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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” 
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS 
CAMPUS DE ARARAQUARA 
MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE. 
LUÍS EDUARDO BATISTA 
ARARAQUARA 
2002
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” 
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS 
CAMPUS DE ARARAQUARA 
MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE. 
ALUNO: LUÍS EDUARDO BATISTA 
Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara, obtenção do título de Doutor em Sociologia, sob a orientação da Profª. Dr.ª LUCILA SCAVONE. 
ARARAQUARA 
2002
Batista, Luís Eduardo. 
Mulheres e homens negros : saúde, doença e morte / Luís Eduardo Batista. – Araraquara , 2002. 
232 f. : 30 cm 
Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras 
Orientador: Lucila Scavone 
l. Sociologia da saúde. 2. Relações de gênero. 3. Raça - Etnia. 
4. Saúde coletiva.
ATA 
BANCA EXAMINADORA DA TESE DE DOUTORADO 
Orientadora: Profa. Dra. Lucila Scavone 
MEMBROS: 
1. Profa. Dra. Lucila Scavone 
2. Profa. Dra. Maria Alice Rosa Ribeiro 
3. Profa. Dra. Maria Isabel Baltar da Rocha 
4. Profa. Dra. Marina Ferreira Rea 
5. Prof. Dr. Valter Roberto Silvério
Muito de meu trabalho só é possível ser realizado 
em função do carinho, do amor e da paciência de 
Rosana Batista Monteiro, Matheus Monteiro Batista, 
João, Leonice e Rita de Cássia Batista
AGRADECIMENTOS 
À Profª Drª Lucila Scavone, pela orientação, paciência e desafios colocados. 
Às Profas Dras Maria Isabel Baltar da Rocha e Maria Alice Rosa Ribeiro, pelas sugestões e apontamentos quando da qualificação. 
Aos profissionais de saúde que com muita atenção contribuíram através de entrevistas: Edson Stefanini, José Antônio Marques, Naila Santos, Vera Galesi, Anna Volochko e Ruy Laurenti. 
Agradeço particularmente a Anna Volochko e Carlos Eugênio de C. Ferreira pelas longas conversas, sugestões e ensinamentos. 
A Carlos Eugênio de C. Ferreira, Antônio B. Marangone Camargo, Deise Oshiro e Luís Patrício Ortiz (Fundação Seade), por disponibilizarem os dados e discutirem comigo as versões iniciais deste trabalho. 
A Estela Maria Pinto da Cunha por me apresentar as pessoas e abrir as portas para que eu conseguisse realizar o trabalho. 
A Olinda do Carmo Luiz, pela leitura e sugestões que muito contribuíram para a redação final do texto. 
A Albertina de Oliveira Costa, por suas sugestões no início deste trabalho. 
A Fátima Yukie Carvalho, pela ajuda com os gráficos, tabelas e editoração eletrônica. 
A Juliana R. Gonçalves Mota e Solange Guerra, pela revisão ortográfica. 
A Silvia Teixeira, por atender a meu chamado e traduzir comigo, as entrevistas realizadas. 
A Maria Mercedes Escuder (Biba), pela ajuda no cálculo das “consistências” e “significâncias”. 
A Marina Ferreira Rea, pelo apoio e incentivo nos momentos de angústia com o trabalho. 
A Tereza Toma, Suzana Kalckmann, Anna, Regina Barbosa, Sonia Venancio, Belkis, Claudete, companheiras do Núcleo de Investigação em Saúde da Mulher e da Criança do Instituto de Saúde que seguraram as pontas nas minhas ausências. 
A Rosa e Valter Araújo, que sempre mostraram que era preciso cuidar das flores e das pessoas.
Aos amigos de todos os tempos, Rogério Medeiros, Luís Gustavo Imperatrice, Osvaldo Casagrande, Flávia Marquetti, Ricardo Nakamiti, Renato Bonadio, Gisele Simões, Elizabeth David, Elpídio, Iray, Carolina, Matheus, Rosângela Giarola, Roberto Primo Pachoalli e todos os velhos amigos. 
A Rosa Rodrigues, companheira incansável. 
À Profª Drª Margareth A. Santini Almeida e Profª Drª Ione Morita da Unesp Botucatu, pelo carinho. 
Ao Senhor Moacyr e Dona Lurdes Ramos, saudades. 
Ao Fernando Longo Vidal e Prof. Ney Vieira amigos que em diferentes momentos e formas me abriram caminhos na área de políticas públicas de saúde. 
A turma de Analândia – Zé Roberto, Sueli, Bidê, Vera, D. Maria, D. Alice, Daniel, Renata, Junior e Claudia. 
Ao departamento de Saúde Pública da Unesp-Botucatu. 
Ao Nepo/Unicamp, por ter me propiciado participar do estudo da Morbimortalidade feminina no Brasil; no Programa de Estudos em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva e no Curso Regionalizado de Introdução à Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva. Projetos e programas que muito contribuíram para minha formação e com este trabalho. 
À Fundação Seade, por ter me fornecido os dados e me dado toda a assistência com a pesquisa. 
Às amigas do Grupo de Estudos Cidadania e Saúde da Unesp/Araraquara. 
Ao pessoal do Núcleo de Informática do Instituto de Saúde, principalmente ao Nelson Francisco Brandão, Eliete, Ana e Ernesto. 
Ao Instituto de Saúde, por ter dado apoio ao estudo e me fornecido sua infra- estrutura. 
Ao Programa de Pós-Graduação da F.C.L. e suas eficientes secretárias. 
A essas instituições e pessoas, e a muitas outras que estiveram, direta ou indiretamente, envolvidas na elaboração do presente trabalho, meus agradecimentos.
SUMÁRIO 
LISTA DE FIGURAS............................................................................................... 
LISTA DE GRÁFICOS............................................................................................ 
LISTA DE TABELAS.............................................................................................. 
LISTA DE QUADROS............................................................................................. 
MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE 
Introdução..........................................................................................................1 
1. O caminho se faz caminhando....................................................................7 
2. Articulando.... saúde, gênero e raça/cor.....................................................9 
3. Os propósitos deste estudo......................................................................16 
4. Hipóteses.................................................................................................17 
5. Metodologia............................................................................................18 
5.1. As variáveis.....................................................................................22 
5.1.1. As limitações..............................................................................22 
5.2. A ideologia dos dados......................................................................25 
Capítulo 1. Saúde: entre o biológico e o social............................................30 
1. A determinação social da doença............................................................31 
2. A construção social da desigualdade: a raça negra.................................34 
3. Raça/cor como categoria de análise em saúde........................................48 
4. Gênero como categoria de análise em saúde...........................................55 
Capítulo 2. A mortalidade no Estado de São Paulo....................................59 
1. A mortalidade segundo capítulos da Cid.................................................60 
1.1. Doenças infecciosas e parasitárias...................................................67 
1.2. Neoplasias........................................................................................67 
1.3. Doenças do sangue e dos òrgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários....................................................................68 
1.4. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas..............................69 
1.5. Transtornos mentais e comportamentais.........................................73 
1.6. Doenças do sistema nervoso............................................................76 
1.7. Doenças do olho e anexos; doenças do ouvido e da apófise mastóide; doenças da pele e do tecido subcutâneo e doenças do sistema osteomolecular e do tecido conjuntivo..........................76
1.8. Doenças do aparelho circulatório e doenças do aparelho respiratório.......................................................................................76 
1.9. Doenças do aparelho digestivo........................................................77 
1.10. Doenças do aparelho geniturinário................................................77 
1.11. Gravidez, parto e puerpério...........................................................80 
1.12. Algumas afecções originadas no período perinatal e malformação congênita, deformidades e anomalias cromossômicas..............................................................................80 
1.13. Causas externas de morbidade e mortalidade................................83 
1.14. Mortalidade infantil.......................................................................88 
2. A mortalidade segundo a raça/cor...........................................................94 
2.1 A mortalidade masculina..................................................................94 
2.2 A mortalidade feminina..................................................................103 
3. O perfil da mortalidade em capítulos selecionados...............................108 
3.1 Doenças infecciosas e parasitárias..................................................108 
3.2 Neoplasias.......................................................................................118 
3.3 Doenças do aparelho circulatório...................................................125 
3.3.1 Doenças cardíacas hipertensivas...............................................128 
3.3.2 Doenças cerebrovasculares.......................................................129 
3.4. Gravidez, parto e do puerpério......................................................131 
3.4.1 Morte materna...........................................................................132 
4. Os indicadores do estudo e da Ripsa: uma comparação necessária......141 
Capítulo 3. Negritude e saúde.....................................................................150 
1. Mortalidade negra: o que dizem os atores.............................................152 
1.1 Conhecendo os atores.....................................................................152 
1.2 Tuberculose na era Aids.................................................................155 
1.3 Negritude e Aids: há relação entre os temas?.................................163 
1.4 Neoplasias.......................................................................................173 
1.4.1 Câncer de estômago e esôfago: um breve questionamento.......181 
1.4.2 Câncer de pulmão e câncer de próstata na população negra.....181 
1.5 A hipertensão e sua relação com as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares..........................................................................183 
2. Alguns comentários...............................................................................191 
3. Mortalidade negra: o que dizem as atrizes............................................195 
O caminho a ser percorrido........................................................................201 
Referências bibliográficas...........................................................................212 
ANEXOS.........................................................................................................01 
Anexo 1. Consentimento Informado.........................................................02 
Anexo 2 Roteiro para entrevistas com especialistas.................................03 
Anexo 3. Tabelas e gráficos......................................................................10
LISTA DE FIGURAS 
Figura 1 - Pirâmide populacional do Estado de São Paulo, por sexo e raça/cor - 1999....................................................................................63 
Figura 2 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) em crianças de até 1 ano, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................82 
Figura 3 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 1 à 19 anos, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................98 
Figura 4 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 20 à 39 anos, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................99 
Figura 5 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 40 à 59 anos, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................100 
Figura 6 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 60 anos e mais, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................101 
LISTA DE GRÁFICOS 
Gráfico 1 - Esperança de vida ao nascer. Brasil, 1997.........................................45 
Gráfico 2 - Taxa de óbito por diabetes mellitus, segundo o sexo e a raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................72 
Gráfico 3 - Taxa dos principais grupos de causas externas segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................85 
Gráfico 4 - Principais grupos de causas de óbito (CID-10), sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................105 
Gráfico 5 - Taxa das principais causas de óbitos das doenças infecciosas e parasitárias, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................................................................160 
Gráfico 6 - Taxas das principais causas de neoplasias, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................177 
Gráfico 7 - Taxa de óbitos das principais causas cardiovasculares e cerebrovasculares (CID-10 - 3 dígitos), segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................187
LISTA DE TABELAS 
Tabela 1 - Total e percentual de óbitos com cor ignorada. Estado de São Paulo, 1996-2000...............................................................................19 
Tabela 2 - Distribuição percentual dos chefes de família, por sexo e cor, segundo nível de instrução e freqüência à escola. Estado de São Paulo, 1998..................................................................................41 
Tabela 3 - Distribuição percentual dos chefes de família, por sexo e cor, segundo classe de renda familiar total e per capita. Estado de São Paulo, 1998..................................................................................42 
Tabela 4 - Total e taxa de óbitos dos residentes no Estado de São Paulo, segundo causas CID (10), por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 96-99.......................................................................................64 
Tabela 5 - Total e taxa de óbitos masculinos dos residentes no Estado de São Paulo, segundo causas CID (10) por raça/cor. Estado de São Paulo, 1996-99............................................................................65 
Tabela 6 - Total e taxa de óbitos femininos das residentes no Estado de São Paulo, segundo causas CID (10) por raça/cor. Estado de São Paulo, 1996-99............................................................................66 
Tabela 7- Total e taxa de óbitos por doenças do sangue e órgãos hematopoéticos (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.................................................................71 
Tabela 8- Total e taxa de óbitos por transtornos mentais e comportamentais (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................71 
Tabela 9- Total e taxa de óbitos por doenças do aparelho geniturinário (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................79 
Tabela 10- Taxa de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas externas, segundo sexo, raça/cor e faixa etária. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................84 
Tabela 11- Taxa de óbitos dos menores de 1 ano residentes no Estado de São Paulo, por raça/cor, segundo grupos etários. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................89 
Tabela 12- Total e taxa de óbitos (CID-10) dos residentes no Estado de São Paulo segundo causas, por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................96 
Tabela 13- Taxa de óbitos dos residentes no Estado de São Paulo segundo sexo, raça/cor e faixa etária. Estado de São Paulo, 1999...................97 
Tabela 14- Taxa de óbitos masculinos dos residentes no Estado de São Paulo, por raça/cor, segundo capítulos da CID (10), 1999..............102
Tabela 15- Taxa de óbitos de femininos das residentes no Estado de São Paulo, por raça/cor, segundo capítulos da CID (10), 1999..............104 
Tabela 16- Total e taxa de óbitos segundo as principais doenças infecciosas e parasitárias, por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.......................................................................................111 
Tabela 17- Proporção de moradores segundo tipo de abastecimento de água, instalação sanitária e coleta de lixo. Estado de São Paulo, 1991..................................................................................................113 
Tabela 18- Proporção de famílias com ligações públicas de serviços urbanos, por sexo e cor do chefe de família. Estado de São Paulo, 1998.......................................................................................113 
Tabela 19- Total e taxa de óbitos das principais neoplasias (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.....121 
Tabela 20- Distribuição percentual dos indivíduos por sexo e cor, segundo condições de procura por atendimento de saúde nos últimos trinta dias. Estado de São Paulo, 1998.............................................124 
Tabela 21- Total e coeficiente de morte materna (CID-10) segundo causas por raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..........................................136 
Tabela 22- Coeficiente de mortalidade feminina e materna (Gravidez, Parto e Puerpério - CID–10), segundo causas por raça/cor. Estado de São Paulo, 1999...............................................................136 
Tabela 23- Indicadores educacionais segundo a cor. Brasil, 1990.....................142 
Tabela 24- Distribuição percentual dos chefes de família, por sexo e cor, segundo situação ocupacional e posição na ocupação. Estado de São Paulo, 1998...........................................................................144 
LISTA DE QUADROS 
Quadro 1 - Nosologia das populações afro-brasileiras.........................................53 
Quadro 2 - Indicadores sociodemográficos e taxa de mortalidade. Estado de São Paulo, 1999...........................................................................146 
Quadro 3 - Mortalidade da população negra e seus possíveis agravantes, potencializados pelas condições genéticas, socioculturais ou de acesso aos serviços de saúde. Estado de São Paulo, 1999...............205
RESUMO 
BATISTA, Luís Eduardo. Homens e mulheres negros: saúde, doença e morte. Araraquara, 2002. 232p. 
Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Doutor em Sociologia. 
O objetivo deste trabalho é verificar o perfil da mortalidade de homens e mulheres pretos residentes no Estado de São Paulo, com enfoque nas desigualdades de gênero e raça/cor. A mortalidade foi estudada no período 1996 a 1999; e a análise foi realizada comparando os homens brancos e pretos, mulheres brancas e pretas, com os dados do ano de 1999. Num segundo momento do trabalho, foram realizadas entrevistas com seis profissionais de saúde em que se discutiram os motivos das diferenças encontradas no perfil da mortalidade de mulheres e homens, brancos e pretos. 
O estudo mostra que: (1) a taxa de mortalidade dos homens e mulheres pretos residentes no Estado supera a dos brancos; (2) discute as principais causas de morte de mulheres e homens pretos – tuberculose, HIV/Aids; câncer de colo de útero e esôfago; alcoolismo, acidente vascular cerebral e morte materna; (3) discute em detalhes as demais causas, as vantagens e limitações dos bancos de dados, faz recomendações e aponta os desafios para as políticas públicas de saúde. 
Conclui o estudo evidenciando que a realização de estudos enfatizando as desigualdades sociais de gênero e raça/cor ajudam a mostrar como as mulheres e os negros são vistos em nossa sociedade. Mostra que a discriminação racial perpassa pelas instituições e pelas políticas públicas; como a mortalidade pode ser um indicador quantitativo da discriminação racial e de gênero. 
Palavras-chave: mortalidade; raça/cor; raça/etnia; gênero.
SUMMARY 
BATISTA, Luís Eduardo. Black men and women: health, disease and death. Araraquara, 2002. 232p. Theory presented to The University of Sciences and Letters, Campus of Araraquara From São Paulo State University, to obtain the title of Doctor in Sociology. 
The objective of this work is to verify the mortality profile of the black men and women resident in the State of São Paulo, focusing the inequalities of gender and race/color. The mortality was studied during the period of time from 1996 to 1999; and the analysis was accomplished comparing the white and black men, white and black women, with the data of the year of 1999. The data from the System of Information in Mortality (SIM/Datasus/Seade) were given by the Fundação Seade. In a second shift of the work, interviews were carried out with six professionals of health where the found reasons of the differences in the mortality profile of the white and black women and men were discussed. 
The study shows that: (1) the mortality rate of the black men and women resident in the State overcome the white’s one; (2) it discusses the main causes of death of black women and men - tuberculosis, HIV/AIDS; womb and esophagus cancer; alcoholism, cerebral vascular accident and maternal death; (3) it discusses in details the other causes, the advantages and limitations of the databases, makes recommendations and points out the challenges for the public policy of health. 
The study is concluded evidencing, by using the social inequalities of gender and race/color as analytical category, how the racial discrimination goes through the institutions plus public politics; as the mortality can be a quantitative indicator of the racial discrimination and of the gender. 
Key words: mortality; race/color; race/ethnic group; gender.
INTRODUÇÃO
2 
INTRODUÇÃO 
Em 1999, o Núcleo de Estudos de População – Nepo/Unicamp desenvolveu o “Estudo multicêntrico da morbi-mortalidade feminina no Brasil”, cujo projeto foi coordenado pela Profa. Dra. Elza Berquó e Profa. Dra. Estela Maria Garcia Pinto da Cunha, e teve como objetivo estudar o perfil da morbimortalidade feminina, com especial atenção à saúde reprodutiva. Coube ao autor deste trabalho, juntamente com a Dra Marina Ferreira Rea, coordenar o estudo no Estado de São Paulo1. 
A experiência adquirida nessa pesquisa, somada ao estudo sobre o perfil da mortalidade em Botucatu e a sua experiência de trabalho no Instituto de Saúde motivou-o a investigar o perfil da mortalidade de mulheres e homens pretos2 residentes no Estado de São Paulo, numa perspectiva de gênero e de raça/cor, com base em dados secundários obtidos na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. 
1 A equipe foi composta por Marina F. Rea, Luís E. Batista, Margareth A. S. Almeida, Ione Morita e Anna Volochko, pesquisadores do Instituto de Saúde e da Faculdade de Medicina de Botucatu. 
2 Serão utilizadas neste trabalho as expressões preto, quando se referir à cor da pele; negro, para dar ênfase à construção sociocultural dos pretos; raça/etnia, quando se referir à construção sociocultural ou como utilizado pelo autor citado; e raça/cor, quando se referir à cor da pele e aos dados em saúde.
3 
As estatísticas de mortalidade têm sido utilizadas por epidemiologistas, demógrafos e planejadores/administradores de saúde pública para avaliar a situação da saúde da população. No entanto, na análise dos dados fala-se das causas de morte que assolam a população pobre, discutem-se os dados segundo o sexo, mas não se discutem as desigualdades existentes entre pretos e brancos e seus reflexos no perfil da mortalidade, nem se contemplam as categorias de gênero e raça/cor na análise dos dados. 
Para estudar a mortalidade de mulheres e homens pretos, pretende-se, neste trabalho, realizar a análise comparativa da mortalidade de homens em relação às mulheres, dos brancos em relação aos pretos residentes no Estado de São Paulo. Partindo da hipótese de que (1) o processo saúde, doença e morte de homens e mulheres brancos e pretos é construído socialmente e demarcado pelo espaço social que tais atores ocupam na sociedade; (2) de um modo geral, homens e mulheres pretos possuem menor escolaridade, menor salário, residem nos bairros de periferia das grandes cidades, estão excluídos de vários direitos sociais em nosso país e esta exclusão social interfere em sua mortalidade. 
Enfim, o conhecimento da mortalidade, desagregado aqui para cada segmento da população e analisado numa perspectiva sociológica, leva a trabalhar as articulações possíveis entre as desigualdades sociais e a saúde da população. Permite pensar que as desigualdades sociais vivenciadas pelos negros em nossa sociedade estão expressas no perfil da mortalidade, no acesso desigual ao pré-natal e aos leitos nas maternidades; a vulnerabilidade individual, social e programática. 
Nesse sentido, torna-se importante conhecer/estudar os condicionantes da saúde de mulheres e homens pretos, por entender que eles merecem atenção do sistema de
4 
saúde, tendo em vista o fato de serem grandes consumidores e vítimas das dificuldades desse sistema. É de grande importância também que os formuladores de políticas, gerentes de serviços, formadores de opinião, equipes de saúde e pessoas que coordenam programas como o Programa de Saúde da Família, Programa de Saúde da Mulher, da Criança, do Idoso, do Trabalhador, de Saúde Mental, Controle de Hipertensão e Diabetes conheçam as especificidades da saúde desses grupos. Como também urge que se contemple o quesito cor nas análises das pesquisas existentes na área da saúde. 
Para realizar o estudo, parte-se do pressuposto de que existem vários fatores que interferem no processo saúde, doença e morte. Dentre eles destacam-se: a forma como homens e mulheres são construídos socialmente; as diferenças no plano individual; as apropriações diferenciadas dos meios de produção, as desigualdades nas condições de vida e acesso a bens e consumo; o racismo, a discriminação racial3; as doenças raciais/étnicas; a falta de capacidade e de resolutividade dos programas de saúde; a educação; a qualidade e o acesso aos serviços de saúde de qualidade. Em diferentes proporções, tais fatores interferem direta ou indiretamente no processo saúde, doença e morte de homens e mulheres, brancos e pretos. 
O conhecimento da mortalidade desagregada para cada segmento da população leva a trabalhar as articulações possíveis entre as iniqüidades sociais e a situação de saúde da população; a conhecer o comportamento de indicadores epidemiológicos de 
3 No presente estudo, trabalharemos com a discriminação racial, tanto no que diz respeito à desvantagem dos negros (pretos + pardos) quanto a salário, educação, acesso a emprego, habitação, justiça etc., como também com a exclusão dos negros de vários direitos sociais. Para Cashmore, o uso do termo racismo vem sendo preterido pelo termo discriminação. Porém, sociologicamente, o termo correto é discriminação racial institucional, ou racialismo institucional (CASHMORE, 2000, p. 171- 172).
5 
homens e mulheres, brancos e pretos; a vulnerabilidade dos segmentos populacionais e a redefinir algumas políticas de saúde. 
Reconhece-se que há um acúmulo de produção sobre a mortalidade, mas poucos privilegiam um estudo comparativo entre homens e mulheres, brancos e pretos. Reconhece-se que há um acúmulo de produção sobre a saúde da mulher, mas são insignificantes os estudos sobre a saúde da mulher preta e negra. Reconhece-se que há uma vasta produção sobre as relações de gênero, mas poucos estudos analisam profundamente as diferenças intragênero por raça/cor. E menor ainda é a produção no que diz respeito à mortalidade por gênero e raça/cor. 
Não se pretende aqui simplesmente calcular os riscos a que estão expostos mulheres e homens pretos, mas sim procurar evidenciar que o desconhecimento do perfil epidemiológico desta população, a não-implantação de programas de saúde que contemplem a especificidade deste segmento e a falta de prioridade nas ações institucionais, deixam os negros individualmente e socialmente suscetíveis a mortes. 
Uma das justificativas do presente trabalho é o fato de os serviços, os programas, as normas e metas do setor saúde não considerarem a questão da saúde dos negros por desconhecerem o perfil da saúde dessa população4. 
A inexistência de dados significativos que comprovem a necessidade de normas e metas no setor saúde para esse grupo também é uma dificuldade. E este trabalho se insere nessa perspectiva – é uma contribuição para o debate sobre o processo saúde, doença e morte, enfatizando a mortalidade de mulheres e homens pretos. 
4 Entende-se por população, o conjunto ou número de habitantes do Estado, cidade ou país (FERREIRA, 1993). No caso da população branca ou preta, ela será entendida aqui como número de habitantes do Estado de São Paulo, homens e mulheres, pretos, brancos, pardos amarelos e indígenas.
6 
Este trabalho também se justifica pelo fato de trazer para análise a questão de gênero e raça/cor, a fim de que se possam perceber as diferenças dentro das diferenças e as desigualdades dentro das diferenças.
7 
1. O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO5 
Uma vez que o objeto de pesquisa da sociologia é a vida social na qual estamos todos envolvidos, a capacidade de fazer uso imaginativo da experiência pessoal e a própria qualidade da experiência pessoal de alguém serão contribuições importantes para a capacitação técnica dessa pessoa. Como agir para traduzir experiência pessoal em hipóteses ou, em outras palavras, como usamos esta experiência para dar forma às hipóteses desenvolvidas de outras maneiras? (BECKER, 1997). 
Normalmente, o sociólogo se utiliza da estatística ou para identificar problemas, ou como uma primeira aproximação aos temas que serão investigados em profundidade nas pesquisas de campo. Ao eleger como tema a saúde numa perspectiva de gênero e raça/cor, tema estudado e aprofundado por feministas e acadêmicas no Brasil, passa-se a fazer um caminho mais específico: trazer para o debate o universo da saúde da população negra residente no Estado de São Paulo. E assim idêntico problemas e me aproximo do tema. 
5 Referência ao poema de Antonio Machado, Caminhante. 
“Caminhante são tuas pegadas, o caminho. Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao andar.”
8 
Considerando que o autor deste trabalho é homem negro, que estuda temas relacionados à saúde coletiva e à saúde reprodutiva, conhecer a saúde por essa perspectiva é vincular o conhecimento com interesse político, é se utilizar da experiência de vida para dar visibilidade crítica à construção do tema e articular teoria, prática e pesquisa aos conteúdos emotivos e cognitivos na construção do conhecimento, enfim, é uma maneira de se aproximar da relação entre conhecimento e interesse (HABERMAS, 1980).
9 
2. ARTICULANDO... SAÚDE, GÊNERO E RAÇA/COR 
Tradicionalmente, as práticas de saúde pública têm focalizado a saúde da criança e da mulher (enfatizando, sobretudo, sua dimensão reprodutiva). No que tange à saúde da mulher, a articulação do movimento feminista, o movimento de mulheres e o Estado deram novo impulso à atenção dada a este assunto, a partir da criação, em 1983, do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM. O PAISM é uma proposta pioneira e possibilitou ao movimento feminista e de mulheres avançar na discussão de vários temas relacionados à saúde da mulher. Porém, a implantação do PAISM não ocorreu nos serviços de saúde e até hoje os defensores de uma assistência integral à saúde da mulher lutam para que as ações básicas do PAISM sejam contempladas na rede de serviços. A não-implantação do programa tem relação direta com os indicadores de morbidade, mortalidade e com o acesso a serviços que as mulheres continuam a ter no país. 
No que diz respeito ao homem, não há nenhuma política pública específica para sua saúde, mas é possível sua participação nos programas de saúde do trabalhador, tuberculose, hanseníase e nos programas de hipertensão arterial e diabetes mellitus.
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Para que se possa verificar qual é o perfil de saúde de homens e mulheres, o acesso e a qualidade do atendimento, planejar serviços e definir as prioridades e metas para atender esta população, epidemiólogos, gerentes e administradores de saúde se utilizam dos indicadores de saúde (morbidade, mortalidade, acesso e qualidade, gestão do sistema). Dentre eles, um dos mais utilizados para estudar o perfil de saúde da população é o indicador de mortalidade. 
Na análise dos dados de mortalidade, os estudos mostram as principais causas de morte de homens e mulheres, os óbitos prevalecentes na população pobre, quais doenças prevalecem, quais são letais, entre outros. Porém, a inexistência do quesito cor nos atestados de óbitos dificultava a discussão sobre o perfil da mortalidade de brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas. Conseqüentemente, temos no país poucos estudos de mortalidade desagregados por cor e, portanto, pouco se conhece sobre os perfis de mortalidade da população segundo a cor. 
Foi dito anteriormente que o PAISM possibilitou o avanço na discussão de vários temas relacionados à saúde da mulher, no entanto ele não incorporou em suas propostas as especificidades da saúde da mulher negra. E um dos motivos apontados foi o desconhecimento do perfil epidemiológico desta mulher. 
Os estudos realizados por BERQUÓ; CUNHA (2000), LAURENTI (1998) entre outros, descrevem as principais causas de mortalidade no Brasil, para mulheres e homens, destacando as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as causas externas (acidentes e mortes violentas). Os estudos evidenciam que o perfil da mortalidade tem comportamentos diferenciais: é maior entre os extremos de idades (menor de um ano e maiores de 60 anos). As mortes também são maiores entre os homens quando comparadas às das mulheres. Porém, os estudos não aprofundam a
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análise do diferencial da mortalidade entre homens e mulheres numa perspectiva de gênero e raça/cor. 
As principais causas de morte da população pobre é um outro componente contemplado nas estatísticas de mortalidade. No que se refere à relação entre a mortalidade e condições de vida, Volochko, ao estudar a mortalidade materna em região da cidade de São Paulo, afirma: 
... membros de uma classe compartilham, por força de ocupação, renda e cultura similares, experiências e modos de vida semelhantes, e em circunstâncias particulares uma consciência de classe. A desagregação dos dados por classe social é importante na análise da distribuição da saúde e doença na sociedade, pois grupos de ocupações coerentemente agrupados apresentam gradientes consistentes de mortalidade infantil, natimortalidade, mortalidade por doenças transmissíveis e outras. Salvo raras exceções a mortalidade é inversamente proporcional à classe social, isto é, quanto mais alta a classe social menor a mortalidade e vice-versa (VOLOCHKO, 1992, p. 48). 
As desigualdades socioeconômicas e a cor se mostram como uma vertente importante nos estudos americanos, porém, no Brasil, poucos estudos incorporam os diferentes perfis de classe social e cor nos indicadores de saúde. Entre os motivos está o fato de os profissionais de saúde não preencherem o quesito cor na hora de atender os clientes, e/ou não existir a classe social nos bancos de dados produzidos pelos sistemas de informação em saúde – o máximo de aproximação possível é com a escolaridade. 
Buscando uma abordagem que considerasse as diferentes posições que os indivíduos ou grupos podem ocupar na sociedade, Bourdieu desenvolveu a noção de espaço social. Para o autor, os agentes ou os grupos têm posições, idéias, valores,
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costumes em comum quanto mais próximos estejam ou do capital econômico, ou do capital cultural, ou do capital político. 
O espaço social é construído de tal modo que os agentes ou os grupos são aí distribuídos em função de sua posição nas distribuições estatísticas de acordo com os dois princípios de diferenciação que, em sociedades mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, o Japão ou a França, são, sem dúvida, os mais eficientes – o capital econômico e o capital cultural. ... o que o operário come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que prática e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes... 
O conceito de espaço social tira o caráter mobilizador das classes sociais proposto por Marx mas sem eliminar a diferenciação social como motor de antagonismos individuais e coletivos de agentes situados em diferentes posições no espaço social. (BOURDIEU, 2001, p. 19, 22 e 49) 
A dificuldade de definir a classe social, somada à falta do dado cor, impossibilita algumas análises na área da saúde. Pretende-se com isso dizer que (1) a mortalidade é um indicador importante para a análise do processo saúde, doença e morte da população, mas a inexistência até 1996 do quesito cor nos atestados de óbitos dificultaram a realização de estudos sobre o perfil da mortalidade da população segundo a cor; (2) há que se enfatizar que o processo saúde, doença e morte possui como determinantes fatores socioeconômicos, culturais, ecológicos, biológicos e genéticos e, de acordo com o espaço social que o indivíduo ocupa na sociedade, tais fatores podem sobressair ora para um determinante, ora para outro. 
Pode-se sugerir, portanto, que o perfil da mortalidade é determinado:
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• pelas relações de poder e dominação que se estabelecem no interior da sociedade – relações de raça/cor; sexo/gênero; 
• pelo lugar que os indivíduos e grupos ocupam no espaço social, considerando os diferentes capitais dos agentes ou grupos – capital econômico, cultural, político, etc. (BOURDIEU, 2001); 
• por fatores biológicos e genéticos (BRASIL, 2000). 
Através da articulação desses fatores é que se encontram os determinantes da saúde, doença e morte da população. 
SAFFIOTI (1992 e 1999) comenta que gênero, classe e raça/etnia são três organizações sociais que se entrecruzam e marcam a vida das pessoas, como também alargam e aprofundam o entendimento do eixo da exploração-dominação. Para a autora: 
Trata-se, portanto, de um processo de exploração- dominação baseado na articulação das três organizações sociais: de classe, de gênero e étnico/racial. Não se hierarquizam estas categorias. Do mesmo modo, os determinismos e as tipificações são afastados; ora a organização social de classe far-se-á predominantemente, ora a de gênero, ora a étnico-racial ou as três igualmente. (SAFFIOTI, 1999, p. 17) 
Para a autora, a constituição dos sujeitos não se faz exclusivamente pelo gênero, mas também pela classe social e pela raça/etnia. Essas articulações geram uma enorme multiplicidade de identidade social e “a cada conjuntura específica exigirá do sujeito um posicionamento mais acentuado de sua identidade de gênero, ou de classe, ou ainda de raça/etnia” (SAFFIOTI, 1995, p. 9). O entrecruzamento das três organizações sociais mencionadas foi denominado por Saffioti conceito de nó.
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Entendo a preocupação de Saffioti em demarcar quanto é importante para os estudos de gênero pensar os sujeitos em suas multiplicidades, porém, no caso específico deste estudo, a utilização do conceito de classe social é de difícil operacionalização. Uma das limitações é imposta pelo instrumento atestado de óbito. A escolaridade, presente no atestado, é o dado mais próximo para apontar qual é condição social do indivíduo, porém não cabe inferir que ela indique sua classe social, mas pode, do ponto de vista de Bourdieu, indicar um aspecto do capital cultural ou educacional do indivíduo. Talvez, na medida em que se aprofundar a discussão de que indicadores (renda, escolaridade, acesso a bens e consumo – ou indicadores sintéticos como o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Responsabilidade Social) podem ser significativos sobre o espaço social a que o indivíduo pertence, se possa ter maior tranqüilidade em utilizar este dado do atestado de óbito. 
Como se afirmou anteriormente, os dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e da Pesquisa de Condições de Vida (PCV) apresentados neste trabalho expressam piores condições de vida, emprego, saneamento e acesso a bens e consumo entre os negros em nossa sociedade, sendo que, para a mulher negra, a condição é ainda pior. Os dados não permitem generalizações, mas é possível dizer que a população negra está, conforme a definição de Bourdieu, em um determinado espaço social: de menor capital econômico, menor capital cultural e menor capital global. E o espaço social que o negro ocupa na sociedade brasileira o coloca em condições desfavoráveis. Os dados apresentados no item construção social da desigualdade evidenciam tais observações.
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Como se vê, ao optar pelas relações de gênero e raça/cor como categoria de análise, podemos compreender melhor como as relações sociais no mundo moderno se consubstanciam nos indicadores de saúde, possibilitando, também, articular a forma de se analisar o processo saúde/doença. 
Utilizar o conceito de espaço social de Bourdieu permite uma melhor operacionalização e maior mobilidade dos dados existentes no atestado de óbito, além de possibilitar captar o espaço social dos homens e mulheres, brancos e pretos, assim como as mudanças na sociedade. 
Para BRUSCHINI (1992), desconsiderar as relações de gênero, no atual estágio da produção sociológica, é favorecer um conhecimento parcial e incorreto das relações sociais; o mesmo pode ser dito em relação à raça/cor. 
Nesse sentido, a articulação entre o espaço social, a genética e as relações de gênero e raça/cor constitui articulações que geram uma enorme multiplicidade de identificações sociais e determinam o processo saúde, doença e morte da população.
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3. OS PROPÓSITOS DESTE ESTUDO 
Este estudo tem como objetivo analisar o perfil da mortalidade de homens e mulheres pretos residentes no Estado de São Paulo, a partir de dados secundários e com enfoque na construção social de gênero e raça/cor. Para tanto, objetiva-se, especificamente, (1) uma análise comparativa das taxas de mortalidade dos homens em relação às mulheres, dos pretos em relação aos brancos, (2) discutir estes dados com profissionais de saúde/especialistas da área da saúde; (3) buscar explicações dos achados, discutindo com especialistas da área da saúde.
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4. HIPÓTESES 
Para que se possa estudar o perfil da mortalidade dos homens e mulheres pretos, residentes no Estado de São Paulo, partimos da hipótese de que a exclusão dos negros de vários direitos sociais determinam a sua forma de morrer; o lugar que os pretos ocupam no espaço social, as condições socioeconômicas, genéticas e as relações de poder e hierarquia são fatores que se articulam e determinam a forma de morrer em nossa sociedade; e é nesta articulação de fatores que estão os determinantes da saúde, doença e morte de mulheres e homens, grupos sociais, indivíduos ou de uma sociedade. Ou seja, esses fatores em diferentes proporções interferem no processo saúde, doença e morte. 
No que diz respeito aos óbitos, partimos da hipótese de que há diferenças no perfil da mortalidade por homicídios, acidentes, HIV/Aids e transtornos mentais entre homens e mulheres, brancos e pretos.
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5. METODOLOGIA 
A pesquisa desenvolvida implicou a realização de duas partes distintas. Na primeira parte, foi investigado o perfil da mortalidade da população; na segunda, foram realizadas entrevistas com profissionais para buscar explicações e um aprofundamento dos principais achados. Em resumo, os dados quantitativos apontaram os temas a serem discutidos com os especialistas/profissionais de saúde. 
O levantamento descritivo de dados da mortalidade no Estado de São Paulo foi realizado com base no banco de dados de mortalidade da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, nos anos de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000. Cabe salientar que é a Fundação Seade que recebe todos os atestados de óbitos ocorridos no Estado, os quais são posteriormente armazenados eletronicamente e encaminhados ao Sistema de Informação Mortalidade – Datasus/Min. da Saúde, ou seja, os dados do Seade e do Datasus (Sistema de Informação de Mortalidade – SIM) são os mesmos, porém, os do Seade nos permitem desagregar os dados por raça/cor. 
A escolha do período 1996-2000 se deve à disponibilidade dos dados segundo cor nestes anos na Fundação Seade. Até 1995 não havia o item raça/cor nos atestados de óbitos; somente em 1996 o Ministério começa a distribuir os
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formulários/atestados de óbito que continham esse quesito e passou-se, assim, a ter no Estado, aproximadamente, três tipos de formulários, muitos sem o item em questão. À medida que tais formulários acabavam, eram substituídos pelos que possuíam o item raça/cor e, conseqüentemente, houve uma melhora na qualidade desta informação. A Tabela 1 nos mostra que, em 1996, do total de óbitos, 87% não tinha indicação de qual era a raça/cor e, em 1999, esse percentual era de 13,0% e 14,6% para homens e mulheres, respectivamente. Para o ano 2000, esse percentual era de 7%. Mesmo com tal percentual de perdas no dado, é possível confiar nele e fazer algumas inferências. Principalmente quando se sabe que aqui se fala em raça/cor ignorada, que em alguns Estados da federação o percentual de 45% se refere à causa de morte maldefinida/ignorada e, portanto, a qualidade do dado não é confiável, impossibilitando, assim, fazer inferências. 
TABELA 1 - TOTAL E PERCENTUAL DE ÓBITOS COM COR IGNORADA. ESTADO DE SÃO PAULO, 1996-00 
Anos 
Homens 
Mulheres 
N 
% 
N 
% 
1996 
122.919 
87,0 
81.560 
87,5 
1997 
84.946 
61,1 
58.166 
62,4 
1998 
29.260 
21,1 
21.540 
23,3 
1999 
18.452 
13,0 
13.827 
14,6 
2000 
9.193 
6,5 
7.057 
7,3 
Os anos de 1999 e 2000 fornecem os melhores dados no que diz respeito ao número de óbitos com raça/cor ignorada. Porém, como não temos disponíveis os dados populacionais segundo, idade, sexo e cor nos dados do censo 2000, iremos utilizar os dados do ano de 1999 para aprofundar a análise do perfil da mortalidade por causas específicas.
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Por fim, foram realizadas seis entrevistas com formadores de opinião, gerentes de serviços, formuladores de políticas de saúde, docentes (especialistas), pessoas que são referências na área de saúde coletiva. As entrevistas com esses especialistas têm como objetivo: discutir com eles os principais achados da pesquisa; buscar na experiência dos entrevistados como eles vêem a saúde da população negra; investigar se eles têm preocupação com esta população; verificar se na sua linha de atuação se coloca a questão da saúde, doença e morte da população negra; por fim, os especialistas são lideranças científicas, formuladores de políticas públicas e gerentes de serviços, pessoas pelas quais se imagina que as especificidades da saúde da população negra deva perpassar. 
Nessas entrevistas foram abordados os seguintes temas: tuberculose, HIV/Aids, câncer de mama, câncer de colo de útero, câncer de esôfago, câncer de próstata, infarto do miocárdio, cardiomiopatia e acidente vascular cerebral. A relação dessas causas de morte da população negra com as condições de vida, a determinação genética e os determinantes da mortalidade da população negra, também foram enfatizados. Para tanto, foram efetuadas entrevistas temáticas a partir de um roteiro estruturado (Roteiro anexo). 
Quatro entrevistados abordaram um tema de mortalidade. Dois entrevistados comentaram todas as causas de óbito. 
As entrevistas foram realizadas separadamente com cada um dos entrevistados, inicialmente discutindo com cada um deles como viam a mortalidade da população negra (de acordo com a especialidade do entrevistado). No final da entrevista, o autor deste trabalho apresentava os dados quantitativos que obteve durante o estudo. Com os dados em mãos os entrevistados passam a questionar o que tinham dito, os dados
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provocam novas discussões, novas análises, e os entrevistados passam então a repensar suas colocações e aí se inicia um rico debate entre entrevistador e entrevistado – um intenso diálogo de dois especialistas. 
A análise das entrevistas foi realizada por tema – causa de morte. E analisadas na forma de uma mesa redonda, uma “mesa redonda imaginária”. 
Para compor a mesa redonda imaginária, foram transcritas as fitas, selecionada a fala dos especialistas, analisando-se em que a fala dos especialistas completavam e ou diferiam, de tal forma que estas falas se consubstanciassem num diálogo, numa mesa redonda imaginária. 
Nessa mesa redonda, o entrevistador se coloca, os resultados parciais da pesquisa são apresentados e o entrevistado analisa. Os envolvidos discutem, debatem, trocam informações, conhecimentos e “impressões”. Esse debate fica evidente na sistematização das falas, na mesa redonda. 
Enquanto o levantamento de dados de mortalidade nos permite visualizar a que doenças os homens e mulheres brancos e pretos estão expostos, as falas dos profissionais/especialistas nos proporcionam um panorama de como os profissionais vêem a saúde dos negros, e, como está o debate: processo saúde, doença e a raça/cor. Com efeito, estaremos trabalhando com uma perspectiva quantitativa e qualitativa. Para BECKER (1999): 
Os dois estilos de trabalho colocam ênfase na compreensão de casos históricos ou etnográficos ao invés de leis gerais de interação social. Mas os dois estilos também implicam um no outro. Toda análise de um caso se baseia, explícita ou implicitamente, em algumas leis gerais, e toda lei geral supõe que a investigação de casos particulares demonstraria o seu funcionamento (BECKER, 1999).
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5.1. As variáveis 
Optou-se por utilizar a causa básica de morte para poder estimar a mortalidade proporcional e as taxas específicas de mortalidade pelos grandes capítulos da Classificação Internacional de Doenças – 10a Revisão (CID 10). Depois de realizar a análise do perfil da mortalidade em cada grande capítulo, selecionamos algumas doenças (abertas em três dígitos), que foram tratadas separadamente, para assim poder ressaltar as que apresentam historicamente maior prevalência. Em resumo, utilizou-se a mesma metodologia de BERQUÓ; CUNHA no estudo da morbimortalidade feminina no Brasil (BERQUÓ; CUNHA, 2000, p. 17-18). 
5.1.1. As limitações 
A principal dificuldade que se coloca ao estudar a mortalidade a partir do atestado de óbito é a imprecisão do diagnóstico e o mau preenchimento do atestado. Como já foi salientado, no Estado de São Paulo esse percentual é de 10%. Logo, não há grandes limitações na utilização de tais dados para o Estado. Pelo contrário, cada vez mais essa fonte oficial de informação se mostra um valioso instrumento para
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formulação de políticas, análise da situação de saúde da população, das condições de vida e acesso a serviços de saúde (VOLOCHKO et al., 1999). 
Os bancos de dados do Datasus têm a grande vantagem de serem nacionais e estarem acessíveis em diferentes formatos (impressos, CD-ROM, Internet) a qualquer pessoa. Para alguns Estados da federação, a qualidade do dado não é boa – 40% de óbitos sem assistência médica ou mortes ignoradas. Porém, no Estado de São Paulo, quem coleta, vê a consistência e disponibiliza os dados de mortalidade para o Datasus é a Fundação Seade, que possui um cuidado com o aperfeiçoamento e a melhora na qualidade dos atestados de óbitos. Isso significa que hoje a viabilização deste estudo no Estado de São Paulo só é possível em decorrência da existência da Fundação Seade. 
Outra dificuldade encontrada é conseguir dados populacionais da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE)6. 
Um terceiro grau de limitação é a dificuldade que hoje temos de utilizar dados dos diferentes bancos produzidos no Brasil, devido a eles ainda não possuírem um código que possibilite compatibilizar/“mergir”/”lincar” informações. Como não há uma comunicação entre eles, o pesquisador utiliza-se de um tipo de informação em cada um dos bancos existentes no país. 
6 Em janeiro de 2001 enviamos ofício ao Serviço de Documentação e Disseminação da Informação – SDDI da Fundação IBGE, São Paulo, e responderam que possuíam os dados populacionais do Estado de São Paulo por sexo, idade e cor em sua biblioteca. Em março, fomos até a biblioteca (no SDDI) e, tendo sido recebido pelo chefe da SDDI, constatamos que eles não possuíam os dados e não faziam essa tabulação. Fomos informados de que deveríamos solicitar as tabelas (ao SDDI) e o custo de cada uma delas seria R$ 250,00 ou R$ 80,00 para a Secretaria da Saúde. Caso se desejasse obter as quatro tabelas gratuitamente (população do ESP no anos de 1996 a 1999 por sexo, idade e raça/cor) deveria ser enviado novo ofício ao nosso interlocutor no momento – chefe do SDDI –, mas dificilmente seríamos atendidos. Assim, utilizando contatos de amigos, falamos com o FIBGE – Rio, que sensibilizou-se e só não fez as tabelas em função do acúmulo de trabalho gerado pelo Censo 2000. Será que é através de relações de amizade que dados públicos devem ser disponibilizados para pesquisa?
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Por fim, duas limitações metodológicas a serem superadas: (1) as dificuldades enfrentadas ao se utilizarem os conceitos de gênero e raça/etnia nos estudos da mortalidade, pois os dados produzidos no atestado de óbito dizem respeito ao sexo e à cor. Ao proceder a análise, é necessário estar atento de que a categoria coletada é um dado biológico sexo/cor, mas que na análise pode-se privilegiar a dimensão cultural e social, daí a utilizar o conceito de gênero e raça/cor como categoria de análise. Essa passagem merece ser ressaltada. Como se está trabalhando com a idéia de que a exclusão social e as condições desfavoráveis dos pretos no espaço social determinam o perfil da mortalidade, que a forma que o indivíduo é construído socialmente determina seu processo saúde, doença e morte, então, a construção social de gênero e raça/cor pode ser utilizada como categoria analítica do estudo, como o pano de fundo na determinação da vida dos indivíduos (1) o dado coletado e analisado no perfil da mortalidade será o biológico, sexo e cor; (2) mas, se considerarmos as desvantagens das mulheres e pretos na sociedade, sua exclusão de vários direitos sociais, o espaço social ocupado por eles em nossa sociedade como perfazendo um perfil sociocultural, então é possível discutir os dados qualitativos a partir das categorias raça/cor e raça/etnia (é possível entender as categorias raça/cor e raça/etnia como construção sociocultural). 
O conceito de gênero auxilia a distinguir o biológico do social, o cultural do simbólico, na construção de mulheres e homens. Como também auxilia a entender a articulação que se dá entre o genético, o cultural, o biológico e o social. Isso significa que (1) não é possível analisar os óbitos masculinos por acidente de veículo motor ou por causas violentas como uma questão genética, mas se pode fazer a relação com o espaço social que os homens ocupam; (2) os perfis de mortalidade da população
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preta podem ser compostos por uma articulação de fatores, em que ora podem predominar os fatores socioculturais, ora os genéticos, ora os socioeconômicos. Para que se possa investigar o que leva os negros ao óbito tem-se de enfrentar o desafio de passar muito próximo ao pântano do determinismo genético, econômico e social. 
5.2. A ideologia dos dados 
Em meados dos anos 80, os movimentos sociais, dentre eles o movimento feminista, começam a exigir dos institutos de pesquisa e dos Ministérios da Saúde e do Trabalho dados desagregados segundo o sexo. Com essa demanda, colocada pela sociedade civil, começa-se a ter acesso aos dados de como está a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a escolaridade feminina, entre outros. A Organização das Nações Unidas, após determinar os anos 1975 a 1985 como a década da mulher, insere na metodologia do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a análise dos dados segundo o sexo. Não se pode esquecer que o IDH é o instrumento utilizado pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional para definir se e quanto investirão nos países em desenvolvimento, e o governo brasileiro também se utiliza deste indicador para definir em quais municípios e regiões irá investir recursos. 
No final dos anos 80, os movimentos negros organizados começaram a reivindicar maior conhecimento sobre a participação do negro no mercado de
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trabalho, sua situação social, econômica e de saúde. A partir daí, o Ministério do Trabalho, da Saúde e da Educação começaram a inserir em seus dados o quesito cor. E, aos poucos, a Fundação IBGE e o Ministério do Trabalho começaram a divulgar os dados desagregados segundo a raça/cor. No caso específico da saúde, em 1996, o Ministério da Saúde começou a distribuir para os Estados da federação atestados de óbitos com o quesito cor. E, em 1997, as declarações de nascidos vivos passaram a conter também esse quesito. Se num primeiro momento, houve três diferentes formulários de atestados de óbitos, hoje, no Estado de São Paulo, há somente um em circulação e, conseqüentemente, o dado raça/cor está cada vez mais presente, melhorando a confiabilidade no dado e na análise. Por isso, hoje é possível realizar estudos privilegiando a relação entre os homens e as mulheres, os brancos e os pretos. 
Porém, dadas as piores condições de mulheres e pretos no Brasil, o que divulgar e dar visibilidade e o que deixar invisível? Alguns dados, ao serem divulgados, utilizam-se de uma lógica escamoteadora da realidade. Explico melhor: se é um dado sobre mortalidade não há nenhum problema em divulgá-lo segundo a raça/cor. Então, eles serão divulgados segundo as cinco categorias do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena). Mas, se o dado permitir explicitar as condições de vida da população, então, com a justificativa de não ser estatisticamente significativo, não é divulgado pelas categorias do IBGE, mas sim agregando as variáveis em homens e mulheres, brancos e não-brancos. Logo, os dados e indicadores produzidos pelas instituições ora dão visibilidade às questões das mulheres e dos negros, ora as omitem.
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Denominamos esse processo de ideologia dos dados. Ideologia que nos leva a refletir sobre como cada um interpreta e analisa a questão cor. Como apontamos anteriormente, o IBGE classifica a população com base na cor da pele (quesito cor), mas esta, definitivamente, não é uma questão simples de ser solucionada. Para o movimento negro, o ideal é utilizar a categoria negro (preto mais pardo) por entender que aí é que se encontra a identidade sociocultural e histórica da população afro- descendente. Cabe observar que os demógrafos e sociólogos trabalham com: brancos, negros (pardos mais preto), amarelos e indígenas ou com brancos e não- brancos. 
Nesse estudo utilização as categorias as categorias preto branco e outros (pardos, amarelos e indígenas) em função da necessidade de evidenciar a realidade dos pretos; em função das dificuldades impostas pela operacionalização categoria pardo - o pardo pode ter se construindo durante sua vida enquanto preto ou enquanto branco, isso é dito/evidente na auto declaração do indivíduo mas não na hetero classificação (atestado de óbito). 
Um popular e um profissional médico, ao preencherem o atestado de óbito, podem ter critérios diferentes para julgar se uma pessoa parda é negra, branca ou... Mas, dificilmente terá dúvida com um branco e um preto. Assim, um preto/branco nasce preto/branco, vive identificado como um preto/branco e morre como um preto/branco. Como o perfil da mortalidade será analisado aqui em uma perspectiva sociocultural, a forma pela qual o indivíduo é visto e como os outros o vêem são fatores fundamentais na construção da sua identidade. 
Nesse caso, a menos que tenhamos casos de esquizofrenia coletiva, todo negro é preto. Todo branco é branco, mas nem todo pardo se identifica como negro e se
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constrói socialmente desta maneira. E o profissional, ao preencher o atestado de óbito, pode ter critérios diferentes para identificar uma pessoa, mas não terá quanto à cor de um branco ou de um preto. Daí manter na análise dos dados deste trabalho as categorias branco, preto e outros (pardos, indígenas e amarelos), frisando que estamos cientes de que as condições de vida de amarelos e indígenas no Estado de São Paulo são totalmente diferentes e que seria interessante estudar o perfil de sua mortalidade (mesmo assim passa-se a ter aqui o perfil da mortalidade de grupos que compõem a população do Estado). Por outro lado, como numericamente a população parda é maior que a indígena e amarela, o perfil de sua mortalidade se impõe perante as outras. 
Um limite metodológico e que tem a ver com a ideologia é a distinção que existe no perfil dos dados de mortalidade com os dados populacionais. Para realizar o cálculo das taxas de mortalidade temos de utilizar o dado populacional, e quem respondeu qual era a sua cor foi a própria pessoa, ela que disse se era preta, parda ou branca para o entrevistador. No atestado de óbito, quem diz qual é a raça/cor daquela pessoa é quem está preenchendo o atestado de óbito. Nesse caso, a pessoa pode ser mais ou menos preta de acordo com o local onde ocorreu o óbito, a causa/tipo de óbito e o local de moradia. Essa disjunção de falas – do vivo e a do morto –, o vivo dizendo quem ele é e o legista dizendo quem ele pensa que você é, provocam discrepâncias, pequenos erros nos cálculos da taxa de mortalidade. Portanto, os cálculos exibidos aqui não são verdades absolutas, mas uma aproximação do real. 
Um segundo grau de dificuldades a serem enfrentadas é a operacionalização da categoria raça/etnia e raça/cor. Vamos nos ater aqui a estudar a mortalidade segundo a cor, porque os dados analisados foram coletados e dizem respeito à cor e não nos
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permitem ir além. Entretanto, vamos usar a categoria raça/etnia quando estivermos nos referindo aos aspectos socioculturais dos pretos em nossa sociedade, supondo que este contexto configura em um espaço social – exclusão dos direitos sociais e condições socioeconômicas desfavoráveis dos negros. E essa condição interfere em seu capital cultural, capital econômico, capital político e modo de vida. 
Também é um componente ideológico a utilização de dados estatísticos e de surveys; sendo que, para alguns sociólogos, esse uso significa que se está fazendo um estudo positivista. BRUSCHINI (1992) nos lembra que é preciso reconhecer que a metodologia de pesquisa deve ser selecionada de acordo com o problema proposto pela investigação. Quando o que se procura é traçar um diagnóstico com base em dados generalizáveis, não há como fugir dos surveys e dos dados quantitativos. 
O componente ideológico, positivista, marxista, sexista pode estar presente em qualquer método quantitativo ou qualitativo. A análise positivista do dado virá independentemente do tema ou do método, pois o que o determina é como ele é visto, como é feita sua análise crítica. (BRUSCHINI, 1992) 
Ao eleger as desigualdades sociais como tema e as relações de gênero e raça/cor como categoria de análise, pretendemos trazer um exame crítico das relações sociais, das desigualdades sociais e das relações de poder existentes no interior de nossa sociedade. Pensamos que essa construção social pode ser captada nos surveys e em indicadores macrossociais.
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CAPÍTULO 1 
SAÚDE: ENTRE O BIOLÓGICO E O SOCIAL
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1. A DETERMINAÇÃO SOCIAL DA DOENÇA 
Para pensar a saúde e sua interface com o biológico e o social7, temos necessariamente de passar pelas contribuições da sociologia no campo da saúde coletiva e na construção da própria sociologia da saúde. Temas que têm sido estudados por diversos autores (Juan César Garcia, Maria Cecília Donangelo, Asa Cristina Laurell, Ana Canesqui, entre outros), e um dos autores que muito contribuíram para se pensar a sociologia da saúde, as ciências sociais em saúde ou a saúde coletiva foi o professor Everardo Duarte Nunes (NUNES, 1983, 1985 e 1999). 
As publicações do autor nos auxiliam a compreender sua contribuição para o processo saúde-doença; as articulações existentes entre o biológico e o social; as relações entre a saúde e a sociedade; de que forma a sociologia se constrói como um campo na saúde coletiva; a formação do profissional médico; o ensino da sociologia na medicina, entre outros. Interessa-me aqui, analisar as contribuições de Nunes, para pensar como o social, enquanto objeto de estudo da sociologia, vem sendo analisado na área da saúde coletiva. 
7 Nome originalmente dado por Cyntia Sarti à disciplina: Entre o biológico e o social: família, gênero e saúde, ministrada no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Unesp – Araraquara, em 1998.
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Vêm da sociologia as categorias que permitem o estudo da saúde como um processo social, além de um conjunto de métodos, técnicas, objetos, definições e instrumentos que permitiram e permitem diferentes níveis de abordagem de um mesmo problema de saúde. A diversidade de perspectivas, linhas teóricas, soluções metodológicas e técnicas de análise em saúde, também, são contribuições das ciências sociais à saúde. 
A teoria marxista foi amplamente utilizada por Garcia, Laurel, Breilh, entre outros para se entender como os aspectos sociais, políticos e econômicos determinam o processo saúde/doença. 
No final dos anos 60, estudos realizados pela Organização Pan-Americana de Saúde começaram a enfatizar a importância da classe social como um conceito e como uma categoria analítica que, ao ser incorporada aos estudos de saúde, possibilitaria perceber o que há de social na doença. 
NUNES (1999), ao realizar a trajetória das ciências sociais em saúde no Brasil, analisa alguns antecedentes ocorridos nos anos 40 e 50, mas ressalta que a inclusão de forma sistemática da abordagem do social na saúde tem início dos anos 60, quando ocorreu, em muitos países da América Latina, uma crítica ao modelo de ensino das escolas médicas quanto à ênfase conferida às ciências biológicas. Foi nesse momento que muitas escolas introduziram nos cursos de graduação as disciplinas do social. O trabalho revela o papel da Organização Pan-Americana da Saúde na promoção de seminários que muito incentivaram as Ciências Sociais, também em relação aos cursos de pós-graduação em nível de mestrado (Brasil e México). Tanto no plano da construção teórica como dos movimentos políticos, a década de 70 foi fundamental na fixação de linhas de pesquisa e da viabilização de
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um projeto mais amplo sobre as questões de saúde. São criadas associações que reúnem os profissionais de saúde, denominadas de Saúde Coletiva. Com a ampliação do número de cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em saúde pública/saúde coletiva, as Ciências Sociais tornam-se parte integrante deles. Na década de 80, assiste-se não apenas a uma crítica aos modelos clássicos da sociologia, especialmente os da corrente do materialismo histórico, como também à adoção de metodologias qualitativas para as pesquisas em saúde (NUNES, 1999, p.21-22). 
Quais as contribuições da sociologia a partir dos meados dos anos 80? Pensamos que a incorporação das desigualdades sociais, com a introdução mais específica dos conceitos de gênero, etnia e raça como categoria explicativa das análises sociológicas, seja uma dessas contribuições. A introdução desses temas e conceitos, ao serem utilizados nos estudos de saúde, acaba por denunciar as condições sociais e de vida de diferentes grupos, e, sobretudo, como essas desigualdades expressam as condições de vida de tais grupos (CASTELLANOS, 19978; BARATA et al., 1997; THÉBAUD-MONY, 2000). 
O comprometimento político do movimento feminista e do movimento negro também se constituem como instâncias fundamentais para a incorporação das desigualdades sociais em saúde, das ciências sociais e a saúde, e para a articulação entre o biológico e o social. 
8 Apud Barata, 1997, p. 18.
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2. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE: A RAÇA NEGRA9 
As relações de poder e desigualdade existentes na sociedade, assim como a discriminação racial, são mediadas pelo lugar que o indivíduo ocupa no espaço social. Sabemos que na interface espaço social, gênero e raça/cor as piores condições são dadas às mulheres pretas. Considerando que as condições de vida determinam o processo saúde, doença e morte, então elas devem ter os piores indicadores de saúde. Entender o processo de articulação entre as desigualdades sociais e o processo saúde, doença e morte leva-nos a integrar aportes de teorias sobre a negação de oportunidades na produção feminista, que incorpora o conceito de gênero como categoria analítica, e na literatura que vem mapeando a discriminação racial na sociedade brasileira (ROSEMBERG, 2000, p. 129). 
Há no mercado editorial várias publicações sobre a construção social da desigualdade de oportunidades entre brancos e negros na sociedade brasileira; no entanto, gostaríamos de destacar duas contribuições: Raça, ciência e sociedade, organizada por CHOR-MAIO; SANTOS (1996) e Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil, organizada por GUIMARÃES; HUNTLEY (2000). O primeiro 
9 Título que dá nome à segunda seção do livro Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil, organizado por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães e Lynn Huntley.
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livro, ao sistematizar e mapear a construção social da desigualdade no Brasil, convida vários pesquisadores a visitar a obra de Donald Pierson, Thales de Azevedo, Marvin Harris, Roger Bastide, Gilberto Freire, Guerreiro Ramos, Florestan Fernandes; autores que discutiram a dificuldade dos negros ascenderem socialmente e preconizaram como causas da segregação racial uma desvantagem inicial produzida pela escravidão: a falta de recursos, a pobreza material e social, a menor escolaridade, a forma como se deu a abolição da escravidão no Brasil, entre outros. 
Já o livro Tirando a máscara faz um mapeamento atual das desigualdades e convida especialistas, representantes de movimentos sociais e ativistas no campo dos direitos humanos a refletir sobre como as desigualdades sociais e o racismo são colocadas hoje no Brasil. Ao visitar as reflexões presentes nessas obras, buscamos fazer um histórico de como as desigualdades entre negros e brancos foram tratadas na literatura brasileira. 
Mesmo reconhecendo a existência de discriminação e preconceito racial, Marvin Harris imputa a desigualdade à sobreposição das ordens econômica e racial. Para ele, as desigualdades no Brasil não são propriamente raciais, mas sim sociais ou de classe. Enquanto Thales de Azevedo, ao teorizar sobre as relações raciais no Brasil, trabalha com a idéia de grupos de prestígio e com a sobreposição na estrutura social brasileira de duas hierarquias: 
[...] a primeira, uma ordem econômica de classes sociais, baseada em relações sociais abertas e de mercado, onde dominam os contatos categóricos; e a segunda, uma ordem bipolar de status e prestígio, demarcada principalmente por marcas adscritas como cor e origem familiar, onde imperam os contatos primários e simpáticos permitidos por uma rede de relações pessoais. Esses dois grupos de prestígio, remanescentes da ordem escravista, podiam ser indistintamente denominados como brancos ou ricos, o
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primeiro, e pretos ou pobres, o segundo... Explicita assim o significado sociológico do velho ditado, também típico ideal, de que branco pobre é preto e preto rico é branco. (GUIMARÃES, 1996 p. 153) 
Florestan Fernandes, ao estudar a marginalização dos pretos e mulatos e seu reflexo na sociedade dos anos 50, enfatiza a integração do negro na sociedade de classes como um ponto de partida, como uma possibilidade de integração desse grupo na sociedade (ARRUDA, 1996). 
Primeiro, havia o dilema da absorção da população de cor às formas de vida social organizadas imperantes na ordem competitiva... Segundo, havia o dilema do preconceito de cor, ou seja, no que isso significa na sociedade brasileira, da perduração da velha associação entre cor e posição social ínfima, a qual excluía o negro, de modo parcial ou total – conforme os componentes e os direitos sociais considerados – da condição de gente (FERNANDES, 1965 apud ARRUDA, 1996). 
A reflexão de Florestan sobre a condição do negro na passagem de uma economia agroexportadora para uma economia por substituição de importação é fundamental para o entendimento das condições de vida dos negros no Brasil. O autor nos ajuda a perceber as desigualdades sociais existentes no cotidiano negro do período escravocrata (1534 a 1888) até o período pós-abolicionista, com a exclusão dos negros, principalmente os homens, do mercado de trabalho urbano. Ele nos mostra também que nesse período houve a preferência pela importação de mão-de- obra européia e como este processo se configurou em incorporação dos negros em postos de trabalho de menor qualificação e em brechas do mercado. Todo esse processo chega aos nossos dias em forma de discriminação racial, desvantagem dos negros no que diz respeito ao acesso à justiça, emprego em setores de menor
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qualificação, diferenças de oportunidades no trabalho, no rendimento. Quais são os reflexos desse processo na saúde dos pretos e pardos? 
Alguns estudos apontam que a negação de oportunidades para o desenvolvimento dos pretos se dá por eles serem pobres. E eles são pobres porque foram escravos. Tais estudos não incorporam em sua análise a economia e a justiça, dois pontos importantes da teoria marxista, não consideram o contexto, ou seja, a Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888, que diz: “É declarada extinta a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”, porém a referida lei não trouxe nenhum detalhamento a mais. Para SANTOS (2000), a história seria outra se a abolição se fizesse acompanhada por mecanismos que inserissem os ex-escravos no mercado de trabalho ou em uma reforma agrária, por meio da qual as famílias dos ex-escravos recebessem pequenas propriedades agrícolas aptas à produção (SANTOS, 2000, p.57). Da forma como a abolição ocorreu, só poderia levar a população negra às margens das cidades, às margens da sociedade, às margens... Margens que hoje a Conferência contra o racismo e outras formas de xenofobia pensam em recompensar com o pagamento de indenizações aos negros. 
SANSONE (1996), ao fazer a análise das perspectivas contemporâneas das desigualdades entre brancos e negros, identifica os diversos níveis de racismo e a hierarquização de domínios e espaços segundo a cor. Para o autor, na procura de trabalho há o máximo de racismo e nos espaços negros explícitos, o mínimo. A citação abaixo nos ajuda a compreender sua linha de argumentação. 
Assim, a cada âmbito da vida privada parecem estar associados alguns termos de cor e uma particular preocupação com a norma somática, seja na família – eu sou mais ou menos escuro do que meu irmão, puxei pela parte branca/negra da família; na turma (negão); numa briga ou
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insulto (coisa de preto); no carnaval ou no universo da música e da religião (a cultura negra); no namoro (neguinho e neguinha). (SANSONE, 1996, p. 211) 
HASENBALG (1996), ao fazer a perspectiva contemporânea da questão racial, amplia tematicamente e refina tecnicamente as áreas de investigação. O autor deixa de enfatizar que as desigualdades são um legado do passado escravista e passa a dar importância às práticas discriminatórias que atuam no sentido de perpetuar as desigualdades sociais. Para ele, essas desigualdades entre pretos e brancos não são apenas uma questão de classe, mas também não podemos analisá-las apenas como uma questão histórica ou de cor. Devemos sim interpretá-las como uma interação de fatores, ou seja, tanto a questão classe, como a questão racial, o momento histórico e econômico, a relação familiar, o fator geográfico, a sorte, o interesse, o talento e a personalidade interagem para criar as oportunidades de vida para os negros nos dias de hoje, afirma o autor. 
SOARES, (2001a) pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, estudou o perfil da discriminação no mercado de trabalho de homem branco, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras a partir de dados das PNADs 1987-1988. O autor parte do princípio de que a sociedade brasileira não aceita que negros ocupem posições favoráveis na estrutura de rendimentos e quanto mais os negros avançam, mais são discriminados. E conclui (1) é na escola, e não no mercado de trabalho que o futuro de muitos negros é selado; (2) se o negro fica no lugar a ele alocado, sofrerá pouca discriminação. Mas se porventura tentar ocupar um lugar ao sol, sentirá o peso das três etapas da discriminação – qualificação, inserção no mercado de trabalho e rendimento – sobre os seus ombros. O estudo mostra:
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• Que a diferença salarial entre homens brancos e pretos se deve principalmente a diferenças na qualificação, na discriminação salarial e de inserção no mercado; 
• Que o rendimento das mulheres negras chega a ser 60% inferior ao rendimento dos homens brancos; 
• Que a diferença salarial entre homens brancos e mulheres brancas é um diferencial salarial puro; 
• Que ao calcular apenas o nível educacional e o salário, as mulheres deveriam ganhar mais que os homens e que a discriminação contra as mulheres no mercado de trabalho é mais forte do que a discriminação contra os negros; 
• Que se ocorresse o fim da discriminação os homens negros mais pobres teriam seu salário acrescido em torno de 5% a 7%; já os homens negros mais ricos em torno de 27%, as mulheres negras em 55% e as brancas 35%; 
• Um homem negro melhoraria seu salário em 10% se trabalhasse no mesmo setor de atividade econômica do branco, morasse na mesma região e tivesse o mesmo vínculo empregatício; 
• Se não houvesse mais discriminação no mercado de trabalho, dentro de 30 anos o salário das mulheres brancas seria igual a dos homens brancos. No caso dos homens negros, esse prazo é infinito, pois a tendência é de manter a diferença e não de queda; 
• Os negros ao saírem da escola, são mal inseridos no mercado de trabalho, exercem funções piores, e passam a aferir menores salários.
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Henriques (também pesquisador do IPEA), ao estudar as desigualdades raciais no Brasil e as evoluções das condições de vida na década de 90 mostra a intensa desigualdade de oportunidades a que está submetida a população negra no Brasil. (HENRIQUES, 2001) 
Dentro dessa perspectiva, a Pesquisa de Condições de Vida – PCV/98 elaborada no Estado de São Paulo pela Fundação Seade10 é um dado que nos auxilia a dar números à vulnerabilidade da população negra paulista, a realizar a análise das diferenças de oportunidades e qualidade de vida de brancos, pretos e negros na sociedade brasileira, a verificar qual o espaço social ocupado por brancos e pretos em nossa sociedade. 
A Pesquisa de Condições de Vida – PCV é realizada com 15 mil famílias residentes no Estado de São Paulo. No entanto, os dados da PCV trabalham com as categorias brancos e não-brancos (pretos, pardos, amarelos e indígenas), é uma amostra de famílias e trabalha apenas com cidades de mais de 50 mil habitantes (urbano). Os dados da pesquisa indicam que o tamanho médio das famílias paulistas é de no máximo dois filhos e dentre as famílias com maior número médio de filhos estão aquelas chefiadas pelas mulheres não-brancas. Esses dados indicam também que o tamanho da família e o perfil de sua chefia são determinantes no acesso que esta família terá a bens e consumo. Nesse caso, as piores condições estão entre as mulheres não-brancas. 
10 . Dados inéditos fornecidos ao autor para esta tese e assim compor a análise das condições de vida de brancos e pretos no Estado de São Paulo. A Pesquisa de Condições de Vida é realizada pela Fundação Seade de quatro em quatro anos. Sua primeira versão é de 1990 e a última de 1998. Uma das dificuldades de se trabalhar com a PCV é que ela classifica a população em brancos e não- brancos. E entre os não-brancos estão os pretos, pardos, amarelos e indígenas. Os amarelos notadamente possuem melhores condições de vida quando comparados com os outros três segmentos que compõem os não-brancos, mas mesmo assim os dados tendem para a maioria da população, os pardos e pretos = negros.
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No que diz respeito à escolaridade, as chefes de família não-brancas possuem menor escolaridade. No entanto, essas mulheres parecem estar buscando sua qualificação, pois o maior percentual de freqüência à escola (4,8%) e a menor não- freqüência (95%), expressas na tabela abaixo, evidenciam isso. Quanto aos homens não-brancos, apesar de possuírem percentual de escolaridade maior que as mulheres não-brancas, têm pior nível de instrução e menor freqüência. 
A pior escolaridade das mulheres não-brancas pode ser mais um sinal das dificuldades que podem vir a ter suas famílias para sobreviver. A tabela abaixo evidencia a menor escolaridade dos negros. 
TABELA 2 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS CHEFES DE FAMÍLIA, POR SEXO E COR, SEGUNDO NÍVEL DE INSTRUÇÃO E FREQÜÊNCIA À ESCOLA. ESTADO DE SÃO PAULO, 1998 
NÍVEL DE INSTRUÇÃO 
HOMENS 
MULHERES 
Brancos 
Não-brancos 
Total 
Brancas 
Não-brancas 
Total 
TOTAL 
Nível de instrução 
Fundamental incompl (1) 
49,5 
72,3 
55,4 
60,1 
73,7 
63,6 
57,2 
Fundamental completo 
10,7 
8,5 
10,1 
7,9 
7,9 
7,9 
9,6 
Médio incompleto 
3,8 
4,6 
4,0 
3,1 
(3,0) 
3,0 
3,8 
Médio completo 
15,4 
7,2 
13,3 
12,0 
9,4 
11,3 
12,8 
Superior 
20,6 
7,4 
17,2 
17,0 
5,9 
14,1 
16,5 
Total 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
ANOS DE ESCOLARIDADE 
Anos médios de escolaridade 
7,8 
5,4 
7,2 
6,5 
4,9 
6,0 
6,9 
CONDIÇÃO DE FREQÜÊNCIA E NÍVEL DE ENSINO 
Condições de freqüência 
Não freqüenta 
97,1 
97,2 
97,2 
97,1 
95,2 
96,6 
97,0 
Freqüenta 
2,9 
2,8 
2,8 
2,9 
4,8 
3,4 
3,0 
Ensino fundamental (2) 
0,8 
2,0 
1,1 
(1,3) 
... 
1,5 
1,2 
Ensino médio (2) 
0,9 
(0,7) 
0,8 
... 
... 
(0,9) 
0,9 
Ensino superior 
1,2 
... 
0,9 
(0,9) 
... 
(1,0) 
0,9 
Total 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
100,00 
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV. 
(1) Inclusive analfabetos. 
(2) Inclusive supletivo. 
Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a erro amostral relativo superior a 30%. 
(...) A amostra não comporta desagregação para esta categoria.
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A renda familiar das famílias não-brancas também é inferior à das famílias brancas. A renda familiar per capita no Estado era de R$ 531,00 (set./98). A renda familiar média total era de R$ 1.536,00 (set./98), mas os 5% das famílias mais ricas auferem rendimentos 45 vezes maiores que os 5% de famílias mais pobres (São Paulo, 1999, p. 12). Tal concentração de renda decorre, sobretudo, da desigualdade de remuneração da população. A tabela abaixo indica o perfil da renda familiar entre homens e mulheres brancos e não-brancos. 
TABELA 3 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS CHEFES DE FAMÍLIA, POR SEXO E COR, SEGUNDO CLASSES DE RENDA FAMILIAR TOTAL E PER CAPITA .ESTADO DE SÃO PAULO, 1998 
RENDA FAMILIAR 
HOMENS 
MULHERES 
Brancos 
Não-brancos 
Total 
Brancas 
Não-brancas 
Total 
TOTAL 
Classes de renda em salários mínimos (1) 
Até 2 
8,0 
14,1 
9,6 
22,7 
25,8 
23,6 
12,8 
De 2 a 3 
6,0 
9,6 
6,9 
9,5 
12,1 
10,3 
7,7 
De 3 a 5 
15,5 
23,0 
17,5 
17,0 
21,1 
18,2 
17,6 
De 5 a 10 
28,6 
30,1 
29,0 
23,1 
26,5 
24,1 
27,9 
De 10 a 20 
22,3 
15,3 
20,5 
18,0 
9,5 
15,6 
19,4 
Mais de 20 
19,6 
8,0 
16,6 
9,6 
4,9 
8,3 
14,7 
Total 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
Renda familiar per capita em salários mínimos (1) 
Até 0,5 
6,0 
11,9 
7,6 
9,9 
16,9 
11,9 
8,6 
De 0,5 a 1 
10,2 
19,0 
12,5 
14,0 
22,7 
16,5 
13,4 
De 1 a 2 
24,2 
31,7 
26,1 
21,2 
24,7 
22,2 
25,3 
De 2 a 5 
33,8 
26,5 
31,9 
29,9 
25,6 
28,7 
31,2 
De 5 a 10 
14,8 
8,1 
13,1 
15,1 
7,9 
13,1 
13,1 
Mais de 10 
10,9 
2,9 
8,8 
9,8 
... 
7,7 
8,6 
Total 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
100,0 
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV. 
(1) Salário mínimo de setembro de 1998. 
Nota: (...) A amostra não comporta desagregação para esta categoria. 
Essa tabela mostra que aproximadamente 35% das famílias chefiadas por mulheres têm renda familiar de até três salários mínimos – com diferenciais entre as mulheres brancas e não-brancas, 25,8% das não-brancas ganham até dois salários mínimos e têm renda per capita de meio salário mínimo. É significativo a amostra
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não comportar desagregação para a renda familiar de mulheres não-brancas maior de dez salários. Ou seja, poucas mulheres não-brancas têm renda familiar acima de dez salários mínimos. 
Recentemente (1999), o Departamento Intersindical de Estatística e estudos Sócio-econômicos - DIEESE desenvolveu uma série de estudos sobre as mulheres e negros no mercado de trabalho. A primeira conclusão do conjunto de trabalhos é que há uma hierarquia invisível e predeterminada no mercado de trabalho. Nela, ocupam o topo os homens brancos, depois as mulheres brancas, em seguida, vêm os homens negros e, por fim, as mulheres negras. (SANCHES, 2000, p. 13-15) 
No que tange à divisão do trabalho entre os sexos, como salientamos anteriormente, a evolução da escolaridade e formação das mulheres não se consolidou como uma solução para o melhor salário das mulheres. Elas continuam ganhando menos que os homens. E ainda se vê trabalhadoras do comércio e indústria com qualificação, formação, mas classificadas no nível mais baixo da qualificação e de salários. (HIRATA, 2001, p.4) 
Com a redução das taxas de fecundidade, maior escolaridade e participação das mulheres no mercado de trabalho, poderíamos estar vivenciando, no Estado, uma maior renda per capita das famílias. Entretanto, as famílias com renda de até 0,5 salário mínimo per capita – grupo mais exposto à indigência e à pobreza – constituem cerca de 9% da população do Estado. Essa proporção é ligeiramente maior nas famílias chefiadas por mulheres (17%) e homens negros (12%). 
A realidade do acesso ao saneamento básico para os moradores do Estado pesquisados pela PCV apresenta um resultado surpreendente: as famílias chefiadas por mulheres possuem maior acesso ao saneamento, sendo as chefiadas por mulheres não-brancas aquelas que possuem menor acesso ao saneamento básico. A
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preocupação com a saúde do ambiente (percentual de domicílios ligados às redes de água, esgoto) é importantíssima, especialmente nos grandes centros urbanos, pois “a falta de saneamento está diretamente relacionada à mortalidade infantil, a doenças infecciosas e parasitárias, pode ter impactos sobre a saúde feminina, entre outras razões, porque implica sobrecarga de trabalho”. (ARTICULAÇÃO..., 2000 apud CORREA, 2001, p. 22) 
Os dados coletados na PCV evidenciam que entre as famílias monoparentais chefiadas por mulheres há uma prevalência das mulheres não-brancas, e que estas possuem os piores rendimentos e condições de vida. Os dados também mostram a pior qualidade de vida, de acesso a bens materiais e de consumo para as mulheres e não-brancos. Nesse sentido, as relações sociais de gênero articulam-se com a raça/cor e o espaço social para determinar as piores condições de vida dos negros. 
HENRIQUES (2001) ao estudar a desigualdade racial no Brasil aponta que: os negros representam 63% da população pobre. Do total de mulheres e homens negros 42,9% são pobres e 18,3% são indigentes. “A constatação incontornável que se apresenta é que nascer de cor parda ou cor preta aumenta de forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre.” (HENRIQUES, 2001, p. 10-11) 
A discriminação racial, que exclui os negros do pleno gozo dos direitos sociais, como o acesso a educação, renda e emprego, acaba por impedi-los de obter maior mobilidade social. Os dados da PCV mostram que os não-brancos, ao terem maior número de filhos, menor escolaridade e, conseqüentemente, menor remuneração, têm maior dificuldade para obter acesso a bens e consumo. 
Em resumo, as mulheres e os negros com piores condições de acesso a bens e consumo são os que mais sofrem com o preconceito, a discriminação, o racismo e a
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discriminação de gênero e raça na sociedade brasileira. No limite, podemos pensar que tal sofrimento pode estar expresso em indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)11, sendo a “esperança de vida ao nascer” um dos indicadores do IDH que expressam a saúde. Como já salientamos, as mulheres vivem mais do que os homens, então o que se espera é que as mulheres brancas e negras tenham maior esperança de vida. No entanto, quando se compara a esperança de vida de homens e mulheres, brancos e negros, as mulheres negras estão vivendo menos que os homens brancos. Esse dado evidencia o quanto a questão socioeconômica, o menor acesso a bens e consumo, e as piores condições de vida das mulheres negras estão afetando sua saúde. Veja o gráfico seguinte. GRÁFICO aoGRÁFICO 1. Esperança de vida aonascer. 1997nascer. Brasil, 1997565860626466687072Esperança de vidaMulheres BrancasHomens BrancosMulheres NegrasHomens Negros 
Fonte: FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. Brasil, 2000 – novos marcos para as relações raciais. 2000. 
11 O IDH congrega três índices: o índice de rendimento, de longevidade e educacional. No caso da esperança de vida ao nascer, cabe destacar que é um indicador fundamental para a saúde, porque nele estão implícitos as condições de vida, a mortalidade infantil, a fertilidade, a nupcialidade, o acesso a serviços de infra-estrutura.
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A inversão de posição das mulheres negras quanto a esperança de vida ao nascer e posição ocupada pelos homens negros, sugere que esse grupo tenha maior vulnerabilidade – suscetibilidade a agravos ou mesmo maior risco de adoecer e morrer. Por vulnerabilidade compreende-se a chance de exposição de determinadas pessoas ao adoecimento, à violência e à morte, como resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos e contextuais, que acarretam maior suscetibilidade em decorrência da menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger (AYRES, 1998). 
O conceito de vulnerabilidade busca fornecer elementos para avaliar objetivamente as diferentes chances que cada indivíduo ou grupo populacional particular tem de se contaminar, dado o conjunto formado por certas características individuais e sociais e de seu cotidiano, julgadas relevantes para a maior exposição ou menor chance de proteção diante do problema. Não se trata, portanto, de esquecer o conceito epidemiológico de risco, mas sim de não se ater a ele, explorando as potencialidades de outras formas de tratamento da questão, seja através de uma maior exploração de estudos não restritivos ao conceito de risco, por exemplo os estudos epidemiológicos descritivos ou os estudos ecológicos, seja colocando os riscos positivamente encontrados sob a “suspeita” que sua base estocástica exige, no momento da passagem da análise, as conclusões. Por outro lado, não precisamos e não devemos nos limitar à epidemiologia como fonte de conhecimento objetivo útil ao enfrentamento de epidemia. O recurso a outras áreas disciplinares, afins ao amplo espectro de determinantes da vulnerabilidade ao HIV/Aids, como as chamadas ciências humanas é mais um “convite” fundamental deste conceito. (AYRES et al., 1999, p. 65-66) 
O conceito de vulnerabilidade proposto por pesquisadores e ativistas que atuam em intervenção sobre o HIV/Aids, dentre eles Mann e cols., ganhou visibilidade e concretude no Brasil a partir das publicações de AYRES (1998) e AYRES et al.
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(1999). Mas os autores advertem que esse conceito não é novo, pois ele já era utilizado pela Organização Pan-americana de Saúde nos anos 70. A novidade é que ele, ao ser entendido como suscetibilidade de grupos e indivíduos fragilizados12, politiza determinados agravos. 
O Jornal da Rede Saúde (n.º 23 de 2001), ao enfatizar que o racismo gera doença, a partir da interpenetração das variáveis sexo/gênero, dos 350 anos de discriminação dos negros na sociedade brasileira, das piores condições de vida, da falta de acesso aos bens e aos serviços e o precário atendimento em saúde, oferece- nos artigos que indicam maior vulnerabilidade da população negra a: mortalidade (BARBOSA, 2001), mortalidade infantil (CUNHA, 2001), mioma uterino (SOUZA, 2001), cesárea (CHARCHAM, 2001), mortalidade materna (MARTINS, 2001) e HIV/Aids (WERNECK, 2001). 
12 Fragilizados em função de um comportamento pessoal ou vulnerabilidade individual; pelo contexto social ou vulnerabilidade social; e ausência de programa nacional de combate ou vulnerabilidade programática (AYRES et al., 1999, p. 56).
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3. RAÇA/COR: COMO CATEGORIA DE ANÁLISE EM SAÚDE 
A raça/cor13 é uma construção social e conseqüentemente um diferencial importante no perfil da saúde, principalmente quando pensamos nas desigualdades às quais estão submetidos os pretos em nossa sociedade. 
Vários estudos, especialmente nos Estados Unidos, mostram que as pessoas de raça negra – assim como de outros grupos raciais/étnicos, como judeus, ciganos etc. – estão biologicamente mais predispostas a desenvolver doenças, algumas de ordem genética, na dependência também de como se der a interação delas com o meio ambiente físico, social e cultural. Além disso, tem-se comprovado que razões de ordem socioeconômica, padrões culturais definidos a partir da origem étnica e a forma discriminatória com que são tratados alguns segmentos raciais/étnicos podem trazer um risco maior de contrair determinadas enfermidades. (ARTICULAÇÃO... , 2001, p. 26) 
Para que se possam captar as nuanças da sociedade e pensar como a característica biológica e genética é um fator que determina o processo saúde, doença e morte, utilizamos a questão do negro na sociedade brasileira. Apesar dos 113 anos de abolição da escravidão, de os negros gradativamente aumentarem seu poder de 
13 Nos dados produzidos no sistema de saúde constam os itens cor e raça, daí se utilizar raça/cor.
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compra e de sua maior participação na sociedade, a discriminação racial persiste demarcando a vida, a saúde, doença e morte deste grupo. 
As características biológicas dos seres humanos têm, no decorrer da história, servido de suporte ao preconceito e à discriminação. Sabemos que não existem raças entre os seres humanos, características fenotípicas ou puramente biológicas. No entanto, temos utilizado a raça como um componente político, para expressar as desvantagens dos negros em relação a vários direitos sociais. 
Segundo TOPEL (1998), no Brasil, a aplicação do conceito raça tem sido quase exclusiva nos estudos da população negra, sendo muito raro o seu uso para designar outros grupos. 
Assim, o que se destaca nas pesquisas sobre os negros no Brasil – ainda que uma constatação similar possa ser feita sobre outros contextos nacionais – é que eles são o único grupo da sociedade ao qual é associado o conceito raça, que se torna no Brasil sinônimo de negro. (TOPEL, 1998, p. 14). 
Uma segunda preocupação da autora é com a falta de critério na utilização dos conceitos raça e etnia, que são utilizados por pesquisadores que não são antropólogos como se fossem sinônimos. A autora reconhece que as razões para a utilização do conceito raça apenas para os negros são complexas; reconhece também a importância da dimensão política e ideológica da utilização da raça para os negros e não para os brancos, japoneses, terenas, sírios, libaneses e judeus; todavia, considera oportuna a unificação dos marcos conceituais, com o objetivo de facilitar estudos comparativos entre os negros e outros grupos étnicos brasileiros.
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MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE.

  • 1. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS CAMPUS DE ARARAQUARA MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE. LUÍS EDUARDO BATISTA ARARAQUARA 2002
  • 2. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS CAMPUS DE ARARAQUARA MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE. ALUNO: LUÍS EDUARDO BATISTA Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara, obtenção do título de Doutor em Sociologia, sob a orientação da Profª. Dr.ª LUCILA SCAVONE. ARARAQUARA 2002
  • 3. Batista, Luís Eduardo. Mulheres e homens negros : saúde, doença e morte / Luís Eduardo Batista. – Araraquara , 2002. 232 f. : 30 cm Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras Orientador: Lucila Scavone l. Sociologia da saúde. 2. Relações de gênero. 3. Raça - Etnia. 4. Saúde coletiva.
  • 4. ATA BANCA EXAMINADORA DA TESE DE DOUTORADO Orientadora: Profa. Dra. Lucila Scavone MEMBROS: 1. Profa. Dra. Lucila Scavone 2. Profa. Dra. Maria Alice Rosa Ribeiro 3. Profa. Dra. Maria Isabel Baltar da Rocha 4. Profa. Dra. Marina Ferreira Rea 5. Prof. Dr. Valter Roberto Silvério
  • 5.
  • 6. Muito de meu trabalho só é possível ser realizado em função do carinho, do amor e da paciência de Rosana Batista Monteiro, Matheus Monteiro Batista, João, Leonice e Rita de Cássia Batista
  • 7. AGRADECIMENTOS À Profª Drª Lucila Scavone, pela orientação, paciência e desafios colocados. Às Profas Dras Maria Isabel Baltar da Rocha e Maria Alice Rosa Ribeiro, pelas sugestões e apontamentos quando da qualificação. Aos profissionais de saúde que com muita atenção contribuíram através de entrevistas: Edson Stefanini, José Antônio Marques, Naila Santos, Vera Galesi, Anna Volochko e Ruy Laurenti. Agradeço particularmente a Anna Volochko e Carlos Eugênio de C. Ferreira pelas longas conversas, sugestões e ensinamentos. A Carlos Eugênio de C. Ferreira, Antônio B. Marangone Camargo, Deise Oshiro e Luís Patrício Ortiz (Fundação Seade), por disponibilizarem os dados e discutirem comigo as versões iniciais deste trabalho. A Estela Maria Pinto da Cunha por me apresentar as pessoas e abrir as portas para que eu conseguisse realizar o trabalho. A Olinda do Carmo Luiz, pela leitura e sugestões que muito contribuíram para a redação final do texto. A Albertina de Oliveira Costa, por suas sugestões no início deste trabalho. A Fátima Yukie Carvalho, pela ajuda com os gráficos, tabelas e editoração eletrônica. A Juliana R. Gonçalves Mota e Solange Guerra, pela revisão ortográfica. A Silvia Teixeira, por atender a meu chamado e traduzir comigo, as entrevistas realizadas. A Maria Mercedes Escuder (Biba), pela ajuda no cálculo das “consistências” e “significâncias”. A Marina Ferreira Rea, pelo apoio e incentivo nos momentos de angústia com o trabalho. A Tereza Toma, Suzana Kalckmann, Anna, Regina Barbosa, Sonia Venancio, Belkis, Claudete, companheiras do Núcleo de Investigação em Saúde da Mulher e da Criança do Instituto de Saúde que seguraram as pontas nas minhas ausências. A Rosa e Valter Araújo, que sempre mostraram que era preciso cuidar das flores e das pessoas.
  • 8. Aos amigos de todos os tempos, Rogério Medeiros, Luís Gustavo Imperatrice, Osvaldo Casagrande, Flávia Marquetti, Ricardo Nakamiti, Renato Bonadio, Gisele Simões, Elizabeth David, Elpídio, Iray, Carolina, Matheus, Rosângela Giarola, Roberto Primo Pachoalli e todos os velhos amigos. A Rosa Rodrigues, companheira incansável. À Profª Drª Margareth A. Santini Almeida e Profª Drª Ione Morita da Unesp Botucatu, pelo carinho. Ao Senhor Moacyr e Dona Lurdes Ramos, saudades. Ao Fernando Longo Vidal e Prof. Ney Vieira amigos que em diferentes momentos e formas me abriram caminhos na área de políticas públicas de saúde. A turma de Analândia – Zé Roberto, Sueli, Bidê, Vera, D. Maria, D. Alice, Daniel, Renata, Junior e Claudia. Ao departamento de Saúde Pública da Unesp-Botucatu. Ao Nepo/Unicamp, por ter me propiciado participar do estudo da Morbimortalidade feminina no Brasil; no Programa de Estudos em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva e no Curso Regionalizado de Introdução à Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva. Projetos e programas que muito contribuíram para minha formação e com este trabalho. À Fundação Seade, por ter me fornecido os dados e me dado toda a assistência com a pesquisa. Às amigas do Grupo de Estudos Cidadania e Saúde da Unesp/Araraquara. Ao pessoal do Núcleo de Informática do Instituto de Saúde, principalmente ao Nelson Francisco Brandão, Eliete, Ana e Ernesto. Ao Instituto de Saúde, por ter dado apoio ao estudo e me fornecido sua infra- estrutura. Ao Programa de Pós-Graduação da F.C.L. e suas eficientes secretárias. A essas instituições e pessoas, e a muitas outras que estiveram, direta ou indiretamente, envolvidas na elaboração do presente trabalho, meus agradecimentos.
  • 9. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS............................................................................................... LISTA DE GRÁFICOS............................................................................................ LISTA DE TABELAS.............................................................................................. LISTA DE QUADROS............................................................................................. MULHERES E HOMENS NEGROS: SAÚDE, DOENÇA E MORTE Introdução..........................................................................................................1 1. O caminho se faz caminhando....................................................................7 2. Articulando.... saúde, gênero e raça/cor.....................................................9 3. Os propósitos deste estudo......................................................................16 4. Hipóteses.................................................................................................17 5. Metodologia............................................................................................18 5.1. As variáveis.....................................................................................22 5.1.1. As limitações..............................................................................22 5.2. A ideologia dos dados......................................................................25 Capítulo 1. Saúde: entre o biológico e o social............................................30 1. A determinação social da doença............................................................31 2. A construção social da desigualdade: a raça negra.................................34 3. Raça/cor como categoria de análise em saúde........................................48 4. Gênero como categoria de análise em saúde...........................................55 Capítulo 2. A mortalidade no Estado de São Paulo....................................59 1. A mortalidade segundo capítulos da Cid.................................................60 1.1. Doenças infecciosas e parasitárias...................................................67 1.2. Neoplasias........................................................................................67 1.3. Doenças do sangue e dos òrgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários....................................................................68 1.4. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas..............................69 1.5. Transtornos mentais e comportamentais.........................................73 1.6. Doenças do sistema nervoso............................................................76 1.7. Doenças do olho e anexos; doenças do ouvido e da apófise mastóide; doenças da pele e do tecido subcutâneo e doenças do sistema osteomolecular e do tecido conjuntivo..........................76
  • 10. 1.8. Doenças do aparelho circulatório e doenças do aparelho respiratório.......................................................................................76 1.9. Doenças do aparelho digestivo........................................................77 1.10. Doenças do aparelho geniturinário................................................77 1.11. Gravidez, parto e puerpério...........................................................80 1.12. Algumas afecções originadas no período perinatal e malformação congênita, deformidades e anomalias cromossômicas..............................................................................80 1.13. Causas externas de morbidade e mortalidade................................83 1.14. Mortalidade infantil.......................................................................88 2. A mortalidade segundo a raça/cor...........................................................94 2.1 A mortalidade masculina..................................................................94 2.2 A mortalidade feminina..................................................................103 3. O perfil da mortalidade em capítulos selecionados...............................108 3.1 Doenças infecciosas e parasitárias..................................................108 3.2 Neoplasias.......................................................................................118 3.3 Doenças do aparelho circulatório...................................................125 3.3.1 Doenças cardíacas hipertensivas...............................................128 3.3.2 Doenças cerebrovasculares.......................................................129 3.4. Gravidez, parto e do puerpério......................................................131 3.4.1 Morte materna...........................................................................132 4. Os indicadores do estudo e da Ripsa: uma comparação necessária......141 Capítulo 3. Negritude e saúde.....................................................................150 1. Mortalidade negra: o que dizem os atores.............................................152 1.1 Conhecendo os atores.....................................................................152 1.2 Tuberculose na era Aids.................................................................155 1.3 Negritude e Aids: há relação entre os temas?.................................163 1.4 Neoplasias.......................................................................................173 1.4.1 Câncer de estômago e esôfago: um breve questionamento.......181 1.4.2 Câncer de pulmão e câncer de próstata na população negra.....181 1.5 A hipertensão e sua relação com as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares..........................................................................183 2. Alguns comentários...............................................................................191 3. Mortalidade negra: o que dizem as atrizes............................................195 O caminho a ser percorrido........................................................................201 Referências bibliográficas...........................................................................212 ANEXOS.........................................................................................................01 Anexo 1. Consentimento Informado.........................................................02 Anexo 2 Roteiro para entrevistas com especialistas.................................03 Anexo 3. Tabelas e gráficos......................................................................10
  • 11. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Pirâmide populacional do Estado de São Paulo, por sexo e raça/cor - 1999....................................................................................63 Figura 2 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) em crianças de até 1 ano, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................82 Figura 3 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 1 à 19 anos, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................98 Figura 4 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 20 à 39 anos, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................99 Figura 5 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 40 à 59 anos, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................100 Figura 6 - Taxa dos principais grupos de causas de óbito (CID-10) ocorridos na faixa etária de 60 anos e mais, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................101 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Esperança de vida ao nascer. Brasil, 1997.........................................45 Gráfico 2 - Taxa de óbito por diabetes mellitus, segundo o sexo e a raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................72 Gráfico 3 - Taxa dos principais grupos de causas externas segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................85 Gráfico 4 - Principais grupos de causas de óbito (CID-10), sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................105 Gráfico 5 - Taxa das principais causas de óbitos das doenças infecciosas e parasitárias, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................................................................160 Gráfico 6 - Taxas das principais causas de neoplasias, segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................177 Gráfico 7 - Taxa de óbitos das principais causas cardiovasculares e cerebrovasculares (CID-10 - 3 dígitos), segundo sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999................................................187
  • 12. LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Total e percentual de óbitos com cor ignorada. Estado de São Paulo, 1996-2000...............................................................................19 Tabela 2 - Distribuição percentual dos chefes de família, por sexo e cor, segundo nível de instrução e freqüência à escola. Estado de São Paulo, 1998..................................................................................41 Tabela 3 - Distribuição percentual dos chefes de família, por sexo e cor, segundo classe de renda familiar total e per capita. Estado de São Paulo, 1998..................................................................................42 Tabela 4 - Total e taxa de óbitos dos residentes no Estado de São Paulo, segundo causas CID (10), por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 96-99.......................................................................................64 Tabela 5 - Total e taxa de óbitos masculinos dos residentes no Estado de São Paulo, segundo causas CID (10) por raça/cor. Estado de São Paulo, 1996-99............................................................................65 Tabela 6 - Total e taxa de óbitos femininos das residentes no Estado de São Paulo, segundo causas CID (10) por raça/cor. Estado de São Paulo, 1996-99............................................................................66 Tabela 7- Total e taxa de óbitos por doenças do sangue e órgãos hematopoéticos (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.................................................................71 Tabela 8- Total e taxa de óbitos por transtornos mentais e comportamentais (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..................................................71 Tabela 9- Total e taxa de óbitos por doenças do aparelho geniturinário (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................79 Tabela 10- Taxa de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas externas, segundo sexo, raça/cor e faixa etária. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................84 Tabela 11- Taxa de óbitos dos menores de 1 ano residentes no Estado de São Paulo, por raça/cor, segundo grupos etários. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................89 Tabela 12- Total e taxa de óbitos (CID-10) dos residentes no Estado de São Paulo segundo causas, por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.........................................................................................96 Tabela 13- Taxa de óbitos dos residentes no Estado de São Paulo segundo sexo, raça/cor e faixa etária. Estado de São Paulo, 1999...................97 Tabela 14- Taxa de óbitos masculinos dos residentes no Estado de São Paulo, por raça/cor, segundo capítulos da CID (10), 1999..............102
  • 13. Tabela 15- Taxa de óbitos de femininos das residentes no Estado de São Paulo, por raça/cor, segundo capítulos da CID (10), 1999..............104 Tabela 16- Total e taxa de óbitos segundo as principais doenças infecciosas e parasitárias, por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.......................................................................................111 Tabela 17- Proporção de moradores segundo tipo de abastecimento de água, instalação sanitária e coleta de lixo. Estado de São Paulo, 1991..................................................................................................113 Tabela 18- Proporção de famílias com ligações públicas de serviços urbanos, por sexo e cor do chefe de família. Estado de São Paulo, 1998.......................................................................................113 Tabela 19- Total e taxa de óbitos das principais neoplasias (CID-10), segundo causas por sexo e raça/cor. Estado de São Paulo, 1999.....121 Tabela 20- Distribuição percentual dos indivíduos por sexo e cor, segundo condições de procura por atendimento de saúde nos últimos trinta dias. Estado de São Paulo, 1998.............................................124 Tabela 21- Total e coeficiente de morte materna (CID-10) segundo causas por raça/cor. Estado de São Paulo, 1999..........................................136 Tabela 22- Coeficiente de mortalidade feminina e materna (Gravidez, Parto e Puerpério - CID–10), segundo causas por raça/cor. Estado de São Paulo, 1999...............................................................136 Tabela 23- Indicadores educacionais segundo a cor. Brasil, 1990.....................142 Tabela 24- Distribuição percentual dos chefes de família, por sexo e cor, segundo situação ocupacional e posição na ocupação. Estado de São Paulo, 1998...........................................................................144 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Nosologia das populações afro-brasileiras.........................................53 Quadro 2 - Indicadores sociodemográficos e taxa de mortalidade. Estado de São Paulo, 1999...........................................................................146 Quadro 3 - Mortalidade da população negra e seus possíveis agravantes, potencializados pelas condições genéticas, socioculturais ou de acesso aos serviços de saúde. Estado de São Paulo, 1999...............205
  • 14. RESUMO BATISTA, Luís Eduardo. Homens e mulheres negros: saúde, doença e morte. Araraquara, 2002. 232p. Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Doutor em Sociologia. O objetivo deste trabalho é verificar o perfil da mortalidade de homens e mulheres pretos residentes no Estado de São Paulo, com enfoque nas desigualdades de gênero e raça/cor. A mortalidade foi estudada no período 1996 a 1999; e a análise foi realizada comparando os homens brancos e pretos, mulheres brancas e pretas, com os dados do ano de 1999. Num segundo momento do trabalho, foram realizadas entrevistas com seis profissionais de saúde em que se discutiram os motivos das diferenças encontradas no perfil da mortalidade de mulheres e homens, brancos e pretos. O estudo mostra que: (1) a taxa de mortalidade dos homens e mulheres pretos residentes no Estado supera a dos brancos; (2) discute as principais causas de morte de mulheres e homens pretos – tuberculose, HIV/Aids; câncer de colo de útero e esôfago; alcoolismo, acidente vascular cerebral e morte materna; (3) discute em detalhes as demais causas, as vantagens e limitações dos bancos de dados, faz recomendações e aponta os desafios para as políticas públicas de saúde. Conclui o estudo evidenciando que a realização de estudos enfatizando as desigualdades sociais de gênero e raça/cor ajudam a mostrar como as mulheres e os negros são vistos em nossa sociedade. Mostra que a discriminação racial perpassa pelas instituições e pelas políticas públicas; como a mortalidade pode ser um indicador quantitativo da discriminação racial e de gênero. Palavras-chave: mortalidade; raça/cor; raça/etnia; gênero.
  • 15. SUMMARY BATISTA, Luís Eduardo. Black men and women: health, disease and death. Araraquara, 2002. 232p. Theory presented to The University of Sciences and Letters, Campus of Araraquara From São Paulo State University, to obtain the title of Doctor in Sociology. The objective of this work is to verify the mortality profile of the black men and women resident in the State of São Paulo, focusing the inequalities of gender and race/color. The mortality was studied during the period of time from 1996 to 1999; and the analysis was accomplished comparing the white and black men, white and black women, with the data of the year of 1999. The data from the System of Information in Mortality (SIM/Datasus/Seade) were given by the Fundação Seade. In a second shift of the work, interviews were carried out with six professionals of health where the found reasons of the differences in the mortality profile of the white and black women and men were discussed. The study shows that: (1) the mortality rate of the black men and women resident in the State overcome the white’s one; (2) it discusses the main causes of death of black women and men - tuberculosis, HIV/AIDS; womb and esophagus cancer; alcoholism, cerebral vascular accident and maternal death; (3) it discusses in details the other causes, the advantages and limitations of the databases, makes recommendations and points out the challenges for the public policy of health. The study is concluded evidencing, by using the social inequalities of gender and race/color as analytical category, how the racial discrimination goes through the institutions plus public politics; as the mortality can be a quantitative indicator of the racial discrimination and of the gender. Key words: mortality; race/color; race/ethnic group; gender.
  • 17. 2 INTRODUÇÃO Em 1999, o Núcleo de Estudos de População – Nepo/Unicamp desenvolveu o “Estudo multicêntrico da morbi-mortalidade feminina no Brasil”, cujo projeto foi coordenado pela Profa. Dra. Elza Berquó e Profa. Dra. Estela Maria Garcia Pinto da Cunha, e teve como objetivo estudar o perfil da morbimortalidade feminina, com especial atenção à saúde reprodutiva. Coube ao autor deste trabalho, juntamente com a Dra Marina Ferreira Rea, coordenar o estudo no Estado de São Paulo1. A experiência adquirida nessa pesquisa, somada ao estudo sobre o perfil da mortalidade em Botucatu e a sua experiência de trabalho no Instituto de Saúde motivou-o a investigar o perfil da mortalidade de mulheres e homens pretos2 residentes no Estado de São Paulo, numa perspectiva de gênero e de raça/cor, com base em dados secundários obtidos na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. 1 A equipe foi composta por Marina F. Rea, Luís E. Batista, Margareth A. S. Almeida, Ione Morita e Anna Volochko, pesquisadores do Instituto de Saúde e da Faculdade de Medicina de Botucatu. 2 Serão utilizadas neste trabalho as expressões preto, quando se referir à cor da pele; negro, para dar ênfase à construção sociocultural dos pretos; raça/etnia, quando se referir à construção sociocultural ou como utilizado pelo autor citado; e raça/cor, quando se referir à cor da pele e aos dados em saúde.
  • 18. 3 As estatísticas de mortalidade têm sido utilizadas por epidemiologistas, demógrafos e planejadores/administradores de saúde pública para avaliar a situação da saúde da população. No entanto, na análise dos dados fala-se das causas de morte que assolam a população pobre, discutem-se os dados segundo o sexo, mas não se discutem as desigualdades existentes entre pretos e brancos e seus reflexos no perfil da mortalidade, nem se contemplam as categorias de gênero e raça/cor na análise dos dados. Para estudar a mortalidade de mulheres e homens pretos, pretende-se, neste trabalho, realizar a análise comparativa da mortalidade de homens em relação às mulheres, dos brancos em relação aos pretos residentes no Estado de São Paulo. Partindo da hipótese de que (1) o processo saúde, doença e morte de homens e mulheres brancos e pretos é construído socialmente e demarcado pelo espaço social que tais atores ocupam na sociedade; (2) de um modo geral, homens e mulheres pretos possuem menor escolaridade, menor salário, residem nos bairros de periferia das grandes cidades, estão excluídos de vários direitos sociais em nosso país e esta exclusão social interfere em sua mortalidade. Enfim, o conhecimento da mortalidade, desagregado aqui para cada segmento da população e analisado numa perspectiva sociológica, leva a trabalhar as articulações possíveis entre as desigualdades sociais e a saúde da população. Permite pensar que as desigualdades sociais vivenciadas pelos negros em nossa sociedade estão expressas no perfil da mortalidade, no acesso desigual ao pré-natal e aos leitos nas maternidades; a vulnerabilidade individual, social e programática. Nesse sentido, torna-se importante conhecer/estudar os condicionantes da saúde de mulheres e homens pretos, por entender que eles merecem atenção do sistema de
  • 19. 4 saúde, tendo em vista o fato de serem grandes consumidores e vítimas das dificuldades desse sistema. É de grande importância também que os formuladores de políticas, gerentes de serviços, formadores de opinião, equipes de saúde e pessoas que coordenam programas como o Programa de Saúde da Família, Programa de Saúde da Mulher, da Criança, do Idoso, do Trabalhador, de Saúde Mental, Controle de Hipertensão e Diabetes conheçam as especificidades da saúde desses grupos. Como também urge que se contemple o quesito cor nas análises das pesquisas existentes na área da saúde. Para realizar o estudo, parte-se do pressuposto de que existem vários fatores que interferem no processo saúde, doença e morte. Dentre eles destacam-se: a forma como homens e mulheres são construídos socialmente; as diferenças no plano individual; as apropriações diferenciadas dos meios de produção, as desigualdades nas condições de vida e acesso a bens e consumo; o racismo, a discriminação racial3; as doenças raciais/étnicas; a falta de capacidade e de resolutividade dos programas de saúde; a educação; a qualidade e o acesso aos serviços de saúde de qualidade. Em diferentes proporções, tais fatores interferem direta ou indiretamente no processo saúde, doença e morte de homens e mulheres, brancos e pretos. O conhecimento da mortalidade desagregada para cada segmento da população leva a trabalhar as articulações possíveis entre as iniqüidades sociais e a situação de saúde da população; a conhecer o comportamento de indicadores epidemiológicos de 3 No presente estudo, trabalharemos com a discriminação racial, tanto no que diz respeito à desvantagem dos negros (pretos + pardos) quanto a salário, educação, acesso a emprego, habitação, justiça etc., como também com a exclusão dos negros de vários direitos sociais. Para Cashmore, o uso do termo racismo vem sendo preterido pelo termo discriminação. Porém, sociologicamente, o termo correto é discriminação racial institucional, ou racialismo institucional (CASHMORE, 2000, p. 171- 172).
  • 20. 5 homens e mulheres, brancos e pretos; a vulnerabilidade dos segmentos populacionais e a redefinir algumas políticas de saúde. Reconhece-se que há um acúmulo de produção sobre a mortalidade, mas poucos privilegiam um estudo comparativo entre homens e mulheres, brancos e pretos. Reconhece-se que há um acúmulo de produção sobre a saúde da mulher, mas são insignificantes os estudos sobre a saúde da mulher preta e negra. Reconhece-se que há uma vasta produção sobre as relações de gênero, mas poucos estudos analisam profundamente as diferenças intragênero por raça/cor. E menor ainda é a produção no que diz respeito à mortalidade por gênero e raça/cor. Não se pretende aqui simplesmente calcular os riscos a que estão expostos mulheres e homens pretos, mas sim procurar evidenciar que o desconhecimento do perfil epidemiológico desta população, a não-implantação de programas de saúde que contemplem a especificidade deste segmento e a falta de prioridade nas ações institucionais, deixam os negros individualmente e socialmente suscetíveis a mortes. Uma das justificativas do presente trabalho é o fato de os serviços, os programas, as normas e metas do setor saúde não considerarem a questão da saúde dos negros por desconhecerem o perfil da saúde dessa população4. A inexistência de dados significativos que comprovem a necessidade de normas e metas no setor saúde para esse grupo também é uma dificuldade. E este trabalho se insere nessa perspectiva – é uma contribuição para o debate sobre o processo saúde, doença e morte, enfatizando a mortalidade de mulheres e homens pretos. 4 Entende-se por população, o conjunto ou número de habitantes do Estado, cidade ou país (FERREIRA, 1993). No caso da população branca ou preta, ela será entendida aqui como número de habitantes do Estado de São Paulo, homens e mulheres, pretos, brancos, pardos amarelos e indígenas.
  • 21. 6 Este trabalho também se justifica pelo fato de trazer para análise a questão de gênero e raça/cor, a fim de que se possam perceber as diferenças dentro das diferenças e as desigualdades dentro das diferenças.
  • 22. 7 1. O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO5 Uma vez que o objeto de pesquisa da sociologia é a vida social na qual estamos todos envolvidos, a capacidade de fazer uso imaginativo da experiência pessoal e a própria qualidade da experiência pessoal de alguém serão contribuições importantes para a capacitação técnica dessa pessoa. Como agir para traduzir experiência pessoal em hipóteses ou, em outras palavras, como usamos esta experiência para dar forma às hipóteses desenvolvidas de outras maneiras? (BECKER, 1997). Normalmente, o sociólogo se utiliza da estatística ou para identificar problemas, ou como uma primeira aproximação aos temas que serão investigados em profundidade nas pesquisas de campo. Ao eleger como tema a saúde numa perspectiva de gênero e raça/cor, tema estudado e aprofundado por feministas e acadêmicas no Brasil, passa-se a fazer um caminho mais específico: trazer para o debate o universo da saúde da população negra residente no Estado de São Paulo. E assim idêntico problemas e me aproximo do tema. 5 Referência ao poema de Antonio Machado, Caminhante. “Caminhante são tuas pegadas, o caminho. Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao andar.”
  • 23. 8 Considerando que o autor deste trabalho é homem negro, que estuda temas relacionados à saúde coletiva e à saúde reprodutiva, conhecer a saúde por essa perspectiva é vincular o conhecimento com interesse político, é se utilizar da experiência de vida para dar visibilidade crítica à construção do tema e articular teoria, prática e pesquisa aos conteúdos emotivos e cognitivos na construção do conhecimento, enfim, é uma maneira de se aproximar da relação entre conhecimento e interesse (HABERMAS, 1980).
  • 24. 9 2. ARTICULANDO... SAÚDE, GÊNERO E RAÇA/COR Tradicionalmente, as práticas de saúde pública têm focalizado a saúde da criança e da mulher (enfatizando, sobretudo, sua dimensão reprodutiva). No que tange à saúde da mulher, a articulação do movimento feminista, o movimento de mulheres e o Estado deram novo impulso à atenção dada a este assunto, a partir da criação, em 1983, do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM. O PAISM é uma proposta pioneira e possibilitou ao movimento feminista e de mulheres avançar na discussão de vários temas relacionados à saúde da mulher. Porém, a implantação do PAISM não ocorreu nos serviços de saúde e até hoje os defensores de uma assistência integral à saúde da mulher lutam para que as ações básicas do PAISM sejam contempladas na rede de serviços. A não-implantação do programa tem relação direta com os indicadores de morbidade, mortalidade e com o acesso a serviços que as mulheres continuam a ter no país. No que diz respeito ao homem, não há nenhuma política pública específica para sua saúde, mas é possível sua participação nos programas de saúde do trabalhador, tuberculose, hanseníase e nos programas de hipertensão arterial e diabetes mellitus.
  • 25. 10 Para que se possa verificar qual é o perfil de saúde de homens e mulheres, o acesso e a qualidade do atendimento, planejar serviços e definir as prioridades e metas para atender esta população, epidemiólogos, gerentes e administradores de saúde se utilizam dos indicadores de saúde (morbidade, mortalidade, acesso e qualidade, gestão do sistema). Dentre eles, um dos mais utilizados para estudar o perfil de saúde da população é o indicador de mortalidade. Na análise dos dados de mortalidade, os estudos mostram as principais causas de morte de homens e mulheres, os óbitos prevalecentes na população pobre, quais doenças prevalecem, quais são letais, entre outros. Porém, a inexistência do quesito cor nos atestados de óbitos dificultava a discussão sobre o perfil da mortalidade de brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas. Conseqüentemente, temos no país poucos estudos de mortalidade desagregados por cor e, portanto, pouco se conhece sobre os perfis de mortalidade da população segundo a cor. Foi dito anteriormente que o PAISM possibilitou o avanço na discussão de vários temas relacionados à saúde da mulher, no entanto ele não incorporou em suas propostas as especificidades da saúde da mulher negra. E um dos motivos apontados foi o desconhecimento do perfil epidemiológico desta mulher. Os estudos realizados por BERQUÓ; CUNHA (2000), LAURENTI (1998) entre outros, descrevem as principais causas de mortalidade no Brasil, para mulheres e homens, destacando as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as causas externas (acidentes e mortes violentas). Os estudos evidenciam que o perfil da mortalidade tem comportamentos diferenciais: é maior entre os extremos de idades (menor de um ano e maiores de 60 anos). As mortes também são maiores entre os homens quando comparadas às das mulheres. Porém, os estudos não aprofundam a
  • 26. 11 análise do diferencial da mortalidade entre homens e mulheres numa perspectiva de gênero e raça/cor. As principais causas de morte da população pobre é um outro componente contemplado nas estatísticas de mortalidade. No que se refere à relação entre a mortalidade e condições de vida, Volochko, ao estudar a mortalidade materna em região da cidade de São Paulo, afirma: ... membros de uma classe compartilham, por força de ocupação, renda e cultura similares, experiências e modos de vida semelhantes, e em circunstâncias particulares uma consciência de classe. A desagregação dos dados por classe social é importante na análise da distribuição da saúde e doença na sociedade, pois grupos de ocupações coerentemente agrupados apresentam gradientes consistentes de mortalidade infantil, natimortalidade, mortalidade por doenças transmissíveis e outras. Salvo raras exceções a mortalidade é inversamente proporcional à classe social, isto é, quanto mais alta a classe social menor a mortalidade e vice-versa (VOLOCHKO, 1992, p. 48). As desigualdades socioeconômicas e a cor se mostram como uma vertente importante nos estudos americanos, porém, no Brasil, poucos estudos incorporam os diferentes perfis de classe social e cor nos indicadores de saúde. Entre os motivos está o fato de os profissionais de saúde não preencherem o quesito cor na hora de atender os clientes, e/ou não existir a classe social nos bancos de dados produzidos pelos sistemas de informação em saúde – o máximo de aproximação possível é com a escolaridade. Buscando uma abordagem que considerasse as diferentes posições que os indivíduos ou grupos podem ocupar na sociedade, Bourdieu desenvolveu a noção de espaço social. Para o autor, os agentes ou os grupos têm posições, idéias, valores,
  • 27. 12 costumes em comum quanto mais próximos estejam ou do capital econômico, ou do capital cultural, ou do capital político. O espaço social é construído de tal modo que os agentes ou os grupos são aí distribuídos em função de sua posição nas distribuições estatísticas de acordo com os dois princípios de diferenciação que, em sociedades mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, o Japão ou a França, são, sem dúvida, os mais eficientes – o capital econômico e o capital cultural. ... o que o operário come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que prática e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes... O conceito de espaço social tira o caráter mobilizador das classes sociais proposto por Marx mas sem eliminar a diferenciação social como motor de antagonismos individuais e coletivos de agentes situados em diferentes posições no espaço social. (BOURDIEU, 2001, p. 19, 22 e 49) A dificuldade de definir a classe social, somada à falta do dado cor, impossibilita algumas análises na área da saúde. Pretende-se com isso dizer que (1) a mortalidade é um indicador importante para a análise do processo saúde, doença e morte da população, mas a inexistência até 1996 do quesito cor nos atestados de óbitos dificultaram a realização de estudos sobre o perfil da mortalidade da população segundo a cor; (2) há que se enfatizar que o processo saúde, doença e morte possui como determinantes fatores socioeconômicos, culturais, ecológicos, biológicos e genéticos e, de acordo com o espaço social que o indivíduo ocupa na sociedade, tais fatores podem sobressair ora para um determinante, ora para outro. Pode-se sugerir, portanto, que o perfil da mortalidade é determinado:
  • 28. 13 • pelas relações de poder e dominação que se estabelecem no interior da sociedade – relações de raça/cor; sexo/gênero; • pelo lugar que os indivíduos e grupos ocupam no espaço social, considerando os diferentes capitais dos agentes ou grupos – capital econômico, cultural, político, etc. (BOURDIEU, 2001); • por fatores biológicos e genéticos (BRASIL, 2000). Através da articulação desses fatores é que se encontram os determinantes da saúde, doença e morte da população. SAFFIOTI (1992 e 1999) comenta que gênero, classe e raça/etnia são três organizações sociais que se entrecruzam e marcam a vida das pessoas, como também alargam e aprofundam o entendimento do eixo da exploração-dominação. Para a autora: Trata-se, portanto, de um processo de exploração- dominação baseado na articulação das três organizações sociais: de classe, de gênero e étnico/racial. Não se hierarquizam estas categorias. Do mesmo modo, os determinismos e as tipificações são afastados; ora a organização social de classe far-se-á predominantemente, ora a de gênero, ora a étnico-racial ou as três igualmente. (SAFFIOTI, 1999, p. 17) Para a autora, a constituição dos sujeitos não se faz exclusivamente pelo gênero, mas também pela classe social e pela raça/etnia. Essas articulações geram uma enorme multiplicidade de identidade social e “a cada conjuntura específica exigirá do sujeito um posicionamento mais acentuado de sua identidade de gênero, ou de classe, ou ainda de raça/etnia” (SAFFIOTI, 1995, p. 9). O entrecruzamento das três organizações sociais mencionadas foi denominado por Saffioti conceito de nó.
  • 29. 14 Entendo a preocupação de Saffioti em demarcar quanto é importante para os estudos de gênero pensar os sujeitos em suas multiplicidades, porém, no caso específico deste estudo, a utilização do conceito de classe social é de difícil operacionalização. Uma das limitações é imposta pelo instrumento atestado de óbito. A escolaridade, presente no atestado, é o dado mais próximo para apontar qual é condição social do indivíduo, porém não cabe inferir que ela indique sua classe social, mas pode, do ponto de vista de Bourdieu, indicar um aspecto do capital cultural ou educacional do indivíduo. Talvez, na medida em que se aprofundar a discussão de que indicadores (renda, escolaridade, acesso a bens e consumo – ou indicadores sintéticos como o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Responsabilidade Social) podem ser significativos sobre o espaço social a que o indivíduo pertence, se possa ter maior tranqüilidade em utilizar este dado do atestado de óbito. Como se afirmou anteriormente, os dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e da Pesquisa de Condições de Vida (PCV) apresentados neste trabalho expressam piores condições de vida, emprego, saneamento e acesso a bens e consumo entre os negros em nossa sociedade, sendo que, para a mulher negra, a condição é ainda pior. Os dados não permitem generalizações, mas é possível dizer que a população negra está, conforme a definição de Bourdieu, em um determinado espaço social: de menor capital econômico, menor capital cultural e menor capital global. E o espaço social que o negro ocupa na sociedade brasileira o coloca em condições desfavoráveis. Os dados apresentados no item construção social da desigualdade evidenciam tais observações.
  • 30. 15 Como se vê, ao optar pelas relações de gênero e raça/cor como categoria de análise, podemos compreender melhor como as relações sociais no mundo moderno se consubstanciam nos indicadores de saúde, possibilitando, também, articular a forma de se analisar o processo saúde/doença. Utilizar o conceito de espaço social de Bourdieu permite uma melhor operacionalização e maior mobilidade dos dados existentes no atestado de óbito, além de possibilitar captar o espaço social dos homens e mulheres, brancos e pretos, assim como as mudanças na sociedade. Para BRUSCHINI (1992), desconsiderar as relações de gênero, no atual estágio da produção sociológica, é favorecer um conhecimento parcial e incorreto das relações sociais; o mesmo pode ser dito em relação à raça/cor. Nesse sentido, a articulação entre o espaço social, a genética e as relações de gênero e raça/cor constitui articulações que geram uma enorme multiplicidade de identificações sociais e determinam o processo saúde, doença e morte da população.
  • 31. 16 3. OS PROPÓSITOS DESTE ESTUDO Este estudo tem como objetivo analisar o perfil da mortalidade de homens e mulheres pretos residentes no Estado de São Paulo, a partir de dados secundários e com enfoque na construção social de gênero e raça/cor. Para tanto, objetiva-se, especificamente, (1) uma análise comparativa das taxas de mortalidade dos homens em relação às mulheres, dos pretos em relação aos brancos, (2) discutir estes dados com profissionais de saúde/especialistas da área da saúde; (3) buscar explicações dos achados, discutindo com especialistas da área da saúde.
  • 32. 17 4. HIPÓTESES Para que se possa estudar o perfil da mortalidade dos homens e mulheres pretos, residentes no Estado de São Paulo, partimos da hipótese de que a exclusão dos negros de vários direitos sociais determinam a sua forma de morrer; o lugar que os pretos ocupam no espaço social, as condições socioeconômicas, genéticas e as relações de poder e hierarquia são fatores que se articulam e determinam a forma de morrer em nossa sociedade; e é nesta articulação de fatores que estão os determinantes da saúde, doença e morte de mulheres e homens, grupos sociais, indivíduos ou de uma sociedade. Ou seja, esses fatores em diferentes proporções interferem no processo saúde, doença e morte. No que diz respeito aos óbitos, partimos da hipótese de que há diferenças no perfil da mortalidade por homicídios, acidentes, HIV/Aids e transtornos mentais entre homens e mulheres, brancos e pretos.
  • 33. 18 5. METODOLOGIA A pesquisa desenvolvida implicou a realização de duas partes distintas. Na primeira parte, foi investigado o perfil da mortalidade da população; na segunda, foram realizadas entrevistas com profissionais para buscar explicações e um aprofundamento dos principais achados. Em resumo, os dados quantitativos apontaram os temas a serem discutidos com os especialistas/profissionais de saúde. O levantamento descritivo de dados da mortalidade no Estado de São Paulo foi realizado com base no banco de dados de mortalidade da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, nos anos de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000. Cabe salientar que é a Fundação Seade que recebe todos os atestados de óbitos ocorridos no Estado, os quais são posteriormente armazenados eletronicamente e encaminhados ao Sistema de Informação Mortalidade – Datasus/Min. da Saúde, ou seja, os dados do Seade e do Datasus (Sistema de Informação de Mortalidade – SIM) são os mesmos, porém, os do Seade nos permitem desagregar os dados por raça/cor. A escolha do período 1996-2000 se deve à disponibilidade dos dados segundo cor nestes anos na Fundação Seade. Até 1995 não havia o item raça/cor nos atestados de óbitos; somente em 1996 o Ministério começa a distribuir os
  • 34. 19 formulários/atestados de óbito que continham esse quesito e passou-se, assim, a ter no Estado, aproximadamente, três tipos de formulários, muitos sem o item em questão. À medida que tais formulários acabavam, eram substituídos pelos que possuíam o item raça/cor e, conseqüentemente, houve uma melhora na qualidade desta informação. A Tabela 1 nos mostra que, em 1996, do total de óbitos, 87% não tinha indicação de qual era a raça/cor e, em 1999, esse percentual era de 13,0% e 14,6% para homens e mulheres, respectivamente. Para o ano 2000, esse percentual era de 7%. Mesmo com tal percentual de perdas no dado, é possível confiar nele e fazer algumas inferências. Principalmente quando se sabe que aqui se fala em raça/cor ignorada, que em alguns Estados da federação o percentual de 45% se refere à causa de morte maldefinida/ignorada e, portanto, a qualidade do dado não é confiável, impossibilitando, assim, fazer inferências. TABELA 1 - TOTAL E PERCENTUAL DE ÓBITOS COM COR IGNORADA. ESTADO DE SÃO PAULO, 1996-00 Anos Homens Mulheres N % N % 1996 122.919 87,0 81.560 87,5 1997 84.946 61,1 58.166 62,4 1998 29.260 21,1 21.540 23,3 1999 18.452 13,0 13.827 14,6 2000 9.193 6,5 7.057 7,3 Os anos de 1999 e 2000 fornecem os melhores dados no que diz respeito ao número de óbitos com raça/cor ignorada. Porém, como não temos disponíveis os dados populacionais segundo, idade, sexo e cor nos dados do censo 2000, iremos utilizar os dados do ano de 1999 para aprofundar a análise do perfil da mortalidade por causas específicas.
  • 35. 20 Por fim, foram realizadas seis entrevistas com formadores de opinião, gerentes de serviços, formuladores de políticas de saúde, docentes (especialistas), pessoas que são referências na área de saúde coletiva. As entrevistas com esses especialistas têm como objetivo: discutir com eles os principais achados da pesquisa; buscar na experiência dos entrevistados como eles vêem a saúde da população negra; investigar se eles têm preocupação com esta população; verificar se na sua linha de atuação se coloca a questão da saúde, doença e morte da população negra; por fim, os especialistas são lideranças científicas, formuladores de políticas públicas e gerentes de serviços, pessoas pelas quais se imagina que as especificidades da saúde da população negra deva perpassar. Nessas entrevistas foram abordados os seguintes temas: tuberculose, HIV/Aids, câncer de mama, câncer de colo de útero, câncer de esôfago, câncer de próstata, infarto do miocárdio, cardiomiopatia e acidente vascular cerebral. A relação dessas causas de morte da população negra com as condições de vida, a determinação genética e os determinantes da mortalidade da população negra, também foram enfatizados. Para tanto, foram efetuadas entrevistas temáticas a partir de um roteiro estruturado (Roteiro anexo). Quatro entrevistados abordaram um tema de mortalidade. Dois entrevistados comentaram todas as causas de óbito. As entrevistas foram realizadas separadamente com cada um dos entrevistados, inicialmente discutindo com cada um deles como viam a mortalidade da população negra (de acordo com a especialidade do entrevistado). No final da entrevista, o autor deste trabalho apresentava os dados quantitativos que obteve durante o estudo. Com os dados em mãos os entrevistados passam a questionar o que tinham dito, os dados
  • 36. 21 provocam novas discussões, novas análises, e os entrevistados passam então a repensar suas colocações e aí se inicia um rico debate entre entrevistador e entrevistado – um intenso diálogo de dois especialistas. A análise das entrevistas foi realizada por tema – causa de morte. E analisadas na forma de uma mesa redonda, uma “mesa redonda imaginária”. Para compor a mesa redonda imaginária, foram transcritas as fitas, selecionada a fala dos especialistas, analisando-se em que a fala dos especialistas completavam e ou diferiam, de tal forma que estas falas se consubstanciassem num diálogo, numa mesa redonda imaginária. Nessa mesa redonda, o entrevistador se coloca, os resultados parciais da pesquisa são apresentados e o entrevistado analisa. Os envolvidos discutem, debatem, trocam informações, conhecimentos e “impressões”. Esse debate fica evidente na sistematização das falas, na mesa redonda. Enquanto o levantamento de dados de mortalidade nos permite visualizar a que doenças os homens e mulheres brancos e pretos estão expostos, as falas dos profissionais/especialistas nos proporcionam um panorama de como os profissionais vêem a saúde dos negros, e, como está o debate: processo saúde, doença e a raça/cor. Com efeito, estaremos trabalhando com uma perspectiva quantitativa e qualitativa. Para BECKER (1999): Os dois estilos de trabalho colocam ênfase na compreensão de casos históricos ou etnográficos ao invés de leis gerais de interação social. Mas os dois estilos também implicam um no outro. Toda análise de um caso se baseia, explícita ou implicitamente, em algumas leis gerais, e toda lei geral supõe que a investigação de casos particulares demonstraria o seu funcionamento (BECKER, 1999).
  • 37. 22 5.1. As variáveis Optou-se por utilizar a causa básica de morte para poder estimar a mortalidade proporcional e as taxas específicas de mortalidade pelos grandes capítulos da Classificação Internacional de Doenças – 10a Revisão (CID 10). Depois de realizar a análise do perfil da mortalidade em cada grande capítulo, selecionamos algumas doenças (abertas em três dígitos), que foram tratadas separadamente, para assim poder ressaltar as que apresentam historicamente maior prevalência. Em resumo, utilizou-se a mesma metodologia de BERQUÓ; CUNHA no estudo da morbimortalidade feminina no Brasil (BERQUÓ; CUNHA, 2000, p. 17-18). 5.1.1. As limitações A principal dificuldade que se coloca ao estudar a mortalidade a partir do atestado de óbito é a imprecisão do diagnóstico e o mau preenchimento do atestado. Como já foi salientado, no Estado de São Paulo esse percentual é de 10%. Logo, não há grandes limitações na utilização de tais dados para o Estado. Pelo contrário, cada vez mais essa fonte oficial de informação se mostra um valioso instrumento para
  • 38. 23 formulação de políticas, análise da situação de saúde da população, das condições de vida e acesso a serviços de saúde (VOLOCHKO et al., 1999). Os bancos de dados do Datasus têm a grande vantagem de serem nacionais e estarem acessíveis em diferentes formatos (impressos, CD-ROM, Internet) a qualquer pessoa. Para alguns Estados da federação, a qualidade do dado não é boa – 40% de óbitos sem assistência médica ou mortes ignoradas. Porém, no Estado de São Paulo, quem coleta, vê a consistência e disponibiliza os dados de mortalidade para o Datasus é a Fundação Seade, que possui um cuidado com o aperfeiçoamento e a melhora na qualidade dos atestados de óbitos. Isso significa que hoje a viabilização deste estudo no Estado de São Paulo só é possível em decorrência da existência da Fundação Seade. Outra dificuldade encontrada é conseguir dados populacionais da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE)6. Um terceiro grau de limitação é a dificuldade que hoje temos de utilizar dados dos diferentes bancos produzidos no Brasil, devido a eles ainda não possuírem um código que possibilite compatibilizar/“mergir”/”lincar” informações. Como não há uma comunicação entre eles, o pesquisador utiliza-se de um tipo de informação em cada um dos bancos existentes no país. 6 Em janeiro de 2001 enviamos ofício ao Serviço de Documentação e Disseminação da Informação – SDDI da Fundação IBGE, São Paulo, e responderam que possuíam os dados populacionais do Estado de São Paulo por sexo, idade e cor em sua biblioteca. Em março, fomos até a biblioteca (no SDDI) e, tendo sido recebido pelo chefe da SDDI, constatamos que eles não possuíam os dados e não faziam essa tabulação. Fomos informados de que deveríamos solicitar as tabelas (ao SDDI) e o custo de cada uma delas seria R$ 250,00 ou R$ 80,00 para a Secretaria da Saúde. Caso se desejasse obter as quatro tabelas gratuitamente (população do ESP no anos de 1996 a 1999 por sexo, idade e raça/cor) deveria ser enviado novo ofício ao nosso interlocutor no momento – chefe do SDDI –, mas dificilmente seríamos atendidos. Assim, utilizando contatos de amigos, falamos com o FIBGE – Rio, que sensibilizou-se e só não fez as tabelas em função do acúmulo de trabalho gerado pelo Censo 2000. Será que é através de relações de amizade que dados públicos devem ser disponibilizados para pesquisa?
  • 39. 24 Por fim, duas limitações metodológicas a serem superadas: (1) as dificuldades enfrentadas ao se utilizarem os conceitos de gênero e raça/etnia nos estudos da mortalidade, pois os dados produzidos no atestado de óbito dizem respeito ao sexo e à cor. Ao proceder a análise, é necessário estar atento de que a categoria coletada é um dado biológico sexo/cor, mas que na análise pode-se privilegiar a dimensão cultural e social, daí a utilizar o conceito de gênero e raça/cor como categoria de análise. Essa passagem merece ser ressaltada. Como se está trabalhando com a idéia de que a exclusão social e as condições desfavoráveis dos pretos no espaço social determinam o perfil da mortalidade, que a forma que o indivíduo é construído socialmente determina seu processo saúde, doença e morte, então, a construção social de gênero e raça/cor pode ser utilizada como categoria analítica do estudo, como o pano de fundo na determinação da vida dos indivíduos (1) o dado coletado e analisado no perfil da mortalidade será o biológico, sexo e cor; (2) mas, se considerarmos as desvantagens das mulheres e pretos na sociedade, sua exclusão de vários direitos sociais, o espaço social ocupado por eles em nossa sociedade como perfazendo um perfil sociocultural, então é possível discutir os dados qualitativos a partir das categorias raça/cor e raça/etnia (é possível entender as categorias raça/cor e raça/etnia como construção sociocultural). O conceito de gênero auxilia a distinguir o biológico do social, o cultural do simbólico, na construção de mulheres e homens. Como também auxilia a entender a articulação que se dá entre o genético, o cultural, o biológico e o social. Isso significa que (1) não é possível analisar os óbitos masculinos por acidente de veículo motor ou por causas violentas como uma questão genética, mas se pode fazer a relação com o espaço social que os homens ocupam; (2) os perfis de mortalidade da população
  • 40. 25 preta podem ser compostos por uma articulação de fatores, em que ora podem predominar os fatores socioculturais, ora os genéticos, ora os socioeconômicos. Para que se possa investigar o que leva os negros ao óbito tem-se de enfrentar o desafio de passar muito próximo ao pântano do determinismo genético, econômico e social. 5.2. A ideologia dos dados Em meados dos anos 80, os movimentos sociais, dentre eles o movimento feminista, começam a exigir dos institutos de pesquisa e dos Ministérios da Saúde e do Trabalho dados desagregados segundo o sexo. Com essa demanda, colocada pela sociedade civil, começa-se a ter acesso aos dados de como está a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a escolaridade feminina, entre outros. A Organização das Nações Unidas, após determinar os anos 1975 a 1985 como a década da mulher, insere na metodologia do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a análise dos dados segundo o sexo. Não se pode esquecer que o IDH é o instrumento utilizado pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional para definir se e quanto investirão nos países em desenvolvimento, e o governo brasileiro também se utiliza deste indicador para definir em quais municípios e regiões irá investir recursos. No final dos anos 80, os movimentos negros organizados começaram a reivindicar maior conhecimento sobre a participação do negro no mercado de
  • 41. 26 trabalho, sua situação social, econômica e de saúde. A partir daí, o Ministério do Trabalho, da Saúde e da Educação começaram a inserir em seus dados o quesito cor. E, aos poucos, a Fundação IBGE e o Ministério do Trabalho começaram a divulgar os dados desagregados segundo a raça/cor. No caso específico da saúde, em 1996, o Ministério da Saúde começou a distribuir para os Estados da federação atestados de óbitos com o quesito cor. E, em 1997, as declarações de nascidos vivos passaram a conter também esse quesito. Se num primeiro momento, houve três diferentes formulários de atestados de óbitos, hoje, no Estado de São Paulo, há somente um em circulação e, conseqüentemente, o dado raça/cor está cada vez mais presente, melhorando a confiabilidade no dado e na análise. Por isso, hoje é possível realizar estudos privilegiando a relação entre os homens e as mulheres, os brancos e os pretos. Porém, dadas as piores condições de mulheres e pretos no Brasil, o que divulgar e dar visibilidade e o que deixar invisível? Alguns dados, ao serem divulgados, utilizam-se de uma lógica escamoteadora da realidade. Explico melhor: se é um dado sobre mortalidade não há nenhum problema em divulgá-lo segundo a raça/cor. Então, eles serão divulgados segundo as cinco categorias do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena). Mas, se o dado permitir explicitar as condições de vida da população, então, com a justificativa de não ser estatisticamente significativo, não é divulgado pelas categorias do IBGE, mas sim agregando as variáveis em homens e mulheres, brancos e não-brancos. Logo, os dados e indicadores produzidos pelas instituições ora dão visibilidade às questões das mulheres e dos negros, ora as omitem.
  • 42. 27 Denominamos esse processo de ideologia dos dados. Ideologia que nos leva a refletir sobre como cada um interpreta e analisa a questão cor. Como apontamos anteriormente, o IBGE classifica a população com base na cor da pele (quesito cor), mas esta, definitivamente, não é uma questão simples de ser solucionada. Para o movimento negro, o ideal é utilizar a categoria negro (preto mais pardo) por entender que aí é que se encontra a identidade sociocultural e histórica da população afro- descendente. Cabe observar que os demógrafos e sociólogos trabalham com: brancos, negros (pardos mais preto), amarelos e indígenas ou com brancos e não- brancos. Nesse estudo utilização as categorias as categorias preto branco e outros (pardos, amarelos e indígenas) em função da necessidade de evidenciar a realidade dos pretos; em função das dificuldades impostas pela operacionalização categoria pardo - o pardo pode ter se construindo durante sua vida enquanto preto ou enquanto branco, isso é dito/evidente na auto declaração do indivíduo mas não na hetero classificação (atestado de óbito). Um popular e um profissional médico, ao preencherem o atestado de óbito, podem ter critérios diferentes para julgar se uma pessoa parda é negra, branca ou... Mas, dificilmente terá dúvida com um branco e um preto. Assim, um preto/branco nasce preto/branco, vive identificado como um preto/branco e morre como um preto/branco. Como o perfil da mortalidade será analisado aqui em uma perspectiva sociocultural, a forma pela qual o indivíduo é visto e como os outros o vêem são fatores fundamentais na construção da sua identidade. Nesse caso, a menos que tenhamos casos de esquizofrenia coletiva, todo negro é preto. Todo branco é branco, mas nem todo pardo se identifica como negro e se
  • 43. 28 constrói socialmente desta maneira. E o profissional, ao preencher o atestado de óbito, pode ter critérios diferentes para identificar uma pessoa, mas não terá quanto à cor de um branco ou de um preto. Daí manter na análise dos dados deste trabalho as categorias branco, preto e outros (pardos, indígenas e amarelos), frisando que estamos cientes de que as condições de vida de amarelos e indígenas no Estado de São Paulo são totalmente diferentes e que seria interessante estudar o perfil de sua mortalidade (mesmo assim passa-se a ter aqui o perfil da mortalidade de grupos que compõem a população do Estado). Por outro lado, como numericamente a população parda é maior que a indígena e amarela, o perfil de sua mortalidade se impõe perante as outras. Um limite metodológico e que tem a ver com a ideologia é a distinção que existe no perfil dos dados de mortalidade com os dados populacionais. Para realizar o cálculo das taxas de mortalidade temos de utilizar o dado populacional, e quem respondeu qual era a sua cor foi a própria pessoa, ela que disse se era preta, parda ou branca para o entrevistador. No atestado de óbito, quem diz qual é a raça/cor daquela pessoa é quem está preenchendo o atestado de óbito. Nesse caso, a pessoa pode ser mais ou menos preta de acordo com o local onde ocorreu o óbito, a causa/tipo de óbito e o local de moradia. Essa disjunção de falas – do vivo e a do morto –, o vivo dizendo quem ele é e o legista dizendo quem ele pensa que você é, provocam discrepâncias, pequenos erros nos cálculos da taxa de mortalidade. Portanto, os cálculos exibidos aqui não são verdades absolutas, mas uma aproximação do real. Um segundo grau de dificuldades a serem enfrentadas é a operacionalização da categoria raça/etnia e raça/cor. Vamos nos ater aqui a estudar a mortalidade segundo a cor, porque os dados analisados foram coletados e dizem respeito à cor e não nos
  • 44. 29 permitem ir além. Entretanto, vamos usar a categoria raça/etnia quando estivermos nos referindo aos aspectos socioculturais dos pretos em nossa sociedade, supondo que este contexto configura em um espaço social – exclusão dos direitos sociais e condições socioeconômicas desfavoráveis dos negros. E essa condição interfere em seu capital cultural, capital econômico, capital político e modo de vida. Também é um componente ideológico a utilização de dados estatísticos e de surveys; sendo que, para alguns sociólogos, esse uso significa que se está fazendo um estudo positivista. BRUSCHINI (1992) nos lembra que é preciso reconhecer que a metodologia de pesquisa deve ser selecionada de acordo com o problema proposto pela investigação. Quando o que se procura é traçar um diagnóstico com base em dados generalizáveis, não há como fugir dos surveys e dos dados quantitativos. O componente ideológico, positivista, marxista, sexista pode estar presente em qualquer método quantitativo ou qualitativo. A análise positivista do dado virá independentemente do tema ou do método, pois o que o determina é como ele é visto, como é feita sua análise crítica. (BRUSCHINI, 1992) Ao eleger as desigualdades sociais como tema e as relações de gênero e raça/cor como categoria de análise, pretendemos trazer um exame crítico das relações sociais, das desigualdades sociais e das relações de poder existentes no interior de nossa sociedade. Pensamos que essa construção social pode ser captada nos surveys e em indicadores macrossociais.
  • 45. 30 CAPÍTULO 1 SAÚDE: ENTRE O BIOLÓGICO E O SOCIAL
  • 46. 31 1. A DETERMINAÇÃO SOCIAL DA DOENÇA Para pensar a saúde e sua interface com o biológico e o social7, temos necessariamente de passar pelas contribuições da sociologia no campo da saúde coletiva e na construção da própria sociologia da saúde. Temas que têm sido estudados por diversos autores (Juan César Garcia, Maria Cecília Donangelo, Asa Cristina Laurell, Ana Canesqui, entre outros), e um dos autores que muito contribuíram para se pensar a sociologia da saúde, as ciências sociais em saúde ou a saúde coletiva foi o professor Everardo Duarte Nunes (NUNES, 1983, 1985 e 1999). As publicações do autor nos auxiliam a compreender sua contribuição para o processo saúde-doença; as articulações existentes entre o biológico e o social; as relações entre a saúde e a sociedade; de que forma a sociologia se constrói como um campo na saúde coletiva; a formação do profissional médico; o ensino da sociologia na medicina, entre outros. Interessa-me aqui, analisar as contribuições de Nunes, para pensar como o social, enquanto objeto de estudo da sociologia, vem sendo analisado na área da saúde coletiva. 7 Nome originalmente dado por Cyntia Sarti à disciplina: Entre o biológico e o social: família, gênero e saúde, ministrada no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Unesp – Araraquara, em 1998.
  • 47. 32 Vêm da sociologia as categorias que permitem o estudo da saúde como um processo social, além de um conjunto de métodos, técnicas, objetos, definições e instrumentos que permitiram e permitem diferentes níveis de abordagem de um mesmo problema de saúde. A diversidade de perspectivas, linhas teóricas, soluções metodológicas e técnicas de análise em saúde, também, são contribuições das ciências sociais à saúde. A teoria marxista foi amplamente utilizada por Garcia, Laurel, Breilh, entre outros para se entender como os aspectos sociais, políticos e econômicos determinam o processo saúde/doença. No final dos anos 60, estudos realizados pela Organização Pan-Americana de Saúde começaram a enfatizar a importância da classe social como um conceito e como uma categoria analítica que, ao ser incorporada aos estudos de saúde, possibilitaria perceber o que há de social na doença. NUNES (1999), ao realizar a trajetória das ciências sociais em saúde no Brasil, analisa alguns antecedentes ocorridos nos anos 40 e 50, mas ressalta que a inclusão de forma sistemática da abordagem do social na saúde tem início dos anos 60, quando ocorreu, em muitos países da América Latina, uma crítica ao modelo de ensino das escolas médicas quanto à ênfase conferida às ciências biológicas. Foi nesse momento que muitas escolas introduziram nos cursos de graduação as disciplinas do social. O trabalho revela o papel da Organização Pan-Americana da Saúde na promoção de seminários que muito incentivaram as Ciências Sociais, também em relação aos cursos de pós-graduação em nível de mestrado (Brasil e México). Tanto no plano da construção teórica como dos movimentos políticos, a década de 70 foi fundamental na fixação de linhas de pesquisa e da viabilização de
  • 48. 33 um projeto mais amplo sobre as questões de saúde. São criadas associações que reúnem os profissionais de saúde, denominadas de Saúde Coletiva. Com a ampliação do número de cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em saúde pública/saúde coletiva, as Ciências Sociais tornam-se parte integrante deles. Na década de 80, assiste-se não apenas a uma crítica aos modelos clássicos da sociologia, especialmente os da corrente do materialismo histórico, como também à adoção de metodologias qualitativas para as pesquisas em saúde (NUNES, 1999, p.21-22). Quais as contribuições da sociologia a partir dos meados dos anos 80? Pensamos que a incorporação das desigualdades sociais, com a introdução mais específica dos conceitos de gênero, etnia e raça como categoria explicativa das análises sociológicas, seja uma dessas contribuições. A introdução desses temas e conceitos, ao serem utilizados nos estudos de saúde, acaba por denunciar as condições sociais e de vida de diferentes grupos, e, sobretudo, como essas desigualdades expressam as condições de vida de tais grupos (CASTELLANOS, 19978; BARATA et al., 1997; THÉBAUD-MONY, 2000). O comprometimento político do movimento feminista e do movimento negro também se constituem como instâncias fundamentais para a incorporação das desigualdades sociais em saúde, das ciências sociais e a saúde, e para a articulação entre o biológico e o social. 8 Apud Barata, 1997, p. 18.
  • 49. 34 2. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE: A RAÇA NEGRA9 As relações de poder e desigualdade existentes na sociedade, assim como a discriminação racial, são mediadas pelo lugar que o indivíduo ocupa no espaço social. Sabemos que na interface espaço social, gênero e raça/cor as piores condições são dadas às mulheres pretas. Considerando que as condições de vida determinam o processo saúde, doença e morte, então elas devem ter os piores indicadores de saúde. Entender o processo de articulação entre as desigualdades sociais e o processo saúde, doença e morte leva-nos a integrar aportes de teorias sobre a negação de oportunidades na produção feminista, que incorpora o conceito de gênero como categoria analítica, e na literatura que vem mapeando a discriminação racial na sociedade brasileira (ROSEMBERG, 2000, p. 129). Há no mercado editorial várias publicações sobre a construção social da desigualdade de oportunidades entre brancos e negros na sociedade brasileira; no entanto, gostaríamos de destacar duas contribuições: Raça, ciência e sociedade, organizada por CHOR-MAIO; SANTOS (1996) e Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil, organizada por GUIMARÃES; HUNTLEY (2000). O primeiro 9 Título que dá nome à segunda seção do livro Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil, organizado por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães e Lynn Huntley.
  • 50. 35 livro, ao sistematizar e mapear a construção social da desigualdade no Brasil, convida vários pesquisadores a visitar a obra de Donald Pierson, Thales de Azevedo, Marvin Harris, Roger Bastide, Gilberto Freire, Guerreiro Ramos, Florestan Fernandes; autores que discutiram a dificuldade dos negros ascenderem socialmente e preconizaram como causas da segregação racial uma desvantagem inicial produzida pela escravidão: a falta de recursos, a pobreza material e social, a menor escolaridade, a forma como se deu a abolição da escravidão no Brasil, entre outros. Já o livro Tirando a máscara faz um mapeamento atual das desigualdades e convida especialistas, representantes de movimentos sociais e ativistas no campo dos direitos humanos a refletir sobre como as desigualdades sociais e o racismo são colocadas hoje no Brasil. Ao visitar as reflexões presentes nessas obras, buscamos fazer um histórico de como as desigualdades entre negros e brancos foram tratadas na literatura brasileira. Mesmo reconhecendo a existência de discriminação e preconceito racial, Marvin Harris imputa a desigualdade à sobreposição das ordens econômica e racial. Para ele, as desigualdades no Brasil não são propriamente raciais, mas sim sociais ou de classe. Enquanto Thales de Azevedo, ao teorizar sobre as relações raciais no Brasil, trabalha com a idéia de grupos de prestígio e com a sobreposição na estrutura social brasileira de duas hierarquias: [...] a primeira, uma ordem econômica de classes sociais, baseada em relações sociais abertas e de mercado, onde dominam os contatos categóricos; e a segunda, uma ordem bipolar de status e prestígio, demarcada principalmente por marcas adscritas como cor e origem familiar, onde imperam os contatos primários e simpáticos permitidos por uma rede de relações pessoais. Esses dois grupos de prestígio, remanescentes da ordem escravista, podiam ser indistintamente denominados como brancos ou ricos, o
  • 51. 36 primeiro, e pretos ou pobres, o segundo... Explicita assim o significado sociológico do velho ditado, também típico ideal, de que branco pobre é preto e preto rico é branco. (GUIMARÃES, 1996 p. 153) Florestan Fernandes, ao estudar a marginalização dos pretos e mulatos e seu reflexo na sociedade dos anos 50, enfatiza a integração do negro na sociedade de classes como um ponto de partida, como uma possibilidade de integração desse grupo na sociedade (ARRUDA, 1996). Primeiro, havia o dilema da absorção da população de cor às formas de vida social organizadas imperantes na ordem competitiva... Segundo, havia o dilema do preconceito de cor, ou seja, no que isso significa na sociedade brasileira, da perduração da velha associação entre cor e posição social ínfima, a qual excluía o negro, de modo parcial ou total – conforme os componentes e os direitos sociais considerados – da condição de gente (FERNANDES, 1965 apud ARRUDA, 1996). A reflexão de Florestan sobre a condição do negro na passagem de uma economia agroexportadora para uma economia por substituição de importação é fundamental para o entendimento das condições de vida dos negros no Brasil. O autor nos ajuda a perceber as desigualdades sociais existentes no cotidiano negro do período escravocrata (1534 a 1888) até o período pós-abolicionista, com a exclusão dos negros, principalmente os homens, do mercado de trabalho urbano. Ele nos mostra também que nesse período houve a preferência pela importação de mão-de- obra européia e como este processo se configurou em incorporação dos negros em postos de trabalho de menor qualificação e em brechas do mercado. Todo esse processo chega aos nossos dias em forma de discriminação racial, desvantagem dos negros no que diz respeito ao acesso à justiça, emprego em setores de menor
  • 52. 37 qualificação, diferenças de oportunidades no trabalho, no rendimento. Quais são os reflexos desse processo na saúde dos pretos e pardos? Alguns estudos apontam que a negação de oportunidades para o desenvolvimento dos pretos se dá por eles serem pobres. E eles são pobres porque foram escravos. Tais estudos não incorporam em sua análise a economia e a justiça, dois pontos importantes da teoria marxista, não consideram o contexto, ou seja, a Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888, que diz: “É declarada extinta a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”, porém a referida lei não trouxe nenhum detalhamento a mais. Para SANTOS (2000), a história seria outra se a abolição se fizesse acompanhada por mecanismos que inserissem os ex-escravos no mercado de trabalho ou em uma reforma agrária, por meio da qual as famílias dos ex-escravos recebessem pequenas propriedades agrícolas aptas à produção (SANTOS, 2000, p.57). Da forma como a abolição ocorreu, só poderia levar a população negra às margens das cidades, às margens da sociedade, às margens... Margens que hoje a Conferência contra o racismo e outras formas de xenofobia pensam em recompensar com o pagamento de indenizações aos negros. SANSONE (1996), ao fazer a análise das perspectivas contemporâneas das desigualdades entre brancos e negros, identifica os diversos níveis de racismo e a hierarquização de domínios e espaços segundo a cor. Para o autor, na procura de trabalho há o máximo de racismo e nos espaços negros explícitos, o mínimo. A citação abaixo nos ajuda a compreender sua linha de argumentação. Assim, a cada âmbito da vida privada parecem estar associados alguns termos de cor e uma particular preocupação com a norma somática, seja na família – eu sou mais ou menos escuro do que meu irmão, puxei pela parte branca/negra da família; na turma (negão); numa briga ou
  • 53. 38 insulto (coisa de preto); no carnaval ou no universo da música e da religião (a cultura negra); no namoro (neguinho e neguinha). (SANSONE, 1996, p. 211) HASENBALG (1996), ao fazer a perspectiva contemporânea da questão racial, amplia tematicamente e refina tecnicamente as áreas de investigação. O autor deixa de enfatizar que as desigualdades são um legado do passado escravista e passa a dar importância às práticas discriminatórias que atuam no sentido de perpetuar as desigualdades sociais. Para ele, essas desigualdades entre pretos e brancos não são apenas uma questão de classe, mas também não podemos analisá-las apenas como uma questão histórica ou de cor. Devemos sim interpretá-las como uma interação de fatores, ou seja, tanto a questão classe, como a questão racial, o momento histórico e econômico, a relação familiar, o fator geográfico, a sorte, o interesse, o talento e a personalidade interagem para criar as oportunidades de vida para os negros nos dias de hoje, afirma o autor. SOARES, (2001a) pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, estudou o perfil da discriminação no mercado de trabalho de homem branco, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras a partir de dados das PNADs 1987-1988. O autor parte do princípio de que a sociedade brasileira não aceita que negros ocupem posições favoráveis na estrutura de rendimentos e quanto mais os negros avançam, mais são discriminados. E conclui (1) é na escola, e não no mercado de trabalho que o futuro de muitos negros é selado; (2) se o negro fica no lugar a ele alocado, sofrerá pouca discriminação. Mas se porventura tentar ocupar um lugar ao sol, sentirá o peso das três etapas da discriminação – qualificação, inserção no mercado de trabalho e rendimento – sobre os seus ombros. O estudo mostra:
  • 54. 39 • Que a diferença salarial entre homens brancos e pretos se deve principalmente a diferenças na qualificação, na discriminação salarial e de inserção no mercado; • Que o rendimento das mulheres negras chega a ser 60% inferior ao rendimento dos homens brancos; • Que a diferença salarial entre homens brancos e mulheres brancas é um diferencial salarial puro; • Que ao calcular apenas o nível educacional e o salário, as mulheres deveriam ganhar mais que os homens e que a discriminação contra as mulheres no mercado de trabalho é mais forte do que a discriminação contra os negros; • Que se ocorresse o fim da discriminação os homens negros mais pobres teriam seu salário acrescido em torno de 5% a 7%; já os homens negros mais ricos em torno de 27%, as mulheres negras em 55% e as brancas 35%; • Um homem negro melhoraria seu salário em 10% se trabalhasse no mesmo setor de atividade econômica do branco, morasse na mesma região e tivesse o mesmo vínculo empregatício; • Se não houvesse mais discriminação no mercado de trabalho, dentro de 30 anos o salário das mulheres brancas seria igual a dos homens brancos. No caso dos homens negros, esse prazo é infinito, pois a tendência é de manter a diferença e não de queda; • Os negros ao saírem da escola, são mal inseridos no mercado de trabalho, exercem funções piores, e passam a aferir menores salários.
  • 55. 40 Henriques (também pesquisador do IPEA), ao estudar as desigualdades raciais no Brasil e as evoluções das condições de vida na década de 90 mostra a intensa desigualdade de oportunidades a que está submetida a população negra no Brasil. (HENRIQUES, 2001) Dentro dessa perspectiva, a Pesquisa de Condições de Vida – PCV/98 elaborada no Estado de São Paulo pela Fundação Seade10 é um dado que nos auxilia a dar números à vulnerabilidade da população negra paulista, a realizar a análise das diferenças de oportunidades e qualidade de vida de brancos, pretos e negros na sociedade brasileira, a verificar qual o espaço social ocupado por brancos e pretos em nossa sociedade. A Pesquisa de Condições de Vida – PCV é realizada com 15 mil famílias residentes no Estado de São Paulo. No entanto, os dados da PCV trabalham com as categorias brancos e não-brancos (pretos, pardos, amarelos e indígenas), é uma amostra de famílias e trabalha apenas com cidades de mais de 50 mil habitantes (urbano). Os dados da pesquisa indicam que o tamanho médio das famílias paulistas é de no máximo dois filhos e dentre as famílias com maior número médio de filhos estão aquelas chefiadas pelas mulheres não-brancas. Esses dados indicam também que o tamanho da família e o perfil de sua chefia são determinantes no acesso que esta família terá a bens e consumo. Nesse caso, as piores condições estão entre as mulheres não-brancas. 10 . Dados inéditos fornecidos ao autor para esta tese e assim compor a análise das condições de vida de brancos e pretos no Estado de São Paulo. A Pesquisa de Condições de Vida é realizada pela Fundação Seade de quatro em quatro anos. Sua primeira versão é de 1990 e a última de 1998. Uma das dificuldades de se trabalhar com a PCV é que ela classifica a população em brancos e não- brancos. E entre os não-brancos estão os pretos, pardos, amarelos e indígenas. Os amarelos notadamente possuem melhores condições de vida quando comparados com os outros três segmentos que compõem os não-brancos, mas mesmo assim os dados tendem para a maioria da população, os pardos e pretos = negros.
  • 56. 41 No que diz respeito à escolaridade, as chefes de família não-brancas possuem menor escolaridade. No entanto, essas mulheres parecem estar buscando sua qualificação, pois o maior percentual de freqüência à escola (4,8%) e a menor não- freqüência (95%), expressas na tabela abaixo, evidenciam isso. Quanto aos homens não-brancos, apesar de possuírem percentual de escolaridade maior que as mulheres não-brancas, têm pior nível de instrução e menor freqüência. A pior escolaridade das mulheres não-brancas pode ser mais um sinal das dificuldades que podem vir a ter suas famílias para sobreviver. A tabela abaixo evidencia a menor escolaridade dos negros. TABELA 2 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS CHEFES DE FAMÍLIA, POR SEXO E COR, SEGUNDO NÍVEL DE INSTRUÇÃO E FREQÜÊNCIA À ESCOLA. ESTADO DE SÃO PAULO, 1998 NÍVEL DE INSTRUÇÃO HOMENS MULHERES Brancos Não-brancos Total Brancas Não-brancas Total TOTAL Nível de instrução Fundamental incompl (1) 49,5 72,3 55,4 60,1 73,7 63,6 57,2 Fundamental completo 10,7 8,5 10,1 7,9 7,9 7,9 9,6 Médio incompleto 3,8 4,6 4,0 3,1 (3,0) 3,0 3,8 Médio completo 15,4 7,2 13,3 12,0 9,4 11,3 12,8 Superior 20,6 7,4 17,2 17,0 5,9 14,1 16,5 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 ANOS DE ESCOLARIDADE Anos médios de escolaridade 7,8 5,4 7,2 6,5 4,9 6,0 6,9 CONDIÇÃO DE FREQÜÊNCIA E NÍVEL DE ENSINO Condições de freqüência Não freqüenta 97,1 97,2 97,2 97,1 95,2 96,6 97,0 Freqüenta 2,9 2,8 2,8 2,9 4,8 3,4 3,0 Ensino fundamental (2) 0,8 2,0 1,1 (1,3) ... 1,5 1,2 Ensino médio (2) 0,9 (0,7) 0,8 ... ... (0,9) 0,9 Ensino superior 1,2 ... 0,9 (0,9) ... (1,0) 0,9 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV. (1) Inclusive analfabetos. (2) Inclusive supletivo. Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a erro amostral relativo superior a 30%. (...) A amostra não comporta desagregação para esta categoria.
  • 57. 42 A renda familiar das famílias não-brancas também é inferior à das famílias brancas. A renda familiar per capita no Estado era de R$ 531,00 (set./98). A renda familiar média total era de R$ 1.536,00 (set./98), mas os 5% das famílias mais ricas auferem rendimentos 45 vezes maiores que os 5% de famílias mais pobres (São Paulo, 1999, p. 12). Tal concentração de renda decorre, sobretudo, da desigualdade de remuneração da população. A tabela abaixo indica o perfil da renda familiar entre homens e mulheres brancos e não-brancos. TABELA 3 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS CHEFES DE FAMÍLIA, POR SEXO E COR, SEGUNDO CLASSES DE RENDA FAMILIAR TOTAL E PER CAPITA .ESTADO DE SÃO PAULO, 1998 RENDA FAMILIAR HOMENS MULHERES Brancos Não-brancos Total Brancas Não-brancas Total TOTAL Classes de renda em salários mínimos (1) Até 2 8,0 14,1 9,6 22,7 25,8 23,6 12,8 De 2 a 3 6,0 9,6 6,9 9,5 12,1 10,3 7,7 De 3 a 5 15,5 23,0 17,5 17,0 21,1 18,2 17,6 De 5 a 10 28,6 30,1 29,0 23,1 26,5 24,1 27,9 De 10 a 20 22,3 15,3 20,5 18,0 9,5 15,6 19,4 Mais de 20 19,6 8,0 16,6 9,6 4,9 8,3 14,7 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Renda familiar per capita em salários mínimos (1) Até 0,5 6,0 11,9 7,6 9,9 16,9 11,9 8,6 De 0,5 a 1 10,2 19,0 12,5 14,0 22,7 16,5 13,4 De 1 a 2 24,2 31,7 26,1 21,2 24,7 22,2 25,3 De 2 a 5 33,8 26,5 31,9 29,9 25,6 28,7 31,2 De 5 a 10 14,8 8,1 13,1 15,1 7,9 13,1 13,1 Mais de 10 10,9 2,9 8,8 9,8 ... 7,7 8,6 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV. (1) Salário mínimo de setembro de 1998. Nota: (...) A amostra não comporta desagregação para esta categoria. Essa tabela mostra que aproximadamente 35% das famílias chefiadas por mulheres têm renda familiar de até três salários mínimos – com diferenciais entre as mulheres brancas e não-brancas, 25,8% das não-brancas ganham até dois salários mínimos e têm renda per capita de meio salário mínimo. É significativo a amostra
  • 58. 43 não comportar desagregação para a renda familiar de mulheres não-brancas maior de dez salários. Ou seja, poucas mulheres não-brancas têm renda familiar acima de dez salários mínimos. Recentemente (1999), o Departamento Intersindical de Estatística e estudos Sócio-econômicos - DIEESE desenvolveu uma série de estudos sobre as mulheres e negros no mercado de trabalho. A primeira conclusão do conjunto de trabalhos é que há uma hierarquia invisível e predeterminada no mercado de trabalho. Nela, ocupam o topo os homens brancos, depois as mulheres brancas, em seguida, vêm os homens negros e, por fim, as mulheres negras. (SANCHES, 2000, p. 13-15) No que tange à divisão do trabalho entre os sexos, como salientamos anteriormente, a evolução da escolaridade e formação das mulheres não se consolidou como uma solução para o melhor salário das mulheres. Elas continuam ganhando menos que os homens. E ainda se vê trabalhadoras do comércio e indústria com qualificação, formação, mas classificadas no nível mais baixo da qualificação e de salários. (HIRATA, 2001, p.4) Com a redução das taxas de fecundidade, maior escolaridade e participação das mulheres no mercado de trabalho, poderíamos estar vivenciando, no Estado, uma maior renda per capita das famílias. Entretanto, as famílias com renda de até 0,5 salário mínimo per capita – grupo mais exposto à indigência e à pobreza – constituem cerca de 9% da população do Estado. Essa proporção é ligeiramente maior nas famílias chefiadas por mulheres (17%) e homens negros (12%). A realidade do acesso ao saneamento básico para os moradores do Estado pesquisados pela PCV apresenta um resultado surpreendente: as famílias chefiadas por mulheres possuem maior acesso ao saneamento, sendo as chefiadas por mulheres não-brancas aquelas que possuem menor acesso ao saneamento básico. A
  • 59. 44 preocupação com a saúde do ambiente (percentual de domicílios ligados às redes de água, esgoto) é importantíssima, especialmente nos grandes centros urbanos, pois “a falta de saneamento está diretamente relacionada à mortalidade infantil, a doenças infecciosas e parasitárias, pode ter impactos sobre a saúde feminina, entre outras razões, porque implica sobrecarga de trabalho”. (ARTICULAÇÃO..., 2000 apud CORREA, 2001, p. 22) Os dados coletados na PCV evidenciam que entre as famílias monoparentais chefiadas por mulheres há uma prevalência das mulheres não-brancas, e que estas possuem os piores rendimentos e condições de vida. Os dados também mostram a pior qualidade de vida, de acesso a bens materiais e de consumo para as mulheres e não-brancos. Nesse sentido, as relações sociais de gênero articulam-se com a raça/cor e o espaço social para determinar as piores condições de vida dos negros. HENRIQUES (2001) ao estudar a desigualdade racial no Brasil aponta que: os negros representam 63% da população pobre. Do total de mulheres e homens negros 42,9% são pobres e 18,3% são indigentes. “A constatação incontornável que se apresenta é que nascer de cor parda ou cor preta aumenta de forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre.” (HENRIQUES, 2001, p. 10-11) A discriminação racial, que exclui os negros do pleno gozo dos direitos sociais, como o acesso a educação, renda e emprego, acaba por impedi-los de obter maior mobilidade social. Os dados da PCV mostram que os não-brancos, ao terem maior número de filhos, menor escolaridade e, conseqüentemente, menor remuneração, têm maior dificuldade para obter acesso a bens e consumo. Em resumo, as mulheres e os negros com piores condições de acesso a bens e consumo são os que mais sofrem com o preconceito, a discriminação, o racismo e a
  • 60. 45 discriminação de gênero e raça na sociedade brasileira. No limite, podemos pensar que tal sofrimento pode estar expresso em indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)11, sendo a “esperança de vida ao nascer” um dos indicadores do IDH que expressam a saúde. Como já salientamos, as mulheres vivem mais do que os homens, então o que se espera é que as mulheres brancas e negras tenham maior esperança de vida. No entanto, quando se compara a esperança de vida de homens e mulheres, brancos e negros, as mulheres negras estão vivendo menos que os homens brancos. Esse dado evidencia o quanto a questão socioeconômica, o menor acesso a bens e consumo, e as piores condições de vida das mulheres negras estão afetando sua saúde. Veja o gráfico seguinte. GRÁFICO aoGRÁFICO 1. Esperança de vida aonascer. 1997nascer. Brasil, 1997565860626466687072Esperança de vidaMulheres BrancasHomens BrancosMulheres NegrasHomens Negros Fonte: FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. Brasil, 2000 – novos marcos para as relações raciais. 2000. 11 O IDH congrega três índices: o índice de rendimento, de longevidade e educacional. No caso da esperança de vida ao nascer, cabe destacar que é um indicador fundamental para a saúde, porque nele estão implícitos as condições de vida, a mortalidade infantil, a fertilidade, a nupcialidade, o acesso a serviços de infra-estrutura.
  • 61. 46 A inversão de posição das mulheres negras quanto a esperança de vida ao nascer e posição ocupada pelos homens negros, sugere que esse grupo tenha maior vulnerabilidade – suscetibilidade a agravos ou mesmo maior risco de adoecer e morrer. Por vulnerabilidade compreende-se a chance de exposição de determinadas pessoas ao adoecimento, à violência e à morte, como resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos e contextuais, que acarretam maior suscetibilidade em decorrência da menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger (AYRES, 1998). O conceito de vulnerabilidade busca fornecer elementos para avaliar objetivamente as diferentes chances que cada indivíduo ou grupo populacional particular tem de se contaminar, dado o conjunto formado por certas características individuais e sociais e de seu cotidiano, julgadas relevantes para a maior exposição ou menor chance de proteção diante do problema. Não se trata, portanto, de esquecer o conceito epidemiológico de risco, mas sim de não se ater a ele, explorando as potencialidades de outras formas de tratamento da questão, seja através de uma maior exploração de estudos não restritivos ao conceito de risco, por exemplo os estudos epidemiológicos descritivos ou os estudos ecológicos, seja colocando os riscos positivamente encontrados sob a “suspeita” que sua base estocástica exige, no momento da passagem da análise, as conclusões. Por outro lado, não precisamos e não devemos nos limitar à epidemiologia como fonte de conhecimento objetivo útil ao enfrentamento de epidemia. O recurso a outras áreas disciplinares, afins ao amplo espectro de determinantes da vulnerabilidade ao HIV/Aids, como as chamadas ciências humanas é mais um “convite” fundamental deste conceito. (AYRES et al., 1999, p. 65-66) O conceito de vulnerabilidade proposto por pesquisadores e ativistas que atuam em intervenção sobre o HIV/Aids, dentre eles Mann e cols., ganhou visibilidade e concretude no Brasil a partir das publicações de AYRES (1998) e AYRES et al.
  • 62. 47 (1999). Mas os autores advertem que esse conceito não é novo, pois ele já era utilizado pela Organização Pan-americana de Saúde nos anos 70. A novidade é que ele, ao ser entendido como suscetibilidade de grupos e indivíduos fragilizados12, politiza determinados agravos. O Jornal da Rede Saúde (n.º 23 de 2001), ao enfatizar que o racismo gera doença, a partir da interpenetração das variáveis sexo/gênero, dos 350 anos de discriminação dos negros na sociedade brasileira, das piores condições de vida, da falta de acesso aos bens e aos serviços e o precário atendimento em saúde, oferece- nos artigos que indicam maior vulnerabilidade da população negra a: mortalidade (BARBOSA, 2001), mortalidade infantil (CUNHA, 2001), mioma uterino (SOUZA, 2001), cesárea (CHARCHAM, 2001), mortalidade materna (MARTINS, 2001) e HIV/Aids (WERNECK, 2001). 12 Fragilizados em função de um comportamento pessoal ou vulnerabilidade individual; pelo contexto social ou vulnerabilidade social; e ausência de programa nacional de combate ou vulnerabilidade programática (AYRES et al., 1999, p. 56).
  • 63. 48 3. RAÇA/COR: COMO CATEGORIA DE ANÁLISE EM SAÚDE A raça/cor13 é uma construção social e conseqüentemente um diferencial importante no perfil da saúde, principalmente quando pensamos nas desigualdades às quais estão submetidos os pretos em nossa sociedade. Vários estudos, especialmente nos Estados Unidos, mostram que as pessoas de raça negra – assim como de outros grupos raciais/étnicos, como judeus, ciganos etc. – estão biologicamente mais predispostas a desenvolver doenças, algumas de ordem genética, na dependência também de como se der a interação delas com o meio ambiente físico, social e cultural. Além disso, tem-se comprovado que razões de ordem socioeconômica, padrões culturais definidos a partir da origem étnica e a forma discriminatória com que são tratados alguns segmentos raciais/étnicos podem trazer um risco maior de contrair determinadas enfermidades. (ARTICULAÇÃO... , 2001, p. 26) Para que se possam captar as nuanças da sociedade e pensar como a característica biológica e genética é um fator que determina o processo saúde, doença e morte, utilizamos a questão do negro na sociedade brasileira. Apesar dos 113 anos de abolição da escravidão, de os negros gradativamente aumentarem seu poder de 13 Nos dados produzidos no sistema de saúde constam os itens cor e raça, daí se utilizar raça/cor.
  • 64. 49 compra e de sua maior participação na sociedade, a discriminação racial persiste demarcando a vida, a saúde, doença e morte deste grupo. As características biológicas dos seres humanos têm, no decorrer da história, servido de suporte ao preconceito e à discriminação. Sabemos que não existem raças entre os seres humanos, características fenotípicas ou puramente biológicas. No entanto, temos utilizado a raça como um componente político, para expressar as desvantagens dos negros em relação a vários direitos sociais. Segundo TOPEL (1998), no Brasil, a aplicação do conceito raça tem sido quase exclusiva nos estudos da população negra, sendo muito raro o seu uso para designar outros grupos. Assim, o que se destaca nas pesquisas sobre os negros no Brasil – ainda que uma constatação similar possa ser feita sobre outros contextos nacionais – é que eles são o único grupo da sociedade ao qual é associado o conceito raça, que se torna no Brasil sinônimo de negro. (TOPEL, 1998, p. 14). Uma segunda preocupação da autora é com a falta de critério na utilização dos conceitos raça e etnia, que são utilizados por pesquisadores que não são antropólogos como se fossem sinônimos. A autora reconhece que as razões para a utilização do conceito raça apenas para os negros são complexas; reconhece também a importância da dimensão política e ideológica da utilização da raça para os negros e não para os brancos, japoneses, terenas, sírios, libaneses e judeus; todavia, considera oportuna a unificação dos marcos conceituais, com o objetivo de facilitar estudos comparativos entre os negros e outros grupos étnicos brasileiros.