Procura testar teorias relacionadas a comunidades virtuais e produção de conhecimento através da implantação de um site de divulgação e jornalismo científicos. Utilizando recursos amplamente disponíveis e em grande parte gratuitos, criou-se um ambiente complexo de comunicação entre uma equipe jornalística e a comunidade de leitores. Tentou-se ainda coletar e definir guias de como deve ser apresentada a notícia na Web, mais especificamente em ambientes cooperativos. Exemplo disso são os modos de perenizar as informações veiculadas em notícias (instituições, contatos, termos e conceitos, etc.). É mostrada a evolução da Internet e a implicação dos novos modos de leitura e escrita da Web no pensamento e transmissão dos conhecimentos. Aborda-se ainda questões de design, acessibilidade, interface, interação e redação. Apresenta-se a viabilidade técnica e econômica de implantação e manutenção de um site elaborado, que atenda às necessidades comunicativas dos novos modos de apresentação das notícias e outras informações.
Política de Comunicação Social: a busca por indicadores de desempenho
Hipercórtex: uma experiência de jornalismo científico em comunidades virtuais
1. Universidade
Estadual de Londrina
MURILO LAUREANO PINTO
HIPERCÓRTEX
UMA EXPERIÊNCIA DE JORNALISMO CIENTÍFICO EM
COMUNIDADES VIRTUAIS
LONDRINA
2003
2. MURILO LAUREANO PINTO
HIPERCÓRTEX
UMA EXPERIÊNCIA DE JORNALISMO CIENTÍFICO EM
COMUNIDADES VIRTUAIS
Trabalho apresentado à disciplina
3NIC024 – Projeto Experimental em
Jornalismo – como requisito parcial à
conclusão do curso de Comunicação
Social, habilitação em Jornalismo, da
Universidade Estadual de Londrina
Orientador: Prof. Mário Benedito Sales
LONDRINA
2003
3. DEDICATÓRIA
Para adam_baum – a.k.a. Greg Allan,
João Bosco Loureiro e
Osvaldo Rosa,
que nos deixaram,
e ao Victor, que a nós se juntou,
durante o desenvolvimento deste trabalho.
4. AGRADECIMENTOS
A meus pais, por tudo.
À ANA CAROLINA, pela paciência.
A minha família, pelo apoio e presença constantes.
A todos os colaboradores, financiadores, inspiradores e membros da comunidade de
software livre, pelo trabalho dedicado e competente que permitiu a realização deste projeto.
Aos fundadores e desenvolvedores do PostNuke, pela visão original e inovadora e pelo
tempo gasto em educar e guiar-nos pelo sistema.
À ADRIANA YUMI, pela ajuda indispensável.
A NILSON GIRALDI, pela importante contribuição.
Aos amigos que participaram desta caminhada.
A todos que colaboraram de qualquer modo para a concretização deste trabalho.
Aos que não nos atrapalharam.
5. Uma invasão de exércitos pode
ser resistida, mas não a de uma
idéia cujo seu tempo chegou.
Victor Hugo
6. PINTO, Murilo L. Hipercórtex: uma experiência de jornalismo cientifico em comunidades
virtuais. 2003. 102p. Trabalho de Conclusão de Curso (Comunicação Social, habilitação em
Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
RESUMO
Procura testar teorias relacionadas a comunidades virtuais e produção de conhecimento
através da implantação de um site de divulgação e jornalismo científicos. Utilizando recursos
amplamente disponíveis e em grande parte gratuitos, criou-se um ambiente complexo de
comunicação entre uma equipe jornalística e a comunidade de leitores. Tentou-se ainda
coletar e definir guias de como deve ser apresentada a notícia na Web, mais especificamente
em ambientes cooperativos. Exemplo disso são os modos de perenizar as informações
veiculadas em notícias (instituições, contatos, termos e conceitos, etc.). É mostrada a evolução
da Internet e a implicação dos novos modos de leitura e escrita da Web no pensamento e
transmissão dos conhecimentos. Aborda-se ainda questões de design, acessibilidade, interface,
interação e redação. Apresenta-se a viabilidade técnica e econômica de implantação e
manutenção de um site elaborado, que atenda às necessidades comunicativas dos novos
modos de apresentação das notícias e outras informações.
Palavras-chave:Jornalismo, Internet, Comunidades Virtuais, Ambientes Cooperativos,
Ciência
7. PINTO, Murilo L. Hypercortex: a science news reporting experience in virtual communities.
2003. 102p. Final paper on Social Communications - Journalism Majoring – Universidade
Estadual de Londrina, Londrina.
ABSTRACT
It trials theories related to virtual communities and knowledge production by implementation
of a science and technology news and information reporting Website. Using resources
available at large and most of them free (both as in freedom and gratis), a complex
communication environment between a journalism staff and readers community was created.
It tried yet to compile and set guidelines on how to present news on the Web, specifically in
cooperative environments. Examples of these are the means of perpetuate information
published in articles (institutions, contacts, terms and concepts, etc.). It shows the Internet
evolution and the implications of the new ways of reading and writing on the Web in
knowledge transmission and thinking. It also deals with matters of design, accessibility,
interface and writing. It presents the technical and economic feasibility of the implementation
and maintenance of such an elaborated Website, which serves the communicative needs of the
new ways of news and other information presentation.
Keywords: Journalism, Internet, Virtual Communities, Cooperative Enviroments,
Science
8. SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.................................................................................................iv
RESUMO ...................................................................................................................vi
ABSTRACT ..............................................................................................................vii
LISTA DE FIGURAS..................................................................................................xi
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 1
2 HISTÓRIA DA INTERNET: DO MAINFRAME À CIBERCULTURA................... 3
2.1 O PC.............................................................................................................. 3
2.2 A INTERNET ..................................................................................................... 6
2.3 A WEB ............................................................................................................ 8
2.3.1 O HIPERTEXTO ............................................................................................ 9
3 O CIBERESPAÇO ............................................................................................ 13
3.1 CIBERESPAÇO: O ESPAÇO DO SABER ............................................................. 15
3.1.1 A TERRA................................................................................................... 15
3.1.2 O TERRITÓRIO ........................................................................................... 16
3.1.3 O MERCADO ............................................................................................. 17
3.1.4 O SABER .................................................................................................. 18
4 AMBIENTES COOPERATIVOS ....................................................................... 21
4.1 A ARGUMENTAÇÃO HIPERTEXTUAL ................................................................. 21
4.2 FERRAMENTAS DE MEMÓRIA ........................................................................... 23
4.3 A QUESTÃO DA INTERFACE ............................................................................ 24
4.4 FERRAMENTAS DE INTERFACE......................................................................... 26
5 CIBERJORNALISMO ....................................................................................... 28
5.1 INTERAÇÃO.................................................................................................... 29
5.2 REDAÇÃO ...................................................................................................... 31
5.3 DESIGN ......................................................................................................... 36
5.3.1 USABILIDADE ............................................................................................ 37
5.3.2 ACESSIBILIDADE ........................................................................................ 40
10. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................. 72
APÊNDICES ............................................................................................................ 77
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DO SITE ................................ 78
APÊNDICE B – MANUAL DO USUÁRIO DO HIPERCÓRTEX............................... 80
GLOSSÁRIO............................................................................................................ 87
11. LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Elementos esperados por usuários em páginas Web, por áreas................................. 38
Figura 2: Distribuição da informação em sites: profundidade vs. quantidade de opções.........39
Figura 3: Logomarca do HIPERCÓRTEX................................................................................ 43
Figura 4: Modos de Difusão Científica .................................................................................... 45
Figura 5: Modelo tradicional, com arquivos HTML simples...................................................52
Figura 6: Modelo simplificado de processamento de dados com tecnologias server-side....... 53
Figura 7: Dois exemplos de telas de Administração - visão parcial do Menu de Administração,
no alto, e Adicionar Notícia, acima. O uso do CMS escolhido elimina a necessidade de
Webmasters dedicados...................................................................................................... 55
Figura 8: Chamada para notícia, na capa. Pode-se ver links para o corpo da matéria, para
comentá-la, enviá-la para um amigo, criar uma versão de impressão, ver informações
sobre o autor e também para o Tópico. ............................................................................56
Figura 9: Página de capa das colunas, com logo de "O Cotidiano" ......................................... 57
Figura 10: Caixa de exibição aleatória de enquetes na capa: usuários registrados ..................58
Figura 11: Caixa de exibição aleatória de enquetes na capa: usuários anônimos não podem
votar .................................................................................................................................. 58
Figura 12: Página inicial do Banco de Teses............................................................................ 58
Figura 13: Página inicial do serviço de Links ..........................................................................59
Figura 14: Destaque na capa para as estatísticas do Fórum .....................................................60
Figura 15: Caixa de entrada no Bate-papo, na capa. ................................................................ 60
Figura 16: Caixa com eventos do dia de hoje e próximos, na capa. Para usuários registrados,
exibe também seus compromissos pessoais. ....................................................................61
Figura 17: Glossário - página com definição de um termo (EIA) do volume Meio Ambiente. 62
Figura 18: Banco de Pesquisadores - página inicial do serviço ...............................................63
Figura 19: Página inicial do serviço de clippings..................................................................... 64
Figura 20: Rodapé do site, com links para páginas de informação .......................................... 65
12. 1
1 INTRODUÇÃO
Este não é um livro sobre livros.
Manuel Castells - A Sociedade em Rede, v. 1
Em artigo recente1, o físico e colunista de Folha de São Paulo, Marcelo Gleiser,
estabelece dois tipos de cientistas: os sonhadores e os pragmáticos. Os primeiros seriam
caracterizados por uma criatividade advinda de uma pré-concepção da organização do mundo,
“geralmente inspirada por conceitos estéticos, como simetria e beleza”, mas sem que isso se
torne uma coisa menor. Dá como exemplo Johannes Kepler. Os outros seriam os que
consideram a ciência fruto de observação, análise de dados e experiências, o que põe a ciência
em íntima relação com o desenvolvimento tecnológico necessário para a aquisição desses
dados. O exemplo de Gleiser para esse tipo de cientista é Thycho Brahe. Ambos, Brahe e
Kepler, trabalharam juntos, este como assistente daquele. Os dados do primeiro possibilitaram
ao segundo comprovar sua visão do mundo, que confirmariam Copérnico e dariam base à
Teoria da Gravitação Universal, de Newton2.
Nessa perspectiva, este é um trabalho pragmático: ele se propõe, basicamente, a
comprovar a visão e conceitos propostos principalmente por Pierre Lévy, em suas obras
relacionadas à inteligência coletiva e ao estabelecimento de um novo modo de cognição
surgido com as novas tecnologias de comunicação e representação da informação. Partindo de
sua visão, cujos escritos datam do início da década de 90 e que em grande parte tratam ou
baseiam-se em aplicações incipientes e novas práticas de organização e comunicação ainda
tímidos na época, utilizamos tecnologias hoje amplamente difundidas e em pleno emprego
para a efetivação de algumas das ferramentas comunicacionais propostas por ele.
Para isso, criamos um site de divulgação e jornalismo científicos com foco na cidade de
Londrina, nesta Universidade em especial. A escolha do tema deu-se pela lacuna existente na
mídia local na cobertura desses assuntos e, principalmente, pela proximidade dos ideais do
formato de publicação e da ciência. Esta, como as comunidades virtuais, preza pela discussão
livre de idéias, a crítica entre pares e o acesso público às informações e a construção
colaborativa do conhecimento.
_____________
1
GLEISER, Marcelo. Pragmatismo e Sonho. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jan. 2003. Mais, p. 15.
2
Ibid.
13. 2
Apresentamos a história das inovações que levaram à Web no capítulo 2, História da
Internet: do Mainframe à Cibercultura. Nele diferenciamos os diversos protocolos de
transmissão que a Internet suporta dos meios de comunicação, linguagens e práticas
comunicacionais que surgem deles, numa tentativa de eliminar ambigüidades no uso de
termos e conceitos. Também iniciamos a definir as diferenças observadas na cognição e na
sociedade humanas com o surgimento desses novos modos de comunicação.
Isso é continuado no capítulo seguinte, O Ciberespaço. Apresentamos também a visão
antropológica de Lévy sobre a Web, a interação inevitável entre técnica, cultura e
conhecimento, e a evolução dessas relações na história humana.
O quarto capítulo, Ambientes Cooperativos, restringe a abordagem a uma forma de
comunicação na Web, aquela estabelecida nos groupwares ou comunidades virtuais.
Apresentamos as implicações e possibilidades específicas desse modo de comunicação na
organização de um grupo, suas características técnicas e comunicacionais e damos alguns
exemplos de sistemas com esse conceito. Mostramos ainda a importância da interface nos
processos comunicacionais e como os groupware lidam com alguns dos problemas da Web.
Como o jornalismo se enquadra no cenário estabelecido é o tema do capítulo 5,
Ciberjornalismo. Abordamos a redação jornalística, o design Web e a importância da
participação da equipe do site nas discussões e no dia-a-dia da comunidade.
Na seqüência é mostrado o projeto do HIPERCÓRTEX, o site de divulgação e
jornalismo científicos baseado em comunidades virtuais. Especificamos o conceito de
jornalismo científico, suas características de linguagem e procedimentos e alguns paralelos
com a Web. Também são considerados os serviços e seções do HIPERCÓRTEX, seu
público-alvo, as especificidades da cobertura e redação propostas e os aspectos técnicos do
trabalho.
14. 3
2 HISTÓRIA DA INTERNET: DO MAINFRAME À CIBERCULTURA
Computadores são inúteis. Eles só podem te dar respostas.
Pablo Picasso
2.1 O PC
Sou um digitador, não um escritor. Até minha letra está se
desintegrando, tornando-se cada vez menos a minha letra, e mais o
garrancho anônimo de alguém que está aprendendo a escrever.
Steven Johnson – Cultura da Interface
A história das inovações que levaram à Internet pode ser contada a partir das
tecnologias decorrentes dos esforços da Segunda Guerra Mundial. Os investimentos militares
americanos em pesquisa propiciaram que, em 1946, fosse criado o primeiro computador de
uso geral, o Eniac (Eletronic Numeric Integrator And Computer, ou Computador E Integrador
Numérico Eletrônico), que “pesava 30 toneladas, foi construído sobre estruturas metálicas
com 2,75 m de altura, tinha 70 mil resistores e 18 mil válvulas a vácuo e ocupava a área de
um ginásio esportivo. Quando ele foi acionado, seu consumo de energia foi tão alto que as
luzes de Filadélfia piscaram.”3 Nos anos 50, desenvolveram-se versões comerciais por
diferentes empresas, sempre mais potentes.
Esse modelo computacional, baseado em Mainframes*, só começaria a mudar em 1971,
com a invenção do microprocessador, que incluía todo um computador em um único chip. Em
1975, Ed Roberts, um engenheiro fabricante de calculadoras, criou o Altair, o primeiro – e
primitivo – microcomputador. O Altair foi utilizado como base para os Apple I e II, este um
sucesso comercial desenvolvido nas garagens dos pais dos jovens Steve Wozniac e Steve
Jobs, fundadores da Apple Computers, em 1976. Nessa época, “o nec plus ultra [o que havia
de melhor, limite] era construir seu próprio computador a partir de circuitos de segunda mão.
_____________
3
FORESTER (1987), apud CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede - A era da informação: economia,
sociedade e cultura. 5 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 617p.
* Palavras marcadas com asterisco são encontradas no Glossário.
15. 4
As máquinas em questão não tinham nem teclado, nem tela, sua capacidade de memória era
ínfima [...] Esses computadores não serviam para quase nada, todo o prazer estava em
construí-los.”4 Um fator fundamental na massificação dos computadores pessoais deveu-se à
adaptação do software Basic para o Altair, feita em 1976 por Bill Gates e Paul Allen,
desistentes de Harvard que fundariam a Microsoft tempos depois.
A IBM* reagiu em 1982, lançando a marca que iria eternizar o objeto: Personal
Computer, o PC. A tecnologia utilizada pela IBM não era própria, mas desenvolvida por
terceiros, o que impediu um controle rígido dos clones, que se difundiram pelo mundo e
possibilitaram a supremacia dos PCs, apesar da superioridade técnica dos Apple.5
Em 1984, a Apple lançou o Macintosh, primeira versão comercial e funcional dos
conceitos desenvolvidos pela Xerox de Palo Alto, com o uso intensivo da interface chamada
de wimp: Windows, Icons, Mouse, Pointer (Janelas, Ícones, Mouse e Ponteiro; mas também
“fraco, insípido, ineficaz”), que tornou os computadores amigáveis: não era mais preciso
programar para usá-los; bastava apontar-e-clicar, ou olhar-e-sentir, no slogan da Apple na
época6.
O desenvolvimento da capacidade de processamento dos chips (Consultar a Tabela 1)
vem cada vez mais diminuindo a presença dos mainframes em favor das arquiteturas
cliente/servidor e, mais recentemente, Peer-to-peer*. Tais configurações otimizam o uso dos
recursos e capacidade de processamento dos diversos computadores conectados, chegando a
reduzir o “custo médio do processamento da informação de aproximadamente US$75 por
milhão de operações, em 1960, para menos de um centésimo de centavo de dólar em 1990”7.
Essas arquiteturas, Grid computing*, peer-to-peer, em rede, só se tornaram possíveis
com a evolução simultânea da capacidade de formação de redes e transmissão de dados. Mas
estas também só foram possíveis devido ao aumento da capacidade de computação e novos
dispositivos eletrônicos (comutadores, roteadores, fibras óticas). A velocidade da mudança
pode ser medida pela evolução da velocidade de transmissão de dados: 1956, cabos
transatlânticos, 50 circuitos de voz compactada; 1995, cabos de fibra ótica, 85 mil circuitos de
voz compactada8. A isso, somam-se as tecnologias que permitem uma melhor utilização do
“espaço físico” de transmissão, como TCP*/IP e ATM*.
_____________
4
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência – O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 2001. 208p.
5
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Op. cit.
6
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface – Como o computador transforma nossa maneira de criar e
comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 181p.
7
CASTELLS, Manuel. Loc. cit..
8
Ibid.
16. 5
Tabela 1: Evolução da tecnologia dos computadores e redes de transmissão eletrônica
Ano Processadoresa Memóriab Transmissãoc
1972 200 KHz 1.024 bytes
1974 2 MHz (Altair) 56 mil bits/s (Arpanet)
1979 5 MHz (8088) 64 Kb
1982 6 MHz (286)
Sem dados s/d
1985 16 MHz
1989 25 MHz (486) 1 Mb 1,5 milhões de bits/s (Arpanet)
1993 60 MHz 16 Mb 45 milhões de bits/s (NFSNET)
Escala de Gigabits, suficiente
para envio de uma Biblioteca do
1995 150MHz (Pentium)
s/d Congresso Norte-americano por
segundo, em protótipo
1997 200 MHz
1999 450 MHz 256 Mb
1999 1 GHz
s/d
1999 1,4 GHz s/d
2000 1,5 GHz 1 Gb
2001 2 GHz
s/d
2002 3,06 GHz
Fontes: a) Folha de São Paulo, 20/11/2002. Micro chega aos 3 GHz. b) Manuel Castells, op. cit. c) Id. Ibid.
Velocidade de links* principais da rede. b e c: Valores e datas aproximados. s/d: sem dados.
17. 6
2.2 A INTERNET
O computador é um meio de comunicação! Eu sempre tinha pensado
nele como uma ferramenta, talvez um veículo – uma concepção muito
fraca... Se o computador pessoal [era] um meio verdadeiramente novo,
o próprio uso dele iria realmente mudar os padrões de pensamento de
uma geração inteira.
Alan Kay, citado por Steven Jonson – Cultura da Interface
A Internet teve origem também na Segunda Guerra Mundial, pois foi, até certo ponto,
uma resposta aos avanços tecnológicos russos. Em plena Guerra Fria, no final dos anos 50, a
União Soviética lançou o Sputinik, ultrapassando os Estados Unidos na corrida espacial. Para
inverter a situação, a Darpa* (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada, do Departamento
de Defesa norte-americano) investiu em diversas pesquisas ousadas. Uma delas promovia
uma idéia de Paul Baran, da Rand Corporation: Criar um sistema de comunicação
invulnerável a ataques nucleares. Para isso, a tecnologia de comunicação por comutação de
pacotes foi usada, tornando a rede de comunicação independente de centros de comando e
controle; se um pacote de dados ou todo um nó se perdesse devido a um ataque, por exemplo,
a mensagem ainda poderia ser recomposta integralmente em qualquer ponto da rede.9
Assim, em 1969, foi lançada a Darpanet*, dirigida aos centros de pesquisa que
cooperavam com o Departamento de Defesa. Mas os cientistas não se limitaram a usar a rede
nas pesquisas militares, tanto que, em 1983, a Arpanet foi dividida com a criação da Milinet,
destinada exclusivamente para estas. Neste ano também foi adotado o padrão TCP/IP para
ambas as redes. Nos anos 80, a Fundação Nacional da Ciência (NSF*) criou, com a IBM, a
CSNET* e também a BITNET*, voltada para assuntos não-científicos. Todas essas redes
usavam a infraestrutura da Arpanet, de forma que esta logo foi chamada de Arpa-Internet e,
por fim, Internet, ainda mantida pelo Departamento de Defesa e operada pela NFS. O
aumento de tráfego exigia o aumento de capacidade de transmissão (consultar a Tabela 1).
A invenção do Unix* em 1969 pelos Bell Labs, da AT&T*, um monopólio privado
financiado pelo governo, também foi importante. O Unix trazia suporte nativo à conexão entre
computadores e foi fundamental para a Internet, depois que pesquisadores de Berkeley,
_____________
9
CASTELLS, Manuel. Op. cit.
18. 7
patrocinados pela Arpa, adaptaram o protocolo TCP/IP para o sistema, em 1983. O
financiamento público do projeto possibilitou que o Unix fosse distribuído a preço de custo.
Paralelamente a esses grandes inventos, patrocinados por fundos estatais e generosos, e
cientistas profissionais, havia uma enorme comunidade de usuários, boa parte universitários
influenciados pela contracultura dos anos 60-70. Liberdade era o grande referencial dessa
cultura. Assim, dois estudantes, Ward Christensen e Randy Suess, inventaram em 1978 um
aparelho que possibilitasse a eles transferir arquivos entre computadores via telefone, para que
pudessem evitar as ruas de Chicago no inverno: o Modem*. No ano seguinte, criaram o
padrão Xmodem*, que permite a conexão ponto-a-ponto, sem a necessidade de um servidor.
Ambas as tecnologias foram distribuídas sem custo. No mesmo ano, alunos de universidades
não incluídas na Arpanet resolveram seus problemas com iniciativas próprias, modificando o
Unix para que utilizasse linhas telefônicas comuns. Criaram o Usenet10*, que também teve
sua tecnologia difundida gratuitamente e, hoje, é um fórum de discussões tão grande e
abrangente que tem difícil utilização prática. Diversas redes pequenas começaram a ser
formadas e elas podiam se interconectar, desde que houvesse uma linha telefônica e modens
entre elas.
Foi desse modo que culturas inicialmente opostas, a militar e a contracultura,
contribuíram para o surgimento da Internet11. Tinham em comum a origem universitária, que
foi e é decisiva na definição da cultura predominante da Rede, por ser sempre a precursora nas
inovações e modos de usá-las. Os esforços de cada um na realização de seus objetivos
possibilitaram a abertura do sistema e o desenvolvimento tecnológico em saltos. Também, a
contracultura deixou sua marca libertária e utópica: a Internet ainda não vê com bons olhos a
publicidade e comercialização excessiva, inspira a informalidade e tem como grande
referencial a auto-regulação. A abertura é tamanha que o único modo de se manter totalmente
protegido ou “fechado” na Rede é não estar nela.
Na década de 90, percebendo o potencial da rede, a NSF privatizou diversos de seus
serviços, dando início à Internet. Desde então, o embate militar/hippie expandiu-se e passou a
incluir o business. A comercialização da Internet é cada vez maior, mas nada indica que deva
se tornar majoritariamente uma mídia de massa, como a televisão, rádio ou jornais, como
veremos adiante.
_____________
10
news://news.usenet.org . É necessário um leitor de newsgroup*.
11
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Op. cit.
19. 8
2.3 A WEB
Esta proposta diz respeito ao gerenciamento de informações
em geral sobre aceleradores e experimentos no CERN. Ela
discute os problemas de perda de informações sobre sistemas
que evoluem de modo complexo e infere uma solução baseada
em um sistema distribuído de hipertexto.
Tim Berners-Lee - Information Management: A Proposal, a
proposta original da World Wide Web
A Web é definida como implementação gráfica da Internet. Nesta altura, é importante
diferenciar a Internet, meio de transmissão, e os diversos protocolos que se utilizam dela, os
meios de comunicação, ou, como prefere Meditsch, “meios de expressão”12.
É útil, como ilustração, compará-la com outros meios de comunicação e transmissão: a
Internet está para a Web como as ondas eletromagnéticas estão para o rádio. Do mesmo modo
que a Internet transmite, além da Web, o E-mail*, mensagens de IRC*, etc., as ondas “de
rádio” transmitem também as mensagens da televisão, do rádio-amador, da telefonia celular e
da própria Internet... Ninguém classificaria estes diferentes sistemas que se utilizam das ondas
eletromagnéticas como um único; o mesmo deve ser feito com a Internet. O que talvez seja o
grande contribuinte para essa confusão é o fato de que com a Rede, pela primeira vez, tanto
em modos de comunicação muitos/muitos (bate-papo), um/um (e-mail pessoal) ou um/muitos
(sites de jornais), o mesmo equipamento utilizado para recepção é utilizado na emissão e,
mais que isso, na produção das mensagens.
Para diferenciar de forma mais apropriada a Internet da Web, recorremos a Tim Berners-
Lee, o criador desta:
A Internet é uma rede de redes. Basicamente, é feita de computadores e
cabos. [...] Ela distribui pacotes [de dados] – em qualquer lugar do mundo,
normalmente em menos de um segundo.
Muitos tipos diferentes de programas usam a Internet: [...] como a Web, [eles]
codificam as informações de forma diferente e usam diferentes linguagens
entre computadores (protocolos) para fornecer um serviço.
A Web é um espaço abstrato (imaginário) de informações. Na Rede, você
encontra computadores – na Web você encontra documentos, sons, vídeos...
_____________
12
MEDITSCH, Eduardo. O ensino do rádio jornalismo em tempos de internet. In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 24, 2001, Campo Grande. Anais... [s.l.]: Intercom, 2001. CD-ROM.
20. 9
Informações. Na Rede, as conexões são cabos entre computadores; na Web,
conexões são os links de hipertexto.13
Ou seja, a Web é apenas um dos diversos protocolos que utilizam a Internet, e só foi
criada no início da década de 90, cerca de 20 anos após a Internet. Antes, utilizavam-se outros
protocolos: e-mail, News*, Gopher*, etc.
Pela analogia que fizemos no início deste capítulo, a Internet é um meio de transmissão
apenas, cujo suporte cada vez mais se torna indeterminável: a convergência digital faz com
que todo tipo de mensagem (TV, rádio, jornais, etc.) passe pelas mesmas redes de cabos. A
Web, no entanto, só é captada por computadores, principalmente os PCs (alguns PDAs* e
celulares acessam a Web, mas não exatamente a que nos referimos aqui; são linguagens e
protocolos bastante próximos, mas essencialmente diferentes, como o Wap* e a WML*). Ela
é, portanto, um suporte. Um suporte cuja linguagem é o hipertexto.
2.3.1 O HIPERTEXTO
Imaginar uma linguagem é imaginar um modo de vida.
Wittgenstein, citado por Steven Johnson – Cultura da Interface
A característica mais marcante da Web é o hipertexto. Apenas ela, de todos os
protocolos abertos da Internet, possibilita a conexão por hyperlinks. Apesar de ser possível
incluir um hyperlink em um e-mail, ele é apenas uma referência para o programa navegador
da Web. O protocolo ou o programa leitor de e-mails não irá interpretar por si mesmo o
endereço HTTP*, ainda que possa “ler” cada vez melhor páginas HTML*, com imagens e
mesmo vídeos. Tampouco é possível fazer uma referência direta à outra mensagem de e-mail
do mesmo modo que se faz a uma página da Web. Também, apesar de ser possível fazer
referência a um endereço FTP* em uma página Web, o inverso não é verdadeiro.
Embora o hipertexto seja característico da Web e se encontre implementado apenas nela,
não se pode dizer que tenha tido origem ou pertença apenas a ela. A idéia original do
hipertexto surgiu com Vannevar Bush e foi apresentada pela primeira vez em 1945 no artigo
_____________
13
BERNERS-LEE, Tim. Press FAQ. Disponível em <http://www.w3.org/People/Berners-Lee/FAQ.html>.
Acessado em novembro de 2002. Traduzido livremente por Murilo Pinto
21. 10
As We May Think14. Em oposição aos sistemas artificiais de indexação e organização de
informações existentes, fortemente baseados em níveis e classes, ele propunha o Memex, um
sistema “natural”, semelhante ao funcionamento da mente humana, que funcionaria por
associações. Todas as fontes de informação de uma pessoa seriam centralizadas nele: uma
série de periféricos converteria livros, imagens e sons em microfilmes e fitas magnéticas. A
partir disso, o usuário poderia navegar pelas informações de forma não linear, “chamando” a
informação que necessitasse a qualquer momento, não importando onde ela estivesse
guardada originalmente, criando associações independentes (e mesmo trilhas, linhas de
pensamento) que ficariam gravadas nos documentos, podendo ser reproduzidas ao toque de
um botão. 15
Na década de 70, o conceito seria retomado por Theodore Nelson, que criaria o termo
hipertexto para designar a idéia de seu Xanadu: um imenso sistema de escrita/leitura contendo
todas as informações literárias e científicas do mundo, aberto para comentários e trocas de
informações livres a todos os usuários.16
Essas referências ideais e utópicas estão longe de serem alcançadas, mas não se pode
dizer que sejam inalcançáveis; seria mais apropriado dizer que é uma questão de tempo até
que a tecnologia que as possibilite seja desenvolvida. Desta forma, a melhor definição para o
hipertexto, como existe atualmente, vem de Pierre Lévy:
Tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os
nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos,
seqüências sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos
hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em
uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões
em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto
desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto
possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.
Funcionalmente, um hipertexto é um tipo de programa para a organização de
conhecimentos ou dados, a aquisição de informações 17
Para entender a novidade que o hipertexto representa e suas implicações no modo como
lidamos com a informação, é preciso compará-lo com sistemas anteriores de escrita. Se
selecionarmos a mudança causada na ciência, leitura e escrita a partir da introdução da
impressão, teremos um resultado satisfatório.
Se as características dos livros manuscritos eram alto custo de reprodução, falta de
padronização, notações pessoais em margens e rodapés e traziam consigo implícita a
_____________
14
Para uma reprodução integral do artigo: http://www.theatlantic.com/unbound/flashbks/computer/bushf.htm
15
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit.
16
Ibid.
17
Ibid.
22. 11
necessidade de tutores (os donos dos livros) com vários alunos, a impressão tornou-os
paulatinamente populares – à medida que caiam os custos de impressão e aumentava a
portabilidade e usabilidade do livro – a ponto de fazer da alfabetização uma necessidade
básica e instituiu uma série de elementos de interface que, de tão disseminados e antigos
passam despercebidos: capa, cabeçalhos e títulos, numeração seqüenciada de notas, páginas e
seções, sumários e índices, referências cruzadas, etc.18 A própria espessura de um livro traz
informações sobre ele. Enfim, o livro é uma interface, bastante específica e historicamente
determinada, construída sobre um suporte existente anteriormente, que influencia há poucos
séculos o modo como lidamos com as informações.
O mesmo ocorre com o hipertexto. Ele é uma interface nova de leitura e escrita que tem
como suporte a interface amigável19:
• representação figurada, diagramática ou icônica das estruturas
da informação e dos comandos (por oposição a representações
codificadas ou abstratas);
• uso do mouse que permite ao usuário agir sobre o que ocorre na
tela de forma intuitiva, sensoriomotora e não através do envio
de uma seqüência de comandos alfanuméricos [linha de
comando];
• os menus que mostram constantemente ao usuário as operações
que ele pode realizar;
• a tela gráfica de alta resolução.
Toda interface traz implícita uma forma de usá-la. A leitura de um livro difere da de um
jornal. A evolução dos livros causada pela impressão e pelo agenciamento sócio-técnico do
Renascimento permitiu que a escrita deixasse de ser uma simples técnica de memorização e
armazenamento de dados ou uma arte – a caligrafia – e se tornasse uma ferramenta de
comunicação20. Reitere-se: a escrita só se tornou uma ferramenta de comunicação muitos
séculos após sua invenção, quando a impressão foi apropriada pela sociedade com esse fim.
No hipertexto, convencionou-se chamar a esse uso de navegação. Ele difere
grandemente dos usos anteriores da escrita, e mais ainda das “novas mídias” eletrônicas. Mas
para definirmos uma linguagem como própria da ou apropriada à Web, é preciso comparar
mais detidamente as características das mídias preexistentes, suas implicações sociais e como
elas se comportaram frente às mídias nascentes, o que faremos adiante.
Lévy define ainda o hipertexto como uma metáfora de diversos fenômenos sociais, num
sentido que coincide com a sociedade em rede, conceito proposto por, entre outros, Castells.
_____________
18
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit.
19
Ibid.
20
Ibid.
23. 12
As redes hipertextuais ou informacionais, sejam elas sociais, a Internet ou outras, têm como
características21:
• Encontram-se em permanente construção e reconfiguração.
Nós – sites, pessoas, instituições, fábricas, cidades, etc. –
surgem, crescem e morrem a cada instante. Cada nó individual
não importa tanto quanto a rede, já que na falta dele, outro
assumirá sua função;
• Os pontos da rede não são iguais. Diferem em importância
(“tamanho”), função, características, etc.;
• A Rede é composta de diversas redes, constituídas por
miniredes que são constituídas por microredes e assim
sucessivamente. Perturbações em qualquer estágio propagam-
se indefinidamente, podendo atingir um grande número de
atores ou pontos da Rede não diretamente relacionados ao
evento inicial;
• As redes não têm centro, exceto por diversos centros
temporários, que são os nós principais;
• Todos os pontos de uma rede estão igualmente ligados, a uma
mesma “distância”. A distância pode ser nula ou infinita,
significando que se está dentro ou fora da rede, mas é igual
entre todos os pontos de uma mesma rede. Todos os
movimentos, ou eventos, na rede dependem dessa proximidade.
Alterar o posicionamento de um elemento da rede implica
alterar ela própria.
Essas características, somadas a outras tantas, definem o ciberespaço e a cibercultura. É
o que veremos a seguir.
_____________
21
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Op. cit.
24. 13
3 O CIBERESPAÇO
[Ciberespaço:] uma representação gráfica de dados extraídos de
bancos [de dados] de todos os computadores no sistema humano.
Complexidade inimaginável. Linhas de luz vagando no não espaço da
mente, enxames e constelações de dados.
Willian Gibson – Neuromancer,
citado no site do filme Johnny Mnemonic
Chamaremos de ciberespaço22 uma forma específica da Internet e da Web. Uma forma
adequada ao que entendemos como o objetivo principal do desenvolvimento das tecnologias
de informação. Não é o único imaginável, mas é o nosso. É fundamental a defesa desse
projeto nas mais diversas esferas, já que o modelo de uso do ciberespaço ainda está
largamente indefinido e será consolidado a partir das práticas e decisões sociais, comerciais,
políticas, técnicas, etc. que aplicarmos, implantarmos e aceitarmos. “O ciberespaço designa
menos os novos suportes de informação do que os modos originais de criação, de navegação
no conhecimento e de relação social por eles propiciados.”23
É importante ressaltar que essas escolhas, mesmo quando “apenas técnicas”, tem
conseqüências em todas as outras esferas. Num exemplo próximo, a Universidade Estadual de
Londrina, ao optar por usar em seus servidores sistemas fechados, proprietários – servidores
Web IIS*, da Microsoft, e banco de dados Oracle – praticamente impede a utilização de
programas (ou scripts) livres, de menor custo ou mesmo gratuitos, adaptáveis e que
transmitem conhecimento – como no caso do servidor Apache ou do banco de dados
MySQL* – em vez de simplesmente consumi-los. Uma decisão simplesmente técnica, tomada
pelos administradores da rede, tendo em vista facilitar a manutenção de sistemas criados por
terceiros, dada a alta rotatividade de desenvolvedores (alunos e professores), e totalmente
justificável sob esse aspecto24. Mas com implicações amplas no contexto maior. Este projeto,
por exemplo, que tem custo zero em termos de software, não poderia ser hospedado nela. “É
_____________
22
LEITE, Sílvia. Internet e ciência: O potencial da Internet como contribuinte para o desenvolvimento da
ciência. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 24, 2001, Campo Grande.
Anais... [s.l.]: Intercom, 2001. CD-ROM.
23
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva – por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Ed. Loyola, 2000.
212p.
24
Leonardo Pinheiro, administrador da rede UEL. Conversa pessoal com Murilo Pinto.
25. 14
preciso deslocar a ênfase do objeto (o computador, o programa, este ou aquele módulo
técnico) para o projeto (o ambiente cognitivo, a rede de relações humanas que se quer
instituir.”25
Nesse sentido, entendemos o Ciberespaço como um contraponto à sociedade do
espetáculo, da televisão, da mídia de massa, do entretenimento, do tempo real. Uma superação
dela. A Internet não estará consumada com a implantação ampla da banda larga e do vídeo
sob demanda. Não queremos uma mesma televisão, apenas on-line e “interativa”. Isso é para a
TV digital. Nem um shopping global, como Bill Gates expressa em seus projetos Hailstorm*
e .Net*. Ou um pan-ótico orwelliano, como o instituído pelos Estados Unidos com seus
Echelon*, Carnivore* e TIA*.
Com Lévy26, pensamos que os princípios do Ciberespaço, a serem defendidos em
diferentes níveis, são representados por:
• instrumentos que favorecem o desenvolvimento do laço social pelo
aprendizado e pela troca do saber;
• agenciamentos de comunicação capazes de escutar, integrar e restituir a
diversidade, em vez daqueles que reproduzem a difusão midiática
tradicional;
• sistemas que visam o surgimento de seres autônomos, qualquer que seja
a natureza dos sistemas (pedagógicos, artísticos, etc.) e dos seres
(indivíduos, grupos humanos, obras, seres artificiais);
• engenharias semióticas que permitem explorar e valorizar, em beneficio
da maioria, os jazigos de dados, o capital de competências e a potência
simbólica acumulada pela humanidade.
Isso não significa que esses projetos sejam auto-excludentes. Eles podem e deverão
coexistir, embora nem sempre de forma pacífica. É o que tentaremos mostrar no próximo
capítulo.
_____________
25
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit.
26
Id. A inteligência coletiva. Op. cit.
26. 15
3.1 CIBERESPAÇO: O ESPAÇO DO SABER
Os seres humanos não habitam apenas no espaço do físico ou
geométrico, vivem também, e simultaneamente, em espaços afetivos,
estéticos, sociais, históricos; espaços de significação, em geral.
Michel Serres, citado por Pierre Lévy – A inteligência coletiva
Lévy propõe uma visão antropológica do Ciberespaço a partir do conceito dos Espaços
antropológicos, que define como
um sistema de proximidade (espaço) próprio do mundo humano
(antropológico), e portanto dependente de técnicas, de significações, da
linguagem, da cultura, das convenções, das representações e das emoções
humanas. [...] As pessoas de pé à minha volta, no metrô, estão mais distantes
de mim, em um espaço afetivo, do que minha filha ou meu pai, que estão a
quinhentos quilômetros daqui. 27
Ele define também a existência de quatro espaços antropológicos: Terra, Território, das
Mercadorias e do Saber, cujas características ele aborda através das identidades humanas, das
semióticas, do tempo e do espaço e das relações com o conhecimento. Nessa perspectiva,
explicitaremos as características e diferenças dos Espaços.
3.1.1 A TERRA
Só os seres humanos vivem sobre a Terra;
os animais habitam nichos ecológicos.
Pierre Lévy – A inteligência coletiva
A Terra é a natureza recoberta pela ação – e significação – humana. Nela, o individuo se
reconhece por seu nome, seu clã, seus ascendentes, deuses e mitos. Seu corpo é o veículo e a
mensagem, cuja marca é a presença física necessária do emissor e do receptor no mesmo
contexto. A geografia, na Terra, é criada pelas trilhas dos povos nômades e animais. Ela é
também a memória dos homens, que se referem a acidentes geográficos em seus mitos e
_____________
27
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Op. cit. Toda a teoria deste capítulo remete largamente a esta obra.
27. 16
histórias. O tempo é circular: os eventos, como as estações, se repetem indefinidamente; as
lendas, ferramentas de memória e conhecimento, são eternas, mesmo quando se referem a
uma novidade – um deus ou algo do gênero, situado no passado infinito, sempre estará
presente. Os rituais, que reforçam identidades, são também os mesmos, sempre, e sempre se
referem ao divino ou mitológico.
O saber está encerrado na carne, nas pessoas, que o transmitem oralmente à
comunidade.
3.1.2 O TERRITÓRIO
O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo
cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou
pessoas suficientemente simples para acreditá-lo.
Jean-Jacques Rousseau – Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens
O Território estabeleceu-se há cerca de 5000 anos, com o desenvolvimento de
tecnologias que permitiram ao homem fixar sua residência e administrar as novas relações
sociais e econômicas que surgiram, em especial a agropecuária e a escrita. Elas propiciaram o
nascimento do Estado, que exigiu também o desenvolvimento de exércitos, leis,
administrações, cidades. O Território sobrepuja a Terra: explorando seus recursos em
beneficio próprio; limitando as ações através da delegação de poder; inaugurando a
propriedade, pedaço da Terra cercado pelo Território. A hierarquia e tudo que se organiza por
meio de fronteiras, escalas e níveis, são as marcas deste espaço, que se percebe em relações
sociais, familiares, educacionais, etc.
A política, a propriedade, a religião, a nacionalidade, a corporação, escola ou sindicato
são as definidoras da identidade dos homens – fronteiras.
Com a escrita e a impressão, a mensagem é separada do contexto onde é produzida. A
fala também é sedentarizada:
Os signos já não são apenas trocados na situação, mas podem ser separados
de seus autores, separados das potências vivas a que se apegavam no regime
semiótico da Terra. [...] Os signos representam as coisas: tornam presentes as
coisas ausentes. [...] Entre os signos e as coisas interpõe-se de agora em
diante o Estado, a hierarquia e seus escribas. [...] A coisa está ausente, ela nos
28. 17
escapa; pois só a apreendemos mediante seu nome, seu conceito, sua
imagem, sua percepção, sempre signos. A coisa só aparece aqui sob a forma
neutra, pálida e sem vida de seu representante. Não é mais que seu
inacessível ‘referente’ . A coisa em si é transcendente.28
O tempo também é fixado pelo Território. Períodos são marcados a partir de dinastias e
reis; a agricultura submete-se a regras e políticas de estoque, baseadas nas previsões feitas. O
tempo é linear e lento, regrado. A geografia são mapas, latitudes, coordenadas – escrita.
O saber é contido por especialistas, em obras herméticas. E é universal, pois independe
do contexto.
3.1.3 O MERCADO
Como o rei Midas transformava inevitavelmente em ouro tudo o que
tocava, o capitalismo transforma inelutavelmente em mercadoria tudo
o que consegue incluir em seus circuitos.
Pierre Lévy – A inteligência coletiva
À dominação do Território, segue-se agora a do Mercado. Como todo Espaço
emergente, o Mercado reorganiza o Território e a Terra, utiliza-se deles, os explora e supera:
a globalização elimina fronteiras, desterritorializa, diz o senso comum.
Pode-se fixar seu período de maior relevância nos séculos XIX e XX. A teoria de Marx,
centrada na economia, serve como exemplo da predominância – porque, vale lembrar, os
espaços coexistem e não podem simplesmente deixar de existir – do Mercado no período.
Nele, a identidade é dada pelo salário, pelo status social, pelo consumo. O trabalho,
antes ele mesmo uma identidade, serve mais para uma satisfação do desejo de consumir.
O espaço no Mercado é traçado por redes globais, desnacionalizadas. As fronteiras -
comerciais, políticas, culturais – são forçadas e tentadas a cair. O tempo da Mercadoria é
acelerado: os estoques planejados do Território são desprezados em favor de um fluxo
ininterrupto de produtos, just in time. O tempo real, não mais seqüencial, mas paralelo, anula
a linearidade da história – simultaneidade. A geografia do Mercado é criada por estatísticas e
gráficos: tudo é média, captada instantaneamente, em fluxos, sobretudo os econômicos.
_____________
28
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Op. cit.
29. 18
No campo da comunicação, a imagem, e não só mais a fala, é também separada de seu
contexto de criação: “o signo é desterritorializado”29. O referente, a coisa, encontra-se tão
distante do signo que já nem é necessário – ilusão e ausência.
A moeda continua a circular, na ausência do padrão-ouro. A melodia ouvida
no rádio ou gravada no disco jamais foi cantada como a ouço: trata-se apenas
de um efeito de estúdio, só existe na esfera do espetáculo. A imprensa e a
televisão criam o acontecimento, produzem a realidade midiática, evoluem
em seu próprio espaço em vez de nos enviar os sinais das próprias coisas. A
referência só remete à midiasfera. A grande loja do signo, ou o Espetáculo,
torna-se uma espécie de super-realidade pela qual toda fala, ou toda imagem,
deve passar, caso pretenda ter alguma eficácia. A passagem nos circuitos
midiáticos destrona a representação: ‘Visto na TV’... [...]
É isso o Espetáculo: todo o real é passado para o lado do signo. Os fatos, as
pessoas, as obras são signos. E são tratados, reproduzidos, difundidos como
tais.30
O conhecimento é aberto, pelas universidades, pela mídia, pelas indústrias inovadoras.
Como as fronteiras nacionais, as ciências se misturam em interdisciplinaridade e se difundem
por bibliotecas, revistas, seminários, bancos de dados. O hipertexto – sistema de referências,
notas de rodapé e citações – se revela como memória coletiva humana e sujeito do saber. A
teoria, explicação do Livro universal, é suplantada por modelos e simulações, menos
definitivos e com respostas mais imediatas.
O Espaço do Saber insinua-se.
3.1.4 O SABER
Sejamos francos: o Espaço do saber não existe.
Pierre Lévy – A inteligência coletiva
Lévy afirmava em 1994 – antes, por exemplo, do surgimento da Internet comercial no
Brasil – que o Espaço antropológico do Saber não existia, no sentido de não ter se realizado
em lugar algum; existia potencialmente (ou virtualmente), mas poderia nunca ser cristalizado,
jamais atingir um ponto de não-retorno.
Hoje, pelo lado das mercadorias, o Espaço do saber ainda se encontra
submetido às exigências da competitividade e aos cálculos do capital. No
Território, ele se subordina aos objetivos de potência e à gestão burocrática
_____________
29
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Op. cit..
30
Ibid.
30. 19
dos Estados. Na Terra, enfim, ele é sempre absorvido nos mundos cerrados e
nas mitologias arcaicas da new age [...]31
A emergência de um Espaço novo traz complicações aos que a vivem. Como a maioria
da população pode se reconhecer em relação ao Saber? Todos compramos e nos relacionamos
com o Mercado; todos habitamos um Território, falamos uma língua; todos temos um nome e
uma religião, mesmo que seja a da negação total. Mas quantos produzem ou consomem
Saber?
Se o conceito de Saber for limitado à produção científica, a resposta será poucos. Mas
não é o caso: Saber, aqui e como em Lévy, refere-se a todo o escopo das relações humanas,
que produzem conhecimentos diversos continuamente, e não somente de forma racional. “Não
se trata de autonomia do conhecimento científico em si mesmo, que tem seu direito
reconhecido há pelo menos vinte e cinco séculos, mas de um espaço do vivre-savoir e do
pensamento coletivo que poderia organizar a existência e a sociabilidade das comunidades
humanas.”32
Mas, ainda assim, como é definida a identidade no Espaço do Saber, ou como
chamaremos doravante, Ciberespaço? De forma geral, a identidade é dada pelas comunidades
virtuais, ou intelectuais coletivos, das quais os indivíduos participam. Essas identidades são
temporárias, por vezes efêmeras, e se formam a partir das interações que o indivíduo realiza
com a comunidade e seus membros. E são também múltiplas, já que os membros de uma
comunidade são livres para se associar a outras tantas. E a comunidade serve também de
instrumento de identificação às outras comunidades, que também se afirmam de forma
dinâmica, a partir das ações de seus membros. E essa ação é principalmente, senão
essencialmente, significante.
O Ciberespaço provoca o retorno do “real” ao campo da significação. As separações
entre signo e referente do Território e do Mercado são anuladas pela ação efetiva, recíproca,
dinâmica e necessária dos indivíduos em suas comunidades intelectuais, que reconfiguram a
todo instante não só a mensagem, mas o próprio contexto.
Exemplo disso é a nova relação com o tempo. Se ele era determinado pelo cosmo, na
Terra, pelas leis humanas e científicas no Território, e pela velocidade dos circuitos e da
economia no Mercado, os intelectuais coletivos assumem controle de suas temporalidades de
forma subjetiva. O tempo são ritmos interiores que se ajustam em um espaço coletivo.
_____________
31
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Op. cit.
32
Ibid.
31. 20
A geografia do Ciberespaço é definida pelos intelectuais coletivos, “comunidades
humanas comunicando-se consigo mesmas, pensando a si próprias, partilhando e negociando
permanentemente suas relações e seus contextos de significações comuns”33. Toda ação, ou
falta de ação, reconfigura o ambiente, o espaço, o contexto, a mensagem enfim. Ao ler uma
notícia ou baixar um documento, mesmo sem a intenção, o usuário reforça a credibilidade do
link. Como formigas, o usuário está reforçando a trilha ao utilizá-la. Tecnologias de sucesso,
como a do serviço de busca Google34, são baseadas nessa receita.
Os inteligentes coletivos contêm o conhecimento de forma integrada, dinâmica e
contínua, não compartimentada em disciplinas ou fragmentada em fluxos de dados. As
comunidades virtuais são ambientes de troca de informações e conhecimentos. Este é seu
objetivo, um “meta-objetivo”. Diferentemente do Mercado, que tem como objetivo o lucro, do
Território, que visa o poder e o controle, ou da Terra, que busca o divino, o Ciberespaço tem
como Norte o saber, por si mesmo. “Os produtos das novas indústrias de tecnologia da
informação são dispositivos de processamento da informação ou o próprio processamento da
informação.”35
Neste ponto, poderíamos passar a uma conclusão sobre a existência ou não do Espaço
do Saber atualmente. Mas fazê-lo não tem propósito. Como já foi dito, o Ciberespaço existe,
virtual, potencialmente. Cabe a nós atualizá-lo e cristalizá-lo. Isso só é possível com esforço
cotidiano no sentido de concretizar o projeto.
Antes de irmos ao projeto específico de nosso trabalho, definiremos a relevância das
escolhas técnicas na constituição da sociedade e cultura, e como essas ferramentas intelectuais
alteram o modo como nos relacionamos com o conhecimento.
_____________
33
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Op. cit.
34
http://www.google.com.br, no Brasil.
35
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Op. cit.
32. 21
4 AMBIENTES COOPERATIVOS
Não sou “eu” que sou inteligente, mas “eu” com o
grupo humano do qual sou membro, com minha
língua, com toda uma herança de métodos e
tecnologias intelectuais.
Pierre Lévy – A Inteligência Coletiva
Os ambientes cooperativos, groupwares, são ferramentas on-line de auto-organização
de sistemas sociais. Empresas e instituições podem ser vistas como sistemas sociais e, mais
importante, comunicacionais, nos quais as mensagens e conversas, mais que simples trocas
de informações, são “atos de linguagem, que comprometem aqueles que os efetuam frente a si
mesmo e aos outros”36. O groupware surge como uma ferramenta de organização dessa rede
de interações e coordenação das ações dos indivíduos.
Abordaremos suas características e relações com o conhecimento e o pensamento.
4.1 A ARGUMENTAÇÃO HIPERTEXTUAL
O objetivo de uma discussão ou debate não
deveria ser a vitória, mas o progresso.
Joseph Joubert
Uma das principais características do groupware é a forma com que as mensagens são
trocadas em sua rede: em uma conversa, a argumentação é muitas vezes superficial, menos
sistematizada, hierarquizada e organizada que textos escritos, em função das deficiências da
memória humana de curto prazo. “Usamos processos retóricos mais do que raciocínio passo a
passo. Reafirmamos nossos argumentos em vez de avaliar em conjunto as provas e
justificativas de cada inferência”37. Mesmo o texto escrito traz uma estrutura argumentativa
_____________
36
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit.
37
Ibid.
33. 22
que nem sempre se encadeia da mesma forma que o pensamento, o que pode levar a mal-
entendidos.38
O groupware, estruturado em hipertexto, permite uma representação gráfica da estrutura
de argumentos, além de sua ligação com outros documentos de referência, que ampliam e
aprofundam o debate e embasam a discussão.39
Em certa medida, as discussões em um ambiente cooperativo perdem em personalismo.
O que é dito importa mais do que quem o diz, apesar da identidade, construída em cima da
acuidade e correção das observações avaliada pelos outros membros da comunidade – e não
sobre títulos ou posições –, ser um fator importante na credibilidade do emissor. Mas a
mensagem principal é resultado da discussão progressiva e acumulativa, na qual até o menor e
banal argumento pode se revelar um insight relevante. Não se pensa em réplica e tréplica, mas
em uma cadeia de argumentos, mesmo que discordantes, em torno da solução de um problema
comum aos integrantes. Como tende a ser também extensivamente documentada, a discussão
é um modo efetivo de transmissão de conhecimentos.
Duas aplicações podem ser facilmente reconhecidas como groupwares: sistemas de
fóruns e de notícias que permitam comentários. No primeiro, qualquer usuário envia uma
mensagem, iniciando uma discussão (thread). Colocará um problema, uma pergunta, ou fará
uma proposição. Outros, de acordo com seus interesses e conhecimentos individuais, irão
responder a ela, negando sua validade, discutindo melhores abordagens, simplesmente
referendando a posição original, dizendo como o problema também os afeta ou como lidaram
com ele. Muitas vezes, a discussão muda totalmente de objetivo à medida que vão sendo
acrescentadas observações. O mesmo ocorre com sistemas de notícias que permitem
comentários. Um exemplo aleatório: o portal de jornalismo e comunicação Comunique-se40
noticiou o disparo efetuado contra uma equipe de reportagem londrinense. Uma nota curta é
expandida em discussão sobre punição para menores, a situação dos jornalistas e da
criminalidade e até os efeitos da corrupção do prefeito recentemente retirado do cargo.
Lévy propõe que o hipertexto seja atualmente a metáfora mais apropriada do modo do
pensamento e comunicação humanos:
A operação elementar da atividade interpretativa é a associação; dar sentido a
um texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros textos, e portanto é o
mesmo que construir um hipertexto. […] Para que as coletividades
compartilhem um mesmo sentido, portanto, não basta que cada um de seus
membros receba a mesma mensagem [já que os contextos e referências
intelectuais de cada um podem ser muito divergentes]. O papel dos
_____________
38
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit..
39
Ibid.
40
http://www.comunique-se.com.br
34. 23
groupwares é exatamente o de reunir, não apenas os textos, mas também as
redes de associações, anotações e comentários às quais eles são vinculados
pelas pessoas. Ao mesmo tempo, a construção do senso comum encontra-se
exposta e como que materializada: a elaboração coletiva de um hipertexto.
[…] Mais uma vez, é preciso inverter completamente a perspectiva habitual
segundo a qual o sentido de uma mensagem é esclarecido por seu contexto.
Diríamos antes que o efeito de uma mensagem é o de modificar,
complexificar, retificar um hipertexto, criar novas associações em uma rede
contextual que se encontra sempre anteriormente dada. O esquema elementar
da comunicação não seria mais ‘A transmite alguma coisa a B’, mas sim ‘A
modifica uma configuração que é comum a A, B, C, D, etc.’.41
4.2 FERRAMENTAS DE MEMÓRIA
Numa comparação entre sociedades orais, as baseadas na escrita e as “digitais”, Lévy42
reforça as implicações desses diferentes modos de cognição no conhecimento e cultura
humanos.
Como já dissemos ao abordar o Espaço antropológico da Terra, nas sociedades orais o
conhecimento é encarnado nos anciãos. Ele precisa ser transmitido, na forma de histórias,
mitos, lendas, reiteradamente, sob risco de liquidar o conhecimento caso a história seja
esquecida pelo grupo, ou devido à morte de um membro-chave. Os rituais são um modo de
atualizar e disseminar esses conhecimentos.
Com o surgimento da escrita – mais especificamente após a impressão – o modo de
conhecimento das sociedades orais foi desvalorizado em favor da erudição literária. A escrita,
tecnologia própria do Território, permitiu a emergência da teoria como forma predominante
de conhecimento. A teoria define-se como uma proposição universal, independente de um
contexto, auto-suficiente, mas que ao mesmo tempo se refere ou interpreta outras teorias e
tradições. O livro possibilita a acumulação e aprofundamento dos conhecimentos e
mensagens, ao servir de memória de longo prazo e também suporte perene das
argumentações.
Para Lévy, a escrita separou a memória dos sujeitos e comunidades. Ao ser objetivada
em um conhecimento universal, impessoal, permitiu que uma outra questão, filosófica,
surgisse: a verdade também independe dos sujeitos? Em outras palavras, o surgimento do
pensamento racional teria sido condicionado – mas não determinado – pela existência da
escrita.
_____________
41
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit.
42
Ibid.
35. 24
A prosa escrita não é um simples modo de expressão da filosofia, das
ciências, da história ou do direito. Ela os constitui, já que estes domínios do
conhecimento, tal como os conhecemos hoje, não preexistem a ela.
[...] Descartes ou Leibniz [...] jamais teriam sido aquilo que foram sem a
impressão. Mas nem Descartes nem Leibniz podem ser deduzidos da prensa
mecânica inventada por Gutenberg.
[...] Não se trata de identificar a prensa mecânica com a ‘ciência’ou o
‘progresso’: no século XVI, foram impressos tratados de ocultismo e libelos
incitando as pessoas a guerras religiosas, para não falar daquilo que se
publica hoje! Mas, ainda assim, podemos sustentar que a invenção de
Gutenberg permitiu que um novo estilo cognitivo se instaurasse.43
A informática ampliou exponencialmente a capacidade de armazenamento, transporte e
velocidade de consulta das tecnologias intelectuais no que diz respeito ao suporte à memória,
além de adicionar novos modos de comunicação, como o audiovisual. Esse aumento da
informação disponível gera não só benefícios, mas também novos problemas, em especial:
credibilidade e valor de uma informação entre tantas, como encontrar “a agulha no palheiro”,
fragmentação da mensagem e efemeridade das informações.
Mas falamos aí de um banco de dados “em estado natural”. Para remediar esses
problemas, adicionamos, sistematicamente, interfaces.
4.3 A QUESTÃO DA INTERFACE
De forma geral, interface significa contato entre meios diferentes, tradução, mediação,
uma relação semântica44. Um controle remoto é uma interface homem/televisão, obviamente
diferente, mesmo em suas implicações, do comando “direto” via painel frontal. Mas um
vídeo-cassete também é uma interface homem/tevê.
Em termos informáticos, pode ser um modem, que põe em contato meios diferentes (o
analógico dos telefones e o binário dos computadores). Mas usualmente se refere à interface
homem/máquina (HCI, na sigla em inglês), que é definida pelo “conjunto de programas e
aparelhos materiais que permitem a comunicação entre um sistema informático e seus
usuários humanos”45.
Lévy considera “a interface” como uma rede de interfaces, camadas que se superpõem
sucessivamente a cada inovação tecnológica. Assim, ele ilustra, um livro, interface mais
comum de leitura há séculos, é constituído das interfaces: escrita, que é a interface visual da
_____________
43
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit..
44
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Op. cit.
45
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit.
36. 25
língua e do pensamento; fonemas; alfabetos, romano, árabe ou outro; caligrafia ou tipologia;
material ou suporte sobre o qual está registrado, que pode tão diferente quanto um papiro ou
uma tábua de argila, o que acarreta usos obviamente diferentes. “A interface condiciona a
dimensão pragmática, aquilo que pode ser feito com a interface ou o ‘conteúdo’, termo tão
inadequado”46.
Qual então o papel da interface groupware na Web? Uma visão bastante popular da
Internet é a que afirma sua condição fragmentária, efêmera, poluidora, ruidosa.
É difícil não aderir a esse consenso geral. [...] A notícia chega de fato em
blocos cada vez mais curtos (embora talvez não a ponto de se reduzir a
notícia nenhuma), e o espectador ideal da maior parte dos entretenimentos
visuais sofre indubitavelmente de um caso crônico do distúrbio do déficit de
atenção. [...] No entanto, contra todo esse deslocamento, sobrecarga e
multiplicidade, há a interface. Quase sempre falamos sobre a interface gráfica
como se ela fosse a culminação lógica da revolução digital, sua glória
máxima, mas a verdade é que a interface serve em geral como um antídoto
para as forças desencadeadas pela era da informação.47
Assim, um sistema de busca serve como filtro para a infinidade de sites, em grande
parte insignificantes. As melhores engines, softwares, logaritmos – interfaces – terão mais
sucesso por serem mais úteis aos usuários. Voltando ao controle remoto: ele nos livra de
levantar e rodar um sintonizador com números que significam quase nada, nos aproximarmos
da tevê para abaixar o volume só para descobrirmos, ao voltarmos ao sofá, que ficou baixo
demais; as tecnologias – interfaces – que automaticamente buscam sintonizar a imagem nos
separam de um complicado e preciso procedimento de ajuste, que muitas vezes é prejudicado
pela falta de destreza manual do usuário. Dito de outra forma, ele também filtra as
informações, reduzindo as opções ou variáveis nos processos.
É por isso que deveríamos conceber a interface, em última análise, como uma
forma sintética, em ambos os sentidos da palavra. Ela é uma espécie de
embuste, uma paisagem falsa que passa pela coisa real, e – o que talvez seja
mais importante – é uma forma que trabalha a serviço da síntese, reunindo
elementos díspares num todo coeso. [...] A turbulência conceitual – a
impressão de que o mundo está se acelerando à nossa volta, puxando-nos em
milhares de direções ao mesmo tempo – é uma tradição profundamente
moderna, com raízes que remontam a cem anos atrás. O que distingue nosso
próprio momento histórico é que surgiu uma balança projetada precisamente
para contrabalançar essa tendência, combater a fragmentação e a sobrecarga
com síntese e interpretação. [...] Ela torna a informação assimilável por nós
ao encobrir a maior parte dela – pela simples razão que ‘a maior parte dela’ é
multitudinária demais para ser imaginada num único pensamento48
_____________
46
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Op. cit..
47
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Op. cit
48
Ibid.
37. 26
Alguns dos principais elementos da interface de ambientes cooperativos são o tema do
próximo item.
4.4 FERRAMENTAS DE INTERFACE
Um dos modos mais comuns de filtragem de informações atualmente é o comentário.
Pode ser o comentário incluído no rodapé da notícia, o feito através de blogs ou de colunistas,
todos textos que comumente remetem a outros e, ao fazê-lo, modificam seus sentidos, filtram-
los. A própria mensagem dos comentários é importante, mas outro filtro está também
implicado em muitas interfaces: as trilhas.
As trilhas podem ser definidas como os caminhos que os usuários traçaram ao navegar
por um site. Essa navegação é, sempre, registrada. Em sistemas groupware, o principal
objetivo desse registro é utilizar essa informação, essa navegação, no que ela possa significar
para a coletividade. Assim, ao emitir um comentário, mesmo que depreciativo, o usuário está
valorizando aquela informação no que ela pode ter de novidade. A trilha, aqui, se reflete na
quantidade de respostas, comentários ou mesmo leitores de determinada discussão ou notícia.
Da mesma forma, uma enquete será, ao menos inicialmente, considerada mais relevante se
mais pessoas estiverem participando dela, um arquivo terá mais valor se tiver sido mais
baixado, e um link deverá ser melhor – ou assim será considerado – se tiver mais visitas.
Obviamente, o critério não poderia ser simplesmente numérico, apesar de este ser
efetivo, já que diferentemente de outros métodos de quantificação reflete as ações reais dos
usuários. Para aumentar a validade dos dados, utilizam-se recursos de avaliação e voto: dá-se
maior nota aos recursos – notícias, downloads, links, usuários – que mais auxiliaram o
navegante. Ao longo do tempo, essas informações são preciosas para os usuários novatos ou
recém-chegados.
Os sistemas de busca também são ferramentas importantes de interface. Compare um
site com um livro – principalmente os sem índice remissivo – e terá imediatamente uma idéia
das diferenças.
Todos esses recursos trabalham juntos. Nos resultados de uma busca, por exemplo, os
códigos tendem a mostrar primeiro os recursos com melhor índice de incidência dos termos
pesquisados, que podem ser balanceados para privilegiar os mais bem-avaliados e exibir a
quantidade de comentários feitos sobre o resultado proposto, por exemplo. Alguns sistemas
38. 27
indicam também as buscas mais comuns relacionadas ao tema ou valorizam os links com mais
visitações.
Ainda, se na televisão o zapping de canais é fragmentador, a navegação por hyperlinks é
agregadora:
Um surfista de canais fica saltando entre diferentes canais porque está
entediado. Um surfista da Web clica num link porque está interessado. [...]
um link é uma maneira de traçar conexões entre coisas, uma maneira de forjar
relações semânticas [...] [ele] deveria ser compreendido em geral como um
recurso sintético, uma ferramenta que une múltiplos elementos num mesmo
tipo de unidade ordenada.49
Essa confusão, entre o zapping da televisão e a navegação da Web, bastante comum
principalmente entre críticos de mídia, talvez explique a falta de uso massivo de hyperlinks
significativos, em meio ao texto, como complementos dele, em vez dos apenas burocráticos,
distribuídos ao lado ou ao final do texto principal, que têm como destino outros “cadernos” de
jornais, outras “últimas notícias” ou empresas citadas na matéria. Por não se compreender
plenamente a natureza do meio e sua linguagem, escreve-se de forma linear e isso é, no
mínimo, um desperdício de recursos. Por essa razão, mais uma vez, não é apropriado
propormos aqui uma linguagem própria da Web ou, ainda pior, da Internet, mas do
Ciberespaço. Ou, tratando-se de jornalismo, de jornalismo on-line, digital, webjornalismo,
etc., em vez de ciberjornalismo.
_____________
49
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Op. cit
39. 28
5 CIBERJORNALISMO
Optamos pelo termo ciberjornalismo por precisão. Digital remete a uma gama muito
ampla de modos de comunicação e se propõe mais, quando relacionado ao jornalismo, à
convergência de mídias e meios de transmissão e às ferramentas de produção dos conteúdos.
On-line implica a conexão simultânea, a atualização constante, a disponibilidade imediata e
em tempo real das mensagens e interlocutores, o que não ocorre sempre e, principalmente, em
groupwares; as discussões em fóruns por exemplo se estendem por longos períodos de tempo
cronológico e se sujeitam aos tempos subjetivos e à disponibilidade dos usuários. Ambos
abrangem desde vídeo on-demand até mensagens via pager ou e-mail.
O termo Webjornalismo restringe a atuação aos sites Web, mas se apresenta muito
contaminado pela moda e o modo que se faz jornalismo para a Web atualmente, deslumbrado
com as possibilidades da multimídia, mesmo sem ter dado a devida atenção às inovações
ainda exploráveis do texto – ou hipertexto – escrito, e ligado de forma muito estreita ao
conceito de tempo real.
Ciberjornalismo, por outro lado, se relaciona diretamente ao conceito de Ciberespaço
que apresentamos anteriormente. Evoca também, através do antepositivo ciber-, a idéia do
governo do jornal – ou site – pelo leitor50. Ele é o elemento principal, que deve ser valorizado
nesse ambiente. A interação integrada ao núcleo produtivo do site, somada ao uso das
ferramentas de interface também já apresentadas e outros elementos de linguagem e
navegação são as características delineadoras desse modo específico de jornalismo para a
Web.
No entanto, independentemente do tipo de site ou conteúdo em que apareça, o noticiário
para a Web deve seguir alguns padrões que se impõe: atualizar constantemente do conteúdo,
fornecer informação de fundo, ser concebido para a Web, conter bases de dados, áudio,
imagens e vídeo, aproveitar as possibilidades do meio e ser submetido à lógica de navegação
associativa e não seqüencial51, a fim de facilitar a apreensão da informação pelos usuários.
São ainda campos potenciais de análise do jornalismo para a Web: “o processo de
fabrico de conteúdos on-line e a reconversão das práticas profissionais, as fontes e o uso da
Internet para a investigação jornalística ou a credibilidade da informação on-line e a
_____________
50
DICIONÁRIO Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa v. 1.0. CD-ROM
51
SOUZA, Jorge P. Qualidade percebida de quatro jornais on-line brasileiros. In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 24, 2001, Campo Grande. Anais... [s.l.]: Intercom, 2001. CD-ROM.
40. 29
problematização do tradicional papel de gatekeeper do jornalista [...] a qualidade dos jornais
on-line”52, o formato, linguagem e redação da notícia, o uso do site pelo público, a multimídia
e a convergência digital, entre outros.
Com essa perspectiva, elegemos como temas principais, na perspectiva do trabalho, os
que se relacionam diretamente com a linguagem jornalística e a relação que o público
estabelece com a informação em sites Web e com os próprios sites, considerados como
sistemas sociais ou entidades.
5.1 INTERAÇÃO
Leitores são abundantes;
pensadores são raros.
Harriet Martineau
Se destacamos a necessidade de interação real, integrada intrinsecamente ao processo de
produção de conteúdo do site, isto deve-se ao menosprezo com que ela vem sendo tratada,
quando não nos discursos muitas vezes publicitários, na prática. Caio Túlio Costa, então
responsável pelo portal UOL*, dá um exemplo da maneira compartimentada com que se vê as
áreas, ao falar da audiência do site: “uns 30% [vem] da área de interação, os chats, etc... a
área de notícias eu diria por volta de 18 a 20%.” [grifo nosso]53.
O termo é assim definido pelo Houaiss:
n substantivo feminino
1 influência mútua de órgãos ou organismos inter-relacionados
Ex.: <i. do coração e dos pulmões> <i. do indivíduo com a sociedade a que
pertence>
2 ação recíproca de dois ou mais corpos
3 atividade ou trabalho compartilhado, em que existem trocas e
influências recíprocas
4 comunicação entre pessoas que convivem; diálogo, trato, contato
5 intervenção e controle, feitos pelo usuário, do curso das atividades
num programa de computador, num CD-ROM etc. [...]
8 Rubrica: sociologia.
conjunto das ações e relações entre os membros de um grupo ou entre grupos
de uma comunidade [grifo nosso]54
_____________
52
SOUZA, Jorge P. Qualidade percebida de quatro jornais online brasileiros. Op. cit.
53
ACESSAMOS Caio Túlio Costa, do UOL, maior provedor do mundo em língua não inglesa. Revista Imprensa,
São Paulo, n. 150, jul. 2000.
54
DICIONÁRIO Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa v. 1.0. Loc. cit.
41. 30
Apesar dessa definição, bastante apropriada, percebe-se que os recursos considerados
interativos pelo UOL – bate-papo, fórum, enquete, etc. – são de interação homem-máquina ou
usuário-usuário, vistos ou empregados comumente mais como enfeites ou gracejos, não partes
integrantes do próprio fazer jornalístico.
Poucos sites nacionais, em especial os maiores, possibilitam o comentário das notícias a
não ser em fóruns muitas vezes desorganizados e desvalorizados a ponto de serem inúteis.
Mesmo quando tal ferramenta existe, a redação não se envolve no debate, não reage a ele, seja
de forma imediata ou posterior. Não se ouve a comunidade e menos ainda se responde a ela.
Nesse sentido, em vez de se fazer uma matéria tradicional e apenas adicionar a ela
ferramentas de debate entre os leitores, os próprios jornalistas deveriam participar da
discussão que se seguir. Por exemplo, o portal Comunique-se noticiou uma suposta
intervenção do governo paranaense no jornal O Estado do Paraná para demissão de um
jornalista. A discussão desenvolveu-se com acusações diversas contra o próprio site, contra o
jornal, o governo anterior e o próprio jornalista demitido. A repórter do site e o demitido
usaram o sistema de comentários para se defender, assim como o diretor do sindicato
paranaense e outros profissionais para esclarecem e abordarem outras questões.
No longo prazo, isso se refletiria no conteúdo e prestígio do site. O repórter ou editor
estaria intimamente ligado à comunidade, conhecedor de suas vontades, e seria também
reconhecido pelos leitores como um membro, não um estranho. Steve Outing já fazia essa
recomendação, de tornar os jornalistas do site em “personalidades”, há alguns anos. Para ele,
as mesmas notícias estão presentes em tantos diferentes sites (ou commoditizada) que é
preciso estabelecer relações pessoais entre leitores e jornalistas específicos55. “Como a
Internet é um meio claramente de dupla via, os sites plenamente interativos são aqueles que
unem as pessoas, que facilitam a comunicação entre usuários e entre os usuários e a equipe de
produção do site.”56
Essa visão de interação vai além do reducionismo que se vê comumente, que considera
ser uma “situação de interatividade [... o leitor] poder escolher, dentre a malha hipertextual,
aqueles links que ele deseja e que lhe darão a continuidade da informação”57. Sim, a “simples
_____________
55
OUTING, Steve. Introduza alguma personalidade na Internet impessoal. Parem as máquinas, [s.l., 2000?].
Disponível em <http://www.uol.com.br/parem>. Acessado em [2000?].
56
PRIMO; CASSOL, 1999. apud LEITE, Sílvia. Internet e ciência: O potencial da Internet como contribuinte
para o desenvolvimento da ciência. Op. cit.
57
MIELNICZUK, Luciana. Interatividade e hipertextualidade no jornalismo online: mapeamentos para uma
discussão. [s.l., sd.].
42. 31
ação de navegar pelo jornal online é por si só uma atividade interativa”58, mas nem de longe a
mais produtiva, adequada ou representativa do jornalismo para Web.
Deve ser ressaltado que a comunicação normalmente não se dá através de um canal
exclusivo, mas envolve interações simultâneas entre os usuários, seus contextos e ambientes.
5.2 REDAÇÃO
They don’t.
Jakob Nielsen – How users read on the Web
Apesar de haver um sem-número de discordâncias quanto a “normas” e o espaço para
experimentações com o texto para a Web ainda ser extremamente amplo, pode-se encontrar
algumas similaridades e opiniões majoritárias, com resultados testados em experimentos
controlados. Pretendemos aqui compilar esses dados e fazer escolhas pertinentes entre
diversas correntes de opinião.
As opiniões majoritárias e raramente refutadas são apoiadas por estudos de usabilidade,
que medem o comportamento e a eficácia de diferentes ações dos usuários, no caso, de um
site na busca de informações determinadas, sob condições diversas. Os resultados vêm sendo
reafirmados reiteradamente, por estudos diferentes realizados por instituições diferentes em
períodos diferentes e distantes.59
Basicamente, esses resultados semelhantes podem ser atribuídos às condições
intrínsecas ao uso da Web, sejam comunidades virtuais ou sites mais tradicionais: monitores,
mesmo os de alta performance, têm uma definição muito inferior à do papel; e a absoluta
maioria dos usuários acessa a Internet em computadores desktop, algo desconfortáveis.
Tais condições, principalmente, implicam certas características na apreensão das
informações. Elas também são fundamentais porque não se vê no horizonte de 5 a 10 anos ou
mais, dependendo das condições econômicas e sociotécnicas que se apresentarem no período
– tecnologias que vão alterar profundamente esses modos de uso da Web e dos computadores,
_____________
58
MIELNICZUK, Luciana. Interatividade e hipertextualidade no jornalismo online: mapeamentos para uma
discussão. [s.l., sd.]
59
Dos quais destacam-se os efetuados por Jakob Nielsen (disponível em
http://www.useit.com/papers/webwriting/writing.html), mais geral, e pelo Poynter Institute (www.poynter.org),
voltado para jornais Web.