1. ? 11 JULHO 2013
Entrevista de vida
ManuelMonteiro.Oex-líderdoCDSeactualprofessoruniversitárioafirmaque
PauloPortaslheroubavaasdeixasemdiscursos.Eacusaoseusucessordesempre
terdadoumaatençãoespecialaosnegóciosnapolítica.Por AntónioJoséVilela
CDS de que isso não seria assim, mas nun-
ca acreditei. Não vou fugir à sua pergunta,
pelo menos a toda, mas oiça: eu saí da lide-
rançaporque,naépoca,haviaaindicaçãode
queMarceloRebelodeSousa[líderdoPSD]
estariaaprepararumaADsemoCDSecom
um grupo de independentes liderados por
Paulo Portas. Senti que isso podia esvaziar
o CDS. O partido tinha perdido a graça na
comunicação social e eu não soube viver
com isso, não tive a frieza necessária para
saber conviver com os media, que me ti-
nham endeusado e, de um momento para
o outro, me diabolizaram.
Diabolizaram?
Permanentemente,diziam“oMonteironão
sabe falar, porque era o Paulo Portas que
lhe escrevia os discursos”. E ainda: “Coita-
da da criatura”; “o sujeito pode saber tirar
o leite das vacas, mas não tem cultura po-
lítica”; “pode ter lido Camilo Castelo Bran-
tura,souexactamenteomesmo.Masesses
valores estão sempre associados à demo-
cracia e à liberdade. Acho que nunca nin-
guém me entendeu tão bem na vida polí-
tica portuguesa, sendo até o oposto de
mim, como o dr. Mário Soares. Se eu fos-
se um homem perigoso, fascista, da extre-
ma-direita, não teria tido a ligação que ain-
da hoje mantenho com ele, estando nós
em lados totalmente opostos. Houve mui-
ta gente que não entendeu o alcance das
minhasideiaseprincípioseoutrosquenão
quiseram entender.
Apassagempelapolíticadeixou-lhemuitasmar-
caseinimigos.UmdelesfoiPauloPortas.Oque
aconteceu entre os dois?
Uma das coisas que Paulo Portas fez sem-
prequestãodeevidenciaraolongodosanos
foi que não queria fazer política... Deu en-
trevistas a dizer que jamais iria para o po-
der. Eu fui avisado várias vezes dentro do
Q
uando, em 1998, abandonou a
liderança do CDS-PP, Manuel
Monteiro rompeu com o seu
maior aliado político e amigo,
Paulo Portas. Refugiou-se na
Sorbonne, em Paris, e depois ainda quis re-
gressar à política activa. Não conseguia vi-
versemaadrenalina.TentoudesafiarPortas,
mas acabou por se afastar para lançar um
novo projecto que não ficaria para a Histó-
ria:oPND.Hoje,afirmaestarcuradodosbas-
tidoresdapolíticaegarantequesómantém
dois grandes vícios: o tabaco e a Coca-Cola.
A sua liderança no CDS durou quase seis anos,
entre 1992 e 1997. Nesse tempo, o partido teve
uma das maiores votações de sempre, mas
depois passaram a chamar-lhe radical e até
admirador de Salazar. Isto ainda o magoa?
Foi difícil, não o nego. Em relação a um
conjunto de princípios que defendi na al-
Aminhazangacom
Portasdestruiu
osonhodoPP
t
ARQUIVOPESSOAL
2. Aos 18 anos, acabado de
entrar na Universidade
Católica e já membro
da Juventude Centrista
3. ? 11 JULHO 2013
co, mas nunca leu os clássicos da política”.
Era uma permanente tentativa de achinca-
lhamento social e intelectual.
Isso foi fomentado por Paulo Portas?
Nãolheseidizer.Queeleteveinfluênciana
parteinicial,aboa,teve.Antesdeumacon-
ferência de imprensa minha, Paulo Portas
telefonavaavárioscomentadorespolíticos,
a dizer-lhes o que ia acontecer. Ele tinha
esse papel de influência. Entre ele e muitas
dessaspessoashaviaumaproximidadepes-
soal que eu nunca tive e não tive jeito ou
vontade de ter. Se eu tivesse de ir a um en-
contro com pescadores na Nazaré, ia a can-
tarearir;semedissessemparairaumbap-
tizado ou a um almoço em casa de alguém,
eu sentia-me um peixe fora de água.
Paulo Portas ia a esses almoços?
Sim. Lembro-me, por exemplo, dos almo-
çosdeapresentaçãoqueeramfeitosemcasa
doJoãoBraga,cunhadodoLuísNobreGue-
des. Não tenho a menor dúvida, até devido
aoscomentáriosde-
sagradáveis que ele
fez mais tarde, de
que fazia esses al-
moços a pedido do
Paulo Portas. Esse
lado de corte, que é
um lado que a polí-
ticaportuguesatem,
apesardeaspessoas
pensarem que não
tem, era coberto
peloPauloPortas.A
partirdedeterminadaaltura,quandoentra
comocandidatoadeputadonaseleiçõesle-
gislativas de 1995, a nossa relação de ami-
zade começa a sofrer vários abalos.
Porque ele saiu dos bastidores e chegou tam-
bém à ribalta política?
Hoje, com o distanciamento do tempo, te-
nho de admitir que eu não estava prepara-
do [para a ascensão de Paulo Portas]. Era o
único hiperaplaudido nos comícios e co-
meceiapartilharopalcocomele.Mashou-
ve outras questões. Antes das minhas in-
tervenções em comícios e conferências, eu
falava com três ou quatro pessoas e, evi-
dentemente, com o Paulo Portas. Passou a
acontecer isto: nós íamos para os comícios
e, como eu era o presidente do partido, fa-
lavaemúltimo.OPauloPortasfalavaantes
de mim e dizia o que era suposto ele dizer
e o que era suposto ser dito por mim.
Mas não combinavam os discursos?
Sim,maseleentusiasmava-se,sabe?Quan-
do ele se entusiasmava [ri-se] e acabava de
falar…bom,começaaíahistóriade“oMon-
teiro não sabe falar”.
Falou com ele sobre isso?
Ele dizia que se tinha entusiasmado e que
nós devíamos ser muito firmes porque a
comunicação social ia tentar dividir-nos e
que nós tínhamos de ser imunes a isso,
etc., etc. Mas comecei a não combinar as
coisas e a aparecer nos comícios só depois
de ele falar. É a primeira vez que estou a di-
zer isto. Vou-lhe contar mais uma coisa:
na primeira reunião do grupo parlamen-
tar do PP que tivemos em 1995, no Hotel
Tivoli, em Sintra, eu achava que o líder de-
viaseroAntónioLoboXavier.OPauloPor-
tas chegou a essa reunião e disse logo que
não sabia o que é que eu tinha pensado,
mas que entendia que o líder devia ser o
Jorge Ferreira, o meu grande amigo, dei-
xando-me numa situação muito compli-
cada. Não era depois fácil dizer ao melhor
amigo que não devia ser ele.
Paulo Portas fez isso
de propósito?
Hoje, tenho a firme
convicção de que
sim.
Com que intenção?
Ele achava que po-
diacontrolaroJorge
Ferreira e que seria
mais difícil com o
Lobo Xavier. Estava
completamenteen-
ganado:oJorgeFer-
reira era muito amigo dele, mas tinha uma
lealdade para comigo à prova de bala. Mais
tarde,passou-sealgoquesópoderáumdia
ser explícito se for autorizado pelo ex-pri-
meiro-ministro António Guterres.
O quê? Negócios, acordos de bastidores?
Um dia terei esta conversa com o eng.º An-
tónio Guterres para podermos falar clara-
mente sobre isso. Eu queria fazer acordos
políticoscomogovernodeAntónioGuter-
res – repare-se que estamos a falar do úni-
co governo português, com maioria relati-
va, que durou quatro anos, entre 1995 e
1999.Quandoestávamosanegociarpolíti-
ca, percebi que Portugal estava já domina-
doporinteresses,quepodemserlegítimos
se separados da vida política, mas que pas-
savam por acordos para tomar conta de te-
levisões,acordosqueimplicavamanomea-
ção de pessoas do CDS para lugares da ad-
ministração de empresas públicas, etc.
Paulo Portas esteve por trás disso?
O dr. Paulo Portas nunca, nunca, na minha
PORTUGAL ENTREVISTA DE VIDA
Tenho de
admitir que
não estava
preparado (...) para
partilhar o palco com
Paulo Portas
1967
1964
Manuel
Monteiro
com 2 anos,
durante
o Verão
Aos 6 anos,
Manuel Fernando
Monteiro era
tratado por
Fernandinho.
Vivia em Vieira
do Minho
A vida
1966
A caminho
de um
parque
infantil,
em Lisboa,
então com
4 anos
t
Ainda líder da JC, a
visitar a concelhia
de Vila Nova de
Gaia do partido
1988
FOTOSARQUIVOPESSOAL
4. SÁBADO
opinião, se importou muito de afastar essa
vertente dos negócios da sua pele, o que,
para mim, foi uma surpresa total. O com-
batequetravámoscontraocavaquismoera
contra as pessoas que estavam na política
para se servirem, para trazerem clientes e
negóciosparaosseusescritórios,eeuaper-
cebi-me de que isso tinha mudado. O PP
foiumsonhoquepodiatersidoalgodeím-
pareinovadornavidapolíticaportuguesa,
masquesedestruiupelaminhazangacom
oPauloPortas.Umdia,PedroFerrazdaCos-
ta [ex-patrão de Manuel Monteiro na CIP],
já Paulo Portas era ministro da Defesa…
... isso foi depois de 2002?...
Sim. Ferraz da Costa disse: “Eu tenho de
vos juntar outra vez, vocês sozinhos va-
lem muito menos do que os dois juntos.”
Vim do Porto e fui a esse jantar, em casa do
Ferraz da Costa, em Algés. Correu bastan-
te mal. Foi um jantar de muita discussão,
violenta, se quiser. Eu disse-lhe muita coi-
sa e ele também.
Não foi ele que escreveu, no escritório de Luís
Nobre Guedes, a sua moção de candidatura ao
CDS?
Fomos nós, na Juventude Centrista [JC],
que preparámos o caminho. Nessa altura
Paulo Portas não estava no partido.
Quando é que ele apareceu?
ComeçouaserfaladoquandoFranciscoLu-
cas Pires o indicou para um conselho qual-
quer interno, acho que era de jornalistas.
Aproximou-se deste grupo e de mim em
particularem1991,quandoFreitasdoAma-
ral regressou à liderança do CDS.
Ainda não o conhecia?
Só da Universidade Ca-
tólica, mas não tinha
comelenenhumtipode
relação.Eunãofaziapar-
te do seu grupo social.
Aquando do congresso,
em 1991, aí surgiu Pau-
lo Portas. Apareceu no
Hotel Altis, como jorna-
lista de O Independente.
Manifestou logo uma
curiosidademuitogran-
depelanossacausaepelonossogrupo.Fo-
mos consolidando a nossa força e Paulo
Portas começou a apoiar-nos.
O que é que ele fazia?
Teve a inteligência de perceber que estava
aliumgrupoorganizado,comforça,acres-
cer, e que era uma questão de meses até o
partido vir ter connosco ou nós o conquis-
tarmos.Masfaltava-nostodoumoutroes-
pectro para quem quer fazer política a este
nível: a relação com a corte, o lado do co-
nhecimento dos meandros da vida políti-
ca fora do CDS. Paulo Portas aparecia-nos
como alguém conhecedor desses bastido-
res. A maioria de nós não sabia quem era
quem nos jornais, quais as ligações ideo-
lógicasdesteoudaquelecomentador,quais
as suas relações sociais e pessoais.
Paulo Portas passou a ser um conselheiro?
Um grande conselheiro e, mais tarde, um
grande amigo. Ele esteve em quase todas
asconversas,emminhacasa.Eravisitadiá-
ria.Apartirdedeterminadaaltura,eramem-
bro do grupo, apesar da habilidade de es-
tar sempre a dizer que não sabia nada de
política e que não fazia parte do partido.
Porqueéqueavançouparaaliderançaem1992?
Portas convenceu-o?
Não, ele sabia que eu não queria e tentou,
Antes de uma
conferência
de imprensa
minha, Portas ligava
a comentadores a
contar o que eu ia dizer
No Parlamento
com Paulo
Portas, nos
tempos em que
eram amigos
t
PUB
GLOBALIMAGENS
5. sem sucesso, que Nuno Abecasis me con-
vencesseasersecretário-geral.Euentendia
que ainda não tinha toda a preparação. E
nãoeralicenciado,tambémeraumproble-
ma. O CDS só tinha tido professores uni-
versitários e catedráticos como presiden-
tes. E havia outra questão, para algumas
pessoas de Cascais, que pensavam: “Mas
quem é que ele é? Quem são os seus pais?”
Importava o currículo e o status?
Foiumchoqueparamuitagenteeutersido
eleito presidente do CDS. Um miúdo com
29 anos, que não era licenciado, que não
andava nas festas.
Masolhequeaindahojeháquemselembredas
festasqueManuelMonteiroeosamigosfaziam
na JC.
Erambastantes[risos],bastantes,maspara
angariar fundos.
Filiou-se na JC aos 14 anos?
Sim,primeirocomosimpatizante(sósepo-
dia entrar aos 16 anos). Mas comecei a mi-
nhaactividadepolíticanoLiceuPassosMa-
nuel, onde conheci e fui colega de turma
doAntónioCosta,edoHenriquedeFreitas.
A primeira propa-
ganda que distribuí
era do PS.
Foi por causa do seu
avô materno, Bernar-
dinoCruz,membrodo
CDS, que se filiou na
JC?
Essa foi uma das ra-
zões, sem dúvida.
Mas a minha moti-
vação, no liceu, era
realmenteofactode
a JC ter as raparigas
mais giras [risos]. Podia ser odiada pelos
adversários, mas era invejadíssima por ser
a organização com as raparigas mais giras
de todos os liceus.
Os seus pais não o apoiaram na entrada na
política.
Não tínhamos conversas políticas. O 25 de
Abril tinha provocado uma reacção distin-
ta lá em casa. A minha mãe ficou feliz; o
meu pai não. O meu pai era um salazarista
convicto, tenho de o dizer.
Como era a sua relação com ele?
Hoje, olhando para trás, tenho imensa
pena de não ter conversado como deve-
ria com o meu pai, principalmente quan-
do fui presidente do CDS. Depois, quan-
do ele adoeceu, em 1996, reaproximei-
me bastante.
Viveu uma infância complicada: no Minho, era
orapazricoqueviviacomoavô;emLisboa,era
o miúdo que tinha pais pobres.
Repare,quandovinhapassarfériasaLisboa
[viveu com o avô até aos 10 anos], era um
miúdo que vinha de uma casa no Minho,
onde tinha um quarto só para mim e cria-
da para isto e aquilo. Chegava a Lisboa e
dormia na sala porque os meus pais não
tinham mais um quarto. Até determinado
momento, não en-
tendi o que se pas-
sava. Acho que
nunca disse isto
numa entrevista,
mas, em nome da
verdade, a minha
avó materna nunca
casou com o meu
avô. Ela era uma se-
nhora muito boni-
ta que, segundo
maistardevimasa-
ber, foi criada de
servir numa pensão em Vieira do Minho,
um sítio onde os jovens caçadores iam al-
moçar. O meu avô era um deles e você está
a ver o desenlace. A minha avó engravidou
e o pai obrigou-a a sair da terra. Veio para
Lisboa grávida e teve de lavar escadas para
sobreviver. Isso marcou muito a minha
mãe.
O seu avô casou?
Sim, com uma senhora, filha de uma famí-
lia bastante nobre, de Braga, de quem não
teve filhos. Eu funcionei sempre como um
elo de ligação entre o meu avô e a minha
mãeevivitudonumaalturadavidaemque
não se percebe nada disto.
PORTUGAL ENTREVISTA DE VIDA
A minha avó
engravidou e o
pai obrigou-a a
sairdaterra.Veiopara
Lisboagrávidaetevede
lavarescadas
1992
No Hotel Altis,
quando, a 22 de
Março, foi eleito
líder do CDS
Com o Presidente
Jorge Sampaio e
os outros líderes,
numa iniciativa
contra a droga
1998
Em Anissó,
Vieira do
Minho, na casa
de Bernardino
Cruz, seu avô
materno
1992
Manuel Monteiro não é apreciador de comida
nem de vinho. Mas é viciado em Coca-Cola
t
Ainda líder
da JC, a despedir-se
do Presidente
Mário Soares
1990
RICARDOPEREIRA
FOTOSARQUIVOPESSOAL
? 11 JULHO 2013 SÁBADO