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VIDAS SECAS 
Graciliano Ramos
Graciliano Ramos 
“Falo somente com o que falo: 
com as mesmas vinte palavras 
girando ao redor do sol 
que as limpa do que não é faca” 
(João Cabral de Melo Neto)
Vidas Secas – a narrativa 
• Narrativa em 3ª pessoa – estilo enxuto – 
economia vocabular 
• O retrato social e existencial dos retirantes 
nordestinos e o drama da solidão. 
• O regionalismo universal. 
• O lirismo advindo da objetividade. 
• O romance cíclico.
Vidas Secas – a narrativa 
• Os capítulos independentes. 
• A seca como protagonista. 
• A humanidade do autor – mescla na fala das 
personagens.
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os 
fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e 
os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto 
ao coração de sinha Vitoria, um abraço cansado 
aproximou os farrapos que os cobriam."
A problemática da linguagem 
• A esfera de limitações: física - financeira - social – 
linguística. 
• A palavra transforma-se em obstáculo. 
• A linguagem com instrumento de poder (cadeia – 
contas).
A problemática da linguagem 
Os níveis da linguagem 
• Externo: as palavras soltas - um diálogo 
inacabadas. 
• Interno: coerência e organização.
O isolamento 
• Solidão e o primitivismo: sociabilidade 
ineficiente. 
• Cada personagem vive seu próprio abandono.
As Personagens 
Fabiano: o enfoque determinista – o polo da 
brutalidade. 
“Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o 
direito de saber? Não tinha. 
“E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia 
porquê, mas era.”
Sinha Vitória: o polo do conhecimento - o desejo de 
mudança. 
“Fora de propósito dissera ao marido umas 
inconveniências a respeito da cama de varas. 
Fabiano que não esperava semelhante desatino, 
apenas grunhira: - “Hum! hum!” E amunhecada, 
porque realmente mulher é bicho difícil de entender.
Menino mais moço: a busca pela atitude heroica – o 
espelhamento na figura paterna 
“E precisava crescer, ficar tão grande como Fabiano, 
matar cabras a mão de pilão
Menino mais velho: a paixão pelas palavras 
“A culpada era sinha Terta que na véspera, depois de 
curar com reza a espinhal de Fabiano, soltara uma 
palavra esquisita, chiando, o canudo do cachimbo 
preso nas genvivas banguelas. ele tinha querido que a 
palavra virasse coisa e ficara desapontado quando a 
mãe se referira a um lugar ruim, com espetos e 
fogueiras."
O soldado amarelo: o governo 
“Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se. 
Guardava a sua força. 
Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim 
ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e 
ruins. Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e 
ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou 
firme e perguntou o caminho. E Fabiano tirou o 
chapéu de couro. 
- Governo é governo.
Baleia: o catalisador emocional da família 
Antropomorfizada – o contraste nome X condição. 
“Baleia, que era como uma pessoa da família, sabida 
como gente.” 
“Deu um pontapé na cachorra, que se afastou 
humilhada e com sentimentos revolucionários."
Tinha havido um desastre, mas Baleia não 
atribuía a esse desastre a impotência em que se 
achava nem percebia que estava livre de 
responsabilidades. Uma angustia apertou-lhe o 
pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela 
hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas 
ribanceiras, rondar as moitas afastadas. 
(...) 
A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao 
peito de Baleia. Do peito para trás era tudo 
insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do 
corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru 
penetravam na carne meio comida pela doença.
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A 
pedra estava fria, certamente sinha Vitória tinha 
deixado o fogo apagar-se muito cedo. 
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo 
cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um 
Fabiano enorme. As crianças se espojariam com 
ela, rolariam com ela num pátio enorme, num 
chiqueiro enorme. O mundo focaria todo cheio de 
preás, gordos, enormes.”
Vidas Secas – o eterno retorno 
Fuga 
“Os pés calosos, duros como cascos, metidos em 
alpercatas novas, caminhariam meses. Ou não 
caminhariam? Sinha Vitória achou que sim. Fabiano 
agradeceu a opinião dela e gabou-lhe as pernas 
grossas, as nádegas volumosas, os peitos cheios. As 
bochechas de sinha Vitória avermelharam-se e 
Fabiano repetiu com entusiasmo o elogio. Era. Estava 
boa, estava taluda, poderia andar muito. Sinha Vitória 
riu e baixou os olhos.
Dentro de pouco tempo estaria magra, de seios 
bambos. Mas recuperaria carnes. E talvez esse lugar 
pra onde iam fosse melhor que os outros onde 
tinham estado. (...) 
As palavras de sinha Vitória encantavam-no iriam 
para diante, alcançariam uma terra desconhecida. 
Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, 
porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia 
docilmente as palavras de sinha Vitória, as palavras 
que sinha Vitória murmurava porque tinha confiança 
nele.
E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma 
cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos 
em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. 
Eles dois velhinhos, acabando-se como uns 
cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que 
iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a 
uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos 
nela. E o sertão mandaria para a cidade homens 
fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois 
meninos.”
“Depois da comida, falaria com Sinha Vitória sobre a 
educação dos meninos.”

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  • 2. Graciliano Ramos “Falo somente com o que falo: com as mesmas vinte palavras girando ao redor do sol que as limpa do que não é faca” (João Cabral de Melo Neto)
  • 3. Vidas Secas – a narrativa • Narrativa em 3ª pessoa – estilo enxuto – economia vocabular • O retrato social e existencial dos retirantes nordestinos e o drama da solidão. • O regionalismo universal. • O lirismo advindo da objetividade. • O romance cíclico.
  • 4. Vidas Secas – a narrativa • Os capítulos independentes. • A seca como protagonista. • A humanidade do autor – mescla na fala das personagens.
  • 5. "Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto ao coração de sinha Vitoria, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam."
  • 6. A problemática da linguagem • A esfera de limitações: física - financeira - social – linguística. • A palavra transforma-se em obstáculo. • A linguagem com instrumento de poder (cadeia – contas).
  • 7. A problemática da linguagem Os níveis da linguagem • Externo: as palavras soltas - um diálogo inacabadas. • Interno: coerência e organização.
  • 8. O isolamento • Solidão e o primitivismo: sociabilidade ineficiente. • Cada personagem vive seu próprio abandono.
  • 9. As Personagens Fabiano: o enfoque determinista – o polo da brutalidade. “Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Não tinha. “E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia porquê, mas era.”
  • 10. Sinha Vitória: o polo do conhecimento - o desejo de mudança. “Fora de propósito dissera ao marido umas inconveniências a respeito da cama de varas. Fabiano que não esperava semelhante desatino, apenas grunhira: - “Hum! hum!” E amunhecada, porque realmente mulher é bicho difícil de entender.
  • 11. Menino mais moço: a busca pela atitude heroica – o espelhamento na figura paterna “E precisava crescer, ficar tão grande como Fabiano, matar cabras a mão de pilão
  • 12. Menino mais velho: a paixão pelas palavras “A culpada era sinha Terta que na véspera, depois de curar com reza a espinhal de Fabiano, soltara uma palavra esquisita, chiando, o canudo do cachimbo preso nas genvivas banguelas. ele tinha querido que a palavra virasse coisa e ficara desapontado quando a mãe se referira a um lugar ruim, com espetos e fogueiras."
  • 13. O soldado amarelo: o governo “Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se. Guardava a sua força. Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins. Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou firme e perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro. - Governo é governo.
  • 14. Baleia: o catalisador emocional da família Antropomorfizada – o contraste nome X condição. “Baleia, que era como uma pessoa da família, sabida como gente.” “Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com sentimentos revolucionários."
  • 15. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angustia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. (...) A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.
  • 16. Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente sinha Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo focaria todo cheio de preás, gordos, enormes.”
  • 17. Vidas Secas – o eterno retorno Fuga “Os pés calosos, duros como cascos, metidos em alpercatas novas, caminhariam meses. Ou não caminhariam? Sinha Vitória achou que sim. Fabiano agradeceu a opinião dela e gabou-lhe as pernas grossas, as nádegas volumosas, os peitos cheios. As bochechas de sinha Vitória avermelharam-se e Fabiano repetiu com entusiasmo o elogio. Era. Estava boa, estava taluda, poderia andar muito. Sinha Vitória riu e baixou os olhos.
  • 18. Dentro de pouco tempo estaria magra, de seios bambos. Mas recuperaria carnes. E talvez esse lugar pra onde iam fosse melhor que os outros onde tinham estado. (...) As palavras de sinha Vitória encantavam-no iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de sinha Vitória, as palavras que sinha Vitória murmurava porque tinha confiança nele.
  • 19. E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.”
  • 20. “Depois da comida, falaria com Sinha Vitória sobre a educação dos meninos.”