2. Ir além da experiência
Hume considera que o conhecimento das questões de facto (ou seja, da natureza) é a
posteriori (ou seja, baseia-se na experiência).
Contudo, as ciências permitem:
• formular leis da natureza;
• fazer previsões do que irá acontecer;
• explicar as causas do que acontece.
Em todos estes casos acabamos, no entanto, por ir além da experiência, isto é, além do que
foi observado.
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3. Leis, previsões e explicações causais
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Conhecimento científico Vai além da experiência porquê?
Leis da natureza
(leis científicas)
Lei de Lavoisier (química):
Numa reação química, a massa total dos
reagentes é igual à massa total final dos
produtos.
Porque as leis são princípios universais que não
conseguimos observar, dado que não é possível
observar todas as reações químicas: apenas
observamos acontecimentos particulares.
Previsões
científicas
Previsão de eclipse solar (astronomia):
No dia 12 de agosto de 2026 ocorrerá um
eclipse solar total, visível na cidade de
Barcelona.
Porque as previsões são acerca de possíveis
acontecimentos futuros e o que ainda não
aconteceu ainda não foi observado.
Explicações
causais
Explicação do elevado índice de cegueira
infantil na Ásia (ciências médicas):
A causa do elevado índice de cegueira infantil
nos países menos desenvolvidos da Ásia é uma
alimentação pobre em vitamina A.
Porque identificar as causas do que acontece é
explicar o que se observa com o que não foi
observado.
4. O que nos permite ir além da experiência?
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Mas afinal como chegamos nós a esse tipo de conclusões universais, conclusões sobre o
futuro e conclusões sobre causas, a partir de observações particulares?
A resposta comum é que a transição dos casos particulares observados para afirmações
gerais (e também para casos futuros ou para explicações causais) se faz por indução
(raciocínio indutivo).
Mas a própria indução depende, segundo Hume, da relação de causa e efeito (da noção de
causalidade).
Qual é, então, a origem da nossa noção de causalidade?
5. Causalidade e conjunção constante
O que nos leva a dizer que uma dado acontecimento A é a causa de outro acontecimento B
é, diz Hume, o facto de sempre termos observado que aos acontecimentos do tipo A se
seguem invariavelmente acontecimentos do tipo B.
Assim, de cada vez que ocorreu A (ex.: um pedaço de metal foi aquecido), observámos que
ocorreu também B (ex.: esse pedaço de metal dilatou).
Tudo o que observamos é, então, a mera conjunção constante entre os dois tipos de
acontecimentos (A e B ocorrerem sempre um após o outro).
Porém, daí concluímos que A é a causa de B (ou que B é um efeito de A), como se observar
A e B a ocorrer conjuntamente fosse o mesmo que observar A a causar B.
Mas não é o mesmo, diz Hume. Duas coisas podem ocorrer sempre conjuntamente, e, no
entanto, nenhuma delas ser causa da outra. Por exemplo, sempre que faço anos é também
feriado em Portugal (há conjunção constante). Porém, uma coisa não é causa da outra (não
há causalidade).
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6. Conjunção constante e conexão necessária
O que explica, então, a diferença entre conjunção constante e causalidade?
A diferença é que, ao afirmarmos que A é a causa de B, estamos a querer dizer que uma
coisa não poderia ocorrer sem a outra, e não apenas que observámos uma sempre que foi
observada a outra, ou seja, ao falar de causalidade estamos a dizer também que há uma
conexão necessária entre A e B.
Mas, como observamos coisas a acontecer e nada mais, apenas observamos A e B
repetidamente, não observamos que tem de ocorrer B sempre que ocorre A.
Dito de outro modo, apenas observamos conjunções constantes entre A e B e não
conexões necessárias. Ora, se não observamos conexões necessárias, então também não
observamos qualquer relação de causalidade na natureza.
Isto representa, por sua vez, um problema para o raciocínio indutivo, dado que, segundo
Hume, esse tipo de raciocínio assenta na noção de causalidade.
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7. Causalidade e indução
Eis um exemplo muito comum de raciocínio indutivo:
Os pedaços de metal que até agora foram aquecidos acabaram por dilatar.
Logo, os pedaços de metal dilatam sempre que são aquecidos.
Poderá a premissa (de que todos os pedaços de metal observados até hoje dilataram
depois de aquecidos) ser verdadeira e, mesmo assim, a conclusão (de que todos, incluindo
os casos ainda não observados, dilataram sob a ação do calor) ser falsa?
Hume considera que a verdade da premissa não garante logicamente a verdade da
conclusão, pelo que a conclusão pode ser falsa, mesmo que a premissa seja verdadeira.
Assim, considera Hume, não há qualquer razão lógica para confiar neste tipo de raciocínio.
Mas poderá mesmo a conclusão ser falsa? Hume dirá que pode dar-se o caso de, no futuro,
os metais deixarem de dilatar quando são aquecidos. As coisas podem mudar.
No entanto, as pessoas reagem a isso dizendo que tal não pode acontecer, pois consideram
haver uma conexão necessária entre o aquecimento dos metais e a sua dilatação, isto é,
estão já a pressupor que há aí uma relação de causalidade. Portanto, a indução apoia-se na
noção de causalidade.
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8. Dois problemas
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Hume diz que usamos o raciocínio indutivo na busca de conhecimento sobre
questões de facto.
Por sua vez, o raciocínio parte da observação.
Porém, acrescenta Hume, não observamos causas nem efeitos, as apenas
conjunções constantes.
Ora, se o raciocínio indutivo pressupõe a noção de causalidade e não observamos
relações causais na natureza, isso deixa-nos perante dois grandes problemas:
• Qual é, então, a origem da ideia de causalidade?
• Como justificar a nossa confiança no raciocínio indutivo?
Vamos começar pelo segundo problema: o problema da indução.
9. O problema da indução
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O problema pode ser formulado do seguinte modo:
Como justificar racionalmente o raciocínio indutivo?
Eis como Hume explica o problema:
Só há duas maneiras de justificar racionalmente (logicamente) as nossas inferências indutivas, isto é,
as inferências em que, partindo da observação de casos particulares, se transita para conclusões que
vão além disso (afirmações universais, por exemplo). As duas maneiras possíveis são as seguintes:
• por demonstração, ou seja, dedutivamente;
• recorrendo à observação, ou seja, indutivamente.
Mas, diz Hume, nenhuma demonstração (argumento dedutivo) permite justificar a transição da
observação de casos particulares para afirmações universais, pois as demonstrações não têm o
caráter ampliativo requerido pela indução. Logo, não há uma justificação dedutiva para a indução.
Porém, também não é racionalmente aceitável justificar logicamente a indução recorrendo ao
raciocínio indutivo, pois justificar indutivamente o raciocínio indutivo é apresentar uma justificação
circular. Se precisamos de razões para confiar na indução, tais razões não devem basear-se no
próprio raciocínio, que carece de justificação.
Logo, nenhuma razão (seja dedutiva ou indutiva) permite justificar as nossas inferências indutivas.
10. A origem da noção de causalidade: o hábito
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Qual a origem da noção de causalidade, dado que não observamos relações causais na
natureza?
Hume diz que a observação de certos tipos de acontecimentos que repetidamente se
sucedem a outros gera em nós a expectativa de que, da próxima vez em que um ocorre,
também ocorra o outro.
Essa expectativa não resulta de qualquer raciocínio (não é do domínio da lógica). É
simplesmente uma tendência natural (tem um caráter meramente psicológico), fundada na
experiência acumulada, e que o nosso instinto de sobrevivência tem mostrado ser
adequada e adaptada ao funcionamento do mundo.
Hume chama hábito a essa tendência que nos leva a esperar que aquilo que repetidamente
vimos ocorrer no passado ocorra também no futuro.
Assim, não observamos relações de causa e efeito na natureza. É apenas o hábito que nos
leva a acreditar que há realmente relações causais.
11. Causalidade e mundo exterior
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Já sabemos que, de acordo com Hume, apenas temos acesso às nossas impressões e ideias,
que são conteúdos mentais.
Conteúdo mental é tudo aquilo que encontramos na nossa mente, que faz parte do nosso
mundo interior (impressões e ideias). Por sua vez, o mundo exterior é tudo o que se
encontra fora da mente.
Mas será que existe um mundo exterior de coisas que são as causas das impressões que
encontramos na nossa mente?
A resposta de Hume é que não há razão alguma para afirmar que as impressões internas
são causadas por objetos externos.
Porquê?
Porque afirmar isso é recorrer à noção de causalidade, que Hume já disse ser problemática.
Assim, não é correto afirmar que as impressões são causadas pelos objetos exteriores à
nossa mente, o que significa que não temos qualquer justificação para afirmar que existe
(nem que não existe) um mundo exterior.
12. Será Hume um cético?
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CETICISMO MODERADO DE HUME
Teses céticas Teses que rejeitam o ceticismo
• Não há uma justificação lógica para a indução.
• Há uma justificação psicológica natural para
muitas das nossas inferências indutivas, que é o
hábito em vez do raciocínio.
• Não é correto afirmar que existe causalidade na
natureza.
• O hábito é um guia prático apropriado para as
nossas vidas.
• Não podemos saber que o mundo exterior existe
(nem que não existe).
• Na prática, não podemos deixar de acreditar que
o mundo exterior existe e que isso faz parte do
nosso instinto natural de sobrevivência.