O documento discute pais que transportam seus filhos de bicicleta na cidade de Porto Alegre. Alguns usam cadeirinhas ou bolsas presas à bicicleta, enquanto outros colocam as crianças no banco traseiro. Embora a prática promova a saúde e o meio ambiente, também existe o risco no trânsito, com alguns defendendo que crianças devem ir de carro por questões de segurança.
1. ZERO HORA, SÁBADO, 7
25 DE MAIO DE 2013
ELES ENCARAM OS RISCOS
DO TRÂNSITO E CARREGAM
OS FILHOS POR AÍ NA
GARUPA DA MAGRELA
Lara Ely
lara.ely@zerohora.com.br
S
PAIS
DE COLEGAS E
AMIGOS NEM
SEMPRE VEEM A
PRÁTICA COM
BONS OLHOS
eja para um almoço de domingo ou para
levar e buscar na escola.Na Capital ou
no Interior.Em um bairro tranquilo ou
em uma movimentada avenida.O tráfego de
veículos é um fator que frequentemente põe em
xeque a segurança dos ciclistas.Alguns pais,
porém,não se intimidam com as circunstâncias
do trânsito caótico e pedalam felizes pela cidade
com seus filhos na garupa.
Opções de cadeirinhas portáteis,presas
na dianteira ou na traseira da bicicleta,são
a solução mais óbvia para transportar os
pitocos.Mas quando eles são muito pequenos
ou maiores do que o assento,vale usar a
criatividade e investir em uma bolsa tipo
canguru,presa no peito do condutor,ou em um
banquinho com almofada,na parte de trás.
Pai jovem e de primeira viagem,o empresário
Paulo Junior Kendzerski está ensaiando os
primeiros passeios com a filha,Rafaela.Com a
mulher,Paola,usa o sistema de aluguel BikePoa
para pedalar nos fins de semana.Entre os
itinerários experimentados pela família,estão
o caminho até a casa dos avós,no Menino
Deus,e a orla do Guaíba,próximo à Usina do
Gasômetro.Como a empresa Samba ainda não
oferece suportes para banquinhos infantis,o
pai acomodou a filha junto ao próprio corpo,
usando um canguru que trouxe de Nova York.
– Telefonei para saber se o BikePoa oferece
algum suporte para crianças,mas,infelizmente,
ainda não há.Então,tive de improvisar – conta.
Com apenas um ano,Rafaela já manifesta
felicidade em passear,balançando o corpo
para um lado e para o outro e dando gritinhos
para expressar a excitação de ver a vida em
movimento.Assim que o passeio é interrompido,
ela chora como que não admitindo a pausa para
descanso: quer mais vento no rosto.
Trajeto de aventuras e
descobertas no banquinho
Há muito tempo acostumada a cruzar as
lombas íngremes da cidade serrana de Caxias
do Sul,a jornalista Anahi Fros se considera
uma cicloativista.Apaixonada pelo transporte
em duas rodas,não deixou de transmitir o
gosto para o filho Pedro,sete anos.Para ele,ser
carregado na magrela é praxe desde pequeno.
Mas,hoje,tem na bicicleta mais do que um
objeto de lazer.Ela é seu principal meio de
transporte até a escola.Para levar o filho no
banquinho de trás com segurança,a jornalista
adaptou uma base para Pedro colocar as
pernas e evitar acidentes com os aros da roda.
Diariamente,a mãe percorre 1,3 quilômetro
até o colégio em uma rota marcada por muita
conversa,aventura e emoção:
– A ida para a escola é um evento.No
caminho,falamos sobre a paisagem,vendo o
que há na rua.Se algo chama a atenção dele,
paramos para observar.
Na escola de Pedro,a atitude de Anahi chama
a atenção,mas nem sempre é bem-vista entre
os outros pais.Mas se o hábito encontra certa
resistência entre“adultos carrocratas”,como
ela define,as crianças são as principais fãs do
transporte alternativo.
FÉLIX ZUCCO
DE CARONA
NA
NEM TODO
MUNDO
APROVA
Mesmo com a boa fama,há
quem acredite que os riscos e a
insegurança não compensam
a aventura.É o caso da
coordenadora nacional da ONG
Criança Segura,Alessandra
Françoia.Para ela,bicicleta é
um veículo individual,e,como a
criança fica muito exposta,pode
desconcentrar o ciclista durante
o passeio.Alessandra defende a
ideia de que lugar de criança é
dentro do carro.
– Enquanto as vias não forem
seguras,não dá para carregar
os filhos.A criança fica muito
vulnerável,mesmo que esteja
paramentada com cinto de
segurança e capacete.
Os pais reconhecem o perigo,
por isso tentam fazer a maior
parte do trajeto cruzando
parques ou nas calçadas.O
Código Brasileiro de Trânsito
ainda diz que bicicleta é um meio
individual,mas países como
o Japão já regulamentaram o
transporte na garupa da bicicleta.
NA CARONA DA MÃE, SOFIA VÊ A BICICLETA COMO UM VEÍCULO DIVERTIDO E QUE NÃO POLUI
O MUNDO DE SOFIA
SOBRE DUAS RODAS
Desde que foi estudar no Colégio
Americano, há dois anos, Sofia tem
o prazer de dizer que faz algo pelo
planeta. Seu meio de transporte
oficial para se deslocar, diariamente,
não emite gás carbônico. Exceto nos
dias de chuva, os pais Marcos e Leia
Abrahão levam e buscam Sofia na
garupa da bicicleta. E se perguntar
para a menina por que ela gosta tanto
da magrela, as respostas estão na
ponta da língua:
– É muito mais divertido e
também polui menos o ambiente
– diz, aos sete anos.
Não é à toa que a garota esbanja
consciência. Filha de donos de uma
livraria que trata sobre questões de
ecologia e sustentabilidade no bairro
Cidade Baixa, ela está acostumada
a viver entre obras literárias que
narram as peripécias de cicloativistas,
entre outras alternativas para um
planeta melhor. Logo, é natural que
parta dela uma vontade de colaborar
com a cultura que seus pais estão
ajudando a construir.
No imaginário de Sofia, há espaço
para sonhos com um mundo em
que as pessoas pedalem mais. Tanto
que já pediu para ir dirigindo a sua
própria bicicleta.
– Daqui há dois anos,tudo bem.
Mas ela ainda está muito pequena
para corrermos esse risco – diz a mãe.
O translado alternativo acaba
reduzindo em um terço do tempo
o trajeto até a escola.Metade
do percurso passa pelo Parque
Farroupilha (Redenção).É nesse
momento que o deslocamento tornase lúdico,e a família pode admirar
árvores,cachorros e flores.
A rotina ciclística também faz
Sofia e seus pais identificarem outros
elementos da paisagem: as pessoas.
Os membros da família Abrahão
são capazes de reconhecer alguns
cidadãos que,tal como eles,vão e
vêm todos os dias de bicicleta.Não
sabem seus nomes,mas percebem
sua existência e sorriem quando se
cruzam,vivenciando a cidade de
forma mais humana e afetiva.
FORMANDO
CICLISTAS
Muitas vezes, as
crianças saem do
banquinho para
a própria bicicleta
quando isso se
torna mais seguro
SEM ESTRESSE
Ele sempre curtiu pedalar, mas
como não tinha uma bicicleta
na adolescência, vivia atrás de
amigos que lhe emprestassem
a magrela. A paixão perdurou
na fase adulta, e, quando
teve um filho, decidiu que
compartilharia o gosto. Desde
que Chico começou a frequentar
a escola, o multiinstrumentista
Marcio Petracco usa a bike para
transportá-lo até o Colégio
Rosário, no centro da Capital.
– O Chico foi poucas vezes para
a escola de carro. Ele tem bike
dele, aos nove anos. Antes tinha
cadeirinha na frente, depois atrás,
depois bagageiro. Ele fica de cara
quando não vai de bike. A gente
pega pouco trânsito, porque cruza
o parque na diagonal e sobe a Rua
Barros Cassal. É mais rápido. E os
outros pais ficam se estressando
ali na frente do colégio.
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