A Avaliação como Profissão e Qualidade das Avaliações
1. Reação crítica – Tema B
Patrícia Valério
A Avaliação como Profissão e Qualidade das Avaliações
18 Novembro 2014
2. Qual a instituição ou organização que dispensa a sua melhoria? Qual a organização,
pública ou privada, livre de juízos de valor e mérito sobre as suas ações e/ou decisões? Quem
avalia? Quem avalia a avaliação? A resposta a estas questões, ainda que de forma tácita, leva-nos
ao tema desta reflexão: em que consiste a profissão emergente e promissora de avaliador e
quanto pode contribuir para a qualidade das avaliações. Para se perceber o seu impacto e
evolução nos últimos anos, existiam nos anos noventa cerca de cinco associações de
profissionais do sector, na década seguinte já iam nas cinquenta (Donaldson & Christie, 2006)
e volvidos quase dez anos, há a forte probabilidade de o número ter aumentado, sendo tão
ampla e transdisciplinar a ciência da avaliação. Leva-nos também a refletir sobre a
importância e contributo do avaliador para a qualidade das avaliações, quais os princípios
orientadores – standards – por que se rege e que definem e contribuem para discernir e
incrementar a qualidade das mesmas. Questões como a utilidade, viabilidade, propriedade e
precisão deverão sempre ser equacionadas na formulação e design de um processo avaliativo.
Porque é que a avaliação se tem afirmado de forma tão consolidada? Como referem
Stufflebeam e Shinkfield (2007) a avaliação é ubíqua e, ainda que seja discutível, no campo
social é a mais fundamental das disciplinas, abrangendo uma ampla diversidade de contextos,
que se distribuem por organizações sem fins lucrativos, pelo campos educacional e da saúde,
contextos governamentais, empresas e organizações com e sem fins lucrativos (Donaldson &
Christie, 2006), que englobam escolas e universidades, hospitais, organizações não-governamentais,
empresas de todas as áreas, agências governamentais e muitas outras
passíveis de enumeração. Será oportuno realçar, que no âmbito de um curso de Ciências de
Educação, a unidade curricular de Avaliação I (continuando em Avaliação II), é sempre
colocado enfoque nesta questão, havendo clara preocupação em alargar a perceção e o
conhecimento baseado na evidência, dos diversos domínios da avaliação, não a limitando á
avaliação de aprendizagens, mas estendendo-a outros domínios, como a saúde e avaliação de
programas educativos e sociais. Esta estratégia didática está em linha com as competências
que deve ter um avaliador. Para além de conhecimentos sólidos de base, acerca dos
pressupostos teóricos e práticos, fundamentais para qualquer avaliador, é no contacto com
profissionais experientes noutras áreas do saber, juntamente com conhecimentos adquiridos
multidisciplinarmente, que este se potencia e diferencia aumentando a sua efetividade e
tornando-a (a avaliação) num desafio estimulante (Donaldson & Christie, 2006). Comum a
todos os avaliadores deve ser o empenhamento em contribuir para melhoria do bem-estar e
qualidade de vida das populações, respeitando os direitos universais do homem, regendo-se
por princípios éticos e desenvolvendo um trabalho com o rigor que a ciência exige, suportado
3. por uma sólida base metodológica e uma forte componente crítica e reflexiva, sem contudo se
imiscuir com o campo da investigação, muitas vezes confundido com a avaliação, mas apenas
partilhando com esta ferramentas metodológicas. Assim, “todos os esforços devem ser
empreendidos para que ela seja desenvolvida com imparcialidade” (Fernandes, 2013,p.3) não
tentando formular leis universais, mas servindo de suporte à tomada de decisão e melhoria de
programas e/ou aprendizagens.
Assegurar a imparcialidade deve ser uma das linhas orientadoras de qualquer
avaliador. Para discernir e identificar a qualidade de uma avaliação há que delimitar os seus
princípios orientadores ou standards. São os standards, ou normas, na sua interação e tensão
dinâmicas que podem maximizar a qualidade de qualquer avaliação, não deixando no entanto,
de estar dependentes das escolhas e valores (Yarbrough, Shulha, Hopson & Caruthers, 2011)
pelos quais se rege o avaliador e todos os participantes e stakeholders. Assim, Yarbrough et
al. (2011) definem trinta standards englobados em cinco grandes princípios gerais, que são a
(1) utilidade, (2) exequibilidade/viabilidade, (3) propriedade, (4) precisão e por último (5)
responsabilização. Não é raro encontrar ajustamentos nestes princípios gerais, a African
Evaluation Association, por exemplo, adaptou os standards da American Joint Committee on
Standards for Educational Evaluation (AJCSEEA) de forma a sustentar e monitorizar os
processos de avaliação em curso, reduzindo-os a utilidade, viabilidade, propriedade e
precisão. A utilidade é fundamental, porque, “fazer avaliações por fazer” é um desperdício de
tempo e recursos humanos e materiais, não cumprindo o principal propósito de discernir
qualidade e contribuir para a melhoria da qualidade das pessoas. A avaliação deve estar ao
serviço dos cidadãos (stakeholders) e por isso deve passar por um processo transparente de
negociação, explicitando valores e produzindo relatórios de avaliação com informação útil e
acessível sobre os produtos ou processos avaliados, em tempo útil, tendo sempre em conta o
impacto real na vida das pessoas. Para além disso, qualquer avaliação deve ser viável,
exequível, afastando-se de utopias e projetos e ideologias megalómanas, para as quais não há
tempo, nem recurso e não raras as vezes, utilidade prática. Uma avaliação deve permitir
recolher e analisar informação de uma forma rápida, eficaz e eficiente, equilibrando interesses
individuais e coletivos, através de um reconhecimento e deteção de necessidades adequado
fazendo uso dos recursos disponíveis de uma forma eficiente. Não nos podemos esquecer que
ao ser um processo subjetivo, a avaliação como ciência transdisciplinar, deve garantir o rigor
e a precisão, eliminando ao máximo interpretações e juízos sobre a sua qualidade. A recolha
sistemática de dados através de instrumentos adequados é fundamental. As decisões devem
ser justificadas, suportadas por informação clara, válida e representativa relativamente ao
4. objeto a avaliar. As avaliações devem ser devidamente documentadas e apresentadas,
respeitando direitos humanos e níveis de privacidade e confidencialidade. Documentar um
processo de avaliação, comunicar e reportar os resultados e, no final avaliar o próprio
processo avaliativo, não é apenas uma necessidade, é no meu ponto de vista uma obrigação. A
metavaliação é por isso, e na minha ótica, um dos standards fundamentais, no contributo que
pode ter no refinar dos restantes. Um processo de avaliação deve ser sempre reflexivo por
parte de todos os intervenientes.
Mas o que é mais importante? A condução de uma avaliação por pessoal qualificado
ou uma negociação contínua e eficaz dos propósitos da avaliação com os stakeholders?
Aplicá-los requer (1) compreensão, flexibilidade, adaptação e mestria adaptando-os a cada
contexto em geral e em particular, (2) um standard nunca é mais importante que o outro e (3)
é necessário um conhecimento profundo dos standards para os utilizar de forma efetiva,
porque um avaliador não raramente desempenha mais de um papel num processo avaliativo e
esta questão não é um handicap, muito pelo contrário, é uma vantagem para a sua aplicação
de forma a alcançar a melhor qualidade possível de uma avaliação. Não esqueçamos, contudo,
a questão da subjetividade inerente toda e qualquer realidade social. Os standards não são
neutros e apresentam limitações, porque “quem determina os standards são as pessoas”
(Fernandes, 2013b, p.20) e estas não são distantes dos seus valores e conceções e, por isso
mesmo, a qualidade é ela própria um conceito tão complexo como a própria avaliação, e não é
eterna, apenas faz sentido situada no espaço e no tempo. Somos sempre condicionados pelas
nossas vivências, experiências e interações com os outros, e isso não modifica quando se
exerce a profissão de avaliador, mas pode ser treinado e doseado, de forma a garantir o
máximo de isenção e dosear o envolvimento e/ou afastamento consoante o papel que o
avaliador desempenha em determinado momento. A avaliação pode ser uma ferramenta de
empowerment positivo quer das instituições quer do próprio avaliador e não nos podemos
alhear das relações entre a avaliação e a política. Por essa razão os avaliadores devem ter
sempre presentes valores éticos e democráticos. A criação de associações e comités de
avaliadores, no meu ponto de vista, favorece e visibilidade dada à profissão, valorizando o seu
papel na sociedade e contribuindo para a sua qualidade, transparência e efetividade. Os
avaliadores “trabalham e vivem no mundo das políticas […] exercem real influência sobre as
relações de poder aí existentes, empenhando-se na defesa do interesse público e reconhecendo
que a pluralidade de valores deve estar ao serviço do direito dos cidadãos à informação e ao
conhecimento.” (Fernandes, 2013a, p.21). Avaliar é impreciso, mas é preciso.
5. Referências:
Donaldson, S. & Christie, C. (2006). Emerging career opportunities in the transdiscipline of
evaluation science. In S. I. Donaldson, D. E. Berger & K. Pezdek (Eds.), Applied
psychology: New frontiers andrewarding careers (pp. 243-259). Mahwah, NJ:
Lawrence Elbraum.
Fernandes, D. (2013a,Outubro). Para um discernimento das relações entre avaliação, ética e
política. Comunicação apresentada no colóquio Ética e Universidade. Aveiro: Conselho
de Ética e Deontologia da Universidade de Aveiro.
Fernandes, D. (2013b). Avaliação em educação: Uma discussão de algumas questões críticas
e desafios a enfrentar nos próximos anos. Revista Ensaio: Avaliação e Políticas
Públicas em Educação, n.º 78, vol. 21, pp. 11-34.
Stufflebeam, D. & Shinkfield, A. (2007). Evaluation theory, models, & applications. San
Francisco, CA: Jossey-Bass.
Yarbrough, D., Shulha, L., Hopson, R. & Caruthers, F. (2011). The program evaluation
standards: A guide for evaluators and evaluation users (3rd. Edition). London: Sage.