Este documento discute como o capitalismo de exploração dos bens intangíveis cerceia o âmbito dos elementos produzidos pelo intelecto humano, como o conhecimento e a propriedade intelectual. As políticas de direitos de propriedade intelectual permitem que empresas transnacionais explorem lucros quase ilimitados dos bens intelectuais. A mundialização do capital e o livre fluxo de capitais fortalecem o poder dessas empresas de controlar a ciência e a tecnologia através da lógica da lucratividade.
Um ano de posse: Obama frente al desgaste de su gobierno
Capitalismo, monopólios e patentes: propriedade intelectual e a desmedida exploração dos bens intangíveis
1. Capitalismo, monopólio e patentes:
ARTIGO
propriedade intelectual e a
desmedida exploração
dos bens intangíveis
Wellington Fontes Menezes capitais possibilitam que empresas transnacionais fluam
em total liberdade entre os países e suas economias
. Introdução assimétricas como verdadeiros e avassaladores Estados
A propriedade é um pressuposto básico do modo de apátridas. A posse incondicional dos direitos de
produção capitalista. Com o advento do capitalismo de propriedade intelectual (DPI) por essas empresas impõe
exploração dos bens intangíveis, a lógica da acumulação aos países signatários da Organização Mundial do
ultrapassa as construções materiais da propriedade no Comércio (OMC) diversas políticas e praticas jurídicas
que tange a exploração dos bens tangíveis e cerceia o de defesa dos direitos de patentes que certificam e
âmbito dos elementos produzidos pelo intelecto humano, asseguram seus lucros de exploração.
ou seja, os limites dos bens intangíveis como fontes A patente como uma poderosa mercadoria intangível
quase inesgotáveis de lucros. A apropriação dos bens e rentável via exploração mercantil de seu ornamento
intelectuais (patentes e direitos autorais) permite ao jurídico favorável é um fluxo de lucros quase ilimitado
capitalista mercantilizar o conhecimento e a conduzir que praticamente liberta o capital do trabalho, ou seja,
seu desenvolvimento e processos de criação intelectual prescinde do trabalho, seja ele vivo ou morto. Distingue-
humano segundo os critérios da lucrativa produtividade. se a patente de um dado invento da simples prestação de
Como foi enfatizado por Menezes (2007), é possível um serviço. Ambos podem ser trabalhados na qualidade
construir a trajetória dessa vertente capitalista que de “bens imateriais” no que tange sua capacidade de ser
marcantiliza os bens intelectuais se voltar às suas origens bens intangíveis. Todavia, a patente de uma invenção
agrárias como modo de produção e acumulação2. possui um arcabouço teórico-jurídico muito superior
É compatível e necessária a analogia entre a ao mero desenvolvimento de um serviço. A respeito da
“Lei do Cercamento” imposta nas terras comunitários “economia política do imaterial”, Eleutério Prado faz um
inglesas no século XVI com o processo de cerceamento comparativo pertinente nas considerações dos trabalhos
dos bens intelectuais. Assim como nas terras comunais da dupla Hardt e Negri com as afirmativas de Karl Marx3.
inglesas cooptadas em propriedades particulares que Para o destaque de Hardt e Negri,
transformaram homens livres em uma amorfa massa
de assalariados dependente de patrão, a exploração [...] a maioria dos serviços de fato se baseia na permuta
capitalista do conhecimento por via da detenção dos contínua de informaçoes e conhecimentos. Como a
direitos de propriedade intelectual se configura em uma produção de serviços não resulta em bem material e
amplitude mercantil jamais vista nas mutações sofridas durável, definimos o trabalho envolvido nessa produção
como trabalho imaterial − ou seja, trabalho que produz
do processo de produção capitalista.
um bem imaterial, como serviço, produto cultural,
A mundialização do capitalismo no século XX e o
conhecimento ou comunicação.
aprofundamento do neoliberalismo com o livre fluxo de
Logo, para a concepção de Karl Marx, “serviço
Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual não é, em geral, senão uma expressão para o valor de
Paulista (UNESP) - Campus Marília; Bacharel e Licenciado em uso particular do trabalho, na medida em que este [valor
Física pela Universidade de São Paulo (USP); Professor da Rede de uso] não é útil como coisa, mas como atividade”. É
Pública do Estado de São Paulo. Contato: wfmenezes@uol.com.br ou
wfmenezes@marilia.unesp.br
3 PRADO, Eleutério. Desmedida do valor: Crítica da pós-
2 MENEzES, Wellington Fontes. “Propriedade Intelectual: grande indústria. São Paulo: Xamã, 200, p. 9.
Das origens agrárias ao capitalismo mundializado”. Anais do V
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de
Colóquio Marx e Engels, CEMARX/Unicamp, 2007. Disponível
Janeiro: Record, 200, p. 3.
em: http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/
arquivos/comunicacoes/gt3/sessao/Wellington_Menezes.pdf. MARX, Karl (978, p. 78) apud PRADO, op. cit, p. 9.
2. Contra a Corrente
importante ressaltar o busca do desvelo de Prado (200) fundamentos eram em torno da riqueza pelo acúmulo
quanto à distinção de trabalho imaterial e serviços: da propriedade de terras, uma vez que a sociedade era
predominantemente rural. Progressivamente, mudou-
Já foi visto que a conexão entre trabalho imaterial e se a bússola da riqueza que agora incorporaria novos
serviços é algo equivocada. Mas não se examinou ainda parâmetros da propriedade levando em consideração
a origem do problema, ou seja, por que afinal esses dois instalações fabris, maquinários, insumos e estoques,
autores [Hardt e Negri] centram a caracterização do momento em que culminaria numa nova e poderosa classe
modo de produção capitalista recente no caráter concreto
social, a burguesia. Neste eixo de mudanças, caracteriza-
do trabalho? É evidente que assim podem falar de
produtividade do trabalho de um modo que consideram se, então, com maior importância a propriedade material,
conveniente para refazer a crítica do capitalismo. imóvel ou móvel. Todavia, somente nas últimas décadas
do século XX é que se passa a fazer presente uma
Invocando o próprio Karl Marx, Prado (200) maior atenção à propriedade intelectual, como ativo
enfatiza o desvelo de quaisquer equívocos sobre a econômico relevante ao desenvolvimento econômico
conceituação entre trabalho imaterial e serviços: entre todos os países, independente de seu potencial
desenvolvimentista.
A mania de definir o trabalho produtivo e o improdutivo Conforme Carvalho (2007), tal afirmativa pode ser
por seu conteúdo material origina-se [...] da concepção comprovada pelas datas de constituição da Organização
fetichista, peculiar ao modo de produção capitalista, e Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e da
derivada de sua essência, que considera as determinações Organização Mundial do Comércio (OMC) e decorre
formais econômicas, tais como ser mercadoria, ser fundamentalmente da valoração da propriedade alicerçada
trabalho produtivo, etc., como qualidade inerente em si pelo desenvolvimento do comércio internacional9. Neste
mesma aos depositários materiais dessas determinações ínterim, acerca da economia mundial, Celso Furtado
formais ou categorias.7 destaca que:
Assim como nos cercamentos das terras O advento de um núcleo industrial, na Europa, significou
comunais inglesas que visavam ser “melhoradas” para uma modificação qualitativa na economia mundial
a produtividade, o conhecimento encarcerado pelas da época e passou a condicionar o desenvolvimento
políticas de patenteamentos de mercadorias intangíveis econômico subseqüente em quase todas as regiões da
mercantilizadas subjuga a ciência e a tecnologia através terra.0
da lógica do imediatismo produtivo capitalista. Com essa
dinâmica imposta pelo capitalismo de exploração dos Não é possível desassociar a questão dos
bens intangíveis, o conhecimento não mais é usufruto do direitos de propriedade intelectual (DPI) da crescente
interesse coletivo e tampouco socializável, mas uma voraz mundialização do capital (Chesnais, 99). É um
máquina destinada à multiplicação da acumulação8. fenômeno que atinge todos os blocos econômicos e
de todos os países inseridos nas práticas do comércio
2. As políticas de direitos de propriedade internacional. O livre fluxo de capital e da grande
intelectual (DPI) no lastro da mundialização do mobilidade de trânsito das empresas multinacionais
capital que se tornaram conglomerados vastos e poderosos que
Salientado a dinâmica ideológica proveniente dos permitem se constituírem verdadeiros estados apátridas
cercamentos, até meados da Revolução Industrial os
9 CARVALHO, Patrícia Luciane. “O direito internacional
PRADO, op. cit., p. . da propriedade intelectual: a relação da patente farmacêutica com o
acesso a medicamentos”. Revista Eletrônica de Direito Internacional
7 MARX, Karl (978, p. 78) apud PRADO, op. cit, p. .
[on line], v.. Belo Horizonte: CEDIN, 2007. Disponível em: http://
8 Andre Gorz faz uma distinção entre os diversos conceitos www.cedin.com.br/revistaeletronica/artigos/O%20DIREITO%20IN
associado à economia baseada no conhecimento: “os anglo-saxões fa- TERNACIONAL%20DA%20PROPRIEDADE%20INTELECTUA
lam do nascimento de uma knowledge economy e de uma knowledge LPatr%EDcia%20Carvalho.pdf. Acesso em 29 maio 2009.
society; os alemães, de uma Wissensgesellschaft; os autores franceses,
0 FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento
de um ‘capitalismo cognitivo’ e de uma ‘sociedade do conhecimento’.
econômico. São Paulo: Abril Cultural, 983, p. .
O conhecimento (knownledge) é considerada como a ‘força produtiva
principal’. Marx [no Grundrisse] mesmo já notava que ele se tornaria CHESNAIS, François. A mundialização do capital.
‘die grösste Productivkraft’ e a principal fonte de riqueza. [Para Marx, São Paulo: Xamã, 99. Em concordância com François Chesnais
nos Grundrisse, vaticinava que] ‘o trabalho em sua forma imediata, adotamos o conceito de origem francesa “mundialização” por permitir
mensurável e quantificável, deverá, por conseqüência, deixar de ser desenvolver com muito mais força as novas construções e interações
a medida da riqueza criada. [...] [e] ‘dependerá cada vez menos do comerciais do mundo ao invés da terminologia vaga e apologética
tempo de trabalho e da quantia de trabalho fornecida’. [Por sua vez, da “globalização”. Lembrando ainda que a “mundialização” não
a dependência resultará] ‘do nível geral da ciência e do progresso da é um fenômeno apenas do final do século XX, mas que se acentou
tecnologia’”. GORz, André. O imaterial: conhecimento, valor e ca- nesse período de forma avassaladora como nunca antes na história do
pital. São Paulo: Annablume, 200, p. -. capitalismo.
3. Capitalismo, monopólio e patentes: exploração dos bens intangíveis
dentro dos estados nacionais. Destacando o avanço Saindo do modelo de explicação sucessivo do
histórico do capitalismo mundializado, temos que: modo de produção capitalista (escravatura, servidão,
capitalismo), Braudel (987) considera uma ampliação
Na medida em que o capitalismo se desenvolve nas várias mundializada desse processo dinâmico segundo o qual:
partes da economia mundial, as relações econômicas
internacionais já não se limitam às simples trocas de [...] o capitalismo é uma criação da desigualdade do
mercadoria; estas são suplementadas pelos movimentos mundo; para desenvolver-se, necessita das conivências
de capital, ou seja, pela exportação por alguns países, da economia internacional. É filho da organização
e importação por outros, de mercadorias que têm autoritária de um espaço evidentemente desmedido. Não
características e funções específicas de capital.2 teria progredido de um modo tão pujante num espaço
econômico limitado. Talvez não tivesse progredido
Desta maneira, Carvalho (2007), descreve que nada sem o recurso ao trabalho servil de outrem.
“nesta conjuntura de fomento e incremento do comércio
internacional tem-se a complexa compatibilização dos A privatização crescente das esferas políticas
interesses dos países desenvolvidos com os países em onde antes eram redutos obrigatórios dos agentes estatais
desenvolvimento, situação que perdura até hoje”.3 ganha impulso mercantil com uma ordem neoliberal de
Assim, haveria uma construção baseada na troca crescente ampliação do “livre comércio” entre os diversos
concorrencial de interesses em que um contribui para e assimétricos países. Izerrougene (200) ressalta a
com o outro através da complementação de competências. respeito das transformações do modo de produção do
Conforme salienta Paul Sweezy, “os industriais nada capital como se expropria a parcela conhecida como
tinham a temer da importação dos produtos industriais “trabalho cognitivo”, cuja fonte é a matriz essencial da
semelhantes aos seus, já que suas fábricas eram técnica e propriedade intelectual:
economicamente muito superiores”.
Todavia, nasceria a disparidade tecnológica entre os O desenvolvimento econômico é hoje nitidamente
diferentes países que deram o “salto industrial” uma vez dominado pelo intangível, que re-configura os processos
que estaria também correlacionada ao acúmulo de recursos de produção, altera as suas formas institucionais de
financeiros e experiência do desenvolvimento de bens regulação e abre espaço considerável para a acumulação.
O trabalho cognitivo ocupa um lugar de destaque na
de maior potencial de conhecimento e valor agregado.
produção de externalidades. A produção de serviços e o
Neste sentido, é natural que afetaria demasiadamente manuseio de informações estão no coração da economia,
as estruturas do comércio internacional, de maneira a apoiados na revolução da comunicação e da informática
aprofundar cada vez mais o desequilíbrio com o advento que transforma as práticas laborais, inserindo-as no
mais aprofundado da mundialização do capital: modelo das tecnologias de informação e comunicação.
Toda atividade econômica tende a ser permeada pela
Frente ao comércio internacional, os países em informação e a ser qualitativamente transformada por
desenvolvimento e os de menor desenvolvimento ela, agindo em todo o campo social.7
relativo não tiveram tempo ou condições de se preparem
para a concorrência que se impunha; a situação perdura Jappe (200) alerta sobre a “revolução
e se repete nos atuais ciclos econômicos, uma vez que conservadora” presente no cerne da mundialização
estes países dependem da solidariedade internacional
econômica como sendo produto de uma construção
para com as suas necessidades sociais. Esta situação,
aparentemente apenas econômica, proporciona impositiva essencialmente política:
vários problemas de ordem interna relacionados ao
fundamento mesmo da constituição estatal, como a A mundialização econômica não é um efeito mecânico
realização do bem comum. Necessário, então, que das leis da técnica ou da economia, mas sim o produto
condicionantes fossem estabelecidas ao uso da riqueza, de uma política posta em ação: tal política teria
é neste momento que surge a limitação ao direito de sido imposta pelo esforço constante dos think tanks
propriedade, representada pela função social. neoliberais. Tratar-se-ia de um processo de involução,
de uma verdadeira “revolução conservadora”: Começa-
se assim a suspeitar de que a precariedade é produto
não de uma fatalidade econômica, identificada pela
2 SWEEzY, Paul M. Teoria do Desenvolvimento Capitalista. famosa “mundialização”, mas de uma vontade política.
Coleção “Os Economistas”. São Paulo: Abril Cultural, 983, p. 222. [...] Não há abuso no fato de os liberais se apresentarem
a si mesmos como os representantes do “progresso” e
3 CARVALHO, Patrícia Luciane. “O direito internacional
da propriedade intelectual: a relação da patente farmacêutica com o
acesso a medicamentos”, cit., on-line.
BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. Rio de
SWEEzY, Paul M., Teoria do Desenvolvimento Capitalista, Janeiro: Rocco, 987, p. 77.
cit., p. 22.
7 IzERROUGENE, Bouzid. “Economia Política do
CARVALHO, Patrícia Luciane. Idem, ibidem, on-line. Cognitivo”. Encontro ANPEC, 200, p.-.
4. Contra a Corrente
das “reformas”: eles constituem a melhor expressão intelectual (DPI), o “Acordo sobre os Aspectos dos
do que são o progresso e as reformas na sociedade Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao
capitalista.8 Comércio” (TRIPS, na sigla em inglês22). Entre outros
dispositivos jurídicos, esse acordo regulamenta uma série
Na crescente mercantilização dos aspectos de normas de proteção relativas aos DPI das empresas
econômicos e sociais, a pesquisa científica torna-se peça desenvolvedoras de inovações tecnológicas instaladas
fundamental nas engrenagens de novas possibilidades de nos países-membros da OMC.
lucros para as empresas que dominam a tecnologia como
centro de suas atividades. Conforme aborda Gorz (200), 3. O poder do monopólio das patentes e suas
“a pesquisa privada quase sempre tem como objetivo dimensões econômica
principal permitir à empresa erguer um monopólio A patente confere a seu titular o monopólio da
do conhecimento que lhe proporcione um rendimento produção e da distribuição de produtos num determinado
exclusivo”9. No caso específico, aborda-se a questão da território e por um dado período de tempo. A não
biotecnologia nesse novo cenário de desenvolvimento utilização da patente é aqui entendida como a ausência
capitalista: da produção no país; a importação e a distribuição do
produto ou processo patenteado podem acontecer, o que
Dada a natureza intensiva de biotecnologia industrial é levado a efeito quer pelo titular ou por um distribuidor
na atualidade, a privatização progressiva de organismos licenciado.
vivos, propiciada pela introdução de patentes, produzirá
Segundo relatório preparado pelo departamento
impactos adversos sobre a atividade científica realizada
em universidades e institutos de pesquisa de países em
das Nações Unidas para assuntos econômicos e sociais,
desenvolvimento.20 pelo Secretariado da Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) e pelo
Cada país ingressante na Organização Mundial do Escritório Internacional da Organização Mundial de
Comércio (OMC) tem como “regra geral” uma série Propriedade Intelectual (OMPI), existe quatro aspectos
de medidas que internalizam suas políticas locais em da definição de patentes que merecem menção e alguns
nome de um estado de liberdade comercial praticamente ou todos eles podem ter importância em casos específicos
irrestrita. Neste nicho que se insere o poder econômico e a análise aproximada dos custos e dos benefícios
das empresas transnacionais nos países que se instalam precisariam ser adaptados para cada caso:
e buscam um conjunto de ornamentos jurídicos que
Em primeiro lugar podem haver diversas razões
protegem seu patrimônio, como é o caso da inovação, e
pelas quais a patente não é utilizada. Presume-se
por sua vez, seus lucros: que a ausência da produção local representa uma
escolha deliberada pelo titular estrangeiro da patente
Para a maioria das empresas, a sobrevivência passa pela tomada como parte da implantação de uma estratégia
pesquisa permanente de novas aberturas comerciais internacional de marketing e produção. Em segundo
que levam à definição de gamas de produtos sempre lugar pressupõe-se que o produto ou o processo
mais amplos ou diferenciados. A inovação não é mais patenteado tenha algum valor econômico e social para
subordinada somente à racionalização do trabalho, mas o país em desenvolvimento. [...] Em terceiro lugar,
também aos imperativos comerciais. Parece então que a uma patente pode ficar sem ser utilizada somente parte
mercadoria pós-industrial é o resultado de um processo de sua vida [mediante cálculo de custos e benefícios
de criação que envolve tanto o produtor quanto o por parte do detentor da patente]. [...] E quarto lugar
consumidor.2 em circunstâncias excepcionais um estrangeiro titular
de uma patente pode evitar tanto importação quanto
A adesão de um país membro para ser signatário produção local.23
da OMC é sua assinatura de diversos acordos para o
desenvolvimento e maturação local do “livre comércio” e Uma patente utilizada ou não, fornece uma
em destaque no caso específico dos direitos de propriedade
22 Na grafia original, Agreement on Trade Related of Intel-
8 JUPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria: para uma lectual Property Rights (TRIPS).
nova crítica do valor. Lisboa: Antígona, 200, p. 2-27.
23 CNUCED/OMPI. Departamento das Nações Unidas para
9 GORz, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital, assuntos econômicos e sociais/Organização Mundial de Propriedade
cit., p. . Intelectual. O papel do sistema de patentes na transferência de
tecnologia aos países em desenvolvimento. Relatório preparado pelo
20 MARQUES, Marília Bernardes. Saúde pública, ética e
Departamento das Nações Unidas para assuntos econômicos e sociais,
mercado no entreato de dois séculos. São Paulo: Brasiliense, 200, p.
pelo Secretariado da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
87.
e Desenvolvimento e pelo Escritório Internacional da Organização
2 LAzzAROTO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho Mundial de Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Forense-
imaterial. Rio de Janeiro: DPA, 200, p. . Universitária, 979, p. 79.
5. Capitalismo, monopólio e patentes: exploração dos bens intangíveis
vantagem tangível ao país concedente da patente: as taxas capacidade da firma para conservar esse monopólio.28
pagas pelos requerentes. Existe uma retórica econômica
para os defensores das patentes segundo a qual a mera A inovação, por este caminho, se perfaz pela rapidez
concessão de patentes por um país em desenvolvimento que se processa seu próprio mecanismo de inventabilidade
contribuiria para a criação de clima favorável para o e reprodução, sendo por sua vez, conquistar cada vez mais
investimento estrangeiro e que, “mesmo que a produção espaço dentro do mercado. Desta maneira, os defensores
não se inicie num país em desenvolvimento com base do monopólio patenteário, justifica as barreiras comerciais
nas patentes concedidas ali, o fato de haver a concessão com pressuposto básico para as supostas “condições de
poderia encorajar o investimento estrangeiro”2. Todavia, criação”. Todavia, monopolizar o conhecimento nem
não é possível encontrar uma prova convincente dessa sempre é uma tarefa tão trivial dada a natureza intangível
afirmação, e os argumentos disponíveis indicam que de sua criação:
as patentes têm pouca influência nas decisões de
investimento: A monopolização de um conhecimento, de uma
competência, de um conceito, continua sendo uma
Os investidores ao contemplar investimentos externos tarefa difícil. Ela exige um investimento financeiro
não são aparentemente muito influenciados em suas freqüentemente muito superior àquele que demandou
decisões pela natureza da proteção das patentes que lhes a produção do conhecimento que lhe serve de base.
é disponível. Numerosas pesquisas referentes aos fatores Isso é verdade mesmo na indústria farmacêutica e na
obstruindo ou encorajando investimentos externos, não [indústria] dos programas de computador.29
levam muito a sério a questão de patentes.2
Muitos destes defensores argumentam outros
A existência de uma patente que não serve como imperativos da necessidade do monopólio patenteário,
base para a produção nacional implica que ou o produto entre eles, o de maior “sensibilidade perante governos e
ou processo carece ser importado ou que os consumidores opinião pública” busca se sustentar nos altos custos que as
internos precisam utilizar-se de qualquer sucedâneos indústrias demandam para a pesquisa e desenvolvimento
possíveis (quer de produção local, quer de origem externa). (PD) de seus produtos. Na realidade, é praticamente
A importância normalmente envolve um desembolso impossível de saber com exatidão quanto realmente
superior ao incorrido na produção doméstica e ao saldo tais empresas gastam com PD, todavia é possível
de divisas poupadas, ou pagas em excesso nesses casos é inferir que os custos de marketing são particularmente
o custo da não exploração da patente. A dimensão deste excepcionais:
custo pode naturalmente variar enormemente e tende
a ser baixo quando a produção doméstica envolve de Também não temos conhecimento de que atividades são
forma ponderável a importação de matérias-primas, bens incluídas sob o título de “PD”. Grande parte pode, na
de capital e partes complementares, como um baixo valor realidade, ser marketing, que é computado como PD
agregado de produção e alto quando esta importação é porque causa uma impressão melhor ter um grande
orçamento de PD do que ter um grande orçamento de
baixa.2
marketing.30
Segundo a análise de Gorz (200), “o valor de um
conhecimento é inteiramente ligado à capacidade de
monopolizar o direito de servir dele”27. Tal conceito se Gradativamente vêm se agravando os conflitos
insere com grande exatidão na esfera do monopólio de presentes entre o interesse pelo usufruto da lucratividade
patentes oriundas de invenções, uma vez que: comercial presente nos direitos de propriedade patentária
com os direitos sociais e humanitários e se tornam mais
[...] tratando-se de mercadorias que têm forte conteúdo evidenciados quando tange a esfera da saúde humana:
imaterial, em vez de dizer que seu valor tem seu
conhecimento como fonte, será mais justo dizer que Com respeito à proteção do direito as patentes
ele tem sua fonte no monopólio do conhecimento, na farmacêuticas não é diferente, uma vez que o incremento
exclusividade das quantidades que esse conhecimento do comércio internacional fez necessária a criação de
confere às mercadorias que incorporam, e na um patamar de proteção internacional que conjugasse os
direitos sobre a propriedade com os interesses sociais.
Assim, em decorrência da inter-relação entre o comércio
2 CNUCED/OMPI. O papel do sistema de patentes na
internacional, os direitos humanos, principalmente
transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, cit.,
979, p. 7.
28 Idem, ibidem, p. .
2 Vernon, 97 apud CNUCED/OMPI, idem, ibidem, p.
29 Idem, ibidem, p. .
77.
30 ANGELL, Márcia. A verdade sobre os laboratórios farma-
2 CNUCED/OMPI, idem, ibidem, 979.
cêuticos: como somos enganados e o que podemos fazer a respeito.
27 GORz, op. cit., p. . São Paulo: Record, 2007.
6. Contra a Corrente
os sociais, os problemas do pós-guerra e os trabalhos de controle e usufruto dos teares do conhecimento.
realizados pelas organizações internacionais, fez-se Hoje, a humanidade por meio de seus pesquisadores
necessária a proteção dessas duas esferas de direitos e técnicos, adquiriu conhecimento científico e
a partir da ordem internacional, para que esta servisse tecnológico, além de possibilidades reais de ampliar a
de parâmetro para as respectivas ordens jurídicas
produção de medicamentos a fim de atender a demanda
nacionais. Portanto, a conjugação harmônica entre os
direitos humanos (acesso a medicamentos) e os direitos
necessária e evitar mais tragédias humanitárias. É notório
da propriedade intelectual (patente) não é novidade e que investimentos para laboratórios e corpo técnico
nem tema exclusivo do Brasil.3 especializado demandam altos recursos de investimento,
porém é urgente socializar o conhecimento tendo em vista
Segundo Berle e Means (987), sob uma visão jurídica, a busca incansável de salvaguardar vidas. Reconhecem-se
proposta da inter-relação entre o acesso a medicamentos os investimentos e a necessidade de remuneração de seus
e a proteção da patente farmacêutica é reconhecida criadores pelos novos inventos. Algumas propostas como
pelas organizações internacionais e principalmente a o “fundo de premiação” como defende Joseph Stiglitz
conjugação entre esses direitos estabelecida pela esfera poderá ser uma das alternativas possíveis ao monopólio
da “ordem econômica internacional”. Dessa maneira, patentário33. Todavia, no caso de descobertas no campo
uma vez que: de medicamentos, não é possível a concessão deste
monopólio que inviabiliza novas pesquisas e prejudica
O rápido aumento do desenvolvimento técnico diminui demasiadamente o acesso de medicamentos aos que deles
necessariamente a importância das coisas palpáveis ou necessitam para amenizarem suas moléstias.
físicas e eleva os fatores de organização e conhecimento É importante salientar que o conhecimento
técnico. Não é possível reduzir organização a uma acumulado ao longo do tempo é resultado de um esforço
fórmula. O conhecimento técnico não pode ser atribuído coletivo, uma vez que, ao criá-lo, o homem se aproveita
a um único indivíduo, grupo de indivíduos ou empresa. do previamente existente. Os mecanismos patenteários
Faz parte da herança do país e da raça. Em nenhum
de cerceamento do conhecimento se situam na contramão
desses dois casos a fórmula tradicional aplicável à lei
de propriedade cabe ao fator corrente.32
do desenvolvimento de uma sociedade. A centralidade do
conceito de propriedade privada da capacidade de criação
Neste contexto, tais autores salientam a construção do homem inviabiliza o seu próprio desenvolvimento.
simbólica da propriedade intelectual como produtos Desta maneira, a propriedade do conhecimento somente
oriundos das necessidades de um coletivo e suas terá justificativa se for entendida como propriedade
implicações e amplitude dentro da esfera social. comum, como resultado do esforço de todos os membros
da sociedade e que gera para os indivíduos o direito de
4. Comentários finais ter o acesso sem nenhum impeditivo. Somente assim o
Refletindo a respeito das considerações de Marx homem poderá continuar se desenvolvendo e produzindo
sobre a sociedade industrial capitalista, este sistema um mecanismo mais solidário que beneficiará a todos
de produção que traz a semente da expropriação da os membros da sociedade, cuja propriedade comum se
propriedade privada, que se concentra em quantidades justifica pelo fato de todos os membros da sociedade
cada vez maiores em mãos de um número cada vez mais terem contribuído para sua produção.
limitado de pessoas. O sistema capitalista de acumulação
se desdobra e metamorfoseia-se de muitas formas e
práticas cujo objetivo máximo e declarado é sintetizado
num único e totêmico vocábulo: “lucro”. Ao cercear
o conhecimento como forma de extrair de elementos
abstratos as novas configurações para a materialização
desta lucratividade, o capitalismo adquire formas mais
sutis e avassaladoras de poder. O monopólio patentário
é uma das formas mais sofisticadas de exploração de
bens tangíveis e imateriais com forte impacto na vida
econômica e social. Particularmente, o caso do monopólio
de medicamentos das indústrias farmacêuticas protegidos
por patentes expõe uma das faces mais cruéis deste regime
33 STIGLITz, Joseph E. “Pizes, Not Patents”. Project Syn-
3 CARVALHO. Idem, ibidem, on-line.
dicate, 2007. Disponível em: http://www.project-syndicate.org/com-
32 BERLE, Adolf A.; MEANS, Gardiner C. A Moderna mentary/stiglitz8. Acesso em 29 jan. 2008. Todavia, esta alternativa
Sociedade Anônima e a Propriedade Privada. São Paulo: Abril seria um mero paliativo que não resultará em significativas modifica-
Cultural, 98, p. 7. ções nas atuais políticas de concessão de patentes.