FACES
36 OS PSICÓLOGOS A atuação do psicólogo
NO PODER hoje inclui atendimento
até nas áreas da beleza
43 O INSTITUTO PAPAI, e da odontologia
NO RECIFE
50 A SÍNDROME DO
BURNOUT
52 ENCONTRO COM
A DIVERSIDADE 40 O PROJETO
CANGURU
56 EM NOME DA Como o programa está
INCLUSÃO ajudando na recuperação
dos bebês prematuros
ARTIGOS
9 Cidadania com arte,
por Rosalina Teixeira
17 O lugar do saber,
por Emerson Merhy 46 CARA A CARA
39 A inserção do psicólogo GINA FERREIRA E
no SUS, por Carmen Teixeira MARY JANE SPINK
49 Prosa As duas especialistas
discutem a formação
55 Saúde do trabalhador
do profissional
e psicologia, por Iône
Vasques-Menezes
RESENHA 13 Livro: Quando a vida começa diferente
4. CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 1ª REGIÃO ENDEREÇO: AV. T-2 , QD. 76, LOTE 18, N.º 803
ENDEREÇO: SRTVN QD. 702 ED. BSB RÁDIO CENTER SALA 1031-B BAIRRO: SETOR BUENO
BAIRR0: PLANO PILOTO CIDADE: GOIÂNIA CEP: 74210-070 UF: GO
CIDADE: BRASÍLIACEP: 70.719-900 UF: DF TELEFONE: (62) 3253-1785 / 3253-1079
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FAX: (61) 3328-4660 E-MAIL: DIRETORIA@CRP09.ORG.BR
E-MAIL: CRP01@TERRA.COM.BR JURISDIÇÃO: GO/TO
JURISDIÇÃO: DF/AC/AM/RR/RO
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 10ª REGIÃO
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 2ª REGIÃO ENDEREÇO: AV. GENERALÍSSIMO DEODORO, 511
ENDEREÇO: RUA AFONSO PENA, 475 BAIRRO: UMARIZAL
BAIRR0: SANTO AMARO CIDADE: BELÉM CEP: 66.055-240 UF: PA
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TELEFONE: (81) 2119-7272 FAX: (91) 3225-4491
FAX: (81) 2119-7262 E-MAIL: CRP10@AMAZON.COM.BR
E-MAIL: CRPPE@CRPPE.ORG.BR JURISDIÇÃO: PA/AMAPÁ
JURISDIÇÃO: PE/FERNANDO DE NORONHA
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 3ª REGIÃO NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 11ª REGIÃO
ENDEREÇO: R. AGNELO BRITO, 141 ED. VERSALHES SL.03 ENDEREÇO: RUA CARLOS VASCONCELOS, 2521
TÉRREO BAIRRO: JOAQUIM TÁVORA
BAIRR0: GARIBALDI CIDADE: FORTALEZA CEP: 60115-171 UF: CE
CIDADE: SALVADOR CEP: 40.170-100 UF: BA TELEFONE: (85) 3246-6879 / 3246-6887
TELEFONE: (71) 3332-6168 / 3245-4585 FAX: (85) 3246-6924
FAX: (71) 3247-6716 E-MAIL: CRP11@CRP11.ORG.BR
E-MAIL: CRP03@UFBA.BR / CRP03@VELOXMAIL.COM.BR JURISDIÇÃO: CE/PI/MA 2ª À 6ª - 8H ÀS 17H
JURISDIÇÃO: BA/SE
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 12ª REGIÃO
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 4ª REGIÃO ENDEREÇO: RUA PROFESSOR BAYER FILHO, 110
ENDEREÇO: RUA TIMBIRAS, 1532 – 6º ANDAR BAIRRO: COQUEIROS
BAIRRO: LOURDES CIDADE: FLORIANÓPOLIS CEP: 88080-300 UF: SC
CIDADE: BELO HORIZONTE CEP: 30.140-061 UF: MG TELEFONE: (48) 244-4826
TELEFONE: (31) 2138-6767 FAX: (48) 244-4826
FAX : (31) 2138-6767 E-MAIL: CRP12@CRPSC.ORG.BR /
E-MAIL: CRP04@CRP04.ORG.BR / DIRETORIA@CRP04.ORG.BR DIRETORIA@CRPSC.ORG.BR
<PARA E-MAILS URGENTES JURISDIÇÃO: SC
JURIDIÇÃO: MG
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 13ª REGIÃO
ENDEREÇO: AV. MANOEL DEODATO, 599 ED. EMPRES. TOWER
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 5ª REGIÃO SL 301
ENDEREÇO: RUA DELGADO DE CARVALHO, 53 BAIRRO: TORRE
BAIRRO TIJUCA CIDADE: JOÃO PESSOA CEP: 58040-180 UF: PB
CIDADE: RIO DE JANEIRO CEP: 20.260-280 UF: RJ TELEFONE: (83) 3244-4246
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FAX: (21) 2139-5419 E-MAIL: CRP13@UOL.COM.BR
E-MAIL: CRP05@CRP05RJ.COM.BR / GERENCIA@CRPRJ.ORG.BR JURISDIÇÃO: PB/RN
JURISDIÇÃO: RJ
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 6ª REGIÃO NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 14ª REGIÃO
ENDEREÇO: RUA ARRUDA ALVIM, 89 ENDEREÇO: AV. FERNANDO CORREA DA COSTA, 2044
BAIRRO: JARDIM AMÉRICA BAIRRO: JOSELITO
CIDADE: SÃO PAULO CEP: 05.410-020 UF: SP CIDADE: CAMPO GRANDE CEP: 79004-311 UF: MS
TELEFONE: (11) 3061-9494 / 3061-9617 / 3061-0871 TELEFONE: (67) 3382-4801
FAX: (11) 3061-0306 FAX: (67) 3382-4801
E-MAIL: DIRECAO@CRPSP.ORG.BR / E-MAIL: CRP14@TERRA.COM.BR / GERENCIA@CRP14.ORG.BR
ADMINISTRCAO@CRPSP.ORG.BR / INFO@CRPSP.ORG.BR JURISDIÇÃO: MT/MS
JURISDIÇÃO: SÃO PAULO
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 15ª REGIÃO
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 7ª REGIÃO ENDEREÇO: RUA PROF. JOSÉ DA SILVEIRA CAMERINO, 291
ENDEREÇO: AV. OSVALDO ARANHA, 1423 SALA 102 (ANTIGA RUA BELO HORIZONTE).
BAIRRO: BOM FIM BAIRRO: FAROL
CIDADE: PORTO ALEGRE CEP: 90035-191 UF: RS CIDADE: MACEIÓ CEP: 57055-630 UF: AL
TELEFONE: (51) 3334-6799 TELEFONE: (82) 3241-8231 / (82) 9306-1964
FAX: (11) 3334-6799 FAX: 82) 3241-3059 FAX COOP. (82) 336-5555
E-MAIL: CRP07@CRP07.ORG.BR / ORIENTAD@CRP07.ORG.BR E-MAIL: CRP15@CRP15.ORG.BR
JURISDIÇÃO: RS JURISDIÇÃO: AL
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 16ª REGIÃO
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 8ª REGIÃO NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 16ª REGIÃO
ENDEREÇO: AV. SÃO JOSÉ, 699 ENDEREÇO: RUA FERREIRA COELHO, Nº 330 - SALA 805 A 807
BAIRRO: CAJURU BAIRRO: CENTRO
CIDADE: CURITIBA CEP: 80050-350 UF: PR CIDADE: VITÓRIA CEP: 29055-250 UF: ES
TELEFONE: (41) 3013-5766 TELEFONE: (27) 3324-2806
FAX: (41) 3013-5766 FAX: (27) 3315-2807
E-MAIL: CRP08@CRPPR.ORG.BR E-MAIL: CRP-16@INTERVIP.COM.BR /
JURISDIÇÃO: PR EMILIA_BARBARIOLI@YAHOO.COM.BR /
SECOES@CRP04.ORG.BR
NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 9ª REGIÃO JURISDIÇÃO: ES
5. PSICO
LOGIA Ciência e Profissão
Diálogos
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6. Cartas
■ Sobre a entrevista de Luiz Pasqua-
REPERCUSSÃO lino último número da DIÁLOGOS,
Pierre Weil validou seu teste INV
edição de Diálogos dedicada aos dilemas da avaliação em todos os estados do Brasil e até
A psicológica foi bastante oportuna. Procurou abordar as
principais questões de um dos pontos mais polêmicos na
Psicologia, como ciência e como profissão. Se por um lado
entre indígenas. Isso naquelas épo-
cas sem militares na Psicologia... Há
os magníficos trabalhos da Ana Ma-
a avaliação psicológica é prerrogativa do psicólogo e base para ria Popovic com seu Rorschach em
toda e qualquer intervenção, por outro, é alvo de ataques severos e Crianças (edição Vetor). O CEPA
muitos mal-entendidos dentro e fora da comunidade de psicólogos. pesquisou muitos testes e até invali-
As matérias refletem de modo fiel a diversidade de opiniões dou para o Brasil muitos testes fa-
no amplo contexto da nossa sociedade. Há textos mostrando
mosos na Europa e nos USA. Na-
a valorização da cientificidade dos instrumentos e técnicas
quelas épocas priscas, não havia
de avaliação são destacadas como ponto primordial e outros
computador e levamos mais de duas
em que se observa o questionamento sobre a tarefa de avaliar,
testemunhos contra e testemunhos a favor. E há, felizmente,
semanas de cálculos estatísticos – 12
autores que demonstram bem quanto o ensino da Psicologia tem horas por dia) para invalidar o Gor-
sido falho na formação do profissional e do cientista nessa área don (os dois). Fizemos o primeiro
de atuação, ponto a meu ver primordial – o calcanhar-de-aquiles Código de Ética dos Psicólogos em
de toda a questão. Tomando por esse ângulo, o da formação, vê-se que já se falava da validação de tes-
que certamente as falhas existentes nas grades curriculares são tes. Fizemos o texto aprovado pelo
decorrência da forte pressão contrária que se instaurou na Ministério da Educação da elabora-
Psicologia em oposição à avaliação ou ao uso de testes. Pressão ção de laudos psicológicos de sele-
essa originada seja nas lacunas no desenvolvimento científico, ção de pessoal. Fizemos todo o sis-
em nosso país, de boa parte dos procedimentos de avaliação, tema de testes psicotécnicos para
ou calcada em um viés ideológico que considera a avaliação motoristas utilizado no Detran de
psicológica como prática de exclusão social. Esse viés ideológico, São Paulo. Ele deveria reverenciar
fruto da incompreensão a respeito da verdadeira função esses pioneiros...
do avaliar, impregna vários setores da Psicologia e marca Berje Luis Raphaelian
desfavoravelmente os cursos, principalmente na graduação, São Paulo (SP)
onde o espaço para disciplinas relacionadas à avaliação fica cada
vez mais restrito. A conseqüência é a formação de profissionais
■ Ao receber a última revista DIÁ-
que utilizam com freqüência avaliações formais ou informais de
LO GOS, fiquei muito satisfeita pelo
modo às vezes desastroso, provocando um considerável reforço
tema escolhido, que é muito polêmi-
aos velhos ataques. O problema da composição dos currículos
e das cargas horárias dedicadas à avaliação pode ser apontado
co mas é da nossa área e temos que
como um dos principais desafios que enfrentam os professores ter domínio sobre ele. Mas ao ler o
da área para garantir uma estrutura que viabilize uma formação material, fiquei surpresa ao perceber
verdadeiramente capacitante. que a área que mais usa testes, que é
De todo modo, transparece pela leitura de Diálogos que a de Seleção de Pessoas, novamente
os argumentos nem sempre consideram a abrangência e não foi contemplada.
complexidade do problema, já que suas vantagens e desvantagens Patricia Meinhart
dependem de um universo diversificado de questões que vão do Novo Hamburgo (RS)
ensino de técnicas e teorias, da formação ética, passando pelo
desenvolvimento científico da Psicologia como um todo, da ■ A revista DIÁLOGOS é uma de
natureza do seu objeto, até chegar à visão do papel do psicólogo minhas preferidas, um material per-
na sociedade e de suas contribuições para o bem-estar das pessoas. tinente e necessário para a reflexão e
Depreende-se que algumas visões polarizadas não levam em prática profissinal. No entanto, por
conta que toda intervenção requer um diagnóstico e que todo algum motivo que desconheço, não
diagnóstico só se justifica se produzir efeitos que lhe dêm recebi o exemplar nº 2 (Direitos Hu-
continuidade. Os destinos dos resultados dos processos de manos - Subjetividade e Inclusão).
avaliação dependem de aspectos éticos e ideológicos que não
Izabel Mª da C. Cidade
são exclusivos do ato de avaliar em si, mas que se encontram
Alto Piquiri (PR)
na visão que se tem de homem, de sociedade e cultura.
A revista traz também informações importantes aos profissionais
que não têm acompanhado de perto os desenvolvimentos
■ Em primeiro lugar, gostaria de
na área. Fornece dados sobre a história da avaliação psicológica, agradecer à revista Psicologia Ciên-
profissionais que influenciaram os destinos da área, novas práticas, cia e Profissão – DIÁLOGOS pela
aspectos legais da comercialização das técnicas, eventos futuros abordagem de temas tão importantes
e uma lista de debates na internet – a Avalpsi – que, em uma profissão que tem um cam-
diferentemente do que foi noticiado, já conta com quase po de atuação tão diversificado, fa-
500 participantes e continua em expansão. zendo, assim, uma grande diferença
A edição de Diálogos chamou a atenção dos seus milhares na prática do psicólogo. Mais um
de leitores. As matérias abrem espaço para um debate ainda mais motivo para orgulho da profissão: é
abrangente e profícuo, pois mostram que há total ausência de uma equipe tão competente, além de
unanimidade na área. Felizmente, já que a unanimidade é paralisante. comprometida com um material tão
valioso. Sou uma psicóloga que, em
Anna Elisa de Villemor-Amara é doutora pela UNIFESP/EPM, busca de desafios, saí de São Paulo e
pós-doutorada pela Universidade de Savoia, na França, e professora estou aqui, no Portal da Amazônia,
do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade
São Francisco e da PUC–SP. Preside a Associação Brasileira trabalhando em um programa de
de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo). combate ao tráfico, abuso e explora-
ção sexual de crianças e adolescen-
4 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006
7. Editorial
tes – “Programa Sentinela”. Gostaria
de receber os dois números anterio-
res da DIÁLOGOS, e algum outro
material que por ventura venham a
disponibilizar gratuitamente, pois,
aqui, ter o conteúdo desta equipe e
revista me será de grande valia.
OS NOVOS PAPÉIS
Rejane Maria Ferreira Andrade
Rorainópolis (RR)
■ Somos da Fundação Universidade
do Contestado. Recebemos e agrade-
DO PSICÓLOGO
O
ce mos o envio da revista DIÁLO- tema da nossa revista neste número é a psicologia e a saúde. A
GOS nº 3, e gostaríamos de receber história da psicologia no Brasil tem seguido caminhos que per-
as de nºs 1 e 2. Parabéns pelas publi- passam a saúde desde seus primórdios. Entretanto, o encontro
cações de trabalhos de alta qualidade. destas duas áreas do conhecimento humano era restrito ao cam-
Maria Inês/Rosane po das atuações psicoterapêuticas e da saúde mental. Nos últimos
Mafra (SC) anos, esta relação tem se intensificado e diversificado, principalmen-
te depois da reforma sanitária, da ampliação do conceito de saúde e
■ Gostaria de saber o que preciso do desenvolvimento, no ambiente da classe de psicólogos, do com-
fazer para receber o nº 1 da revista promisso social.
DIÁ LOGOS, sobre Psicoterapia. Vários fatores contribuíram para esta evolução e abertura de ques-
Aproveito a oportunidade para elo- tões que se colocam hoje como desafio para os psicólogos: a expan-
giar as publicações de nºs 2 e 3, estão são do conceito de saúde, que sai do modelo biomédico para incor-
excelentes! porar os diversos fatores que interagem para determinar a saúde,
Kelly enfatizando as influências mútuas entre os contextos biológicos, psi-
(SC) cológicos e sociais da saúde; aumento da expectativa de vida; surgi-
mento de patologias crônicas e de transtornos relacionados ao estilo
■ Gostaria de parabenizá-los pela re- de vida; conseqüências do uso de alta tecnologia na saúde.
vista DIÁLOGOS. A avaliação psi As questões que têm sido colocadas são amplas e diversificadas,
cólogica é responsabilidade nossa e demonstrando o desenvolvimento da intervenção: a inserção do psi-
não pode ficar restrita a “bastidores”. cólogo na saúde pública, o atendimento ao paciente internado em
O tema deve ir para a discussão pú- tratamento intensivo, aos pacientes sem possibilidades terapêuticas e
blica, de toda a classe profissional. sob iminência da morte, o estresse do trabalho que acomete o traba-
Sou a “criadora” do Avalpsi e fiquei lhador da saúde, a humanização das relações, a contribuição da psi-
muito contente de ver esta lista de cologia para a construção de políticas públicas de saúde ou para a
discussão divulgada na revista! Só gestão de serviços, a incorporação da dimensão subjetiva no atendi-
gostaria de corrigir que não temos mento odontológico, no atendimento hospitalar, no uso e abuso de
mais de 160 profissionais, mas 466! drogas, na prevenção da Aids, a avaliação e contribuição para a
Acabei de verificar no site e temos formação do psicólogo e de outros profissionais de saúde.
466 membros + 24 inativos (proble- Saúde é, também, um tema de todos na vida cotidiana. As pessoas
mas provisórios com envio de e- têm, na saúde, um campo de necessidades e demandas sociais varia-
mail). Isto significa: são 500 profis- das. Poder estar atentos a elas e respondê-las com nossa competência
sionais dispostos a discutir, a pedir profissional é tarefa colocada, historicamente, para nossa profissão.
material e a pensar sobre a avaliação As respostas existentes na psicologia, sua tecnologia e todo supor-
psicológica brasileira! te teórico são a riqueza de uma profissão e fontes de muitos temas a
Cristina Coutinho serem debatidos. A experiência profissional diversificada tem tido
Marques de Pinho pouca organização, exigindo referências que garantam a qualidade
Araras (SP) técnica e o compromisso ético dos serviços prestados em área tão
cara a toda a população.
■ Gostaria de parabenizá-los pelo A desigualdade social tem gerado diferentes níveis de acesso de
formato e os conteúdos da revista. atendimento à saúde e os psicólogos, na medida em que tenham o
Gostaria de saber se ainda é possível compromisso social como um dos lemas da sua intervenção profissi-
receber um exemplar da DIÁLO- onal, devem tomar essa questão para o debate.
GOS nº 1, que trata de Psicoterapia. Por fim, o tema da formação aparece como ponto importante.
Andria Sermos capazes de implicar a dimensão subjetiva em todas as ques-
Porto Alegre (RS) tões de saúde tem sido um desafio para o próprio psicólogo em sua
intervenção, assim como para os demais profissionais de saúde para
qualificar a interlocução multiprofissional.
CARTAS PARA O CONSELHO FEDERAL DE Este número da Revista Diálogos Ciência e Profissão tem o objeti-
PSICOLOGIA (CFP) – STRTV, Quadra 702, Edi-
vo de aprofundar e ilustrar diversas vertentes da psicologia na saúde,
fício Brasília Rádio Center, 4º andar, conjunto
4024-A – CEP 70719-900. Esta seção reserva- resgatando um pouco da história da psicologia hospitalar, reconhe-
se ao direito de resumir os textos enviados cendo a diversidade do fazer, questionando e apontando questões
para publicação. Serão divulgadas apenas as relativas à formação e apresentando contribuições para a prática pro-
mensagens que estiverem acompanhadas de
nome e endereço completos, telefone ou e-
fissional do psicólogo na saúde seja na prestação de serviços, seja na
mail para contato. Recomenda-se que pedidos gestão de serviços.
e sugestões sejam enviados fora do contexto O espectro é amplo, muita coisa está sendo produzida e merece ter
dos comentários e informações. As solicitações visibilidade. Esperamos oferecer ao leitor uma agradável viagem por
de natureza não editorial serão encaminhadas
aos setores competentes do CFP.
algumas destas questões. Boa leitura!
CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006 5
8. Entrevista SÔNIA FLEURY
A PSICOLOGIA DEVE IR
muito além do
CONSULTÓRIO
Sônia Fleury propõe que os profissionais
não se limitem ao atendimento nas
clínicas e passem a se envolver em
programas dirigidos à saúde coletiva
psicóloga Sônia Fleury não que a Psicologia ainda tem um traba-
A costuma usar meias-palavras
para criticar certa visão da
Psicologia de que ao profis-
sional recém-saído da uni-
versidade cabe apenas abrir um con-
sultório e tratar as neuroses da clas-
se média. “É uma visão estereoti-
lho amplo e uma importante contri-
buição a dar à sociedade e ao país”.
DIÁLOGOS – De que forma a Psi-
cologia contribuiu para o seu tra-
balho na área de sanitarismo?
Sônia – Formei-me em Psicologia na
pada e elitista. O sofrimento é vivi- UFMG e trabalhei como psicóloga
do individualmente, mas a determi- social, ainda em Montes Claros, nos
nação do sofrimento é coletiva”, anos 70. Fiz mestrado em Sociolo-
analisa. Desde os anos 70, quando gia, no Rio de Janeiro, e doutorado
se formou pela Universidade Fede- em Ciência Política, o que denota
ral de Minas Gerais e começou a uma formação não muito típica de
trabalhar na área social, Sônia Fleu- um psicólogo. Sempre me interessei
ry milita por uma Psicologia que pelo lado social da Psicologia, por
discuta sua relação com a socieda- trabalhar com grupos e instituições,
de, as instituições e as políticas pú- danças nos currículos universitários e acabei entrando para a área de saú-
blicas de saúde. O contrário, acre- e muita propaganda sobre a função de, porque na Psicologia Social lida-
dita, é alienação. social do psicólogo. se com a questão da representação
Os caminhos trilhados pela es- Professora da Escola Brasileira de social da relação saúde-doença. Ou
tudiosa (mestre em Sociologia e Administração Pública e de Empre- seja, a forma como a população re-
doutora em Ciência Política pelo sas (Fundação Getúlio Vargas), Sô- presenta saúde e doença.
IUPERJ) confirmam sua trajetória nia Fleury é coordenadora do Pro-
de luta por uma relação entre Psi- grama de Estudos sobre a Esfera Pú- DIÁLOGOS – O que facilitou a
cologia e saúde que passe pela blica, integrante do Conselho de De- aproximação?
transformação das idéias em ações senvolvimento Econômico e Social e Sônia – O aprendizado na área de Psi-
concretas. “A política de saúde de- autora de várias pesquisas e análises cologia Social, especialmente com re-
termina o lugar de tratamento ins- institucionais sobre saúde e previdên- lação às instituições, me aproximou
titucional dos problemas sobre os cia social para organizações no país muito de várias questões da área de
quais o psicólogo vai atuar. As- e no exterior. “É preciso coragem e saúde, especialmente a dos hospitais
sim, ele precisa se apropriar desse imaginação para tentar não fazer a psiquiátricos. Eles eram vistos como
conhecimento para conquistar mais mesmice de sempre. Sem desqualifi- instituições totais, que reproduziam cer-
espaço”, defende, sugerindo mu- car o trabalho nos consultórios, acho tas dinâmicas da sociedade por meio
6 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006
9. de um aparato repressivo e, digamos, lo à Reforma Sanitária e teve grande perspectivas interdisciplinares em
pouco terapêutico. Havia toda uma dis- influência no projeto de “desospitali- que a Psicologia tem uma grande
cussão da antipsiquiatria, que passava zação” da loucura, que culminou na contribuição a dar.
pela Psicologia Social e trabalhava com redução das internações hospitalares
a questão das instituições. A aproxi- e na criação de outros formatos de DIÁLOGOS – E o tratamento de
mação com a saúde veio por meio da tratamento. Antes, a loucura deveria doenças crônicas degenerativas?
própria Psicologia, considerada não ser circunscrita aos hospitais, deve- Sônia – Essa é outra importante
como tratamento individual, clínico, ria estar presa, porque a sociedade causa de morbi-mortalidade. Com
mas como saúde coletiva. não queria ver. o envelhecimento da população,
aumenta cada vez mais o número
DIÁLOGOS – O que significa saú- DIÁLOGOS – O que falta consoli- de idosos com limitações físicas,
de coletiva? dar no campo interdisciplinar da seja por problemas de locomoção,
Sônia – O conceito surgiu da discus- saúde? como as causadas pela osteopo-
são sobre quais seriam os determi- Sônia – Com a criação do SUS (par- rose ou pelas ocasionadas por tu-
nantes do processo de saúde e doen- te do processo da Reforma Sanitária) mores. São sofrimentos muito
ça, em meio a uma revisão de con- grandes, crônicos, com os quais
teúdos, ocorrida nos anos 70 nos De- as pessoas precisam conviver
partamentos de Medicina Intensiva. Iniciativas foram muitos anos, e que representam
Por exemplo: o barbeiro, em si, não uma enorme transformação na sua
provoca a doença de Chagas, mas a feitas e criaram a capacidade de se relacionar com
situação de pobreza que leva a pes- o mundo. Isso requer um suporte
soa a viver em determinadas condi- Reforma Psiquiátrica. psicológico, pois essas pessoas
ções a torna suscetível ao contato com tendem a gerar quadros depressi-
o barbeiro. Começamos a mostrar Antes, a loucura vos e limitações no relacionamen-
que, além das bactérias da água e de
todos os agentes do processo saúde/
deveria ficar só nos to social. Já um indivíduo que re-
cebe um diagnóstico de câncer re-
doença, considerados pela saúde pú-
blica tradicional, soma-se o determi-
hospitais. A sociedade quer um tipo de apoio para atra-
vessar o problema e até melhorar
nismo de um contexto socioeconô- não queria vê-la os resultados do tratamento. Por-
mico. Não se quer negar a existência tanto, há cada vez mais necessi-
das bactérias e agentes, mas por que dade de o psicólogo se engajar
houve a universalização da saúde, que
as pessoas ricas não se contaminam nos tratamentos.
antes não era um direito constitucio-
com eles? Porque vivem em outro
nal. A mudança abriu espaço para que
contexto. A discussão sobre a saúde DIÁLOGOS – Esse espaço não
os psicólogos pudessem cada vez
como um processo social e coletivo está consolidado?
mais se inserir no sistema, mas ainda
leva ao surgimento dessa noção de Sônia – Acho que não. Sei que
se discute sua participação nas equi-
saúde coletiva, muito ligado à causa os tratamentos no Instituto Nacio-
pes de saúde da família. Então, falta
social do processo saúde/doença. nal do Câncer (INCA), do Rio de
consolidar isso. Na medida em que
Janeiro, têm apoio de assistente
DIÁLOGOS – Qual a participação social e de psicólogo. Mas não
da Psicologia nesse novo contexto?
Sônia – Além da abordagem a par-
Hoje, muitos sei se outras unidades sanitárias,
que lidam com um profundo so-
tir da perspectiva institucional, vista profissionais de frimento, uma profunda perda, são
do lado da Psicologia Social ou das sensíveis a essa necessidade. Mui-
representações sociais, houve tam- saúde ainda mantêm tos profissionais da área de saúde
bém uma discussão em relação à clí- e dirigentes hospitalares ainda
nica, com a humanização dos trata- a visão tradicional de mantêm a visão tradicional de que
mentos na área psiquiátrica e uma tudo se trata com medicamentos
mudança da visão da figura do lou- que tudo se trata com e intervenções médicas, quando o
co, que deixou de ser visto como
aquele que deveria estar preso e tra-
medicamentos e ser humano é muito mais com-
plexo. Há situações que envolvem
tado como uma manifestação singu-
lar de sofrimento, mas não necessa-
intervenções médicas a disposição afetiva e emocional
da pessoa, e o apoio psicológico
riamente com processos químicos ou pode ter um forte impacto, inclu-
com encarceramento. se começa a perceber que os grandes sive, no resultado dos tratamen-
fatores de morbi-mortalidade na so- tos médicos.
DIÁLOGOS – A Psicologia ajudou ciedade atual, nas metrópoles, estão
a mudar as técnicas de tratamento? ligados ao modo de vida, há um enor- DIÁLOGOS – Como mudar o
Sônia – A Psicologia teve uma im- me campo para o psicólogo que tra- quadro atual na saúde pública?
portante contribuição no conjunto de balha com essa dimensão. Por que as Sônia – A Psicologia deveria se
técnicas de tratamento, desde terapias pessoas morrem hoje ou ficam en- apropriar mais da discussão sobre
ocupacionais até sócio e psicodramas. fermas? Basicamente por questões li- a saúde coletiva. Entender o que é
Uma série de coisas foram feitas nas gadas à violência. Cada vez mais a a saúde coletiva, o funcionamento
instituições e ajudaram na constru- violência, o consumo de drogas e de e a própria política nacional de
ção do que hoje se chama de Refor- álcool são problemas comportamen- saúde e compreender o funciona-
ma Psiquiátrica no Brasil, trabalho tais ligados a uma dada tensão da so- mento do Sistema Único de Saú-
influenciado pela Reforma Psiquiá- ciedade, que não podem ser tratados de. Essas matérias, dos cursos de
trica da Itália, cujo impacto foi mui- exclusivamente do ponto de vista mé- Saúde Pública, não estão nos cur-
to forte aqui. Isso ocorreu em parale- dico, mas a partir de uma série de sos de Psicologia. Forma-se um
CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006 7
10. Entrevista SÔNIA FLEURY
profissional para trabalhar na área blemas de aprendizagem, que aten- DIÁLOGOS – Como é a relação da
de saúde, mas ele não sabe nada dem deficientes, instituições hospi- Psicologia com a saúde na América
sobre o sistema de saúde, qual a talares. Mas ela mesma está ainda Latina? O Brasil precisa avançar?
concepção que o orienta. Acho que contaminada da visão que passa para Sônia – O Brasil avançou muito na
a própria formação do psicólogo a sociedade, de que o psicólogo se luta antimanicomial, mais do que ou-
deveria ser mudada. forma para tratar da neurose da ma- tros países da América Latina. É um
dame que tem dinheiro para o aten- exemplo tanto na Reforma Sanitária
DIÁLOGOS – Em geral, quando dimento num consultório superchi- quanto na luta antimanicomial. Neste
se pensa em Psicologia, surge a que. Não é essa a perspectiva para o sentido, temos sido procurados por
imagem do consultório de psico- nosso país. É fundamental o traba- aqueles que buscam aprender um pou-
terapia... lho de consultório, tratar de neuro- co com as novidades que consegui-
Sônia – Trata-se de uma visão ses é importante também, porém é mos. Apesar de um contexto interna-
muito elitista da Psicologia e, uma limitação achar que a Psicolo- cional desfavorável (todo o mundo
além de tudo, muito individualis- gia é só isso. É preciso ampliar a querendo reduzir o Estado ao mínimo
ta, pois supõe que as questões se- visão, discutindo os porquês e suge- e cada pessoa comprando seu seguro-
jam individuais. O sofrimento é saúde), conseguimos construir um sis-
vivido individualmente, mas a de- tema que, apesar de inúmeros proble-
terminação do sofrimento, mui-
tas vezes, é coletiva. É preciso
A Psicologia tem uma mas, abriu, pela primeira vez, a possi-
bilidade de as pessoas terem acesso
discutir a Psicologia do ponto de visão individualista universal à saúde.
vista de sua relação com a socie-
dade, com as instituições e as po- da saúde. É preciso DIÁLOGOS – O sistema único exis-
líticas da sociedade. A política de te nos demais países latinos?
saúde determina o lugar de trata- mudar a idéia de que Sônia – A maioria não passou por
mento institucional dos proble- esse processo. Somente Costa Rica e
mas de saúde onde o psicólogo ela deveria limitar Cuba têm um sistema único e univer-
vai atuar. E ele precisa se apro-
priar desse conhecimento para
sua ação aos sal de saúde, e os resultados são me-
lhores do que os do Brasil. Eles são
conquistar mais espaço, caso con-
trário fica alheio a tudo.
consultórios anteriores. O caso da Argentina cha-
ma muito a atenção pela generaliza-
rindo mudanças para que a Psicolo- ção da Psicanálise e a grande influên-
DIÁLOGOS – Seria necessário gia passe a se inserir mais nas are- cia disso nas áreas cultural, educacio-
fazer mudanças nos currículos nas públicas de políticas da constru- nal e da própria saúde. Houve uma
universitários? ção do Sistema Único de Saúde. troca muito grande entre os brasilei-
Sônia – Sim, na Psicologia e na ros e os argentinos. Poderia citar, ain-
Medicina. Não se pode mais for- DIÁLOGOS – Por que isso ainda da, a experiência de Bogotá, cujo pre-
mar um médico que sabe tudo so- não aconteceu? feito iniciou no final dos anos 90 um
bre como funciona o organismo de Sônia – Os processos de transforma- trabalho de reconstrução do imaginá-
uma pessoa, mas desconhece o fun- rio coletivo da cidade, promovendo
cionamento, as concepções, as jus- intervenções sobre componentes cívi-
tificativas da criação do Sistema
Único de Saúde na qual ele vai
O Brasil avançou na cos, que tiveram um impacto enorme:
Bogotá conseguiu reduzir a mortali-
trabalhar. As doenças devem ser
atacadas dentro de um sistema po-
luta antimanicomial dade por causas externas, por violên-
cia, drasticamente. É considerado um
lítico institucional porque o trata- mais do que outros exemplo no mundo.
mento dependerá dele.
países. É um exemplo DIÁLOGOS – Como foi a experiên-
DIÁLOGOS – Quais os proble- cia de Bogotá?
mas no relacionamento Psicolo- tanto nesse assunto Sônia – Para ficar apenas no uso da
gia e Saúde? Psicologia vou citar o evento “A Noi-
Sônia – Entre os principais está quanto na Reforma te das Mulheres”, que ocorria todo ano
justamente o fato de que a Psico-
logia ainda tem uma visão indivi-
Sanitária no dia 8 de março: a prefeitura pedia
que as mulheres saíssem às ruas, en-
dualista das questões de saúde. A quanto os homens permaneceriam em
perspectiva geral é de que o má- ção são longos e demorados. Muitas casa. Ou seja, criava um sociodrama,
ximo para um psicólogo é abrir coisas ocorreram a partir da reforma, usando um instrumento da Psicologia.
um consultório e receber a classe da luta antimanicomial. Há um tra- Depois discutiam e analisavam, em
média para tratar de neurose. Essa balho grande dos psicólogos inseri- cada bairro, em cada instituição, o que
é uma visão estereotipada da Psi- dos em unidades locais de saúde ex- havia acontecido de diferente, se as
cologia, que deveria ser alterada tremamente importantes. Mas talvez mulheres usam o espaço público dife-
até dentro da sociedade, pois a Psi- a sociedade ainda não tenha percebi- rentemente dos homens, se havia me-
cologia tem muito mais a contri- do isso e a Psicologia não tenha con- nos mortes e menos agressões, se as
buir do que isso. seguido mostrar à sociedade a impor- mulheres de classe pobre se compor-
tância da atuação vinculada às insti- tavam da mesma forma que as das
DIÁLOGOS – Como a Psicolo- tuições. É preciso um pouco de ma- classes média e alta.
gia pode contribuir socialmente? rketing. E falta uma atuação mais po-
Sônia – Por exemplo, ela tem lítica dos psicólogos como grupo or- DIÁLOGOS – Os comportamentos
todo um trabalho a fazer em ins- ganizado, como atores políticos na dis- mudavam de acordo com as classes
tituições com crianças com pro- cussão do Sistema Único de Saúde. sociais?
8 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006
11. Artigo
Sônia – As mulheres pobres iam
para a rua, avós dançavam com ne-
tas e as mulheres ricas se compor-
Cidadania com arte
tavam um pouco como homens, Por ROSALINA MARTINS TEIXEIRA
iam aos bares beber. A partir des-
sas e outras informações, a prefei-
tura discutia como a questão de gê- Há mais de 13 anos investi- tes do PETI (Programa de Erradi-
nero impacta no uso do espaço pú- mos em uma idéia simples e de cação do Trabalho Infantil).
blico. Mudou o prefeito, mas mui- grande poder transformador. O projeto Arte da Saúde é es-
tas coisas foram incorporadas, Acreditamos que o protagonismo sencialmente um processo de re-
como a presença dos agentes cívi- infanto-juvenil seja essencial à conquista da auto-estima por meio
cos, meninos de periferia educados conquista da cidadania, que so- das descobertas dos talentos e ap-
para discutir com a população, por mente se consolida numa cons- tidões. É a busca do exercício da
exemplo, sobre o uso do cinto de trução cotidiana, profundamente cidadania, que se fundamenta no
segurança ou da obediência aos si- comprometida com os princípios exercício do direito de expressão
nais de trânsito e alertar dos riscos do Estatuto da Criança e do Ado- na perspectiva de que o predicar
de quem desobedece regras. São for- lescente. Temos a convicção de seja, também, uma forma de cons-
mas de educar a população para que as crianças em rota de exclu- trução da subjetividade e uma to-
componentes cívicos do uso do es- são social precisam de espaços mada de posição no mundo. O
paço urbano. Isso tudo teve um im- onde possam reafirmar seus talen- projeto visa, assim, a construção
pacto fenomenal na saúde pública. tos e aptidões, de modo a toma- da cidadania pelo fortalecimento
Num país em plena guerra civil, hoje rem nas próprias mãos a constru- do protagonismo infanto-juvenil.
se morre menos em Bogotá por vio- ção de seus destinos e a se capa- Atualmente mantemos seis ofici-
lência do que em Belo Horizonte. citarem para pôr em prática os nas espalhadas por vários bairros
seus projetos individuais. Para rea- da região leste de Belo Horizonte.
DIÁLOGOS – Há troca de infor- lizarmos essa idéia não precisa- Atendemos crianças
mações entre os profissionais lati- mos de grandes estruturas ou de dos bairros Taqua-
no-americanos? um contingente operacional ril, Alto Vera Cruz,
Sônia - Na verdade, cada vez mais oneroso e complexo. Ao Santa Inês, Granja
os países estão criando formas de contrário, trabalhamos de Frutas e Vera
se organizar e trocar experiências e em pequenos núcle- Cruz. Somos uma
conhecimentos, o que proporcionou os espalhados pe- pequena ini-
um intercâmbio maior. Já existem los bairros, em ciativa em um
instituições voltadas para essa tro- espaços anexos universo
ca de experiências, como a Associ- a igrejas, cen- imenso de cri-
ação Latino-Americana de Medici- tros culturais, anças ávidas
na Social (Alames). No próximo moradias de por alguma
ano haverá um encontro internacio- monitores, en- chance, por
nal de saúde pública no Brasil, e fim, espaços uma sorte que
este será um momento importante disponibiliza- as desvie da ro-
de reflexão e troca coletiva. dos pela própria tina desumana de
população. Nossos falta de assistência,
DIÁLOGOS – Haveria espaço monitores são mora- da carência mais ab-
para uma experiência como a de dores das comunidades soluta, do tráfico de
Bogotá no Brasil? onde atuamos. Nelas, eles são se- drogas tão presente e organizado.
Sônia – É preciso coragem e ima- lecionados por suas qualificações O Projeto Arte da Saúde cons-
ginação suficiente para tentar não para lidar com crianças e adoles- titui uma prática intersetorial de
fazer a mesmice de sempre. centes e por deterem habilitações iniciativa das Secretarias Munici-
profissionais específicas. pais de Saúde e de Assistência So-
DIÁLOGOS - O que esperar da O público-alvo que atendemos cial de Belo Horizonte. Mantém
ligação entre Psicologia e saúde? é formado por crianças em rota parcerias com a Cáritas Brasilei-
Sônia – A relação entre Psicologia de exclusão social – crianças en- ra, Regional Minas Gerais, e o Fó-
e a saúde passa pela política, por caminhadas por suas escolas ou rum Mineiro de Saúde Mental.
transformar a discussão, as idéias, familiares às equipes de saúde Atualmente, se constitui numa po-
em políticas públicas. Não é ape- mental dos centros de saúde. Em lítica pública da Regional Leste,
nas uma relação entre as discipli- geral são crianças levadas à saúde tendo sido indicado nas últimas
nas. Discutir Psicologia e saúde mental por se tornarem refratárias Conferências dos Direitos da Cri-
como uma relação disciplinar, como às escolas. Meninos e meninas pe- ança e do Adolescente e Confe-
conhecimento, é uma coisa, mas jorativamente denominados de rências da Saúde Mental como
acho que o debate deve passar tam- ‘crianças-problema’. Recentemen- prática a ser ampliada para todas
bém pela construção de políticas te fomos chamados a ampliar nos- as regionais da cidade. D
para a aplicação. Por isso, os psi- sas vagas para atendimento das Rosalina Martins Teixeira, coordenadora e
cólogos deveriam ter mais em con- crianças abrigadas e das integran- idealizadora do projeto
ta o espaço da política. Construir
esse espaço. A Psicologia deveria
preparar políticas públicas que le-
As crianças em rotas de exclusão social
vassem em conta, em suas inter-
venções, os sofrimentos coletivos
precisam de espaços para
e individuais. D reafirmar seus talentos e aptidões
CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006 9
12. UM ELO
ESSENCIAL
Interlocutor do paciente, psicólogo
que atua na UTI também faz a triangulação
com a família e a equipe muldisciplinar
10 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006
13. UTI
cologia do Instituto do Coração (In-
ção no ambiente a seu redor – numa
Cor), em São Paulo, desde a sua cri-
unidade intensiva, o paciente não de-
ação, em 1974, Bellkiss lembra o re-
cide nem a hora do próprio banho –,
curso adotado pelos profissionais
ficar meia hora por dia com a cama
americanos para tranqüilizar o piloto
levantada, por exemplo, pode ser
ao definir o papel do psicólogo em
muito gratificante. “O psicólogo é o
uma UTI. “Lidar com as emoções,
interlocutor do paciente. Quando se
tendo como referência o paciente”,
coloca no lugar dele, descobre suas
diz. “O ambiente da UTI, por si só, é
necessidades e, assim, pode atuar”,
facilitador do surgimento de quadros
afirma Bellkiss, que comanda a equi-
psico-patológicos, a começar pela ar-
pe de 30 psicólogos do InCor. Dez
quitetura.” deles são aprimorandos, ou seja, es-
Numa UTI tradicional, sem janelas
tão fazendo sua especialização pro-
nem luz natural, até mesmo o pacien-
fissional em regime similar ao da re-
te consciente tende a perder
sidência médica.
referências fundamentais para seu
Junto à equipe multidisciplinar um
equilíbrio. Em pouco tempo, ele fica
dos aspectos fundamentais da atua-
sem saber se é dia ou noite, se faz frio
ção do psicólogo é reconhecer e diag-
ou calor. Aliada a essa sensação está
nosticar as manifestações comporta-
a ansiedade sobre o próprio estado de
mentais decorrentes de patologias or-
saúde, a alteração do sono devido aos
gânicas. Há cinco anos no Hospital
procedimentos médicos, os ruídos
Israelita Albert Einstein, em São
constantes dos equipamentos hospita-
Paulo, a psicóloga Ana Lucia Mar-
lares, a movimentação da equipe de
tins da Silva ressalta que uma gran-
saúde, os gemidos e a visão dos ou-
de quantidade de quadros – como
tros pacientes. “O paciente fica deso-
infecções, encefalopatias, distúrbios
rientado no tempo e no espaço, num
metabólicos e insuficiência renal –
confinamento que pode levar inclusi-
pode desencadear manifestações que
ve a alucinações”, afirma Bellkiss.
parecem, mas não são, mentais.
Esse quadro se chama síndrome de
“Muitas vezes o paciente está com
UTI. Para amenizar o problema, os
um delírio de fundo orgânico e, se o
arquitetos já começaram a fazer a sua
psicólogo não fizer prontamente o
parte, colocando relógios nas acomo-
diagnóstico diferencial, toda a inter-
dações e construindo unidades com ja-
venção pode ficar desacreditada”,
nelas, ou seja, com vínculos com o
afirma Ana Lucia. Como Bellkiss,
mundo externo. Ana Lucia constatou na prática que
Aos psicólogos, por sua vez, cabe
determinados manejos no ambiente
adotar o que Bellkiss chama de “prá-
podem reduzir ou até evitar proble-
ticas terapêuticas”, sem nenhum pre-
mas nos pacientes. No hospital onde
fixo “psico”, mas extremamente efi-
trabalha, as UTIs contam com ilu-
cazes no combate à síndrome. Uma
minação natural, o que ajuda o pa-
delas é orientar a equipe a dar sem-
ciente a preservar a orientação no
pre bom-dia, boa-tarde ou boa-noite
tempo e no espaço. Uma reforma,
N
a ampla Unidade de Terapia aos pacientes; fazer comentários so-
cujo término está previsto para me-
Intensiva (UTI) de um hospi- bre o dia da semana, levar informa-
ados do próximo ano, deixará uma
tal de Cleveland, nos Estados ções sobre o tempo, sobre o que está
das unidades com blocos individu-
Unidos, todos os leitos esta- acontecendo além das quatro pare-
ais, em vez de leitos separados por
vam voltados para a janela de des da unidade. As medidas indivi-
biombos. “Isso reflete uma mudan-
parede inteira, com vista para copas dualizadas vão depender, é claro, da
ça de cultura, cujo critério é o bene-
de árvores. Só um leito estava em sen- observação do psicólogo. Para quem
fício para o paciente”, explica Ana
tido contrário. Era ocupado por um perde toda a capacidade de interven-
Lúcia. “Além de ganhar maior priva-
paciente que, anos antes, ti- cidade, ele poderá passar
nha sido piloto durante a a noite acompanhado de
guerra do Vietnã. Neste pa- um familiar”, adianta.
ciente, a visão das árvores, O apoio à família é ou-
de cima, provocava muita tro vértice importante da
agitação. “Ele tinha a im- triangulação feita pelo pro-
pressão de estar sobrevoan- fissional de Psicologia nas
do de novo o Vietnã, para unidades de terapia inten-
jogar bombas”, conta a psi- siva. “Como a imagem de
cóloga Bellkiss Romano, so- uma UTI está, inicialmen-
bre uma de suas primeiras te, associada a um momen-
experiências em Unidade de to limite, é preciso auxiliar
JEFFERSON COPPOLO
Terapia Intensiva, durante a família a reconhecer a si-
visita ao hospital americano, tuação real”, pondera Ana
em meados da década de 80. Lucia. “Trata-se de mobili-
Uma das pioneiras em Psi- zar recursos internos e so-
cologia Hospitalar no Brasil ciais, de forma que os
e diretora do Serviço de Psi- Bellkiss: na UTI perde-se a noção de tempo e espaço membros dessa família pos-
CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006 11
14. UTI
sam se reorganizar para dar conta da forma bastante acessível o quadro do entubadas. No primeiro caso, o psi-
situação”, explica. A vida não pára, paciente e as intervenções que estão cólogo atua mais diretamente com a
mas, num primeiro instante fica em sendo realizadas, mas o impacto emo- família, em especial preparando-a
suspense. Embora a internação na UTI cional da internação é tamanho que a para se tornar parceira do tratamen-
não seja mais vista como uma espécie capacidade de compreensão da famí- to. Quando o paciente não consegue
de sentença de morte, tanto o pacien- lia fica comprometida. verbalizar, mas tem movimentação
te quanto seus familiares e amigos sa- No contato com o doente, às vezes nos braços, a escrita é uma das alter-
bem que o momento é grave. A situa- é preciso lançar mão da criatividade. nativas mais utilizadas para captar
ção fica ainda mais complicada quan- “Aprendi a fazer leitura labial na prá- suas demandas e, na medida do pos-
do existe um vínculo de dependência tica”, conta Luciene. “O fundamental sível, resolvê-las. Como resultado, os
financeira ou emocional com o paci- é escutar verdadeiramente o pacien- psicólogos envolvidos com o cotidi-
ente. “Em geral, quando a pessoa in- te”, defende. A ponderação parece ano de unidades intensivas recebem
ternada é o chefe da família no senti- sem sentido quando se lembra que, cada vez mais retornos positivos
do de provedor, a tendência é de um numa unidade intensiva, podem estar quanto a sua atuação. Luciene, que
desequilíbrio maior, mas o mesmo fe- internadas pessoas inconscientes ou tem entre seus méritos a implantação
nômeno ocorre quando do serviço no Hospital
o paciente é aquele que Português, conta que o
mantém os vínculos processo de conquista
familiares”, observa a
psicóloga do Albert
Einstein.
Como base, uma de espaço junto à equi-
pe de médicos e enfer-
meiros foi tranqüilo. “E,
Com 19 anos de
profissão, os últimos
sete trabalhando na
especialização intensiva à medida que os resul-
tados começaram a apa-
recer, a demanda pelo
UTI do Hospital Por- Já se foi o tempo no qual, ao terminar a atendimento aumentou”,
tuguês, no Recife, a faculdade, o psicólogo estava preparado diz.
psicóloga Luciene Car- para assumir todas as funções apresenta- A observação de Lu-
neiro Leão também das pela sociedade. Com a crescente diver- ciene encontra eco nas
lida no dia-a-dia com sidade do campo de atuação, cada vez mais UTIs pediátrica e neo-
a ansiedade, a angústia se requer preparo e especialização, em es- natal do mesmo hospi-
e os medos do pacien- pecial quando se trata de integrar equipes tal onde trabalha a psi-
te e de sua família. multidisciplinares e prestar atendimento em
Ana Maria:
cóloga Cynthia Chagas.
“Trabalho muito no situações de emergência. “O intensivismo é trabalho “A receptividade é gran-
sentido de desmistifi- uma especialidade voltada para o cuidado exige de por parte dos outros
car o ambiente da UTI, da pessoa em estado crítico, de forma inin- treinamento profissionais da saúde,
a idéia da morte”, diz terrupta, por uma equipe de profissionais de que valorizam muito a
Luciene. Em algumas saúde com treinamento e competências específicas”, define presença do psicólogo
situações, no entanto, Ana Maria Pueyo Blasco de Magalhães, presidente do Depar- na equipe”, afirma Cyn-
não há como escapar tamento de Psicologia Aplicada à Medicina Intensiva da Asso- thia. Ela já trabalhava
da realidade da perda. ciação Brasileira de Medicina Intensivista Brasileira (AMIB). há oito anos na institui-
Entre os profissionais que conquistaram espaço na espe- ção quando, dois anos
Um dos casos que mais
cialização está a psicóloga Lilian Almeida Couto Viana, que
marcaram a psicóloga atrás, passou a se dedi-
implantou e comanda o serviço de Psicologia do Hospital
nos últimos tempos foi car exclusivamente às
Vila da Serra, na cidade mineira de Nova Lima. “Na faculda-
o de uma paciente de duas unidades intensi-
de, todos são treinados para trabalhar em consultório”, diz
41 anos, mãe de três fi- Lilian. “Na urgência, as coisas borbulham, muitas culpas
vas destinadas a crian-
lhos pequenos, que foi surgem e o psicólogo está onde a crise acontece”, explica.
ças. Na unidade neona-
fazer um exame, entrou Como os demais profissionais acostumados a enfrentar a tal constatou que, na
em choque anafilático dura rotina de uma UTI, Lilian defende que, para trabalhar prática, pode se trans-
e acabou sofrendo em equipes intensivistas, todo psicólogo passe por uma formar em suporte para
morte encefálica. “Ela formação específica. “Um curso que invista na teoria, mas, os pais. A ida de um
já chegou em coma principalmente, na prática. E a prática se aprende dentro do bebê para uma UTI re-
profundo, mas o pai hospital, ao lado do presenta, num primeiro
não tinha coragem de supervisor”, acredi- momento, o desmoro-
contar para os filhos”, ta. A psicóloga, que namento dos planos e
recorda Luciene. “Em coordena o Departa- sonhos do casal. “Tudo
momentos como esse, mento de Psicologia o que eles imaginavam
o psicólogo precisa da Sociedade Minei- fica diferente”, afirma
ajudar a família a su- ra de Terapia Inten- Cynthia. “A alimenta-
perar o problema, as- siva, fala de cátedra. ção é por sonda, o to-
sim como ele é funda- Entre os muitos cur- que através da incuba-
mental na intermedia- sos de aprimora- dora. Muitas vezes, o
ção da família com a mento que fez está fato de não poder ama-
equipe médica, até a conceituada espe- mentar gera na mãe a
cialização em Psico- sensação de que ela não
mesmo para esclarecer
logia Clínica Hospi-
a situação do paciente, está fazendo nada pelo
talar aplicada à car-
usando uma linguagem filho”, conta. Nessas
diologia, do InCor,
menos técnica”, relata. ocasiões, uma das prin-
em São Paulo.
Há casos nos quais os cipais metas do psicólo-
médicos esclarecem de go é ajudar os pais a
12 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006
15. Livro
manter o vínculo com a criança, ape-
sar das adversidades.
Nem sempre os pais conseguem
encarar o problema que têm pela
Quando a vida
frente. “Há casos em que a mãe des-
compensa”, observa Cynthia. “Quan-
do isso ocorre, é preciso encontrar
começa diferente
outro familiar que assuma o seu lu- Organizadores: Denise Streit Morsch,
gar”, diz. A psicóloga relata que a Maria Elizabeth Lopes Moreira e Nina de
Almeida Braga (Editora Fiocruz, 2003)
participação dos pais no processo de
convalescência do filho também é
esta coletânea, a experiência qualificações dos profissionais da
N
um aspecto sempre levado em conta
na UTI pediátrica. Mesmo aqueles de ter um filho recém-nasci- saúde presentes nesse cenário, tais
que jamais pisaram em um hospital do internado na UTI é abor- como enfermeiros, auxiliares de en-
podem ajudar em diversas situações, dada em várias dimensões. fermagem, médicos e fisioterapeu-
entre elas na identificação do estado Seu objetivo é ser uma ferramenta tas. E mostra em detalhes a rotina
de espírito do filho e na execução para pais e familiares que enfren- de um bebê nesse tipo de UTI.
de atividades rotineiras. “Quando a tam essa dramática situação. Os Com grande sensibilidade, as re-
criança está na unidade de terapia, textos foram escritos em linguagem lações familiares também são ava-
os cuidados com ela são delegados clara para serem compreendidos liadas. Descrevem-se as formas de
à equipe de profissionais da institui- pelos usuários dos serviços de saú- interação com o bebê, suas com-
ção”, diz Cynthia. “Se os pais aju- de. Certamente ajudarão os pais a petências e potencialidades para fa-
dam a equipe, dentro do possível de entenderem melhor o funciona- cilitar a construção de sua subjeti-
cada quadro, como dar a alimenta- mento desse mundo inusitado de vidade. Outro tema delicado são os
ção, o benefício é duplo. De um aparelhos, silêncios e jalecos bran- sinais depressivos nos pais durante
lado, a criança fica melhor, pois eles cos onde se vêem subitamente in- a internação do bebê. Fala-se tam-
são as pessoas nas quais ela mais troduzidos. Além da participação bém da importância da família am-
confiança. De outro, os pliada. Seu papel para
pais se sentem recon- construção de vínculos
fortados, por estarem em tramas transgeracio-
fazendo algo pelo fi- nais é analisado e exem-
lho”, explica. Eviden- plificado na narrativa de
temente, em determina- um avô. Nesta parte,
dos momentos a psicó- discute-se de que modo
loga não recomenda a a família pode se orga-
presença deles na uni- nizar e atender melhor
dade durante procedi- às demais crianças.
mentos mais dolorosos. Por fim, o livro reú-
É nesse ambiente re- ne as informações sobre
pleto de dor, medo e os direitos e conquistas
angústia que os psicó- dos pais e das crianças
logos vêm marcando que têm um nascimento
presença, não apenas diferente. O artigo es-
com o desafio de hu- clarece, por exemplo,
manizá-lo, mas tam- dúvidas das mães em re-
bém como coadjuvan- lação ao aleitamento no
tes fundamentais do período da internação.
processo de tratamento. Expostos dos especialistas, as organizadoras Outro aspecto trabalhado é a mor-
diariamente a uma intensa sobrecar- inseriram testemunhos de pais e fa- te. Fala-se da extensão da dor, da
ga emocional, os especialistas não miliares que passaram por essa ex- saudade, da tristeza e da existência
têm dúvidas quanto aos pré-requisi- periência e compartilham suas per- de um tempo de cunho mais subje-
tos para desempenhar suas ativida- cepções. Muitas vezes, os relatos tivo na expressão desses sentimen-
des dentro de uma UTI: formação adquirem o tom de desabafo tal é a tos. As diversas formas de elabo-
especializada e constante trabalho sinceridade neles contida. ração da perda são apontadas. De
pessoal. “O psicólogo está tão vul- O livro proporciona uma visão nada adianta, por exemplo, tentar
nerável à síndrome de Burnout quan- completa do atendimento na UTI. diminuí-la por meio de artifícios
to qualquer outro membro da equi- Os capítulos iniciais discutem os como desmontar imediatamente o
pe multidisciplinar”, afirma a psicó- riscos gestatórios, as implicações quarto do bebê. Pela seleção de te-
loga Ana Lúcia Martins da Silva, re- de alguns exames e os cuidados du- mas, o livro se constitui um instru-
ferindo-se à manifestação provoca- rante o período pré-natal. Em se- mento valioso para apoiar pais, fa-
da pelo estresse da exposição pro- guida, são apresentadas as situações miliares e aqueles que se relacio-
longada ao sofrimento e, mais espe- que envolvem um nascimento di- nam com a internação de um bebê
cificamente, ao contato humano (leia ferente e por que a criança nessas de alto risco em unidade de terapia
mais à pág 50). Em contrapartida, condições pode necessitar de cui- intensiva. Por isso, sua leitura tam-
há a gratificação de ver muitos pa- dados intensivos. Fornece ainda um bém é obrigatória para o psicólo-
cientes saírem de lá recuperados para glossário dos termos mais usados. go que deseja trabalhar em uma
a vida, com o apoio de uma família Coerentemente com o projeto de UTI neonatal ou em Obstetrícia. In-
que se reorganizou e ficou emocio- repartir informações com o usuá- clusive, tem a participação de uma
nalmente mais forte. D rio, o volume explica as funções e psicóloga na sua organização. D
CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006 13
16. Ensino
FORMAÇÃO DEFAS
As faculdades ainda não preparam profissionais
de saúde para atuar de maneira mais abrangente
discussão sobre a formação pro- acrescentar qualidade ao atendimen- não só dos psicólogos, ainda é falha.
A fissional do psicólogo no Bra-
sil tem despertado polêmica
desde que o conceito do pro-
cesso saúde/doença passou a ser
visto como o resultado de um com-
plexo processo que deve levar em con-
ta o contexto socioeconômico. O psi-
to? E os demais profissionais de saú-
de, aceitam e entendem a importância
do papel do psicólogo nos tratamen-
tos? Muitas perguntas têm sido levan-
tadas dentro dos departamentos de Psi-
cologia de algumas universidades bra-
sileiras e em instituições ligadas ao en-
Para entender as razões da afirma-
ção é preciso olhar para trás. A preo-
cupação em trabalhar com uma visão
mais ampla da doença chegou ao Bra-
sil ainda nos anos 50, com a Medicina
Psicossomática. Esta área de estudo já
postulava a idéia de que o profissional
cólogo pode se manter alheio a ques- sino. As professoras Odete Pinheiro, da saúde deveria adquirir conhecimen-
tões ligadas ao sistema de saúde do da Universidade de São Paulo (USP), tos para interagir em um processo bio-
País? O sistema de saúde pode excluir Eliane Seidl, da Universidade de Bra- psicossocial. Porém, a idéia provocou
o psicólogo das equipes hospitalares? sília (UnB), e Rosa Spinelli, da Asso- resistências desde o início, principal-
Qual a função do psicólogo nessas ciação Brasileira de Medicina Psicos- mente no que se refere ao reconheci-
equipes? O psicólogo está preparado somática, são unânimes na resposta: a mento do psicólogo. “Esse reconheci-
para integrar o sistema de saúde e formação dos profissionais de saúde, mento como um profissional importan-
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