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7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Pollyanna Furtado (AM) ǀ Jalna Gordiano (AM) ǀ Vagner Castro (AM) ǀ HQ Gimal (AM) ǀ Dori Carvalho (AM)
ǀ Fabiano Calixto (SP) ǀ Solano Gualda (RS) ǀ Flávio Antonini (SE) ǀ Fabio Da Silva Barbosa (RS) ǀ Marciel
Cordeiro (ES) ǀ Priscila Santos (SP) ǀ Beto Silva (SP) ǀ Laís Fernanda Borges (AM) ǀ Dani Colares (AM) ǀ Dom
Alencar (BA) ǀ Edilson Seta (AM) ǀ Adriano F. Oliveira (AM) ǀ Matheus Peleteiro (BA) ǀ Maysa Fernandes
(AM) ǀ Zemaria Pinto (AM) ǀ Guilherme Paiffer Pelodan (SP) ǀ Gigio Ferreira (PA) ǀ Felipe Pauluk (PR) ǀ Victor
Hugo Neves de Souza (AM) ǀ Emmanuel 7Linhas (ES) ǀ Andri Carvão (SP) ǀ Roge Weslen (PA) ǀ Bruno
Sanctus (SP) ǀ Joicyano Maia (AM) ǀ Camila Passatuto (SP) ǀ Thiago de Mello (AM) ǀ Rojefferson Moraes
(AM) ǀ Wilson Padilha (MT) ǀ Airton Souza (PA) ǀ Carol Calderaro (AM) ǀ Luiz Andrade (AM) ǀ Carolina
Passos (MA) ǀ Eliakin Rufino (RR) ǀ Romulo Narducci (RJ) ǀ Marcos Samuel Costa (PA) ǀ Airton Souza PA
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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7 dias cortando
as pontas dos dedos
Um manifesto contra o fascismo
27 DE OUTUBRO DE 2018
7 dias foi o tempo que tivemos para fazer ecoar a nossa voz
por meio de poemas, contos, desenhos, palavras... E enquanto o
ódio era disseminado nas redes sociais por meio de Fake News,
resolvemos deixar exposto nossa indignação e ranço contra um
presidenciável que destila seu ódio contra as minorias,
abertamente. 7 dias para reunir pessoas de estados e regiões
diferentes, que, de maneira voluntária e colaborativa, ajudaram
a construir esse manifesto em forma de antologia para deixar
registrado na história que fomos, somos e seremos sempre
contra o fascismo. Em defesa da democracia, sim. Antifascistas.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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© 7 dias cortando as pontas dos dedos - Um manifesto contra o fascismo 2018
Organização
Rojefferson Moraes
Edição e diagramação
Dom Alencar
Revisão
Priscila Santos
Capa
HQ Gilmal
Contato
natora.producoes.eventos@gmail.com
dom.alencar@outlook.com
Licença
Este material não pode ser usado para fins comerciais.
Sumário
Fabio da Silva Barbosa ǀ 7
Flávio Antonini ǀ 10
Matheus Peleteiro ǀ 11
Emmanuel 7Linhas ǀ 13
Roge Weslen ǀ 14
Beto Silva ǀ 16
Joicyano Marinho Maia ǀ 19
Andri Carvão ǀ 22
Camila Passatuto ǀ 24
Guilherme Paiffer Pelodan ǀ 26
Bruno Sanctus ǀ 28
Zemaria Pinto ǀ 31
Dani Colares ǀ 35
Marciel Cordeiro ǀ 38
Maysa Fernandes ǀ 43
Dori Carvalho ǀ 46
Gigio Ferreira ǀ 47
Jalna Gordiano ǀ 51
Fabiano Calixto ǀ 54
Vagner Castro ǀ 55
Laís Fernanda Borges ǀ 57
Thiago de Mello ǀ 58
Pollyanna Furtado (1981) ǀ 60
Adriano F. Oliveira ǀ 62
Edilson Seta ǀ 64
Wilson Padilha ǀ 66
Rojefferson Moraes ǀ 68
Felipe Pauluk ǀ 71
Dom Alencar ǀ 73
Solano Gualda ǀ 76
Victor Hugo Neves de Souza ǀ 78
Carolina Passos ǀ 83
Romulo Narducci ǀ 85
Luiz Andrade ǀ 89
Eliakin Rufino ǀ 92
Marcos Samuel Costa ǀ 93
Airton Souza ǀ 95
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Fabio da Silva Barbosa ǀ É jornalista, escritor, educador social, entre outras coisas.
Já lançou e-books, livros e veículos de comunicação, impressos e virtuais, nos mais
diversos formatos. Algumas de suas poesias já foram musicadas (destaque para
Olhos Furiosos – Vida Torta, hard core de verdade – e Pessoas – Ivan Silva, voz e
violão).
mais alguns outros fragmentos perdidos
Em um canto escuro da cidade, eles sussurravam:
- Não podemos nos rebelar.
- Mas eles estão nos destruindo.
- Mas aí eles vão ter motivos para nos exterminar de uma vez.
- Acha que será pior que aos poucos?
- Mas não temos condições de lutar contra eles. Será um
massacre.
- Prefere que sejamos massacrados em silêncio?
- Temos de mostrar que isso não está certo. Precisamos
conscientizar.
- Você acha que eles não sabem? Que apenas estão
desinformados?
- Se formos violentos, seremos iguais a eles.
- Reagir seria se defender, eles estão atacando. Isso não é igual.
- Você está muito revoltado.
- Você está muito conformado.
- Estou apenas sendo realista.
- Eu também.
-------------------------------------------------------
Pediram mais uma cerveja.
- Esses caras estão proliferando o fascismo. Isso não pode
continuar assim.
- Mas e o direito de expor a opinião.
- Isso não é opinião. Racismo, homofobia, construir ditaduras...
Impor, reprimir, torturar... Preconceitos mil... Isso não é opinião.
Isso é outra coisa.
- Mas a pessoa tem de ter liberdade para dizer o que pensa.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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- Para existir liberdade, não pode existir esse tipo de
pensamento. Ditadura é antítese da liberdade. Se você é a favor
da liberdade, tem de combater o que a põe em risco. Se uma
pessoa quer destruir a liberdade e você deixa, você não está a
favor da liberdade. Entende?
- Então só pode se expressar quem pensa igual a você?
- Claro que não. A única coisa que temos em comum são as
diferenças e acho essa diversidade algo de muito valor.
Justamente por valorizar tanto isso, não posso permitir que
venham impor um sistema uniforme.
- Não concordo com você. Acho que se pode falar o que quiser,
acreditar no que achar melhor e lutar pelo que achar justo.
- Quando eles assumirem o poder, tente dizer isso a eles.
-------------------------------------------------------
Estavam na parada de ônibus sem ter para onde ir
- Queria uma cerveja
- Eu também, mas não tenho dez centavos que seja no bolso.
- Vida de merda.
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Flávio Antonini ǀ é artista plástico e poeta radicado em Tobias Barreto/SE. Seu
trabalho explora temas como sexualidade e absurdo. Tem no currículo algumas
exposições individuais realizadas em Aracaju, a exemplo de “Cenas da cidade
fábrica” realizada na galeria de arte do Sesc em 2016, e “Didática nada instrutiva
da educação sexual” na galeria J.Inácio em 2017.
os mesmos olhos
Diante dos meus olhos
O mesmo espetáculo
A mesma lente
A mesma roupa suja de morte
Fabricando o igual momento de sempre.
O mesmo soco,
O mesmo travo na memória
Nada se perde:
Tudo se repete
Um novo planeta rompe em cores
Para desaparecer nas linhas do meu rosto.
Lágrima, gozo, sonho...
Tudo se contamina
Resiste apenas a única imagem que conheço:
Uma porta que é o avesso de outra porta.
Uma porta que é o avesso do mesmo homem.
É sabido: está tudo acabado.
Nenhum mal vai me salvar de mim.
Somente a superfície branca e vazia
Tem o poder de me reter.
Mas entre a mentira que conto para mim mesmo
E a mentira que me contam
Subsistem o mesmo rosto
E os mesmos olhos.
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Matheus Peleteiro ǀ Nascido em Salvador – BA em 1995, escritor, tradutor, poeta
e contista, Matheus Peleteiro publicou em 2015 o seu primeiro romance, Mundo
Cão, pela editora Novo Século. Em 2016, lançou a novela intitulada "Notas de um
Megalomaníaco Minimalista" (editora Giostri) e o livro de poemas "Tudo Que
Arde Em Minha Garganta Sem Voz" (editora Penalux). Em 2017, publicou "Pro
Inferno com Isso", seu primeiro livro de contos. Em 2018, assinou, ao lado do
tradutor Edivaldo Ferreira, a tradução do livro "A Alma Dança em Seu Berço"
(editora Penalux), do poeta dinamarquês Niels Hav, logo após ter lançado a
distopia em que satiriza a política brasileira, intitulada "O Ditador Honesto".
patriota?
o Brasil em liquidação no
mercado exterior
o Brasil e suas fazendas invadidas e
desmatadas
o Brasil e seu rebanho
a obedecer pastores e ignorar a Deus
o Brasil e seus artistas que clamam
por vibrações positivas na desgraça
o Brasil e seus banheiros ecológicos
cheirando a calabouços
o Brasil e sua torcida de skinheads
agredindo pelas ruas
o Brasil e a falta de sensatez
do seu povo elegendo imbecis
o Brasil e sua trágica ingenuidade
ao ignorar fundamentos basilares
de forma consciente
o Brasil e seus súditos de olhos abertos
cegados pelo ódio
o Brasil como um motivo de desdém e lamento
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no cenário internacional
o Brasil como um motivo de orgulho
no cenário internacional
o Brasil e a tristeza de
seus negros subestimados
o Brasil e o pesar por ter sido atingido
por um tsunami destro e aplaudir a América do Norte
o Brasil e seu povo inculto
acostumado a tomar porrada
o Brasil e seus súditos
hierarquicamente apáticos
o Brasil e a sua escória
subitamente em evidência
o Brasil e suas manadas
influenciadas pela mídia
o Brasil e suas manadas
compartilhando notícias falsas
o Brasil e seus coitados tolos
repetindo o mito da Venezuela
com argumentos de um modelo Canadense
e palavras saídas da boca de militares
o Brasil e seus pobres Severinos
decepcionados com o partido dos trabalhadores
mais uma vez
a clamar por um Salvador
ansioso
para se esquecer
de tudo
e marchar / à espera de um / novo / herói / vil.
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Emmanuel 7Linhas ǀ Cantor, compositor, poeta, performance, pseudo-intelectual,
agitador, boêmio, sambista, bailarinobrigão, chorão, flamenguista, rabugento.
mítico, sensível, narcisista, ação do tempo.38 anos, nascido na baía devitória/es.
um mestre que virou história
A faca de tucum
Matou Besouro Mangangá
A face do fascismo, pelas costas
Matou Mestre Moa do Badauê
Negros corpos de mandinga
Velam os pretos do Orún
Unem pretas e pretos em sua roda
Aruanda é luz, é força e não se dobra
Canta e gira, a Gira acorda
Oris, Erês e Pai Ogún
Berimbau Regional e Angola
Luta e dança no cateretê
Do Quilombo em Mugumba
Às fronteiras da Kalunga
Pindorama é corpo e sol
Resistência frente o mal
O Ebó está armado
O Terreiro está aceso
Povo Preto dá esquiva
Solta a perna o golpe preso
Eis um drama recorrente
As serpentes sinuosas
Mestre Moa sua gente
De MESTRE lhe torna HISTÓRIA!!
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Roge Weslen ǀ vive em Belém/PA. 17 anos.
ordem & progresso
Lembro que na segunda série, tínhamos de fazer toda aquela
coisa falsamente patriota, prestar continência à bandeira, cantar
em uníssono o hino nacional, ficar em fila e calados. Nós todos
odiávamos aquilo, o conceito de pátria era para nós algo
parecido com lama e lixo. A pátria, em verdade, não fez grande
coisa por nós. Então saíamos da escola e nos sentávamos nas
barras de ferro na parte da frente das barracas de frutas e
comíamos maçãs e bananas, e todo mundo via e ninguém falava
nada. Estávamos com a farda da escola, não éramos criminosos.
A fome ali era conhecida. A morte. O medo. A raiva. Amar a
pátria para nós era amar tudo isso: o lixo, o luto, o ódio, as casas
de madeira perfuradas de bala, o quintal-esgoto, as enchentes.
Não entendo como alguém pode pregar coisas desse tipo. Coisas
como pátria, família, temeridade. Se eu cresci e cada vez mais a
família parecia distante, a religião desfigurada, o Cristo
profanado. Se eu próprio desfigurei minha visão, para chegar
não além, mas a mim próprio. E desfigurei a vida. O mundo. A
palavra. Octavio Paz disse que toda crise social e política se dá a
partir de uma crise na linguagem; e veja só, não é isso o que
está acontecendo? Pois somos desregrados e rebeldes: não
aceitamos e propagamos seus valores gastos, sua saúde tísica,
seu amor paralítico, seus conceitos toscos, seus ideais
raquíticos. Nós temos a ginga certa e a pele verdadeira. Nós
alimentamos o sangue, o cerne do sagrado. Não seremos os que
te estenderemos a mão, Pátria Cadavérica. República Federativa
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da Piada. Mas seremos, sim, aqueles prontos a esfacelar tua
carne, Brasil. Quem sabe assim sua bandeira hasteada exale
alguma verdade.
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Beto Silva ǀ É Pedagogo e Psicopedagogo com especialização em juventude,
educação sócio emocional e inovação educativa, mediador e multiplicador de
leitura formado pelo Projeto Mudando a História da Fundação Abrinq. Consultor e
assessor de projetos nas áreas de leitura, literatura, juventude e inovação
educativa. Foi coordenador geral da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e
Biblioteca do Ministério da Cultura.
Pai,
Era cedo quando você nos contou sobre os preparativos de um
dia de luta em seu trabalho. Trouxe para casa papéis escritos a
mão, conheci todos os seus amigos pelas letras de cada um
deles. O seu não veio, mas entendemos que você trouxe pra
casa pra gente escrever.
Você, só sabia assinar.
Reuniu seus filhos. Disse suas ideias. Olhávamos um homem
preocupado com o futuro de quem o fitava, de nosso lado só o
desejo em ajudar de alguma forma. As palavras ganharam
lágrimas e vimos seu rosto pela primeira vez molhado.
Filho do sertão, São Paulo foi sua única tentativa de alterar
algum rumo, quatro filhos e uma esposa que embarcou nesse
sonho. Falava de manter todos nós na escola, trazer o pão e o
leite de cada dia, comprar roupas no final do ano, pagar as
contas e manter seu buteco, no meio da periferia da zona leste
de São Paulo, aberto. Pedimos, cuidadosamente, que também
mantivesse os dois reais da semana para comprarmos nossos
doces, um pouco de doce e um tanto de bala para depois do
almoço, tudo repartido em 4. Você chorou ainda mais. Não
imaginávamos que nossa doce felicidade, estava agora salgada
na sua boca e mesmo assim, disse: “Meu deus... ter que brigar
por tão pouco".
Nós não entendemos.
Não entendemos também o que seria esse dia de luta. Como
você que pouco tinha, se muniria de algo que o defendesse e
pudesse lhe permitir algum possível ataque?
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Crianças, tem uma capacidade enorme de manter a fantasia útil,
os adultos vão perdendo isso com o tempo.
Escrevemos uma palavra que tão pouco conhecíamos,
DEMOCRACIA.
Em casa a enciclopédia e o dicionário normalmente eram
usados, nossa linguagem não dava conta de comunicar a todos.
Você nos explicou o que lhe fora explicado: é quando você tem
o direito de se expressar sem sofrer, sem apanhar ou sem ser
violentado. Nunca havíamos imaginado que uma pequena
palavra asseguraria tanta defesa, talvez a sua arma estava
escondida nas palavras que ainda não conhecíamos.
No outro dia, junto de seus amigos disseram tudo que queriam,
usando os textos e seus gritos.
Tudo foi dito, mas nem tudo foi aceito, agora seria negociado.
Você chegou um dia mais preocupado do que triste. Saiu de sua
empresa levando seus direitos, nem todos. Nos disse que havia
alguns que nem sabia que eram seus é por não saber, não pôde
lutar.
Você não se recordava tanto da ditadura, mas lembra que ela
vinha em forma de ordens e para viver, era preciso segui-las.
Depois descobriu que a ditadura levou os corajosos e valentes, e
percebeu que sua voz e coragem não estava nessa multidão,
mas deveria.
Nos deu o apoio à educação e tudo que era necessário para
mantermos as lições escolares e o bom comportamento em dia.
Professor sempre foi a profissão por você mais valorizada e a
escola permitiu que fosse nossa segunda casa.
Agora, está quase pra completar 80 voltas ao sol, presenciou
tantas primaveras e até hoje questiona o valor do silêncio e a
importância da luta, a necessidade da participação e a escolha
de representantes que possam falar por você, por nós, por
tantos outros que carregam essas marcas e histórias. Pessoas
que saibam o que se passa e possam dar aos que não tem, o que
é de direito. Por ser pobre, nordestino e sem estudo achava que
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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a educação seria o melhor presente, além dos 2 reais que
manteve por longos anos.
O filho que escreve essa história é professor, vive e trabalha pela
educação. Em nossa última conversa, você disse: - Que país
bacana será o nosso com um professor. Talvez agora haverá a
possibilidade de elevar a educação do país. Eu completo meu
amado pai. Eu quero um professor presidente. Que ele faça do
nosso Brasil sua melhor escola, os desafios e melhorias sejam
suas melhores aulas e que as disciplinas sejam seus ministérios,
que seus alunos lhe vejam com generosidade e que a vida tome
novos rumos. Que todo método possa inspirar e fomentar a
importância dessa conquista e que todo brasileiro compreenda
que só o conhecimento derruba qualquer opressor e que a
melhor arma serão sempre os livros e que não nos esqueçamos,
em tempos de ódio, que saibamos sair sempre amados.
Dedico esse texto a Paulo Freire, o pai da educação brasileira.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Joicyano Marinho Maia ǀ Natural de Lábrea-Amazonas, poeta/escritor e artista
visual, 34 anos, mora em Manaus atualmente. Em 2014 publicou o Zine
Tarrafeando Palavras; em 2016 o livro Relatos de um poeta: crônicas e outros
poemas (Selo Coleção de Rua); em 2017 publicou os livretos Diálogos Sobre A
Inutilidade De Escrever, Impressões do Óbvio, Amores Sirróticos, O Surto da
Palavra e Poemesas; em 2018 o livro Igarapés – Caminhos de Canoas pelo Selo
Coleção de Rua.
Até quando vamos ficar alimentando o ódio
Aonde iremos com a imaturidade dessa intolerância, da
propagação dos linchamentos públicos. Acontecimentos que
sempre existiram, e na globalização são banalizados,
promovendo uma cultura de violência cotidiana, por conta da
forte exposição nas mídias de massa: que se apropriam, vendem
e lucram com essa sangria. Impulsionadas também nas redes
sociais, publicações sem escrúpulo, na ausência de um pudor
moral e ético, têm causado problemas às pessoas que sofrem
esse tipo exposição, ferindo os direitos humanos e os princípios
constitucionais do estado laico.
Vamos ter que entender uma coisa! Vamos ficar sendo
sacaneados entre nós, nesse corporativismo continuado da
hipocrisia, de uma violência civilizada: sem ressentimentos de
quem oprime, sem ressentimentos de quem é oprimido. Vamos
ficar matando e dizer: Bem que merecia; a culpa não é minha;
eu não tenho nada a ver com isso; sempre foi assim e sempre
será; aqui tem de tudo e ainda falta tudo. Desde muito tempo
atrás os fortes dizem: o que não mata fortalece.
Como ser um pobre honesto, convivendo com o luxo da
fome. Há uma sede poluída aqui! Quantos se atreverão a beber
dessa água? Não seremos capazes de transformar a raiz do mal?
Nossa cegueira é produzida, nossa doença psicossocial é
construída para que sejamos bestas conformadas, e Deus não
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tem nada a ver com isso. As famílias, as religiões, os partidos, as
ciências, e a escassez programada nos esquartejam. Por nos
tornarmos em interpretadores dos fatos da realidade e nada
mais; registrar os fatos, nada mais. Pois sofrer ou morrer desse
jeito não é mais digno que ir buscar a possibilidade da
igualdade, justiça e paz nessa sociedade. Nós também somos
feitos de alma e canto. E com nosso amor infinitas vezes nos
doemos à liberdade.
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7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Andri Carvão ǀ é graduando em Letras pela Universidade de São Paulo com
habilitação em espanhol. Possui diversas publicações em revistas e antologias
físicas e digitais. É autor de Polifemo em Lilipute e outros contos (Appaloosa
Books) e Puizya Pop & Outros Bagaços no Abismo, organizou a antologia
Marielle’s (ambos pela Editora Scenarium) e tem o livro Um Sol Para Cada
Montanha no prelo. É poeta e artista plástico antifascista.
o fascismo nosso de cada dia
Assassinaram uma vereadora no RJ
Assassinaram nordestinos em Niterói
Assassinaram um capoeirista em Salvador
Aumenta o número de travestis assassinadas no Brasil
Marcaram uma suástica nazista a canivete na barriga de uma
mulher lésbica
Agrediram homossexuais
Picharam suásticas e dizeres preconceituosos em portas de
banheiros de universidades
Estupraram meninas em festas de universidades
Incitaram o ódio e a violência contra movimentos sociais contra
partidos políticos de oposição contra aqueles que pensam
diferente contra todo e qualquer tipo de ativismo
Meu parente próximo é fascista
Meu parente distante também
Meu amigo de infância é fascista
Meu colega de serviço também
Meu vizinho é fascista
Meu colega da faculdade também
Todos têm sangue nas mãos
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prece para tempos sombrios
Não encare as pessoas, mas ande
de cabeça erguida. Seja
homem
branco
heterossexual e de preferência
rico. Se não se
encaixar em nenhuma destas
categorias, ao menos aparente
ser. Em hipótese
alguma seja
negro,
homossexual,
mulher então nem pensar,
nordestino,
judeu, indígena, indigente. Seja gente. Não
corra de forma a despertar
suspeita. Nem
fique parado. Aja
com naturalidade. Não
demonstre nervosismo. Sorria
e fique sério no momento certo. Importante: use
um visual discreto, procure
não chamar atenção. Invisibilidade
é tudo. Jamais
sucumba pela revolta ou pelo
medo. Os cães farejam
de longe. Policie-se.
Aleluia. Amém.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Camila Passatuto (1988) ǀ Nasceu em São Paulo, é autora dos livros de prosa
poética "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada” (Penalux, 2017) e
"Nequice: Lapso na Função Supressora" (Penalux, 2018). Escreve desde os 11
anos, e desde 2007 participa de diversas antologias e revistas literárias com seus
poemas e textos.
brasilis
Acabou a comida
Meus pés, minha paz.
Ao fundo
Homens marcham
Ao som de tristeza,
Morreu mais um
Esmero em suma
Vicinal calada.
O dono da vida,
De ouro de pedra,
Mandou ter cautela
Ministrar o medo
Encolher as revoltas
Matar as crianças
Estuprar tuas pernas.
Acabou a comida
Meu Deus, minha vida.
Ao mundo
Dançamos
Sem colete e liberdade
Soldados
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Guilherme Paiffer Pelodan ǀ Natural de Jacareí- SP, nascido em 1989, é vendedor
ambulante de literatura autoral. Graduou-se em Teatro pela UFSJ em 2015, e
desde então atua pelo Brasil vendendo sua produção na rua, agitando sarais, e
viajando. Já foi censurado por apoiadores do Bolsonaro por seu texto intitulado
Marielle, que segue na coletânea.
a gente só
O paraíso distante e a gente tão perto, desperto, no cangaço da
subaqueira do meio-dia, ali, labutando, suando no meio do
cachorro quente e da batata frita e do doce da coca-cola, a
gente ali, morrendo de vontade, falando qualquer besteira, os
olhos brilhando de cansaço, radinho de pilha, pivete lavando
carro, mijo na esquina, gato estropiado, e a gente feliz, antena
parabólica, igual um aborto, a gente ali, fazendo a nossa poesia,
no meio dessa poeira de carro, como se o calor fosse só nosso,
como se o cheiro de fritura fosse o cheiro do nosso sexo cheio
de pelo, tudo pronto para ficar no meio do dente, ali, perto da
rodoviária mesmo, estação central, ponto de todo mundo, a
gente ali, tá tudo certo nesse mundo, é só achar um cantinho,
gosto de gasolina na boca, ouvindo o mugido dos carros, tá tudo
certo, a gente tá morrendo de vontade não tá?
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Marielle
No seu mundo o assassinato deve ser bem normal, não é?
Assassinam seus parentes todos os dias, para você soltar cheio
de desdém essa frase genial aí, que eu, modéstia a parte, não
tenho estômago para repetir. Assassinato é banal, coisa comum,
não é? Deve ser, né! De gente pobre não tem problema, não.
Gente pobre nem é gente, não é meu amigo? Gente pobre é só
garçom, motoboy, faxineira ou ladrão, não é não?
É diferente de você que tem bom gosto, e assina Veja, apoia
torturador, é cidadão de bem contra o mal, mas vota em ator
pornô para Deputado Federal, acredita na mentira mais barata,
para justificar seu ódio irreal. Final de semana cinema com a
família, cafezinho de trinta conto em Copacabana, gosta de
admirar a linda bandeira Norte-americana.
Gente pobre não tem vez, porque tem mal gosto, não é assim?
Gente pobre fede, não é não? Gente pobre não tem o direito de
fazer esse drama, inventar de querer ter espaço na televisão,
como assim? Não! Por conta de violência e assassinato, onde já
se viu pobre reclamar? Isso já faz parte do contrato, está
reclamando de quê? Ninguém explicou as regras para você?
Desde quando escravo tem alma?
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Bruno Sanctus ǀ Nasceu no mesmo dia que Kurt Cobain e tem ascendente em
sagitário. É natural de Campo Alegre de Lourdes (BA) e vive em São Paulo, onde
cursa Analise e Desenvolvimento de Sistemas. Bruno é autor do livro de poesias
Escrevi Para Esquecer: Palavrões (editora nota terapia, 2017, poesia), O Sol Era
Uma Hemorragia Ruivo-Oxigenada (Appaloosa Books, 2018, poesia – disponível
para download gratuitamente) e está prestes a lançar seu primeiro livro de
contos, Diálogos de Pornochanchada, além disso, participou das Antologias
Gengibre – Diálogos Para o Coração das Putas e dos Homens Mortos e a Antologia
Embaçadíssima, ambas organizadas pela Appaloosa Books.
acho que matei um cara!
acho que matei um cara!
não sei bem ao certo,
mas não volto à cena do crime para confirmar.
estou cheio de dúvidas
e o giroflex me confunde
ainda mais.
acho que matei um cara...
os olhos retorcidos,
o corpo débil:
as poças de sangue no asfalto
sugerem briga e
não me convencerão do contrário.
os policiais foram cúmplices,
bateram em minhas costas em
tom amigável e disseram:
“volte para casa,
pode deixar que daqui para frente
nós cuidaremos do caso!”
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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acho que matei um cara...
e estou com medo de ligar
a tevê e me deparar com a notícia...
oscilando entre um canal e outro
com os cinegrafistas
disputando o melhor ângulo
que facilite vender sensacionalismo
através de tragédia.
acho que matei um cara...
e fico assustado com minha própria
sombra; tenho certeza
que minha consciência já não
é um lugar seguro
e definharei sem voltar
a ser a pessoa que um dia
senti orgulho em ser:
pagando as contas de água,
luz,
IPTU,
telefone,
IPVA.
estou sentindo remorso de
transar com minha própria esposa,
porque ela não sabe quem
é o monstro com quem se deita
todas as noites.
acho que matei um cara...
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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e não sei se tinha família,
amigos, pessoas que o quisessem
por perto.
não sei se tinha nome,
endereço fixo.
de onde vinha, para onde ia
ou o que fazia.
sei que matei um cara,
no fundo eu sei que sim.
minha cabeça diz que o assassinei
com as lesões e fraturas;
meu coração,
quando calei-me
ante um preconceito
e vi determinado grupo
espatifando luminárias
no rosto de uma travesti.
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Zemaria Pinto ǀ Nascido sob o governo socialdemocrata de JK, tem 19 livros
publicados, de poesia, ficção e ensaios. É eleitor-fundador do PT, desde 1982,
quando votou em Oswaldo Coelho, seu professor de História no Colégio Ruy
Araújo, em Manaus, que lhe ensinara que a vida que está nos livros é a vida que
vivemos, todos os dias – somos nós, o povo, que construímos a História.
Autobiografia po(é/lí)tica
Para Luna, Rafael, Pietra e Aimée:
que o Brasil de vocês seja melhor que o meu.
Eu tinha 7 anos quando meu pai,
que sempre chegava com a luz do sol,
entrou na sala alumiada pelo candeeiro
– Eles tomaram tudo, espancaram e prenderam inocentes.
(Aquela noite insana
iria se alongar
em nossos corações
por mais 21 anos.)
Eu tinha 10 anos quando soube
da morte do Che, pelos jornais.
Da mesma forma, depois,
de Marighella e Lamarca.
Aos 13 anos, li as Memórias do velho Graça
e os Subterrâneos do Cavaleiro Jorge,
e escrevi poemas que clamavam
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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por liberdade de expressão.
Aos 18, faculdade:
me embriaguei de debates,
passeatas, concentrações,
entre outras rebeldias.
Aos 25, um novo partido,
com a cara de trabalhadores,
mudava a cara da política
que dominava o país.
Aos 28, sem Diretas Já,
vi, passivo, um pusilânime
conduzir o sonolento gigante
à beira do precipício.
(Carol nasceu na ditadura;
Paloma, com a democracia;
Amanda, com a Constituição.
O sol brilhava sem pudor.)
Aos 32, começou a jornada
da jovem estrela vermelha:
três eleições perdidas,
três tristezas renascidas.
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Aos 45, afinal,
com Lula e Dirceu à frente,
a alegria da vitória
de um governo para o povo.
Durante 14 anos,
sem medo de ser feliz,
o povo tomou a frente
e a miséria foi vencida.
Foram muitas as batalhas,
as derrotas foram muitas,
até que se deu o golpe:
fomos tirados à força.
Prenderam Lula, prenderam,
sem qualquer prova cabível,
a esperança do povo:
mas jamais esmorecemos.
Aos 61, agora,
a esperança refloresce,
na fala sóbria de Haddad,
na solidez de Manu.
(Maria, que ama o rosa e o vermelho,
nada sabe de esperança,
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mas canta todos os jingles
que a mãe Tainá lhe alcança.)
Não temos um adversário;
temos, sim, um inimigo:
nazifascista, misógino
homofóbico e racista.
Vamos vencer pelo voto,
arma do povo prudente,
cantando numa só voz:
– Lula livre, Manu vice
e Haddad presidente!
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Dani Colares ǀ manauara, mestranda em Antropologia Social pela Universidade
Federal do Amazonas, começou a escrever ainda na infância, seu trabalho aborda
temáticas do cotidiano e questões do universo feminino como protestos a
violência e visibilização da mulher. Participou em parcerias de zines de outros
escritores e uma parte de seu trabalho é encontrado nas redes sociais em
@dani_se_a_poesia. Atualmente é membro do coletivo Escritores Indigestos com
participação em diversos eventos: Sarau das Manas, Escangalho Cultural,
Estilhaços Literários e do projeto lítero- musical Gramophone em Poesia. Atua em
vários segmentos artísticos, na música (violinista em grupos de música popular),
dança (grupos de música regional) e organização de eventos culturais e científicos.
o estupro
Numa rua deserta
De uma hora qualquer
Abriram o meu peito
E estupraram o meu coração
Amassaram-no, pisaram-no
Foderam sem piedade
Eu gritava e ninguém ouvia
E enquanto me segurava,
Eu implorava para que o arrancasse de uma vez
Cuspiu-me na cara
As lágrimas formaram crateras em meu rosto
E buracos no chão
Eu carregava a dor que asfixia,
que se materializa, aprisiona,
vomita, grita e implora
A dor que provoca a inércia de morte
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Meu rosto, transfigurado de dor
Se contentava a olhar o nada
Fiquei ali, nua na rua imunda
Sem dignidade, força ou identidade
Vendo meus sentimentos jogados
Por todos os lados no asfalto
E assim, de peito aberto
Com saliva, sangue e sêmen
Levantei-me
Metade vivo, metade morto.
E o bandido? Solto.
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Marciel Cordeiro ǀ É escritor, estudante de Serviço social, morador da Serra no
Espirito Santo, onde realiza atividades com a juventude; realizando diversas
atividades como fotógrafo, poeta, palestrante e oficineiro. É um dos fundadores
do projeto RapcomoPoesia que atua na Grande Vitória há quase quatro anos.
dos direitos individuais
Sexta-feira à noite. Cai uma leve chuva e faz um pouco de frio na
Grande Vitória. Sento-me no sofá e começo a escrever um texto;
é impossível escrever quando não há concentração. Vou até a
janela e observo uma senhora sentada com o rosto quase
colado em uma tela de celular. Está com a feição melancólica. O
filho foi preso com produtos contrabandeados. Volto para o
sofá, sou muito sensível a essas coisas.
Soraia me manda um SMS. Sempre nos encontramos para
conversar. Ela me entende um pouco. Está com vontade de ir ao
bar para tomar cerveja e conversar um pouco. Soraia é uma
recém-formada em direito. Somos amigos a quase três anos.
Nossa amizade começou via Facebook. No nosso primeiro
encontro transamos debaixo de uma árvore. Quase todas as
vezes que nos encontramos, vamos para a cama depois do bar. É
algo que temos em comum, se estamos com vontade de transar,
vamos transar, nunca deixamos para depois.
Eu sou um cara que sofro com as memórias do passado.
Conheci muitas pessoas pelo país e sei que parte dessas pessoas
ficarão na minha memória. Isso é saudade. Soraia talvez ficará
para sempre como uma saudade em meu subconsciente. Ela irá
para algum lugar do país ou quem sabe do mundo. Nasceu com
os privilégios dos brancos. Os brancos nascem com privilégios e
não estão dispostos a abrir mão. Todos gostam de privilégios,
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isso independente de raça. Eu irei continuar lutando pela vida
nesse país; sou mais um preto fruto da diáspora africana. Mas
foda-se o futuro. Nunca me preocupei com algo que não existe.
Cheguei ao bar, e lá já estava Soraia tomando cerveja. Sento-me
e começamos a conversar.
-E aí, como está?
- Estou bem e você?
- Vou bem.
Ela está com uma blusa com um tecido fino e sem sutiã.
Adoro mulheres que não usam sutiã.
- Olha, Soraia trouxe algo para tu ver.
- Quero ver.
Era o livro de fotografia " de ônibus". Um belo trabalho do
fotógrafo Mauro Sampaio. Um trabalho sobre o transporte
coletivo em Brasília. A fotografia é memória. Quase sempre
falamos sobre fotografia em nossos encontros.
- Que maravilha!
- Esse cara é fantástico!
- Vou olhar com carinho.
Tomamos mais algumas cervejas. Soraia me olhava firme, eu
olhava para ela e para seus seios. Estávamos com vontade de
transar, é quase sempre assim. Ela ia banheiro constantemente.
Eu a fitava. Estava com uma calça de algodão que marcava a
bunda. Ouço barulhos intensos de buzinas. Soraia está no
banheiro. Vou até o banheiro feminino, a porta está
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entreaberta. Entro. Ela está passando batom e se olhando no
espelho, agarro ela por detrás e fecho a porta. O banheiro está
imundo. Papéis pelo chão, cheiro forte de urina, a pia cheia de
fungos, as paredes com marcas de merda, sangue e algumas
frases. O banheiro é um lugar de libertação. Soraia segura na
parede e deixa que assumo o controle. Ela está sem calcinha,
fico mais excitado. Começo a penetrar nela por detrás,
enquanto ela segura na parede, ela goza uma, duas, três vezes.
Sento na privada e ela vem por cima. Depois ela volta para a
parede. Agora estou penetrando mais rápido, ela grita baixinho,
está cheia de tesão. Gozamos juntos. Jogo esperma na
bunda dela, Soraia passa uma das mãos no esperma e limpa-a
na parede suja do banheiro. Vou até a pia, ligo a torneira, e lavo
meu pau. Saí primeiro do banheiro e logo em seguida Soraia
retorna a mesa. Vamos até o balcão e dividimos o valor da
conta.
O barulho das buzinas está mais próximo. São
caminhoneiros e simpatizantes, estão passando na Avenida
Fernando Ferrari. Soraia se declara de esquerda e tenta tirar de
mim alguma coisa.
- O que tu acha das greves que vem ocorrendo no país?
- Ainda vivemos na tal democracia.
- Tenho medo. Tem pessoas pedindo intervenção militar.
- Não sei, talvez sim. Mas gosto do caos. Além do mais quem
tem direito a democracia, que grite, mesmo que seja para pedir
o fim dela.
- Não, Marciel. O povo precisa buscar por melhorias. O país está
muito ruim para os pobres.
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- Soraia, talvez no futuro veremos melhorias para os pobres.
Muita coisa precisa mudar.
- Precisamos de mudanças emergentes.
- Soraia, veja bem. Quem assinou a lei Áurea foram os brancos.
Os pretos escravizados daquela época não sabiam nem ler,
Isabel não abriu mão de privilégios, ela apenas ganhou outros.
Os humanos são competitivos. Sempre haverá alguém torcendo
pela tua queda. É uma luta. Irão te socar, socar e socar. Daí o
árbitro irá contar até dez. Assim é o Brasil atual, um ringue onde
todos estão se socando. E só os apostadores que estão na
tribuna levam a quantia. Soraia, a existência do Estado por si só
colocar fim ao sentido de democracia.
- Ah, Marciel, você é um pessimista, desacredita de quase tudo.
- Vivo melhor assim.
Saímos em direção ao ponto do ônibus. Dou um abraço forte
em Soraia e sigo para minha casa na Serra.
Tomo um banho. Deito na cama, ligo o rádio do celular,
encontro uma estação legal, estão falando de literatura com
Milton Hatoum. Hatoum fala dos privilégios dos governantes.
Hatoum é um grande escritor. Preciso escrever. Isso me faz
existir.
Estou correndo da multidão, a multidão sempre correu para o
lado errado.
Entro no banheiro, sento-me na privada. Continuo lendo Trilogia
suja de Havana, adoro ler enquanto estou cagando. Balzac era
viciado em café, Charles Dickens era viciado em necrotério, e eu
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acho que sou viciado em ler enquanto estou dando uma boa
cagada.
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Maysa Fernandes ǀ Amazonense, 33 anos, natural de Manaus, cresceu no
município de Barcelos retornando a capital aos 15 anos. Escreve desde a infância,
mas inicia suas publicações aos 25 anos numa série de poesia concreta chamada
“Palavras para” com duração de dois anos. Depois lança obras em prosa, conto e
crônica, como Paranoia pública e algumas parcerias publicadas em zines de outros
escritores, participa da algumas parcerias publicadas em zines de outros
escritores, participa da 9° edição da revista Sirrose. Formou-se cientista social pela
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no ano de 2016, simpatizante de
vertentes anarquistas e antifascistas sempre buscou abordar a temática da
desigualdade em sua obra, seja o teatro, a performance, desenho ou escrita.
manaus, 22 de outubro de 2018
Carta aberta a Tom Zé ou um diálogo impossível com o senhor
cidadão.
Meu caro Tom Zé, (e como é caro lhe escrever neste
momento).
O senhor cidadão reitera a cada dia mais seu
posicionamento, parece que voltou a moda expor tudo que
estava guardado e mostrar quem realmente é.
Acredito que ele devia estar deveras saudoso, uma vez
que sua especialidade de varrer pra debaixo do tapete e exaltar
aquelas que finge que tem não se faz mais necessário. Ele anda
altivo, de cabeça erguida e vociferando atrocidades na paz do
Senhor. Creio que nada mudou porque apesar de toda luta, este
brio do senhor cidadão está se tornando mais firme.
Antes ele andava escondido, furtivo, frases soltas...
Desculpe meu caro, este é meu classicismo falando, no centro e
na periferia ele sempre pode mostrar quem realmente é. Então
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qual o espanto? Ver incrédula a ascensão e a identificação de
tantas pessoas a quem tínhamos fé. Como é doloroso descobrir
que a figura do senhor cidadão ontem ria comigo (ou será de
mim), hoje se indigna contra mim e amanhã se calará capaz de
ser capataz, não duvido, mas certamente cúmplice caso venham
a matar. Nem na família há refúgio. Me disseram pra "sossegar
até a poeira baixar", outro disse por que eu simplesmente não
mudava de "opinião"... Opinião??? O senhor cidadão não
entende. E morte virou questão de opinião.
Acontece que no silêncio se morre de forma simbólica e
esta simbologia não leva a uma morte de fato? Como se deixa
de ser o que se é? Sossegar ou "mudar de opinião" é algo que
alguém em sã consciência jamais faria sem despedaçar-se. O
preço da liberdade vai rendendo juros... A quem?
As feridas abertas e expostas tem o objetivo de saná-las
ou não? Como bem sabes o senhor cidadão faz enormes
sangrias, dilacerações e por um puro sadismo afaga e lhes
mantém em sombrio ocultismo, tornando a maltratar e
esconder sempre que pode.
A ele não diz nada o derramamento de sangue, não de
forma externa. Mas em seu íntimo diz e muito. Enche o ego,
mostra superioridade, poder, gozo no menosprezo. Ele se recusa
a ser igual. Aliás a ideia de igualdade é uma punhalada feroz
contra a pessoa do senhor cidadão.
Não interessa os quilos de medo, as mortes no peito
muito menos a natureza humana. Não há nada humano ali. O
que há de ser feito, meu caro Zé? Queria e muito ter belas e
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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poéticas coisas a contar nesta, mas os dentes que guardam
sorrisos agora o fazem sob lágrimas. Cadê os nossos? Persistir e
resistir é tudo que nos resta... Até o último de nós. Vamos nos
falando e prometo que tentarei me manter uma pessoa aberta.
Quero seu abraço Zé, porque a única certeza é que
permaneceremos de pé.
Até breve ou não, mas sou grata pelo seu trabalho.
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Dori Carvalho ǀ Nasceu em 1955, vive em Manaus desde 1978. É ator e poeta.
Autor dos livros "Desencontro das águas", "Paixão e fúria" e "Meu ovO esquerdo".
o gatilho
Quem comemora a morte,
também, apertou o gatilho.
Quem justifica o assassinato,
também, apertou o gatilho.
Quem chama de defensora de bandido,
também, apertou o gatilho.
Quem diz que bebeu do próprio veneno,
também, apertou o gatilho.
Quem manda ir pra Cuba,
também, apertou o gatilho.
Quem esbraveja volta pra África,
também, apertou o gatilho.
Quem vomita preta nojenta,
também, apertou o gatilho.
Quem chama de vaca vagabunda,
também, apertou o gatilho.
Quem xinga de esquerdopata,
também, apertou o gatilho.
Quem fala mimimi e vitimização,
também, apertou o gatilho.
Quem vocifera desumanos direitos
também, apertou o gatilho.
Quem ameaça a mais frágil,
também, apertou o gatilho.
Quem ofende a vítima,
também, apertou o gatilho.
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Gigio Ferreira ǀ Nasceu em Belém do Pará. Estreou na dramaturgia juvenil com O
Gringo da Matinta (2014), pela Editora Giostri, em parceria com a escritora
Miriam Daher. Em carreira solo publicou os seguintes livros pela Editora Giostri:
Chibé de Cobra & Multicabaré, Contos. Conversas com Mulheres Nuas, Contos.
Bodes Curandeiros & Montanhas de Aquário, Crônicas. Pirão de Charque &
Avuados, Contos. Feliz Círio, dramaturgia adulta. Frutas Acesas, Poesia. Caravelas
Sensuais Para Depois do Infinito, Poesia. Estão no prelo para 2019 os seguintes
livros: Tutti Esfarrapado e O Bosque Gueragama, dramaturgia infantil, todos pela
editora Giostri.
o doce patrão brasileiro
As vagas eram para serviços gerais. As ordens eram para admitir
somente pessoas com compleição física avantajada, mas nada
também de gordos ou obesos, pois pessoas assim são
preguiçosas, indolentes e acima de tudo... DOENTES! Essas
criaturas nem deveriam passar pelo crivo dos papéis da
entrevista, mas aceitaríamos por conveniências políticas e
religiosas, afinal os tempos diziam isso através de muitos
MEMEMÊS na grande imprensa e sucessivos desgovernos
impondo lorotas e mais lorotas acerca do que deveríamos fazer
a respeito dos nossos recursos humanos.
Então o diabo chefe mandou publicar em muitos jornais
mentirosos que estávamos disponibilizando essas vagas. Jornais
mentirosos são maioria, e isso ninguém pode contestar, afinal
eles são propriedades dos donos do Brasil. E os donos do Brasil
não suportam pagar justos salários para reles funcionários, eles,
os funcionários, deveriam é trabalhar mais e mais, e se possível
de graça! Não poderiam dispor de tempo para nocivas práticas
de reflexão política, isso atrasa o desenvolvimento, o
crescimento, adoece as expectativas de investimento no setor,
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aumenta a participação mafiosa dos sindicatos, enfim, atrapalha
tudo!
Então me encheram a cuca com uma porrada de ordens &
orientações. Tinha de ser lógico e frio, nada de coração
apertadinho ou condoído socialmente falando. Os bons
candidatos seriam aqueles com capacidade motora, e se desse...
com algumas habilidades mentais, psíquicas ou intelectuais.
Entre as exigências da Empresa constavam o certificado de
conclusão do ensino médio e outros certificados comprados na
internet, serviria também algum curso superior, ora porra!
Sete da manhã como num bom quartel, pátio lotado de
candidatos, todos com cara de fome, afinal estavam todos
desempregados, senão não estariam ali, como afirmou o
gerente, chefe do setor!
Mandei o primeiro entrar:
- Está vendo essa ficha ai na sua frente?
- Estou! - Preencha de forma legível e sem rasuras, coloque seus
dados pessoais e assine, por favor!
Ai o candidato levou um tempão para se acostumar com aquela
invenção maravilhosa chamada caneta esferográfica! Mandei
chamar o próximo, pois esse primeiro já era!
- O senhor está vendo essa ficha ai na sua frente?
- Que ficha senhor??!! Mandei chamar o próximo, pois esse
segundo também já era!
- Cidadão, olhe bem para a minha cara!
- Estou olhando...
- Preencha essa ficha cadastral com os seus dados pessoais sem
demora!
- Sim senhor!
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Demorou um tempão, quer dizer, levou cinco minutos para fazer
uma pergunta cretina, não parava de coçar sua cabeça lotada de
pensamentos frívolos, então levantou o seu olhar obtuso e com
cara de uma folha de alface em pleno deserto disparou:
- Doutor, quem nasce no Mato Grosso é o quê mesmo?
- ESPINHO!!!! Esse também levou o farelo, pois ordens são
ordens!
Mandei chamar o próximo candidato:
- Bom dia, entre e fique a vontade, o senhor está vendo essa
ficha de papel ai na sua frente?
- Estou!
- Preencha de forma ágil, não quero rasuras, seja rápido no
gatilho!
- Mas doutor, estão aceitando também seguranças aqui nessa
Empresa? Esse até que tinha um humor sofisticado, mas ali não
era um Teatro, e esse camarada também foi para escanteio, pois
ordens são sempre ordens!
Então mandei o próximo entrar:
- Preencha essa ficha ai e aguarde o nosso chamado!
- Sim senhor!
Preencheu tudo rapidamente e de forma correta. Mas algo me
chamou a atenção nele, estava bem vestido e aparentava ser
inteligente. Hummmmm, esse tipo vai passar apenas uma chuva
aqui dentro, logo logo estará doente e apresentando uma
porrada de atestados médicos, se bobear ele colocará a
Empresa na frente de um CAPA PRETA da Justiça do Trabalho,
afinal a nossa Empresa foi cafajeste com ele, não respeitou os
horários, não pagou suas merecidas férias, não o respeitou
enquanto ser humano, não o promoveu, não o incentivou a
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estudar, não proporcionou sua autoestima, não o valorizou, não
concedeu isso e mais aquilo. Então pé na bunda desse
malandrão, ora porra, lugar de gentinha inteligente é na
UNIVERSIDADE!
Então entrevistei muitos naquele dia cansativo, porra,
cheiravam mal pra caralho, os que entravam suados eu limava
sem perdão. Quanto ao sexo feminino, completamente
VETADAS! Eram ordens superiores, mulheres menstruam e
ficam grávidas, e nossa Empresa não é BERÇÁRIO ou muito
menos CLÍNICA GINECOLÓGICA!
Assinei contratando apenas dez cavalos brutos, dois deles eu
chamei em particular e disse:
- Amanhã aqui pontualmente às sete da manhã, um minutinho
atrasado é RUA! E vocês dois ai, nada de cavanhaque na cara,
isso é coisa de comunista, comunistas dão muito trabalho,
fazem cagadas atrás de cagadas, e aqui não é lugar dessa baixa
extração... e tem mais, não quero ver os senhores com essas
BOCETAS NA CARA!
- Sim senhor!!!!
Chegou a tardinha, tomei uma coca cola bem gelada e lembrei
do culto na minha igreja, poxa, estava deixando um pouco de
lado a minha espiritualidade. Deus é fiel!!! E quem trabalha
Deus ajuda! Tomei meu banho, apanhei no cofre da Empresa
duas notas de cem dólares para o dízimo e cheguei um pouco
atrasado ao culto maravilhoso!
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Jalna Gordiano ǀ É escritora, poeta, co-fundadora do movimento de literatura
marginal SIRROSE, autora do livro ASMA, DENTRE OUTROS PRAZERES A DOR,
tendo publicado fanzines na cidade de Manaus. Revolucionária nata, amante das
loucuras e devota dos filhos, atualmente cursando o curso de Serviço Social.
Feminista, cotista e terrorista psicológica, acredita em mudar o mundo como
sonho possível.
varal de domingo
Eu vou me esconder
Aqui, no quentinho das obrigações
Onde os ventos sopram forte
Mas eu sei de onde eles vem
Não há consideração com inimigos.
Olha só esse novo eu,
Que não tinha inimigos há pouco tempo.
Ou você está comigo, ou contra mim.
Chega de opções.
Depois de uma sequência de ganchos de direita
Fui afundada numa piscina de dejetos
Fedorentos de mesquinharia...
Acredite, talvez você até já saiba,
Nada fede mais do que a podridão de gente sonsa.
Não há evolução da espécie humana
Apenas um emaranhado e redemoinhos
De dor.
Eu não sei bancar a carpideira
E sair gritando o meu choro aos cantos.
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Ninguém gosta de ouvir cantos,
Apenas a dor alheia.
Não nasci para agradar os outros.
Eu vou me esconder debaixo da manta do silêncio
E torcer sem muita expectativa
Para que as coisas melhorem.
Eu vou retirar meu caderno empoeirado
Com anotações manchadas de chuvas tristes
E projetos inacabados.
Eu vou incendiar uma das minhas milhares de personas,
preparar meu fuzil de frieza.
Matarei a que mais gosto.
Não existe consideração com o outro
Quando não se consegue ver consideração com você mesmo.
Estava eu confortável
Com um adorno no peito, cheio de bons sentimentos.
Hoje
Eu pego esse bouquet inútil e jogo no lixo
Junto com minha esperança de bons presságios.
Aqui, debaixo do silêncio
Há paz para arquitetar vingança.
Há tempo para desexistir.
Há força suficiente para tecer uma longa corda
Na qual enforcarei
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Um a um
Meus inimigos empalhados
Num lindo varal
Secando sob um sol tímido
De três da tarde de um domingo invernal.
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Fabiano Calixto ǀ Nasceu em Garanhuns (PE), em 1973. Vive em São Paulo. É
poeta e professor universitário. Cursa doutorado em Teoria Literária e Literatura
Comparada na Universidade de São Paulo, USP. Publicou os seguintes livros de
poesia: Algum (edição do autor, 1998), Fábrica (Alpharrabio Edições, 2000),
Música possível (CosacNaify/7Letras, 2006), Sangüínea (Editora 34, 2007) – este
finalista do prêmio Jabuti, A canção do vendedor de pipocas (7Letras, 2013),
Equatorial (Tinta-da-China, 2014) – antologia lançada em Portugal, e Nominata
morfina (Córrego/Corsário-Satã/Pitomba, 2014). Prepara seu novo livro de
poemas, Fliperama.
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Vagner Castro ǀ É amazonense, natural de Manaus, poeta marginal, autor do livro
O Louco. Estuda Psicologia, é pai da Beatriz, e do Flávio.
Não deixarei que a luz se apague.
Não deixarei que as mãos dos meus filhos tenham gestos armas.
Não deixarei que a música pare, lutarei para continuar
dançando.
Não deixarei que fechem a porta da cidade às dez horas da
noite, meus passos são livres e continuarei caminhando.
Continuarei indo às praças, aos eventos culturais para mostrar
que minha arte é resistência contra o discurso do ódio
proliferado, introduzido nas mentes cegas que seguem a voz da
tortura, a voz do racismo, a voz do homofóbico...
Tudo que é lançado dessa voz é podre, é veneno, é violência, é
estrago, mas resistirei as pragas, levantando a bandeira da
diversidade.
Jamais aceitarei os trinta anos de ócio na vida pública. A
omissão escondida no porão de partido corrupto. As
declarações fascistas aplaudidas por robôs de carne que
repetem e disseminam todo o bafo fétido dessa voz hedionda. A
fuga dos debates.
Não, covarde. Não permitirei que tire de mim a democracia.
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Laís Fernanda Borges ǀ Nasceu em Manaus, em 30 de novembro de 1984, é
escritora, jornalista e artista visual. Publicou "Ventania Literária" em janeiro de
2013 e participou como artista visual em várias exposições. Atualmente está com
uma pintura no Salão Curupira de Artes.
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Somos flores que buscam resistir em meio ao concreto cinza das
cidades.
A dureza do cimento seco como os corações tomados pelo ódio
não consegue atrapalhar o surgimento de pequenas plantas.
Alguns tentam arrancar o "mato", mas ele surge cada vez mais
forte e com mais flores.
Cores fortes e suaves despontam em meio a desesperança.
As árvores têm folhas ressecadas pelo calor implacável,
vindo tanto do sol quanto das bocas raivosas,
mas ainda assim continuam com a fotossíntese.
Tentamos entrar calar a vida num tributo à podridão, rumo a
dias sinistros,
porém ela se ressignifica e ressurge.
Após a tempestade a vegetação ficou mais verde.
Somos o verde esperança do nosso país que teima em persistir.
Somos resistência.
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Thiago de Mello (1926) ǀ É tradutor e poeta. Nasceu em Barreirinha, Amazonas. É
um dos poetas mais influentes e respeitados do país. Tem obras traduzidas para
mais de trinta idiomas. Perseguido durante a ditadura militar (1964-1985),
refugiou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. No
exílio político, morou na Alemanha, Portugal e França. Com o fim do regime
militar, voltou à Barreirinha. Hoje vive em Manaus, capital do Amazonas. Publicou
Silêncio e Palavra (1951), Narciso cego (1952), Faz escuro mas eu canto (1965),
Canção do amor armado (1975) Poesia comprometida com a minha e a tua vida
(1975), Mormaço na floresta (1983) e Amazonas – Pátria da água (1992), entre
outros. É a personalidade literária do Prêmio Jabuti 2018.
madrugada camponesa
Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.
Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.
Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estalo em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longo seringal.
Já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque a manha vai chegar.
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tempo de rebeldia
O tempo do inimigo, quando veio,
parecia que fosse de cuidados.
Era esconder a rosa, companheiro,
e proteger as relvas da ternura
contra o tacão feroz e disfarçado.
Não descuidassem nunca as forças claras
do instante exato de arrojar a luz.
Era uma espera que podia doer,
mas o tempo de amor não tardaria.
Não tardará, eu sei, mas descuidaram
não só do tempo, mas até do amor,
cuja canção mais bela foi ferida
pelo ferrão que era encolhido e curvo,
mas foi ficando ousado e tão altivo
que o seu próprio poder foi dilatando
cada vez mais em tempo, cinza e fel.
O tempo do inimigo se acrescenta
de tão turvo poder, que está marcando
- o tempo do inimigo está marcando
a hora da rebeldia em nosso amor.
Mas só o povo é quem pode a rebeldia
quando no peito não lhe cabe a dor
que irrompe - e então são águas represadas
que desprendem, no seu volume espesso,
os ímpetos crescidos, despencados
no seu destino imenso de ser livre,
que se expande em fragor de tempestades
e gera brados balizando o rumo / por onde avança o povo rebelado.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Pollyanna Furtado (1981) ǀ É poeta e professora de Língua Portuguesa na rede
pública de ensino. Publicou Fractais e À margem da luz (edição independente,
2007), Simetria do caos (7Letras, 2011), Rosa de Sombra (independente/digital,
2013) e À sombra do iluminado (7Letras, 2017) – obra finalista do prêmio Jabuti
2018.
eu não sei
Eu não sei, mas deveria saber
que o ser humano pode saber tanto
e que, no entanto, de tudo que sabe
não sabe o que realmente importa.
Eu não sei, mas deveria saber
que a ignorância é maior
do que o entendimento;
que a dúvida é muitas vezes dádiva
quanto a certeza absoluta nos cega.
Eu não sei, mas deveria saber
que a realidade não se resume
ao meu estreito conhecimento
que se existem tantas divergências
é porque às vezes posso estar enganado.
Eu não sei, mas deveria saber
que não sou a medida de todos
e que, portanto, o que vale para mim
pode não valer para tantos outros.
Eu não sei, mas deveria saber
que se eu não sou medida dos outros,
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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também os outros não me são medida,
mas isso não significa desprezar
o princípio essencial que nos liga.
Eu não sei, mas deveria saber
que o meu ódio é o meu veneno
e que, com ele, mato supostos inimigos
e, pouco a pouco, também mato a mim mesmo.
Eu não sei, mas deveria saber
que se existe um Deus, esse Deus é Amor
e que o Amor é a Luz e comunhão divina
e nada nesta nossa vida, nada justifica
esse desejo cru de ceifar outras vidas.
vozes da morte
A psicopatia coletiva se levanta.
Como corpos soterrados,
vazios de alma,
encontram suas vozes
na voz de um tirano.
Ou são esses desejos obscuros
enterrados no coração das trevas
do humano?
Estão se levantando das tumbas
em decrepitude.
Zumbis do caos contemporâneo.
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Adriano F. Oliveira ǀ É professor, escritor e artista gráfico. Participou do Clube dos
Quadrinheiros de Manaus no final da década de 1990 e da Revista Sirrose na
primeira década do novo milênio. É fanzineiro há 20 anos, com mais de 50 zines
publicados e vendidos de mão em mão, nas ruas, universidades e terminais de
ônibus da cidade.
anonymous
Nós não esquecemos.
Nós não perdoamos.
Você pode ser um de nós.
Somos seus filhos
Heróis de cinema
Na greve
Geral.
Estamos na rede
Um sorriso no feice
Eu te curto
Minha Revolução!
Nós não esquecemos.
Nós não perdoamos.
Só não sabemos bem onde vamos.
Partam os partidos
Apertem os cintos
Da corrupção.
Mas que foi isso?
Um Golpe no Egito?
Ou no meu Coração?
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Nõs não esquecemos.
Nós não perdoamos.
Nós não sabemos quem golpeamos!
Paz e Guerra.
Estamos em guerra
Pela paz.
Estamos em paz
Pela guerra.
Descancemos em guerra
Pra não descansar em paz.
Quem em paz tudo espera
Não descansa jamais.
Rezaremos por ela -
Pela guerra, pela paz -
Pela alma que vela
O que a arma te dá.
Pela alma da Terra
Pela arma do mar
Que se bate na praia
Até tudo alagar.
Pela alma que espera
Um dia se afogar.
Pela arma que encerra
O que ao pó voltará.
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Edilson Seta ǀ (Licenciado e Especializado em Filosofia UFAM)
o prazer no absurdo.
“Como o home pode ter prazer no Absurdo?[...] pode-se dizer
que quase em toda parte onde houver felicidade, há prazer no absurdo.”
(Nietzsche, Friedrich. Humano demasiado Humano. Aforismo 213. Pág , 151.
Que absurdo se configura o prazer em destruir a Democracia
que nos promove a alegria e felicidade? Que desejo absurdo é
esse em destruir a Liberdade que nos traz sombra e quietude?
Certa vez o ser humano experimentou de seu instinto
afrodisíaco, e despertou todas as mais evoluídas concepções de
artes e desejos. No começo, tudo era muito inebriante e a busca
da criação tomou rumos civilizatórios. Todos escolheriam o que
mais lhe convinha desfrutar da arte. O prazer está presente nas
divinas manifestações das artes, sejam Apolíneas ou
bacantianas! Assim, os teatros se abriram para todos os gostos e
afetações.
A Música, por sua vez, fora dividida em som da fala e som dos
instrumentos. Dominados pela ideologia, um e outro se
sentiram diferentes, e aquele que os adotou se sentiu possuído,
um pelo som da própria voz, o discurso, e outro pela melodia
dos instrumentos. Quem adorou a própria voz virou um tirano; e
acreditando que dominaria a si mesmo, desejou dominar
àqueles outros que só adoravam a Música dos instrumentos! A
intensidade da fala do tirano caiu como ação sobre aquele que
somente queria ouvir a Música.
“A Língua é a imitação dos gestos” – dizia Nietzsche no aforismo
216 do livro citado. Sem controle da língua, os gestos atrozes
foram desastrosos sobre a consciência sensível do ser humano.
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A ação seguida deste discurso maldito se distanciara do que é
mais divertido, do que serviria para exprimir sensações
agradáveis.
As falas de Bolsonaro soam como ameaças, mas os gestos
violentos já se manifestavam em seus apoiadores. Insultam-nos
com suas falas, mas, saibamos, seus gestos se antecipam à
língua elétrica e descontrolada. A sintonia do terror está
aumentando seu volume e a arte está virando um monstro, uma
tragédia, uma simbólica expressão da dor. Não deves aceitar
flores e elogios daqueles que vos oprimem quando desejas
cantar e cultivar vossos jardins. O autoritarismo é
profundamente preciso em associar-se a qualquer sistema de
corrupção. E, até a Liberdade parece ter caído em desuso no
discurso do opressor, sob a alegação de que ser livre é algo
doentio e repugnante.
O homem pode renunciar, mas não por muito tempo, ao
esclarecimento, disse Kant. Não há perigo em permitir ao ser
humano fazer uso de sua própria Liberdade. LIBERDADE APESAR
DE TUDO!
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Wilson Padilha ǀ Poeta, escritor e professor universitário em Cuiabá-MT.
o brasil se arma
de verde e amarelo
e eu relutando
assisto ao espetáculo surreal
tragédia anunciada
pela boca
boçal.
a verdade de quem vos libertará
e vocifera
com línguas de fogo
no olhar
a roda do tempo
gira para trás
brincando de roleta...
lançada a sorte,
dezessete pontos
somando dados
distorcidos
e
deformados:
o ventre balança
contra a lança
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Rojefferson Moraes ǀ É professor, produtor cultural e poeta. Autor dos livros
“Digitais” (2008), “Poesia Crônica” (2014), “Lembranças de Uma Noite Qualquer”
(2015) obra que assina sob o pseudônimo de Macaco d’Água , todos publicados
de forma independente, “O dia em que Carla assassinou o meu gato e outras
crises de amor” (Penalux, 2017), participou de diversas antologias literárias. É
Diretor geral da Na Tora Produções, produtora independente que realiza ações
socioculturais na periferia de Manaus, e no interior do Amazonas.
não ficarei de fora da resistência
Eu acho que todos deveriam conhecer o inverno. O frio que é
ver o pai chegar em casa com quase nada pra comer. O pai levar
porrada do patrão, cair do andaime e quase ficar paralítico,
receber apenas LER (Lesão Por Esforço Repetitivo) como prêmio.
Minha mãe foi estuprada pelo meu avô, e carregou no seu
ventre, por nove intermináveis meses, seu filho e meio irmão.
Depois de tantas lutas chegou um dia comigo e disse, meu filho,
reze para você nunca ter uma filha, não coloque mais uma
mulher nesse mundo pra sofrer. Eu acho que todos deveriam
sentir frio. Sabe, existem os moradores de rua, o MST, os
indígenas sendo mortos há mais de 500 anos, os quilombolas, os
transgêneros... Todos eles já sentiram frio demais. Ter um
agasalho não é estar coberto com um pedaço de tecido
sintético, mas sentir o calor da liberdade pela busca da
dignidade. Já atravessei os becos do bairro onde eu morava
correndo. A polícia no encalço. Não tínhamos praças, não
tínhamos shopping, só tínhamos a rua, e éramos impedidos de
ficar nela depois das 18 horas. Não acho que todos deveriam
visitar o inferno, mas quem já deu uma volta por lá sabe muito
bem o quanto dói o gás lacrimogêneo nos olhos, o quanto dói o
cassetete da polícia, o quanto é humilhante o coturno da polícia
na nuca, o choque no bico do peito, chute nos testículos,
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ratazanas enormes na vagina, cabo de vassoura no ânus... Nos
últimos dias tenho sentido um vazio tão grande no peito, uma
ausência de sensibilidade que me impede de abrir as janelas, de
caminhar nas praças. O ódio deixou de ser a bandeira dos
covardes para se transformar na arma legítima de combate a um
inimigo que cresceu no mesmo bairro, estudou na mesma
escola, frequentou a mesma igreja, trabalhou na mesma
empresa, e me parece que já não adiante mais falar nada, só
escrever, escrever e escrever, antes que nos proíbam até de
usar as palavras como o portal para o infinito.
“Não ficarei de fora da resistência. Não serei o poeta brincalhão
que acha que não tem nada a ver com isso. Não serei o defensor
da barbárie. Não me calarei por boçalidade para justificar minha
covardia disfarçada de neutralidade.”
linhas com o frio das rochas
“A humanidade prefere Barrabás do que Cristo...”
(Facção Central)
Não tem flores por cada corpo derrubado nesse vendaval de
ódio
Na casa a mãe chora, no bar o pai gastando o pouco que tem
No trabalho faz sinal de reverência ao monstro da TV
Ninguém se fala mais
Só silencio e o gatilho refletindo nos olhos
Medo, suástica sendo apresentada com orgulho
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O disco está girando ao contrário
O pedreiro que se fodeu uma vida inteira agora bate
continência ao carrasco
Saio pelo bairro.
Mais uma marcha pra Jesus
Bucho cheio de comida, e alma cheia de ódio
Não consigo entender que mundo é esse
Sempre soube que uma hora eles deixariam o amor de lado
Era uma questão de tempo.
Primeiro uma guerra declarado ao demônio
Depois luta contra a pobreza
Agora caçada aos infiéis, aos ímpios, aos pecadores
Tudo em nome de Deus
E o capitão ri com a boca murcha
De quem já derramou sangue dos inimigos do estado
Sorrindo, feliz, e depois sentou na mesa pra jantar com os filhos
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Felipe Pauluk ǀ É um curitibano residente em Londrina há mais de 10 anos, jogou
na loteria da vida e numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. lançou seu
primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso em 2011). Hit The Road, Jack,
romance em 2012. Em 2015, foi lançado Town, novo romance do autor. "Comida
di butequim" e "Tórax de São sebastião" foram seu dois livros de poemas
publicados em 2016. Em 2017, de forma mais artesanal veio ao mundo o livreto
de poemas "Manual Prático de Perna Mecânica para Cantores". Além de escritor,
Pauluk também é roteirista e diretor de clipes.
poema: v. h.
choca o ovo da serpente em brasa
no miolo do povo
nos confins de marte
mordendo o dedo da criança
& colando gatilhos.
um deus-morno que lambe asfalto
e cospe nos olhos de quem quer pichê
quem precisa de estrada ainda
um astronauta que colide
com o seu próprio corpo
calendário ao contrário
mundo de ponta cabeça
o pau de arara filosófico
há queima de fogo
de roupa, de pele
e um menino-valente
liga para mãe adventista
em pleno sábado
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para dizer que está vivo
faminto & com uma órbita aberta
é tudo retrocesso - diz ele
é tudo retrocesso - diz ele
com um pano sobre o telefone
com um cadarço no pescoço
com cinta de macacão no pescoço
com os joelhos fletidos
vladimir herzog
na memória
não na moda
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Dom Alencar ǀ Nasceu em 1989 em Tapiramutá-Ba, vive em Manaus desde 2007.
É assistente social, poeta e comunista. Autor de algumas dezenas de livretos.
poema antifascista
A poesia desanimou
Esmoreceu. Está gripada
Tempos de cólera
Voltamos ao bronze
A maioria dos poetas
estão cansados
tomando fôlego
e tentando não surtar.
Ao novo Hitler e
aos não tão novos
nazifascistas
Já vem lá o próximo poema
Para ser gravado
na carne e na história
Palavras de fogo e vida
Para que todos saibam
quem verdadeiramente
nós somos. Antifascistas.
Genes de Luta
Enquanto ela falava
da necessidade
urgente dos piquetes
Queimar pneus
Quebrar vidraças
Engrossar as fileiras
Desobediência civil já
Eu transbordava admiração
Vivo encanto em meu olhar
Aquela jovem senhora
Guerrilheira. Sonhadora
Mãe da guerra
Belona, Nice, Victória
Ternas palavras
Chamados de luta
Tua voz é fogo
Acalenta minha alma
Corta a floresta. Flecha
América latina
Um sopro sem pressa
de inesgotável coragem
Genes de luta replicados
de greve em greve
Veias abertas. Corações
No meio da rua,
na praça. Desalinha o caos
A semente há muito tempo
foi plantada.
Presta atenção, olha com
cuidado
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Como tem vivido o teu
irmão?
Há aqui tantos
que sequer tem empregos
O distrito não basta
O comércio não comporta
Nem todos passarão
em trinta concursos públicos
Por isso mesmo
Sempre estaremos em crise
nesse sistema capitalista
Presta atenção
no teu irmão
que não
tem nada,
nem teto,
nem terra,
nem salário mínimo
nem almoço ou pão
Presta atenção no teu irmão
que não conseguiu
sequer ser terceirizado
Quantos camaradas moram
no desconforto das
marquises
Invisíveis e miseráveis
dividindo restos
de carne apodrecida
com os cachorros
Maldita condição
Presta atenção no olhar mais
triste
A solidão de quem
não tem mais forças
A constante dos nãos
Zero esperança na luta
Presta atenção no teu irmão
Olha pro lado
Primeira, segunda, terceira
pessoa
Todos os dias
nossos braços. Juntos
Cadarços. Já se foi o tempo
do resignado. Também se foi
o tempo
do exército de um homem só
Morreram-se todos os
messias
E o que restou?
Gasolina
Fósforos
Algumas pedras
Alguns pneus
Um pouco de coragem
Quase nada e tanto
Um germe de fogo que arde
Fragrante, extremo,
profundo
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Uma América que pulsa
dentro de caixas torácicas
intermináveis. Amanhã nada,
hoje
Nosso sangue
está gravado com fogo
mais uma vez fogo
Sempre fogo.
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Solano Gualda ǀ Quadrinista e zineiro.
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Uma atmosfera de irracionalidade se espalha com violência pelo
país.
Se abandona cada vez mais a responsabilidade com a verdade.
Discurso moral toma espaço de projeto político.
Cinco horas atrás, um homem branco e forte entrou no ônibus,
de peito estufado
usando uma camiseta escrita ´´Brilhante Ustra vive``,
com uma foto grande do militar centralizada.
Parou na PUC
entrou tranquilo.
As coisas não vão bem.
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Victor Hugo Neves de Souza ǀ é professor, contista, autor de Sinestesia e Recorte
de Homens.
Escapando fedendo
Meu irmãozinho e agora?! Estou aqui no quarto, com esta caixa
na mão e, todos meus amigos e primos fazendo esse barulho a
esta hora da manhã?! Não, jamais gosto de ser incomodado
antes das oito. Nada de resposta e explicações para boêmios
que passaram a noite na farra e agora virão com aquelas velhas
manias de bêbados: Falar cutucando, babar e querer beijar,
contar piada sem graça. Preciso de um plano, preciso de um
plano. O que fazer? Afff, botarei logo este terno para mostrar
que não estou para brincadeira. Embrulharei esse pacote em
papel de presente para não verem o conteúdo e pulo para
dentro do carro após uma passagem frenética pela sala. Se eles
verem o que tem neste pacote! Deus me livre, lá virá meia hora
de gozação infantil. Saio e pego o carro. É isso. -Olá rapaziada!
Estou com pressa, não, não toque nesta caixa. Também te amo!
Gostei da camisa e- ... Ufa, a garagem e o meu carro. Fui!
Foi assim que escapei dos tapas amorosos que seriam aplicados
e das velhas reminiscências que seriam ressuscitadas pelos
meus antigos parceiros de noitada. Viver em uma cidade que
não conhecemos, numa quase república, dá nisso. Agora, com
meu fígado em frangalhos, com a pressão tão alta que basta
comer feijão cru que ele mesmo se cozinha em minha barriga
que eu precisei rever meus atos. Fugir é quase uma profissão
desde então. Os bares tentam me sequestrar, as casas de
pastéis idem, as gorduras de picanha flertam comigo, a garrafa
de refrigerante faz psiu para mim; sou fiel e leal a minha saúde.
Tudo que é tóxico merece meu divórcio, mesmo assim, essas
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dores abdominais continuam a me perseguir. Quem sabe
quando eu saia dos meus 120 kg a coisa melhore. Tenho que
deixar dessas elucubrações, eliminar minhas impurezas da
mente, que os exames médicos digam o que tenho. Sigo no
volante.
Nada melhor que do que jogar as tripas para o cérebro durante
o sinal vermelho. É o que faço agora, todo sinal vermelho é uma
tripa com um nó no meio do trânsito caótico. Ele para os fluxos,
retém os veículos, entope as vias e transforma a cidade que
nada mais é do que uma grande barriga numa congestão sem
fim. Opa! Finalmente abriu. -Sai da frente meu gato! Pode
ofender minha mãe, eu também te amo! Depois vem com essa
história que só mulher que faz besteira no trânsito! Comprou
tua carteira foi?!- A duzentos metros terá um atalho. Neste
caso, o caminho mais curto é certamente aquele que leva ao
paraíso. Avante!
Meu caro, que rua mais esburacada! Deveriam por o nome dela
de Meu rosto na adolescência! Quando sai de um buraco, vem
um mondrongo, quando sai do mondrongo vem o buraco. Que
coisa, que coisa. Assim, não chego com este bendito pacote no
seu destino final. Nunca vi algo do tipo, parece que o segredo da
minha vida está aí embrulhado. Tu me dás trabalho hein
pacotinho.. hehe, no final tu serás minha salvação. Ah não! que
é aquilo ali na frente? O que passa, porque todos estão
parando? Putz, uma blitz. Lá vai eu me atrasar.
- Para aí cidadão! Porque tu não baixa o vidro quando se
aproxima?
-Eu...
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-Xiii... Não quero saber... Encosta ali que nós vamos revistar teu
carro.
Putz, tenho que controlar meu nervosismo. Se demonstrar
fraqueza eles levarão até minha moeda Venezuelana que uma
Chica me jogou do Ferry Bolt dizendo “Te quiero”.
- Bora, bora, rapaz... sai desse carro! Encosta ali na parede. Abre
as pernas.-
Porra.. e é preciso apalpar tanto meu saco? Vou só pensar, se
falar o sopapo vem de imediato. Ninguém pra gravar essa
abordagem. Maldito atalho!
-Fica aqui enquanto cabo Meirelles revista teu carro. Já vi teu
documento e tu não tem nada a ver com a foto. As letras estão
apagadas. Ta tudo com cara de adulteração. Tu tá fugindo né
gordão? Com esta tua pinta de Tim Maia, tem a maior cara de
171. Qualquer erro gordão fale logo pow, fale logo que aqui não
suporto gente sonsa ou abusada ...-
-Deixa eu...
-Beto, Beto, o cara tá com o step furado... olha a porra desse
carro tá uma bagunça. Vem dá uma olhada aqui enquanto eu
continuo esse papo.-
- Cara deixa eu te falar... O Betão é jogo duro pra caramba. Já
vimos teus documentos, a coisa não tá legal, eu sei, eu sei. Toda
vez ele faz essa fuleragem. Vamos fazer o seguinte, tou
querendo te ajudar. Dá logo, uma força pra gente que essa
conversa termina por aqui. Falo lá com ele e pronto, sem stress
pra ninguém.
- Pow cara só tenho vinte reais na carteira, tempos de crises,
não está fácil. Releva aí senhor. Não vou nem dizer que estou
certo. Vocês estão com a lei e, sabe, não vamos nos indispor.
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- Meirelles, e aí?-
- Esse macho contou tanto choro que falta pouco pra eu adotar
ele como filho... -
- Filho ele já é. Filho da gaita. Kkkk
-Sabe Meirelles, olha esse pacotinho aqui, peguei lá dentro do
carro. Quadrado e embrulhado em papel de presente dourado.
Vou balançar. Uhum tem coisa pesada aqui dentro! O gordão tá
liso porque comprou presente pra namoradinha... Ah Gordão,
aposto que foi com grana do tráfico. Deve ser anel? Cordão?
Aliança? Com certeza não é a caixa de Pandora. Sabe Meirelles,
elas por elas, libera esse Tim Maia aí antes que eu dê um
enquadramento nele. Vou nem abrir a porra desse pacote.
Minha esposa que me dirá a revelação. Vaza Tim Maia! Vaza
daqui! Pega a Chave do teu carro e nem olha pra trás! Não sei
onde eu tou com a cabeça que não te faço uma massagem estilo
ursinhos carinhosos. Cai fora já!-
Ai meu santo protetor! Obrigado por me livrar de mais uma.
Apesar dessas pernas mais bambas do que jogador júnior
quando estreia em time profissional, escapei sem levar um
esculacho. Vou sair logo dessa rua, pararei num bar, pedirei
uma comida gordurosa, chutarei o pau da barraca nesta sexta
feira. Mais uma vez vou sobreviver. Até que todo esse alivio me
causa prazer, depois dessa pressão eu sinto uma sensação
gostosa tomar conta do meu corpo. Vou dirigir para meu
boteco favorito, não há mais razão para seguir adiante. O pacote
ficou no meio do caminho, não o levarei mais a clínica de
diagnostico. Em outra ocasião farei outro exame e, deixe que os
canalhas façam bom proveito com o produto de sua extorsão.
Todo mundo colhe o que planta. Que o fruto da colheita deles
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seja a melhor possível e que aquele pacote com meu exame de
fezes possa fazer a diferença na vida deles.
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Carolina Passos ǀ Natural de Imperatriz (Maranhão), herdou da mãe o amor pelos
livros, e na escola já demonstrava inclinação para a escrita. Sempre gostou de
inventar histórias. Aos dezessete anos passou a pesquisar e ler novos autores que
a influenciaram a se arriscar no campo literário, começando aí a escrever suas
primeiras poesias. Iniciou a divulgação de suas primeiras produções em blogs, e
depois no Facebook e outras mídias sociais. É uma escritora em ascensão. Lançou
em 2017 seu primeiro livreto intitulado "A saudade carrega teu nome e tem
cheiro de naftalina".
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Deu a hora e fui pra varanda como de costume. Estava de noite.
Alguns moleques jogavam na rua. De lá era possível observar a
cidade melhor. Acendi um cigarro. Entre um trago e outro você
veio e ficou também olhando em silêncio pra aquela penca de
prédios e casas empilhadas. Muitas luzes. Iniciei a conversa
dizendo qualquer coisa aleatória. Puxei mais alguns tragos e
depois acendi outro cigarro. O rio de janeiro estava cada vez
pior. Não havia por do sol bonito. As pessoas andavam
entristecidas nas favelas. As mulheres entravam cabisbaixas no
metrô. Os jovens haviam desistido. Velhos com oitenta anos se
suicidavam. Ninguém sabia muito bem o que fazer. Você falou
que o rio de janeiro virou uma espécie de alpendre que tem
como bônus algumas paisagens bonitas pra seres viajantes
como eu. Mas que morar ali é como descobrir um medo
incurável que te impossibilita de existir, e que em algum
momento uma bala vai se alojar bem no meio do seu peito.
"então você morre. há um funeral de um dia e meio na casa dos
seus pais. alguém chega com algumas flores e chora. fecham o
caixão. te levam até o cemitério. descem as cordas. alguém joga
um punhado de terra dizendo adeus temendo ser o próximo.
por último, o coveiro finalmente inicia seu trabalho deixando
você completamente coberto de terra e esquecido." você me
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disse isso enquanto lá embaixo a mãe de um dos moleques
berrava. Dou a última tragada. Um carro de polícia passa na
hora. Então te observo desaparecer nesse desânimo profundo
que nem aquele mar de luz que nos rodeava foi capaz de
esconder.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Romulo Narducci ǀ é advogado, poeta, escritor e compositor. Um dos
idealizadores do evento Uma Noite na Taverna, realizado em São Gonçalo (cidade
periférica do estado do Rio de Janeiro) desde 2004. É autor dos livros
independentes de poesia Orações Licenciosas (Ou Cancioneiro Erótico) (2008) e
Tudo que Morre é Consumado (2010). O seu primeiro conto publicado foi Um Sax
Tenor, na coletânea FLUPP Pensa – 43 Novos Autores (2012, editora Aeroplano).
Lançou o seu primeiro livros de contos Angustiolândia (Ou de Bares, Ruas e
Bordéis) em 2015, editora All Print.
fábulas pueris
a vida
se refestela
imensa – com
sua monstruosidade
insana & ameaçadora –
sobre nossos
ombros rijos
e cansados.
!Eia a nossa incapacidade
de erguer a rocha
e rolar
para o topo
da montanha
nos apontam armas
enquanto cuspimos flores
que brotam
do asfalto com nosso
suor
e soa o grito
de resistência
nas costas suadas
do negro
, do índio
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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, do mulato
, do branco
, do cafuzo
, do mameluco
& mistura-se tudo
em cores
e espremem
sangue vermelho
das diversas peles
multicoloridas
e loucos dias acenam e
vermelha não é
minha bandeira
, vermelho
é o nome de minha nação
que de pau Brasil
, pau de arara
, pau de cacete
nas costas
do detento
, a estripar sua culpa
por pisar descalço
sem chão
, sem educação
& sem ãos.
pau de santo
do pau oco
que reza frouxo
o ódio disseminado
abafando o amor ... ... ...
!que horror
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Me cubro
de vergonha
, se acreditasse
na cegonha
pedia que me
levasse
de
volta
? Qual é
Melhor acreditar
Em fábulas pueris
do que nos mitos
de ódio
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Luiz Augusto Ribeiro Andrade (Luiz Andrade) ǀ É cartunista colaborador no site
Humor Político e ilustrador no coletivo de artistas Animeniac X-mao na cidade de
Manaus desde 2010, onde ajuda na elaboração e execução dos projetos
independentes e comerciais. Com X-mao já publicou, de forma independente,
livros infantis, contos ilustrados e quadrinhos.
-------------------------------------------------------------------------------------------
Rubem Alves tem uma frase genial que é mais ou menos assim:
“O cientista virou um mito. E todo o mito é perigoso, porque ele
induz o comportamento e inibe o pensamento”. Ele se refere,
claro, ao perigo de acreditar cegamente na ciência, apenas por
ser ciência, cujo próprio preceito é duvidar e comprovar por
meio de fatos testados. Mas essa frase cai perfeitamente em
nosso momento de convulsão sociopolítica. O mito se
estabeleceu, nominalmente e pragmaticamente, e varreu, com
força descomunal o pensamento.
Vivemos uma polarização absurda que tem raízes no desespero,
insatisfação e no ódio, combinação essa que levou-nos a erros
tremendos como humanidade no passado. No início dos anos 20
a Alemanha sofria as consequências da 1ª Guerra Mundial e se
afundava cada vez mais em uma crise moral e econômica. No
meio desse cenário surgiu o Partido Nazista e seu líder Adolf
Hitler, que com mãos de ferro e um discurso forte e autoritário,
estabeleceu os princípios fundamentais do nazismo:
anticomunismo, antiliberalismo, ultranacionalismo, militarismo,
racismo e, principalmente, o ódio aos judeus (antissemitismo).
Os alemães se entregaram a esse ódio e nós caminhamos na
mesma direção. Não aposto numa nova ditadura no Brasil, mas
também não descarto. A luta por direitos e liberdade nunca
termina, ela é constante.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
Página | - 90 -
Sou cartunista e durante essas eleições me peguei pensando
sobre o motivo de ter escolhido essa forma de me expressar. A
origem do cartunista político tem relação com as expressões
satíricas de artistas (ou simples cidadãos) com seus regimes ou
governantes. Com o passar do tempo a ocupação se popularizou
e transformou o cartunista numa espécie de cronista social, que
tomou pra si a posição de vigilante do poder. O cartunista nunca
apoia o poder, ele aponta seus erros e vigia seus atos.
Me vesti com essa armadura e agora não consigo mais
abandoná-la. Nem se quisesse acho que conseguiria. Além da
essência combatente do cartunista sou antes, artista, e por isso
a responsabilidade é dobrada. Os artistas levantam a bandeira
da liberdade, são os primeiros que o fazem, somos a vanguarda
da resistência, a primeira e última linha de defesa. Por esse
motivo, talvez, sejamos os primeiros caçados pelo fascismo ou
pelo autoritarismo em geral, que busca calar toda voz que
incomoda, que desafia. Como movimento ideológico, o fascismo
se constitui de um regime extremamente autoritário com
concentração do poder num líder, de nacionalismo exacerbado
e cujas críticas eram recebidas com o uso de violência e terror.
Apesar de improvável, uma nova onda fascista nunca deve ser
subestimada. O que estamos vivendo é a propagação de um
discurso autoritário que apresenta ecos do fascismo, e que se
coloca como uma verdadeira ameaça à democracia. O curioso é
a contradição presente aqui, já que 69% da população prefere a
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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democracia como regime de governo, segundo pesquisa recente
do Datafolha, num índice de aprovação histórico.
Não sabemos o que virá, mas serão tempos sombrios. A
polarização se estabeleceu, a pseudo-politização se espalhou
após os protestos de 2013, a violência disparou, a corrupção se
mostrou generalizada e alguns oportunistas apenas subiram na
prancha e começaram a surfar a onda.
A partir de agora é resistência. É luta, com arte, com cultura,
educação e com debate.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Eliakin Rufino ǀ É cantor e poeta, compositor e filósofo. Desde 1984, apresenta –
no Brasil e no Exterior – espetáculos de música e poesia falada. É autor dos livros:
Pássaros ariscos (1984), Poemas (1987), Escola de Poesia (1990), Brincadeira
(1991), Poeta de água doce (1993), Poesia para ler na cama (1997), Haikai (2010),
Cavalo Selvagem (2011). Como músico sua produção compreende vários CDs com
composições próprias e outras em parceria. Nasceu e reside em Boa Vista – RR, no
Extremo Norte do Brasil.
A voz do Brasil
O Brasil perdeu a voz
No tempo da ditadura
Teve sua língua cortada
Com a tesoura da censura.
Foi um tempo de aflição
Foi um clima de terror
Ficou no povo este medo
Ficou na boca esta dor.
Sem língua e sem palavra
Sem verbo de ligação
O Brasil perdeu a voz
No fundo de um camburão.
Passaram-se tantos anos
E o Brasil não encontrou
Aquele pedaço de língua
Que a ditadura cortou.
Falta soltar a garganta
Falta desatar os nós
O Brasil precisa de verbo
O Brasil precisa de voz.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Marcos Samuel Costa ǀ é poeta.
Nesta casa meu corpo irá morrer
(Para Simone Brantes e Marli Dias)
Moro ainda na mesma casa
este corpo triste
hoje sem cerca elétrica
cãos bravios e chuvas ácidas
Moro ainda na mesma casa
este corpo ansioso
magoado e depressivo
ninhos de pássaros e pedras de serpentes
corpo pichação
Moro ainda na mesma casa
este corpo a luz de vela e mar vazio
Solidão e lembranças dolorosas
amores impossíveis e fragilidades
nesta casa de aranhas e pêssegos
cortinas lilás e tapetes vermelhos
frutas deliciosas
Quero mudar de casa e transportar
a dor nos olhares dos transeuntes
o caminhão da mudanças já estar na porta
carregam minhas coisas - uma mesa com pernas quebradas
cadeiras velhas e gatos sem fome.
Nessa nova casa será tudo diferente
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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terá um casamento arranjado
status
família e glória.
Nesta casa meu corpo irá morrer.
Carta sem força ou outro início
Deitamos no quarto dele. Eu na cama e ele na rede. Uma sede
me acorda. Já era o horário combinado. Lhe acordava no tempo
certo. Quase limiar. Certo. Hora certa. O rádio trazia uma
notícia: um metalúrgico que chegou a presidência, hoje entra
para a história, é liberto. Entro para o banho. No galho da
embaubeira um bicho preguiça subiu rumando os céus. Ele me
chamou para olhar. Do quintal, meus pés descalços. Sem
sandálias. Nossos pés primitivos e punidos. Sua mãe nos olha. Eu
quero olhar para ela também. Ele entra para o banho depois de
mim. Um beijo dele veio até minha boca.
- amor
- és primeira vez em tudo
Calamos a cortina vespertina azul. Abrimos os portões e
pensamos em Deus. Caminhamos com bastante noite,
chegamos já madrugada. Observamos com coragem. Ele me
toma pelas mãos.
Na hora certa erramos. Esquecemos a carteira e voltamos.
Rumos mudados. Seguimos a pé. Os pés calçados. Minha
sandália o deixou com vergonha. Sou sem estilo, brilho e beleza.
Sou o homem mais feio.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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Airton Souza ǀ É poeta e professor. Publicou mais de 32 livros e participa de mais
de 80 antologias. Possui poemas traduzidos para o Alemão, o espanhol e o inglês.
É mestrando em Literatura, pela Unifesspa, no Pará e já venceu mais de 50
prêmios literários.
Bordo a carne idílica do homem
porque ele no silêncio de entender grades
adiava a geométrica língua cotidiana das pedras, das secas
& a iminência de irrigar pássaros solitários
nessa manhã de nomear uma couraça
contra a premonição dos ossos.
Bordo esquinas sem caridades
elas fabricam as tristezas diárias
de pronunciar escuros sobre o homem
[ erva árida no coração da memória ].
Nessa manhã estou habitado contra o pão e a casa
enquanto comungam dentro de mim
um nome para a boca em chagas
mas, dói a resistência de ontem
quando hermeticamente rumino a verdade inútil.
Agora eu sei o quanto é delicado fechar os olhos
depois de contornar a solidão do Sertão
[ essa limítrofe atmosfera de retesar silêncios ]
onde haveríamos de ser abandono.
Nessa manhã ainda estamos distantes demais
do pão e do amor
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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& a chaga da palavra benevolência
responde por essa fisionomia
com uma linguagem de petúnias arcaicas.
O essencial é inventar agora no meio do Sertão
como semear: o pão, o amor e a casa
só esse latifúndio nos conduzirá
ao verbo antes da carne.
7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo
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  • 2. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 2 - Pollyanna Furtado (AM) ǀ Jalna Gordiano (AM) ǀ Vagner Castro (AM) ǀ HQ Gimal (AM) ǀ Dori Carvalho (AM) ǀ Fabiano Calixto (SP) ǀ Solano Gualda (RS) ǀ Flávio Antonini (SE) ǀ Fabio Da Silva Barbosa (RS) ǀ Marciel Cordeiro (ES) ǀ Priscila Santos (SP) ǀ Beto Silva (SP) ǀ Laís Fernanda Borges (AM) ǀ Dani Colares (AM) ǀ Dom Alencar (BA) ǀ Edilson Seta (AM) ǀ Adriano F. Oliveira (AM) ǀ Matheus Peleteiro (BA) ǀ Maysa Fernandes (AM) ǀ Zemaria Pinto (AM) ǀ Guilherme Paiffer Pelodan (SP) ǀ Gigio Ferreira (PA) ǀ Felipe Pauluk (PR) ǀ Victor Hugo Neves de Souza (AM) ǀ Emmanuel 7Linhas (ES) ǀ Andri Carvão (SP) ǀ Roge Weslen (PA) ǀ Bruno Sanctus (SP) ǀ Joicyano Maia (AM) ǀ Camila Passatuto (SP) ǀ Thiago de Mello (AM) ǀ Rojefferson Moraes (AM) ǀ Wilson Padilha (MT) ǀ Airton Souza (PA) ǀ Carol Calderaro (AM) ǀ Luiz Andrade (AM) ǀ Carolina Passos (MA) ǀ Eliakin Rufino (RR) ǀ Romulo Narducci (RJ) ǀ Marcos Samuel Costa (PA) ǀ Airton Souza PA
  • 3. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 3 - 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo 27 DE OUTUBRO DE 2018 7 dias foi o tempo que tivemos para fazer ecoar a nossa voz por meio de poemas, contos, desenhos, palavras... E enquanto o ódio era disseminado nas redes sociais por meio de Fake News, resolvemos deixar exposto nossa indignação e ranço contra um presidenciável que destila seu ódio contra as minorias, abertamente. 7 dias para reunir pessoas de estados e regiões diferentes, que, de maneira voluntária e colaborativa, ajudaram a construir esse manifesto em forma de antologia para deixar registrado na história que fomos, somos e seremos sempre contra o fascismo. Em defesa da democracia, sim. Antifascistas.
  • 4. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 4 - © 7 dias cortando as pontas dos dedos - Um manifesto contra o fascismo 2018 Organização Rojefferson Moraes Edição e diagramação Dom Alencar Revisão Priscila Santos Capa HQ Gilmal Contato natora.producoes.eventos@gmail.com dom.alencar@outlook.com Licença Este material não pode ser usado para fins comerciais.
  • 5. Sumário Fabio da Silva Barbosa ǀ 7 Flávio Antonini ǀ 10 Matheus Peleteiro ǀ 11 Emmanuel 7Linhas ǀ 13 Roge Weslen ǀ 14 Beto Silva ǀ 16 Joicyano Marinho Maia ǀ 19 Andri Carvão ǀ 22 Camila Passatuto ǀ 24 Guilherme Paiffer Pelodan ǀ 26 Bruno Sanctus ǀ 28 Zemaria Pinto ǀ 31 Dani Colares ǀ 35 Marciel Cordeiro ǀ 38 Maysa Fernandes ǀ 43 Dori Carvalho ǀ 46 Gigio Ferreira ǀ 47 Jalna Gordiano ǀ 51 Fabiano Calixto ǀ 54 Vagner Castro ǀ 55 Laís Fernanda Borges ǀ 57 Thiago de Mello ǀ 58 Pollyanna Furtado (1981) ǀ 60 Adriano F. Oliveira ǀ 62 Edilson Seta ǀ 64 Wilson Padilha ǀ 66 Rojefferson Moraes ǀ 68 Felipe Pauluk ǀ 71 Dom Alencar ǀ 73 Solano Gualda ǀ 76 Victor Hugo Neves de Souza ǀ 78 Carolina Passos ǀ 83 Romulo Narducci ǀ 85 Luiz Andrade ǀ 89 Eliakin Rufino ǀ 92 Marcos Samuel Costa ǀ 93 Airton Souza ǀ 95
  • 6.
  • 7. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 7 - Fabio da Silva Barbosa ǀ É jornalista, escritor, educador social, entre outras coisas. Já lançou e-books, livros e veículos de comunicação, impressos e virtuais, nos mais diversos formatos. Algumas de suas poesias já foram musicadas (destaque para Olhos Furiosos – Vida Torta, hard core de verdade – e Pessoas – Ivan Silva, voz e violão). mais alguns outros fragmentos perdidos Em um canto escuro da cidade, eles sussurravam: - Não podemos nos rebelar. - Mas eles estão nos destruindo. - Mas aí eles vão ter motivos para nos exterminar de uma vez. - Acha que será pior que aos poucos? - Mas não temos condições de lutar contra eles. Será um massacre. - Prefere que sejamos massacrados em silêncio? - Temos de mostrar que isso não está certo. Precisamos conscientizar. - Você acha que eles não sabem? Que apenas estão desinformados? - Se formos violentos, seremos iguais a eles. - Reagir seria se defender, eles estão atacando. Isso não é igual. - Você está muito revoltado. - Você está muito conformado. - Estou apenas sendo realista. - Eu também. ------------------------------------------------------- Pediram mais uma cerveja. - Esses caras estão proliferando o fascismo. Isso não pode continuar assim. - Mas e o direito de expor a opinião. - Isso não é opinião. Racismo, homofobia, construir ditaduras... Impor, reprimir, torturar... Preconceitos mil... Isso não é opinião. Isso é outra coisa. - Mas a pessoa tem de ter liberdade para dizer o que pensa.
  • 8. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 8 - - Para existir liberdade, não pode existir esse tipo de pensamento. Ditadura é antítese da liberdade. Se você é a favor da liberdade, tem de combater o que a põe em risco. Se uma pessoa quer destruir a liberdade e você deixa, você não está a favor da liberdade. Entende? - Então só pode se expressar quem pensa igual a você? - Claro que não. A única coisa que temos em comum são as diferenças e acho essa diversidade algo de muito valor. Justamente por valorizar tanto isso, não posso permitir que venham impor um sistema uniforme. - Não concordo com você. Acho que se pode falar o que quiser, acreditar no que achar melhor e lutar pelo que achar justo. - Quando eles assumirem o poder, tente dizer isso a eles. ------------------------------------------------------- Estavam na parada de ônibus sem ter para onde ir - Queria uma cerveja - Eu também, mas não tenho dez centavos que seja no bolso. - Vida de merda.
  • 9. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 9 -
  • 10. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 10 - Flávio Antonini ǀ é artista plástico e poeta radicado em Tobias Barreto/SE. Seu trabalho explora temas como sexualidade e absurdo. Tem no currículo algumas exposições individuais realizadas em Aracaju, a exemplo de “Cenas da cidade fábrica” realizada na galeria de arte do Sesc em 2016, e “Didática nada instrutiva da educação sexual” na galeria J.Inácio em 2017. os mesmos olhos Diante dos meus olhos O mesmo espetáculo A mesma lente A mesma roupa suja de morte Fabricando o igual momento de sempre. O mesmo soco, O mesmo travo na memória Nada se perde: Tudo se repete Um novo planeta rompe em cores Para desaparecer nas linhas do meu rosto. Lágrima, gozo, sonho... Tudo se contamina Resiste apenas a única imagem que conheço: Uma porta que é o avesso de outra porta. Uma porta que é o avesso do mesmo homem. É sabido: está tudo acabado. Nenhum mal vai me salvar de mim. Somente a superfície branca e vazia Tem o poder de me reter. Mas entre a mentira que conto para mim mesmo E a mentira que me contam Subsistem o mesmo rosto E os mesmos olhos.
  • 11. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 11 - Matheus Peleteiro ǀ Nascido em Salvador – BA em 1995, escritor, tradutor, poeta e contista, Matheus Peleteiro publicou em 2015 o seu primeiro romance, Mundo Cão, pela editora Novo Século. Em 2016, lançou a novela intitulada "Notas de um Megalomaníaco Minimalista" (editora Giostri) e o livro de poemas "Tudo Que Arde Em Minha Garganta Sem Voz" (editora Penalux). Em 2017, publicou "Pro Inferno com Isso", seu primeiro livro de contos. Em 2018, assinou, ao lado do tradutor Edivaldo Ferreira, a tradução do livro "A Alma Dança em Seu Berço" (editora Penalux), do poeta dinamarquês Niels Hav, logo após ter lançado a distopia em que satiriza a política brasileira, intitulada "O Ditador Honesto". patriota? o Brasil em liquidação no mercado exterior o Brasil e suas fazendas invadidas e desmatadas o Brasil e seu rebanho a obedecer pastores e ignorar a Deus o Brasil e seus artistas que clamam por vibrações positivas na desgraça o Brasil e seus banheiros ecológicos cheirando a calabouços o Brasil e sua torcida de skinheads agredindo pelas ruas o Brasil e a falta de sensatez do seu povo elegendo imbecis o Brasil e sua trágica ingenuidade ao ignorar fundamentos basilares de forma consciente o Brasil e seus súditos de olhos abertos cegados pelo ódio o Brasil como um motivo de desdém e lamento
  • 12. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 12 - no cenário internacional o Brasil como um motivo de orgulho no cenário internacional o Brasil e a tristeza de seus negros subestimados o Brasil e o pesar por ter sido atingido por um tsunami destro e aplaudir a América do Norte o Brasil e seu povo inculto acostumado a tomar porrada o Brasil e seus súditos hierarquicamente apáticos o Brasil e a sua escória subitamente em evidência o Brasil e suas manadas influenciadas pela mídia o Brasil e suas manadas compartilhando notícias falsas o Brasil e seus coitados tolos repetindo o mito da Venezuela com argumentos de um modelo Canadense e palavras saídas da boca de militares o Brasil e seus pobres Severinos decepcionados com o partido dos trabalhadores mais uma vez a clamar por um Salvador ansioso para se esquecer de tudo e marchar / à espera de um / novo / herói / vil.
  • 13. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 13 - Emmanuel 7Linhas ǀ Cantor, compositor, poeta, performance, pseudo-intelectual, agitador, boêmio, sambista, bailarinobrigão, chorão, flamenguista, rabugento. mítico, sensível, narcisista, ação do tempo.38 anos, nascido na baía devitória/es. um mestre que virou história A faca de tucum Matou Besouro Mangangá A face do fascismo, pelas costas Matou Mestre Moa do Badauê Negros corpos de mandinga Velam os pretos do Orún Unem pretas e pretos em sua roda Aruanda é luz, é força e não se dobra Canta e gira, a Gira acorda Oris, Erês e Pai Ogún Berimbau Regional e Angola Luta e dança no cateretê Do Quilombo em Mugumba Às fronteiras da Kalunga Pindorama é corpo e sol Resistência frente o mal O Ebó está armado O Terreiro está aceso Povo Preto dá esquiva Solta a perna o golpe preso Eis um drama recorrente As serpentes sinuosas Mestre Moa sua gente De MESTRE lhe torna HISTÓRIA!!
  • 14. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 14 - Roge Weslen ǀ vive em Belém/PA. 17 anos. ordem & progresso Lembro que na segunda série, tínhamos de fazer toda aquela coisa falsamente patriota, prestar continência à bandeira, cantar em uníssono o hino nacional, ficar em fila e calados. Nós todos odiávamos aquilo, o conceito de pátria era para nós algo parecido com lama e lixo. A pátria, em verdade, não fez grande coisa por nós. Então saíamos da escola e nos sentávamos nas barras de ferro na parte da frente das barracas de frutas e comíamos maçãs e bananas, e todo mundo via e ninguém falava nada. Estávamos com a farda da escola, não éramos criminosos. A fome ali era conhecida. A morte. O medo. A raiva. Amar a pátria para nós era amar tudo isso: o lixo, o luto, o ódio, as casas de madeira perfuradas de bala, o quintal-esgoto, as enchentes. Não entendo como alguém pode pregar coisas desse tipo. Coisas como pátria, família, temeridade. Se eu cresci e cada vez mais a família parecia distante, a religião desfigurada, o Cristo profanado. Se eu próprio desfigurei minha visão, para chegar não além, mas a mim próprio. E desfigurei a vida. O mundo. A palavra. Octavio Paz disse que toda crise social e política se dá a partir de uma crise na linguagem; e veja só, não é isso o que está acontecendo? Pois somos desregrados e rebeldes: não aceitamos e propagamos seus valores gastos, sua saúde tísica, seu amor paralítico, seus conceitos toscos, seus ideais raquíticos. Nós temos a ginga certa e a pele verdadeira. Nós alimentamos o sangue, o cerne do sagrado. Não seremos os que te estenderemos a mão, Pátria Cadavérica. República Federativa
  • 15. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 15 - da Piada. Mas seremos, sim, aqueles prontos a esfacelar tua carne, Brasil. Quem sabe assim sua bandeira hasteada exale alguma verdade.
  • 16. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 16 - Beto Silva ǀ É Pedagogo e Psicopedagogo com especialização em juventude, educação sócio emocional e inovação educativa, mediador e multiplicador de leitura formado pelo Projeto Mudando a História da Fundação Abrinq. Consultor e assessor de projetos nas áreas de leitura, literatura, juventude e inovação educativa. Foi coordenador geral da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do Ministério da Cultura. Pai, Era cedo quando você nos contou sobre os preparativos de um dia de luta em seu trabalho. Trouxe para casa papéis escritos a mão, conheci todos os seus amigos pelas letras de cada um deles. O seu não veio, mas entendemos que você trouxe pra casa pra gente escrever. Você, só sabia assinar. Reuniu seus filhos. Disse suas ideias. Olhávamos um homem preocupado com o futuro de quem o fitava, de nosso lado só o desejo em ajudar de alguma forma. As palavras ganharam lágrimas e vimos seu rosto pela primeira vez molhado. Filho do sertão, São Paulo foi sua única tentativa de alterar algum rumo, quatro filhos e uma esposa que embarcou nesse sonho. Falava de manter todos nós na escola, trazer o pão e o leite de cada dia, comprar roupas no final do ano, pagar as contas e manter seu buteco, no meio da periferia da zona leste de São Paulo, aberto. Pedimos, cuidadosamente, que também mantivesse os dois reais da semana para comprarmos nossos doces, um pouco de doce e um tanto de bala para depois do almoço, tudo repartido em 4. Você chorou ainda mais. Não imaginávamos que nossa doce felicidade, estava agora salgada na sua boca e mesmo assim, disse: “Meu deus... ter que brigar por tão pouco". Nós não entendemos. Não entendemos também o que seria esse dia de luta. Como você que pouco tinha, se muniria de algo que o defendesse e pudesse lhe permitir algum possível ataque?
  • 17. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 17 - Crianças, tem uma capacidade enorme de manter a fantasia útil, os adultos vão perdendo isso com o tempo. Escrevemos uma palavra que tão pouco conhecíamos, DEMOCRACIA. Em casa a enciclopédia e o dicionário normalmente eram usados, nossa linguagem não dava conta de comunicar a todos. Você nos explicou o que lhe fora explicado: é quando você tem o direito de se expressar sem sofrer, sem apanhar ou sem ser violentado. Nunca havíamos imaginado que uma pequena palavra asseguraria tanta defesa, talvez a sua arma estava escondida nas palavras que ainda não conhecíamos. No outro dia, junto de seus amigos disseram tudo que queriam, usando os textos e seus gritos. Tudo foi dito, mas nem tudo foi aceito, agora seria negociado. Você chegou um dia mais preocupado do que triste. Saiu de sua empresa levando seus direitos, nem todos. Nos disse que havia alguns que nem sabia que eram seus é por não saber, não pôde lutar. Você não se recordava tanto da ditadura, mas lembra que ela vinha em forma de ordens e para viver, era preciso segui-las. Depois descobriu que a ditadura levou os corajosos e valentes, e percebeu que sua voz e coragem não estava nessa multidão, mas deveria. Nos deu o apoio à educação e tudo que era necessário para mantermos as lições escolares e o bom comportamento em dia. Professor sempre foi a profissão por você mais valorizada e a escola permitiu que fosse nossa segunda casa. Agora, está quase pra completar 80 voltas ao sol, presenciou tantas primaveras e até hoje questiona o valor do silêncio e a importância da luta, a necessidade da participação e a escolha de representantes que possam falar por você, por nós, por tantos outros que carregam essas marcas e histórias. Pessoas que saibam o que se passa e possam dar aos que não tem, o que é de direito. Por ser pobre, nordestino e sem estudo achava que
  • 18. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 18 - a educação seria o melhor presente, além dos 2 reais que manteve por longos anos. O filho que escreve essa história é professor, vive e trabalha pela educação. Em nossa última conversa, você disse: - Que país bacana será o nosso com um professor. Talvez agora haverá a possibilidade de elevar a educação do país. Eu completo meu amado pai. Eu quero um professor presidente. Que ele faça do nosso Brasil sua melhor escola, os desafios e melhorias sejam suas melhores aulas e que as disciplinas sejam seus ministérios, que seus alunos lhe vejam com generosidade e que a vida tome novos rumos. Que todo método possa inspirar e fomentar a importância dessa conquista e que todo brasileiro compreenda que só o conhecimento derruba qualquer opressor e que a melhor arma serão sempre os livros e que não nos esqueçamos, em tempos de ódio, que saibamos sair sempre amados. Dedico esse texto a Paulo Freire, o pai da educação brasileira.
  • 19. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 19 - Joicyano Marinho Maia ǀ Natural de Lábrea-Amazonas, poeta/escritor e artista visual, 34 anos, mora em Manaus atualmente. Em 2014 publicou o Zine Tarrafeando Palavras; em 2016 o livro Relatos de um poeta: crônicas e outros poemas (Selo Coleção de Rua); em 2017 publicou os livretos Diálogos Sobre A Inutilidade De Escrever, Impressões do Óbvio, Amores Sirróticos, O Surto da Palavra e Poemesas; em 2018 o livro Igarapés – Caminhos de Canoas pelo Selo Coleção de Rua. Até quando vamos ficar alimentando o ódio Aonde iremos com a imaturidade dessa intolerância, da propagação dos linchamentos públicos. Acontecimentos que sempre existiram, e na globalização são banalizados, promovendo uma cultura de violência cotidiana, por conta da forte exposição nas mídias de massa: que se apropriam, vendem e lucram com essa sangria. Impulsionadas também nas redes sociais, publicações sem escrúpulo, na ausência de um pudor moral e ético, têm causado problemas às pessoas que sofrem esse tipo exposição, ferindo os direitos humanos e os princípios constitucionais do estado laico. Vamos ter que entender uma coisa! Vamos ficar sendo sacaneados entre nós, nesse corporativismo continuado da hipocrisia, de uma violência civilizada: sem ressentimentos de quem oprime, sem ressentimentos de quem é oprimido. Vamos ficar matando e dizer: Bem que merecia; a culpa não é minha; eu não tenho nada a ver com isso; sempre foi assim e sempre será; aqui tem de tudo e ainda falta tudo. Desde muito tempo atrás os fortes dizem: o que não mata fortalece. Como ser um pobre honesto, convivendo com o luxo da fome. Há uma sede poluída aqui! Quantos se atreverão a beber dessa água? Não seremos capazes de transformar a raiz do mal? Nossa cegueira é produzida, nossa doença psicossocial é construída para que sejamos bestas conformadas, e Deus não
  • 20. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 20 - tem nada a ver com isso. As famílias, as religiões, os partidos, as ciências, e a escassez programada nos esquartejam. Por nos tornarmos em interpretadores dos fatos da realidade e nada mais; registrar os fatos, nada mais. Pois sofrer ou morrer desse jeito não é mais digno que ir buscar a possibilidade da igualdade, justiça e paz nessa sociedade. Nós também somos feitos de alma e canto. E com nosso amor infinitas vezes nos doemos à liberdade.
  • 21. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 21 -
  • 22. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 22 - Andri Carvão ǀ é graduando em Letras pela Universidade de São Paulo com habilitação em espanhol. Possui diversas publicações em revistas e antologias físicas e digitais. É autor de Polifemo em Lilipute e outros contos (Appaloosa Books) e Puizya Pop & Outros Bagaços no Abismo, organizou a antologia Marielle’s (ambos pela Editora Scenarium) e tem o livro Um Sol Para Cada Montanha no prelo. É poeta e artista plástico antifascista. o fascismo nosso de cada dia Assassinaram uma vereadora no RJ Assassinaram nordestinos em Niterói Assassinaram um capoeirista em Salvador Aumenta o número de travestis assassinadas no Brasil Marcaram uma suástica nazista a canivete na barriga de uma mulher lésbica Agrediram homossexuais Picharam suásticas e dizeres preconceituosos em portas de banheiros de universidades Estupraram meninas em festas de universidades Incitaram o ódio e a violência contra movimentos sociais contra partidos políticos de oposição contra aqueles que pensam diferente contra todo e qualquer tipo de ativismo Meu parente próximo é fascista Meu parente distante também Meu amigo de infância é fascista Meu colega de serviço também Meu vizinho é fascista Meu colega da faculdade também Todos têm sangue nas mãos
  • 23. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 23 - prece para tempos sombrios Não encare as pessoas, mas ande de cabeça erguida. Seja homem branco heterossexual e de preferência rico. Se não se encaixar em nenhuma destas categorias, ao menos aparente ser. Em hipótese alguma seja negro, homossexual, mulher então nem pensar, nordestino, judeu, indígena, indigente. Seja gente. Não corra de forma a despertar suspeita. Nem fique parado. Aja com naturalidade. Não demonstre nervosismo. Sorria e fique sério no momento certo. Importante: use um visual discreto, procure não chamar atenção. Invisibilidade é tudo. Jamais sucumba pela revolta ou pelo medo. Os cães farejam de longe. Policie-se. Aleluia. Amém.
  • 24. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 24 - Camila Passatuto (1988) ǀ Nasceu em São Paulo, é autora dos livros de prosa poética "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada” (Penalux, 2017) e "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Penalux, 2018). Escreve desde os 11 anos, e desde 2007 participa de diversas antologias e revistas literárias com seus poemas e textos. brasilis Acabou a comida Meus pés, minha paz. Ao fundo Homens marcham Ao som de tristeza, Morreu mais um Esmero em suma Vicinal calada. O dono da vida, De ouro de pedra, Mandou ter cautela Ministrar o medo Encolher as revoltas Matar as crianças Estuprar tuas pernas. Acabou a comida Meu Deus, minha vida. Ao mundo Dançamos Sem colete e liberdade Soldados
  • 25. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 25 -
  • 26. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 26 - Guilherme Paiffer Pelodan ǀ Natural de Jacareí- SP, nascido em 1989, é vendedor ambulante de literatura autoral. Graduou-se em Teatro pela UFSJ em 2015, e desde então atua pelo Brasil vendendo sua produção na rua, agitando sarais, e viajando. Já foi censurado por apoiadores do Bolsonaro por seu texto intitulado Marielle, que segue na coletânea. a gente só O paraíso distante e a gente tão perto, desperto, no cangaço da subaqueira do meio-dia, ali, labutando, suando no meio do cachorro quente e da batata frita e do doce da coca-cola, a gente ali, morrendo de vontade, falando qualquer besteira, os olhos brilhando de cansaço, radinho de pilha, pivete lavando carro, mijo na esquina, gato estropiado, e a gente feliz, antena parabólica, igual um aborto, a gente ali, fazendo a nossa poesia, no meio dessa poeira de carro, como se o calor fosse só nosso, como se o cheiro de fritura fosse o cheiro do nosso sexo cheio de pelo, tudo pronto para ficar no meio do dente, ali, perto da rodoviária mesmo, estação central, ponto de todo mundo, a gente ali, tá tudo certo nesse mundo, é só achar um cantinho, gosto de gasolina na boca, ouvindo o mugido dos carros, tá tudo certo, a gente tá morrendo de vontade não tá?
  • 27. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 27 - Marielle No seu mundo o assassinato deve ser bem normal, não é? Assassinam seus parentes todos os dias, para você soltar cheio de desdém essa frase genial aí, que eu, modéstia a parte, não tenho estômago para repetir. Assassinato é banal, coisa comum, não é? Deve ser, né! De gente pobre não tem problema, não. Gente pobre nem é gente, não é meu amigo? Gente pobre é só garçom, motoboy, faxineira ou ladrão, não é não? É diferente de você que tem bom gosto, e assina Veja, apoia torturador, é cidadão de bem contra o mal, mas vota em ator pornô para Deputado Federal, acredita na mentira mais barata, para justificar seu ódio irreal. Final de semana cinema com a família, cafezinho de trinta conto em Copacabana, gosta de admirar a linda bandeira Norte-americana. Gente pobre não tem vez, porque tem mal gosto, não é assim? Gente pobre fede, não é não? Gente pobre não tem o direito de fazer esse drama, inventar de querer ter espaço na televisão, como assim? Não! Por conta de violência e assassinato, onde já se viu pobre reclamar? Isso já faz parte do contrato, está reclamando de quê? Ninguém explicou as regras para você? Desde quando escravo tem alma?
  • 28. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 28 - Bruno Sanctus ǀ Nasceu no mesmo dia que Kurt Cobain e tem ascendente em sagitário. É natural de Campo Alegre de Lourdes (BA) e vive em São Paulo, onde cursa Analise e Desenvolvimento de Sistemas. Bruno é autor do livro de poesias Escrevi Para Esquecer: Palavrões (editora nota terapia, 2017, poesia), O Sol Era Uma Hemorragia Ruivo-Oxigenada (Appaloosa Books, 2018, poesia – disponível para download gratuitamente) e está prestes a lançar seu primeiro livro de contos, Diálogos de Pornochanchada, além disso, participou das Antologias Gengibre – Diálogos Para o Coração das Putas e dos Homens Mortos e a Antologia Embaçadíssima, ambas organizadas pela Appaloosa Books. acho que matei um cara! acho que matei um cara! não sei bem ao certo, mas não volto à cena do crime para confirmar. estou cheio de dúvidas e o giroflex me confunde ainda mais. acho que matei um cara... os olhos retorcidos, o corpo débil: as poças de sangue no asfalto sugerem briga e não me convencerão do contrário. os policiais foram cúmplices, bateram em minhas costas em tom amigável e disseram: “volte para casa, pode deixar que daqui para frente nós cuidaremos do caso!”
  • 29. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 29 - acho que matei um cara... e estou com medo de ligar a tevê e me deparar com a notícia... oscilando entre um canal e outro com os cinegrafistas disputando o melhor ângulo que facilite vender sensacionalismo através de tragédia. acho que matei um cara... e fico assustado com minha própria sombra; tenho certeza que minha consciência já não é um lugar seguro e definharei sem voltar a ser a pessoa que um dia senti orgulho em ser: pagando as contas de água, luz, IPTU, telefone, IPVA. estou sentindo remorso de transar com minha própria esposa, porque ela não sabe quem é o monstro com quem se deita todas as noites. acho que matei um cara...
  • 30. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 30 - e não sei se tinha família, amigos, pessoas que o quisessem por perto. não sei se tinha nome, endereço fixo. de onde vinha, para onde ia ou o que fazia. sei que matei um cara, no fundo eu sei que sim. minha cabeça diz que o assassinei com as lesões e fraturas; meu coração, quando calei-me ante um preconceito e vi determinado grupo espatifando luminárias no rosto de uma travesti.
  • 31. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 31 - Zemaria Pinto ǀ Nascido sob o governo socialdemocrata de JK, tem 19 livros publicados, de poesia, ficção e ensaios. É eleitor-fundador do PT, desde 1982, quando votou em Oswaldo Coelho, seu professor de História no Colégio Ruy Araújo, em Manaus, que lhe ensinara que a vida que está nos livros é a vida que vivemos, todos os dias – somos nós, o povo, que construímos a História. Autobiografia po(é/lí)tica Para Luna, Rafael, Pietra e Aimée: que o Brasil de vocês seja melhor que o meu. Eu tinha 7 anos quando meu pai, que sempre chegava com a luz do sol, entrou na sala alumiada pelo candeeiro – Eles tomaram tudo, espancaram e prenderam inocentes. (Aquela noite insana iria se alongar em nossos corações por mais 21 anos.) Eu tinha 10 anos quando soube da morte do Che, pelos jornais. Da mesma forma, depois, de Marighella e Lamarca. Aos 13 anos, li as Memórias do velho Graça e os Subterrâneos do Cavaleiro Jorge, e escrevi poemas que clamavam
  • 32. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 32 - por liberdade de expressão. Aos 18, faculdade: me embriaguei de debates, passeatas, concentrações, entre outras rebeldias. Aos 25, um novo partido, com a cara de trabalhadores, mudava a cara da política que dominava o país. Aos 28, sem Diretas Já, vi, passivo, um pusilânime conduzir o sonolento gigante à beira do precipício. (Carol nasceu na ditadura; Paloma, com a democracia; Amanda, com a Constituição. O sol brilhava sem pudor.) Aos 32, começou a jornada da jovem estrela vermelha: três eleições perdidas, três tristezas renascidas.
  • 33. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 33 - Aos 45, afinal, com Lula e Dirceu à frente, a alegria da vitória de um governo para o povo. Durante 14 anos, sem medo de ser feliz, o povo tomou a frente e a miséria foi vencida. Foram muitas as batalhas, as derrotas foram muitas, até que se deu o golpe: fomos tirados à força. Prenderam Lula, prenderam, sem qualquer prova cabível, a esperança do povo: mas jamais esmorecemos. Aos 61, agora, a esperança refloresce, na fala sóbria de Haddad, na solidez de Manu. (Maria, que ama o rosa e o vermelho, nada sabe de esperança,
  • 34. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 34 - mas canta todos os jingles que a mãe Tainá lhe alcança.) Não temos um adversário; temos, sim, um inimigo: nazifascista, misógino homofóbico e racista. Vamos vencer pelo voto, arma do povo prudente, cantando numa só voz: – Lula livre, Manu vice e Haddad presidente!
  • 35. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 35 - Dani Colares ǀ manauara, mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas, começou a escrever ainda na infância, seu trabalho aborda temáticas do cotidiano e questões do universo feminino como protestos a violência e visibilização da mulher. Participou em parcerias de zines de outros escritores e uma parte de seu trabalho é encontrado nas redes sociais em @dani_se_a_poesia. Atualmente é membro do coletivo Escritores Indigestos com participação em diversos eventos: Sarau das Manas, Escangalho Cultural, Estilhaços Literários e do projeto lítero- musical Gramophone em Poesia. Atua em vários segmentos artísticos, na música (violinista em grupos de música popular), dança (grupos de música regional) e organização de eventos culturais e científicos. o estupro Numa rua deserta De uma hora qualquer Abriram o meu peito E estupraram o meu coração Amassaram-no, pisaram-no Foderam sem piedade Eu gritava e ninguém ouvia E enquanto me segurava, Eu implorava para que o arrancasse de uma vez Cuspiu-me na cara As lágrimas formaram crateras em meu rosto E buracos no chão Eu carregava a dor que asfixia, que se materializa, aprisiona, vomita, grita e implora A dor que provoca a inércia de morte
  • 36. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 36 - Meu rosto, transfigurado de dor Se contentava a olhar o nada Fiquei ali, nua na rua imunda Sem dignidade, força ou identidade Vendo meus sentimentos jogados Por todos os lados no asfalto E assim, de peito aberto Com saliva, sangue e sêmen Levantei-me Metade vivo, metade morto. E o bandido? Solto.
  • 37. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 37 -
  • 38. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 38 - Marciel Cordeiro ǀ É escritor, estudante de Serviço social, morador da Serra no Espirito Santo, onde realiza atividades com a juventude; realizando diversas atividades como fotógrafo, poeta, palestrante e oficineiro. É um dos fundadores do projeto RapcomoPoesia que atua na Grande Vitória há quase quatro anos. dos direitos individuais Sexta-feira à noite. Cai uma leve chuva e faz um pouco de frio na Grande Vitória. Sento-me no sofá e começo a escrever um texto; é impossível escrever quando não há concentração. Vou até a janela e observo uma senhora sentada com o rosto quase colado em uma tela de celular. Está com a feição melancólica. O filho foi preso com produtos contrabandeados. Volto para o sofá, sou muito sensível a essas coisas. Soraia me manda um SMS. Sempre nos encontramos para conversar. Ela me entende um pouco. Está com vontade de ir ao bar para tomar cerveja e conversar um pouco. Soraia é uma recém-formada em direito. Somos amigos a quase três anos. Nossa amizade começou via Facebook. No nosso primeiro encontro transamos debaixo de uma árvore. Quase todas as vezes que nos encontramos, vamos para a cama depois do bar. É algo que temos em comum, se estamos com vontade de transar, vamos transar, nunca deixamos para depois. Eu sou um cara que sofro com as memórias do passado. Conheci muitas pessoas pelo país e sei que parte dessas pessoas ficarão na minha memória. Isso é saudade. Soraia talvez ficará para sempre como uma saudade em meu subconsciente. Ela irá para algum lugar do país ou quem sabe do mundo. Nasceu com os privilégios dos brancos. Os brancos nascem com privilégios e não estão dispostos a abrir mão. Todos gostam de privilégios,
  • 39. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 39 - isso independente de raça. Eu irei continuar lutando pela vida nesse país; sou mais um preto fruto da diáspora africana. Mas foda-se o futuro. Nunca me preocupei com algo que não existe. Cheguei ao bar, e lá já estava Soraia tomando cerveja. Sento-me e começamos a conversar. -E aí, como está? - Estou bem e você? - Vou bem. Ela está com uma blusa com um tecido fino e sem sutiã. Adoro mulheres que não usam sutiã. - Olha, Soraia trouxe algo para tu ver. - Quero ver. Era o livro de fotografia " de ônibus". Um belo trabalho do fotógrafo Mauro Sampaio. Um trabalho sobre o transporte coletivo em Brasília. A fotografia é memória. Quase sempre falamos sobre fotografia em nossos encontros. - Que maravilha! - Esse cara é fantástico! - Vou olhar com carinho. Tomamos mais algumas cervejas. Soraia me olhava firme, eu olhava para ela e para seus seios. Estávamos com vontade de transar, é quase sempre assim. Ela ia banheiro constantemente. Eu a fitava. Estava com uma calça de algodão que marcava a bunda. Ouço barulhos intensos de buzinas. Soraia está no banheiro. Vou até o banheiro feminino, a porta está
  • 40. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 40 - entreaberta. Entro. Ela está passando batom e se olhando no espelho, agarro ela por detrás e fecho a porta. O banheiro está imundo. Papéis pelo chão, cheiro forte de urina, a pia cheia de fungos, as paredes com marcas de merda, sangue e algumas frases. O banheiro é um lugar de libertação. Soraia segura na parede e deixa que assumo o controle. Ela está sem calcinha, fico mais excitado. Começo a penetrar nela por detrás, enquanto ela segura na parede, ela goza uma, duas, três vezes. Sento na privada e ela vem por cima. Depois ela volta para a parede. Agora estou penetrando mais rápido, ela grita baixinho, está cheia de tesão. Gozamos juntos. Jogo esperma na bunda dela, Soraia passa uma das mãos no esperma e limpa-a na parede suja do banheiro. Vou até a pia, ligo a torneira, e lavo meu pau. Saí primeiro do banheiro e logo em seguida Soraia retorna a mesa. Vamos até o balcão e dividimos o valor da conta. O barulho das buzinas está mais próximo. São caminhoneiros e simpatizantes, estão passando na Avenida Fernando Ferrari. Soraia se declara de esquerda e tenta tirar de mim alguma coisa. - O que tu acha das greves que vem ocorrendo no país? - Ainda vivemos na tal democracia. - Tenho medo. Tem pessoas pedindo intervenção militar. - Não sei, talvez sim. Mas gosto do caos. Além do mais quem tem direito a democracia, que grite, mesmo que seja para pedir o fim dela. - Não, Marciel. O povo precisa buscar por melhorias. O país está muito ruim para os pobres.
  • 41. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 41 - - Soraia, talvez no futuro veremos melhorias para os pobres. Muita coisa precisa mudar. - Precisamos de mudanças emergentes. - Soraia, veja bem. Quem assinou a lei Áurea foram os brancos. Os pretos escravizados daquela época não sabiam nem ler, Isabel não abriu mão de privilégios, ela apenas ganhou outros. Os humanos são competitivos. Sempre haverá alguém torcendo pela tua queda. É uma luta. Irão te socar, socar e socar. Daí o árbitro irá contar até dez. Assim é o Brasil atual, um ringue onde todos estão se socando. E só os apostadores que estão na tribuna levam a quantia. Soraia, a existência do Estado por si só colocar fim ao sentido de democracia. - Ah, Marciel, você é um pessimista, desacredita de quase tudo. - Vivo melhor assim. Saímos em direção ao ponto do ônibus. Dou um abraço forte em Soraia e sigo para minha casa na Serra. Tomo um banho. Deito na cama, ligo o rádio do celular, encontro uma estação legal, estão falando de literatura com Milton Hatoum. Hatoum fala dos privilégios dos governantes. Hatoum é um grande escritor. Preciso escrever. Isso me faz existir. Estou correndo da multidão, a multidão sempre correu para o lado errado. Entro no banheiro, sento-me na privada. Continuo lendo Trilogia suja de Havana, adoro ler enquanto estou cagando. Balzac era viciado em café, Charles Dickens era viciado em necrotério, e eu
  • 42. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 42 - acho que sou viciado em ler enquanto estou dando uma boa cagada.
  • 43. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 43 - Maysa Fernandes ǀ Amazonense, 33 anos, natural de Manaus, cresceu no município de Barcelos retornando a capital aos 15 anos. Escreve desde a infância, mas inicia suas publicações aos 25 anos numa série de poesia concreta chamada “Palavras para” com duração de dois anos. Depois lança obras em prosa, conto e crônica, como Paranoia pública e algumas parcerias publicadas em zines de outros escritores, participa da algumas parcerias publicadas em zines de outros escritores, participa da 9° edição da revista Sirrose. Formou-se cientista social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no ano de 2016, simpatizante de vertentes anarquistas e antifascistas sempre buscou abordar a temática da desigualdade em sua obra, seja o teatro, a performance, desenho ou escrita. manaus, 22 de outubro de 2018 Carta aberta a Tom Zé ou um diálogo impossível com o senhor cidadão. Meu caro Tom Zé, (e como é caro lhe escrever neste momento). O senhor cidadão reitera a cada dia mais seu posicionamento, parece que voltou a moda expor tudo que estava guardado e mostrar quem realmente é. Acredito que ele devia estar deveras saudoso, uma vez que sua especialidade de varrer pra debaixo do tapete e exaltar aquelas que finge que tem não se faz mais necessário. Ele anda altivo, de cabeça erguida e vociferando atrocidades na paz do Senhor. Creio que nada mudou porque apesar de toda luta, este brio do senhor cidadão está se tornando mais firme. Antes ele andava escondido, furtivo, frases soltas... Desculpe meu caro, este é meu classicismo falando, no centro e na periferia ele sempre pode mostrar quem realmente é. Então
  • 44. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 44 - qual o espanto? Ver incrédula a ascensão e a identificação de tantas pessoas a quem tínhamos fé. Como é doloroso descobrir que a figura do senhor cidadão ontem ria comigo (ou será de mim), hoje se indigna contra mim e amanhã se calará capaz de ser capataz, não duvido, mas certamente cúmplice caso venham a matar. Nem na família há refúgio. Me disseram pra "sossegar até a poeira baixar", outro disse por que eu simplesmente não mudava de "opinião"... Opinião??? O senhor cidadão não entende. E morte virou questão de opinião. Acontece que no silêncio se morre de forma simbólica e esta simbologia não leva a uma morte de fato? Como se deixa de ser o que se é? Sossegar ou "mudar de opinião" é algo que alguém em sã consciência jamais faria sem despedaçar-se. O preço da liberdade vai rendendo juros... A quem? As feridas abertas e expostas tem o objetivo de saná-las ou não? Como bem sabes o senhor cidadão faz enormes sangrias, dilacerações e por um puro sadismo afaga e lhes mantém em sombrio ocultismo, tornando a maltratar e esconder sempre que pode. A ele não diz nada o derramamento de sangue, não de forma externa. Mas em seu íntimo diz e muito. Enche o ego, mostra superioridade, poder, gozo no menosprezo. Ele se recusa a ser igual. Aliás a ideia de igualdade é uma punhalada feroz contra a pessoa do senhor cidadão. Não interessa os quilos de medo, as mortes no peito muito menos a natureza humana. Não há nada humano ali. O que há de ser feito, meu caro Zé? Queria e muito ter belas e
  • 45. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 45 - poéticas coisas a contar nesta, mas os dentes que guardam sorrisos agora o fazem sob lágrimas. Cadê os nossos? Persistir e resistir é tudo que nos resta... Até o último de nós. Vamos nos falando e prometo que tentarei me manter uma pessoa aberta. Quero seu abraço Zé, porque a única certeza é que permaneceremos de pé. Até breve ou não, mas sou grata pelo seu trabalho.
  • 46. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 46 - Dori Carvalho ǀ Nasceu em 1955, vive em Manaus desde 1978. É ator e poeta. Autor dos livros "Desencontro das águas", "Paixão e fúria" e "Meu ovO esquerdo". o gatilho Quem comemora a morte, também, apertou o gatilho. Quem justifica o assassinato, também, apertou o gatilho. Quem chama de defensora de bandido, também, apertou o gatilho. Quem diz que bebeu do próprio veneno, também, apertou o gatilho. Quem manda ir pra Cuba, também, apertou o gatilho. Quem esbraveja volta pra África, também, apertou o gatilho. Quem vomita preta nojenta, também, apertou o gatilho. Quem chama de vaca vagabunda, também, apertou o gatilho. Quem xinga de esquerdopata, também, apertou o gatilho. Quem fala mimimi e vitimização, também, apertou o gatilho. Quem vocifera desumanos direitos também, apertou o gatilho. Quem ameaça a mais frágil, também, apertou o gatilho. Quem ofende a vítima, também, apertou o gatilho.
  • 47. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 47 - Gigio Ferreira ǀ Nasceu em Belém do Pará. Estreou na dramaturgia juvenil com O Gringo da Matinta (2014), pela Editora Giostri, em parceria com a escritora Miriam Daher. Em carreira solo publicou os seguintes livros pela Editora Giostri: Chibé de Cobra & Multicabaré, Contos. Conversas com Mulheres Nuas, Contos. Bodes Curandeiros & Montanhas de Aquário, Crônicas. Pirão de Charque & Avuados, Contos. Feliz Círio, dramaturgia adulta. Frutas Acesas, Poesia. Caravelas Sensuais Para Depois do Infinito, Poesia. Estão no prelo para 2019 os seguintes livros: Tutti Esfarrapado e O Bosque Gueragama, dramaturgia infantil, todos pela editora Giostri. o doce patrão brasileiro As vagas eram para serviços gerais. As ordens eram para admitir somente pessoas com compleição física avantajada, mas nada também de gordos ou obesos, pois pessoas assim são preguiçosas, indolentes e acima de tudo... DOENTES! Essas criaturas nem deveriam passar pelo crivo dos papéis da entrevista, mas aceitaríamos por conveniências políticas e religiosas, afinal os tempos diziam isso através de muitos MEMEMÊS na grande imprensa e sucessivos desgovernos impondo lorotas e mais lorotas acerca do que deveríamos fazer a respeito dos nossos recursos humanos. Então o diabo chefe mandou publicar em muitos jornais mentirosos que estávamos disponibilizando essas vagas. Jornais mentirosos são maioria, e isso ninguém pode contestar, afinal eles são propriedades dos donos do Brasil. E os donos do Brasil não suportam pagar justos salários para reles funcionários, eles, os funcionários, deveriam é trabalhar mais e mais, e se possível de graça! Não poderiam dispor de tempo para nocivas práticas de reflexão política, isso atrasa o desenvolvimento, o crescimento, adoece as expectativas de investimento no setor,
  • 48. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 48 - aumenta a participação mafiosa dos sindicatos, enfim, atrapalha tudo! Então me encheram a cuca com uma porrada de ordens & orientações. Tinha de ser lógico e frio, nada de coração apertadinho ou condoído socialmente falando. Os bons candidatos seriam aqueles com capacidade motora, e se desse... com algumas habilidades mentais, psíquicas ou intelectuais. Entre as exigências da Empresa constavam o certificado de conclusão do ensino médio e outros certificados comprados na internet, serviria também algum curso superior, ora porra! Sete da manhã como num bom quartel, pátio lotado de candidatos, todos com cara de fome, afinal estavam todos desempregados, senão não estariam ali, como afirmou o gerente, chefe do setor! Mandei o primeiro entrar: - Está vendo essa ficha ai na sua frente? - Estou! - Preencha de forma legível e sem rasuras, coloque seus dados pessoais e assine, por favor! Ai o candidato levou um tempão para se acostumar com aquela invenção maravilhosa chamada caneta esferográfica! Mandei chamar o próximo, pois esse primeiro já era! - O senhor está vendo essa ficha ai na sua frente? - Que ficha senhor??!! Mandei chamar o próximo, pois esse segundo também já era! - Cidadão, olhe bem para a minha cara! - Estou olhando... - Preencha essa ficha cadastral com os seus dados pessoais sem demora! - Sim senhor!
  • 49. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 49 - Demorou um tempão, quer dizer, levou cinco minutos para fazer uma pergunta cretina, não parava de coçar sua cabeça lotada de pensamentos frívolos, então levantou o seu olhar obtuso e com cara de uma folha de alface em pleno deserto disparou: - Doutor, quem nasce no Mato Grosso é o quê mesmo? - ESPINHO!!!! Esse também levou o farelo, pois ordens são ordens! Mandei chamar o próximo candidato: - Bom dia, entre e fique a vontade, o senhor está vendo essa ficha de papel ai na sua frente? - Estou! - Preencha de forma ágil, não quero rasuras, seja rápido no gatilho! - Mas doutor, estão aceitando também seguranças aqui nessa Empresa? Esse até que tinha um humor sofisticado, mas ali não era um Teatro, e esse camarada também foi para escanteio, pois ordens são sempre ordens! Então mandei o próximo entrar: - Preencha essa ficha ai e aguarde o nosso chamado! - Sim senhor! Preencheu tudo rapidamente e de forma correta. Mas algo me chamou a atenção nele, estava bem vestido e aparentava ser inteligente. Hummmmm, esse tipo vai passar apenas uma chuva aqui dentro, logo logo estará doente e apresentando uma porrada de atestados médicos, se bobear ele colocará a Empresa na frente de um CAPA PRETA da Justiça do Trabalho, afinal a nossa Empresa foi cafajeste com ele, não respeitou os horários, não pagou suas merecidas férias, não o respeitou enquanto ser humano, não o promoveu, não o incentivou a
  • 50. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 50 - estudar, não proporcionou sua autoestima, não o valorizou, não concedeu isso e mais aquilo. Então pé na bunda desse malandrão, ora porra, lugar de gentinha inteligente é na UNIVERSIDADE! Então entrevistei muitos naquele dia cansativo, porra, cheiravam mal pra caralho, os que entravam suados eu limava sem perdão. Quanto ao sexo feminino, completamente VETADAS! Eram ordens superiores, mulheres menstruam e ficam grávidas, e nossa Empresa não é BERÇÁRIO ou muito menos CLÍNICA GINECOLÓGICA! Assinei contratando apenas dez cavalos brutos, dois deles eu chamei em particular e disse: - Amanhã aqui pontualmente às sete da manhã, um minutinho atrasado é RUA! E vocês dois ai, nada de cavanhaque na cara, isso é coisa de comunista, comunistas dão muito trabalho, fazem cagadas atrás de cagadas, e aqui não é lugar dessa baixa extração... e tem mais, não quero ver os senhores com essas BOCETAS NA CARA! - Sim senhor!!!! Chegou a tardinha, tomei uma coca cola bem gelada e lembrei do culto na minha igreja, poxa, estava deixando um pouco de lado a minha espiritualidade. Deus é fiel!!! E quem trabalha Deus ajuda! Tomei meu banho, apanhei no cofre da Empresa duas notas de cem dólares para o dízimo e cheguei um pouco atrasado ao culto maravilhoso!
  • 51. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 51 - Jalna Gordiano ǀ É escritora, poeta, co-fundadora do movimento de literatura marginal SIRROSE, autora do livro ASMA, DENTRE OUTROS PRAZERES A DOR, tendo publicado fanzines na cidade de Manaus. Revolucionária nata, amante das loucuras e devota dos filhos, atualmente cursando o curso de Serviço Social. Feminista, cotista e terrorista psicológica, acredita em mudar o mundo como sonho possível. varal de domingo Eu vou me esconder Aqui, no quentinho das obrigações Onde os ventos sopram forte Mas eu sei de onde eles vem Não há consideração com inimigos. Olha só esse novo eu, Que não tinha inimigos há pouco tempo. Ou você está comigo, ou contra mim. Chega de opções. Depois de uma sequência de ganchos de direita Fui afundada numa piscina de dejetos Fedorentos de mesquinharia... Acredite, talvez você até já saiba, Nada fede mais do que a podridão de gente sonsa. Não há evolução da espécie humana Apenas um emaranhado e redemoinhos De dor. Eu não sei bancar a carpideira E sair gritando o meu choro aos cantos.
  • 52. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 52 - Ninguém gosta de ouvir cantos, Apenas a dor alheia. Não nasci para agradar os outros. Eu vou me esconder debaixo da manta do silêncio E torcer sem muita expectativa Para que as coisas melhorem. Eu vou retirar meu caderno empoeirado Com anotações manchadas de chuvas tristes E projetos inacabados. Eu vou incendiar uma das minhas milhares de personas, preparar meu fuzil de frieza. Matarei a que mais gosto. Não existe consideração com o outro Quando não se consegue ver consideração com você mesmo. Estava eu confortável Com um adorno no peito, cheio de bons sentimentos. Hoje Eu pego esse bouquet inútil e jogo no lixo Junto com minha esperança de bons presságios. Aqui, debaixo do silêncio Há paz para arquitetar vingança. Há tempo para desexistir. Há força suficiente para tecer uma longa corda Na qual enforcarei
  • 53. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 53 - Um a um Meus inimigos empalhados Num lindo varal Secando sob um sol tímido De três da tarde de um domingo invernal.
  • 54. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 54 - Fabiano Calixto ǀ Nasceu em Garanhuns (PE), em 1973. Vive em São Paulo. É poeta e professor universitário. Cursa doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo, USP. Publicou os seguintes livros de poesia: Algum (edição do autor, 1998), Fábrica (Alpharrabio Edições, 2000), Música possível (CosacNaify/7Letras, 2006), Sangüínea (Editora 34, 2007) – este finalista do prêmio Jabuti, A canção do vendedor de pipocas (7Letras, 2013), Equatorial (Tinta-da-China, 2014) – antologia lançada em Portugal, e Nominata morfina (Córrego/Corsário-Satã/Pitomba, 2014). Prepara seu novo livro de poemas, Fliperama.
  • 55. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 55 - Vagner Castro ǀ É amazonense, natural de Manaus, poeta marginal, autor do livro O Louco. Estuda Psicologia, é pai da Beatriz, e do Flávio. Não deixarei que a luz se apague. Não deixarei que as mãos dos meus filhos tenham gestos armas. Não deixarei que a música pare, lutarei para continuar dançando. Não deixarei que fechem a porta da cidade às dez horas da noite, meus passos são livres e continuarei caminhando. Continuarei indo às praças, aos eventos culturais para mostrar que minha arte é resistência contra o discurso do ódio proliferado, introduzido nas mentes cegas que seguem a voz da tortura, a voz do racismo, a voz do homofóbico... Tudo que é lançado dessa voz é podre, é veneno, é violência, é estrago, mas resistirei as pragas, levantando a bandeira da diversidade. Jamais aceitarei os trinta anos de ócio na vida pública. A omissão escondida no porão de partido corrupto. As declarações fascistas aplaudidas por robôs de carne que repetem e disseminam todo o bafo fétido dessa voz hedionda. A fuga dos debates. Não, covarde. Não permitirei que tire de mim a democracia.
  • 56. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 56 -
  • 57. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 57 - Laís Fernanda Borges ǀ Nasceu em Manaus, em 30 de novembro de 1984, é escritora, jornalista e artista visual. Publicou "Ventania Literária" em janeiro de 2013 e participou como artista visual em várias exposições. Atualmente está com uma pintura no Salão Curupira de Artes. --------------------------------------------------- Somos flores que buscam resistir em meio ao concreto cinza das cidades. A dureza do cimento seco como os corações tomados pelo ódio não consegue atrapalhar o surgimento de pequenas plantas. Alguns tentam arrancar o "mato", mas ele surge cada vez mais forte e com mais flores. Cores fortes e suaves despontam em meio a desesperança. As árvores têm folhas ressecadas pelo calor implacável, vindo tanto do sol quanto das bocas raivosas, mas ainda assim continuam com a fotossíntese. Tentamos entrar calar a vida num tributo à podridão, rumo a dias sinistros, porém ela se ressignifica e ressurge. Após a tempestade a vegetação ficou mais verde. Somos o verde esperança do nosso país que teima em persistir. Somos resistência.
  • 58. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 58 - Thiago de Mello (1926) ǀ É tradutor e poeta. Nasceu em Barreirinha, Amazonas. É um dos poetas mais influentes e respeitados do país. Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Perseguido durante a ditadura militar (1964-1985), refugiou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. No exílio político, morou na Alemanha, Portugal e França. Com o fim do regime militar, voltou à Barreirinha. Hoje vive em Manaus, capital do Amazonas. Publicou Silêncio e Palavra (1951), Narciso cego (1952), Faz escuro mas eu canto (1965), Canção do amor armado (1975) Poesia comprometida com a minha e a tua vida (1975), Mormaço na floresta (1983) e Amazonas – Pátria da água (1992), entre outros. É a personalidade literária do Prêmio Jabuti 2018. madrugada camponesa Madrugada camponesa, faz escuro ainda no chão, mas é preciso plantar. A noite já foi mais noite, a manhã já vai chegar. Não vale mais a canção feita de medo e arremedo para enganar solidão. Agora vale a verdade cantada simples e sempre, agora vale a alegria que se constrói dia a dia feita de canto e de pão. Breve há de ser (sinto no ar) tempo de trigo maduro. Vai ser tempo de ceifar. Já se levantam prodígios, chuva azul no milharal, estalo em flor o feijão, um leite novo minando no meu longo seringal. Já é quase tempo de amor. Colho um sol que arde no chão, lavro a luz dentro da cana, minha alma no seu pendão. Madrugada camponesa. Faz escuro (já nem tanto), vale a pena trabalhar. Faz escuro mas eu canto porque a manha vai chegar.
  • 59. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 59 - tempo de rebeldia O tempo do inimigo, quando veio, parecia que fosse de cuidados. Era esconder a rosa, companheiro, e proteger as relvas da ternura contra o tacão feroz e disfarçado. Não descuidassem nunca as forças claras do instante exato de arrojar a luz. Era uma espera que podia doer, mas o tempo de amor não tardaria. Não tardará, eu sei, mas descuidaram não só do tempo, mas até do amor, cuja canção mais bela foi ferida pelo ferrão que era encolhido e curvo, mas foi ficando ousado e tão altivo que o seu próprio poder foi dilatando cada vez mais em tempo, cinza e fel. O tempo do inimigo se acrescenta de tão turvo poder, que está marcando - o tempo do inimigo está marcando a hora da rebeldia em nosso amor. Mas só o povo é quem pode a rebeldia quando no peito não lhe cabe a dor que irrompe - e então são águas represadas que desprendem, no seu volume espesso, os ímpetos crescidos, despencados no seu destino imenso de ser livre, que se expande em fragor de tempestades e gera brados balizando o rumo / por onde avança o povo rebelado.
  • 60. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 60 - Pollyanna Furtado (1981) ǀ É poeta e professora de Língua Portuguesa na rede pública de ensino. Publicou Fractais e À margem da luz (edição independente, 2007), Simetria do caos (7Letras, 2011), Rosa de Sombra (independente/digital, 2013) e À sombra do iluminado (7Letras, 2017) – obra finalista do prêmio Jabuti 2018. eu não sei Eu não sei, mas deveria saber que o ser humano pode saber tanto e que, no entanto, de tudo que sabe não sabe o que realmente importa. Eu não sei, mas deveria saber que a ignorância é maior do que o entendimento; que a dúvida é muitas vezes dádiva quanto a certeza absoluta nos cega. Eu não sei, mas deveria saber que a realidade não se resume ao meu estreito conhecimento que se existem tantas divergências é porque às vezes posso estar enganado. Eu não sei, mas deveria saber que não sou a medida de todos e que, portanto, o que vale para mim pode não valer para tantos outros. Eu não sei, mas deveria saber que se eu não sou medida dos outros,
  • 61. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 61 - também os outros não me são medida, mas isso não significa desprezar o princípio essencial que nos liga. Eu não sei, mas deveria saber que o meu ódio é o meu veneno e que, com ele, mato supostos inimigos e, pouco a pouco, também mato a mim mesmo. Eu não sei, mas deveria saber que se existe um Deus, esse Deus é Amor e que o Amor é a Luz e comunhão divina e nada nesta nossa vida, nada justifica esse desejo cru de ceifar outras vidas. vozes da morte A psicopatia coletiva se levanta. Como corpos soterrados, vazios de alma, encontram suas vozes na voz de um tirano. Ou são esses desejos obscuros enterrados no coração das trevas do humano? Estão se levantando das tumbas em decrepitude. Zumbis do caos contemporâneo.
  • 62. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 62 - Adriano F. Oliveira ǀ É professor, escritor e artista gráfico. Participou do Clube dos Quadrinheiros de Manaus no final da década de 1990 e da Revista Sirrose na primeira década do novo milênio. É fanzineiro há 20 anos, com mais de 50 zines publicados e vendidos de mão em mão, nas ruas, universidades e terminais de ônibus da cidade. anonymous Nós não esquecemos. Nós não perdoamos. Você pode ser um de nós. Somos seus filhos Heróis de cinema Na greve Geral. Estamos na rede Um sorriso no feice Eu te curto Minha Revolução! Nós não esquecemos. Nós não perdoamos. Só não sabemos bem onde vamos. Partam os partidos Apertem os cintos Da corrupção. Mas que foi isso? Um Golpe no Egito? Ou no meu Coração?
  • 63. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 63 - Nõs não esquecemos. Nós não perdoamos. Nós não sabemos quem golpeamos! Paz e Guerra. Estamos em guerra Pela paz. Estamos em paz Pela guerra. Descancemos em guerra Pra não descansar em paz. Quem em paz tudo espera Não descansa jamais. Rezaremos por ela - Pela guerra, pela paz - Pela alma que vela O que a arma te dá. Pela alma da Terra Pela arma do mar Que se bate na praia Até tudo alagar. Pela alma que espera Um dia se afogar. Pela arma que encerra O que ao pó voltará.
  • 64. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 64 - Edilson Seta ǀ (Licenciado e Especializado em Filosofia UFAM) o prazer no absurdo. “Como o home pode ter prazer no Absurdo?[...] pode-se dizer que quase em toda parte onde houver felicidade, há prazer no absurdo.” (Nietzsche, Friedrich. Humano demasiado Humano. Aforismo 213. Pág , 151. Que absurdo se configura o prazer em destruir a Democracia que nos promove a alegria e felicidade? Que desejo absurdo é esse em destruir a Liberdade que nos traz sombra e quietude? Certa vez o ser humano experimentou de seu instinto afrodisíaco, e despertou todas as mais evoluídas concepções de artes e desejos. No começo, tudo era muito inebriante e a busca da criação tomou rumos civilizatórios. Todos escolheriam o que mais lhe convinha desfrutar da arte. O prazer está presente nas divinas manifestações das artes, sejam Apolíneas ou bacantianas! Assim, os teatros se abriram para todos os gostos e afetações. A Música, por sua vez, fora dividida em som da fala e som dos instrumentos. Dominados pela ideologia, um e outro se sentiram diferentes, e aquele que os adotou se sentiu possuído, um pelo som da própria voz, o discurso, e outro pela melodia dos instrumentos. Quem adorou a própria voz virou um tirano; e acreditando que dominaria a si mesmo, desejou dominar àqueles outros que só adoravam a Música dos instrumentos! A intensidade da fala do tirano caiu como ação sobre aquele que somente queria ouvir a Música. “A Língua é a imitação dos gestos” – dizia Nietzsche no aforismo 216 do livro citado. Sem controle da língua, os gestos atrozes foram desastrosos sobre a consciência sensível do ser humano.
  • 65. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 65 - A ação seguida deste discurso maldito se distanciara do que é mais divertido, do que serviria para exprimir sensações agradáveis. As falas de Bolsonaro soam como ameaças, mas os gestos violentos já se manifestavam em seus apoiadores. Insultam-nos com suas falas, mas, saibamos, seus gestos se antecipam à língua elétrica e descontrolada. A sintonia do terror está aumentando seu volume e a arte está virando um monstro, uma tragédia, uma simbólica expressão da dor. Não deves aceitar flores e elogios daqueles que vos oprimem quando desejas cantar e cultivar vossos jardins. O autoritarismo é profundamente preciso em associar-se a qualquer sistema de corrupção. E, até a Liberdade parece ter caído em desuso no discurso do opressor, sob a alegação de que ser livre é algo doentio e repugnante. O homem pode renunciar, mas não por muito tempo, ao esclarecimento, disse Kant. Não há perigo em permitir ao ser humano fazer uso de sua própria Liberdade. LIBERDADE APESAR DE TUDO!
  • 66. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 66 - Wilson Padilha ǀ Poeta, escritor e professor universitário em Cuiabá-MT. o brasil se arma de verde e amarelo e eu relutando assisto ao espetáculo surreal tragédia anunciada pela boca boçal. a verdade de quem vos libertará e vocifera com línguas de fogo no olhar a roda do tempo gira para trás brincando de roleta... lançada a sorte, dezessete pontos somando dados distorcidos e deformados: o ventre balança contra a lança
  • 67. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 67 -
  • 68. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 68 - Rojefferson Moraes ǀ É professor, produtor cultural e poeta. Autor dos livros “Digitais” (2008), “Poesia Crônica” (2014), “Lembranças de Uma Noite Qualquer” (2015) obra que assina sob o pseudônimo de Macaco d’Água , todos publicados de forma independente, “O dia em que Carla assassinou o meu gato e outras crises de amor” (Penalux, 2017), participou de diversas antologias literárias. É Diretor geral da Na Tora Produções, produtora independente que realiza ações socioculturais na periferia de Manaus, e no interior do Amazonas. não ficarei de fora da resistência Eu acho que todos deveriam conhecer o inverno. O frio que é ver o pai chegar em casa com quase nada pra comer. O pai levar porrada do patrão, cair do andaime e quase ficar paralítico, receber apenas LER (Lesão Por Esforço Repetitivo) como prêmio. Minha mãe foi estuprada pelo meu avô, e carregou no seu ventre, por nove intermináveis meses, seu filho e meio irmão. Depois de tantas lutas chegou um dia comigo e disse, meu filho, reze para você nunca ter uma filha, não coloque mais uma mulher nesse mundo pra sofrer. Eu acho que todos deveriam sentir frio. Sabe, existem os moradores de rua, o MST, os indígenas sendo mortos há mais de 500 anos, os quilombolas, os transgêneros... Todos eles já sentiram frio demais. Ter um agasalho não é estar coberto com um pedaço de tecido sintético, mas sentir o calor da liberdade pela busca da dignidade. Já atravessei os becos do bairro onde eu morava correndo. A polícia no encalço. Não tínhamos praças, não tínhamos shopping, só tínhamos a rua, e éramos impedidos de ficar nela depois das 18 horas. Não acho que todos deveriam visitar o inferno, mas quem já deu uma volta por lá sabe muito bem o quanto dói o gás lacrimogêneo nos olhos, o quanto dói o cassetete da polícia, o quanto é humilhante o coturno da polícia na nuca, o choque no bico do peito, chute nos testículos,
  • 69. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 69 - ratazanas enormes na vagina, cabo de vassoura no ânus... Nos últimos dias tenho sentido um vazio tão grande no peito, uma ausência de sensibilidade que me impede de abrir as janelas, de caminhar nas praças. O ódio deixou de ser a bandeira dos covardes para se transformar na arma legítima de combate a um inimigo que cresceu no mesmo bairro, estudou na mesma escola, frequentou a mesma igreja, trabalhou na mesma empresa, e me parece que já não adiante mais falar nada, só escrever, escrever e escrever, antes que nos proíbam até de usar as palavras como o portal para o infinito. “Não ficarei de fora da resistência. Não serei o poeta brincalhão que acha que não tem nada a ver com isso. Não serei o defensor da barbárie. Não me calarei por boçalidade para justificar minha covardia disfarçada de neutralidade.” linhas com o frio das rochas “A humanidade prefere Barrabás do que Cristo...” (Facção Central) Não tem flores por cada corpo derrubado nesse vendaval de ódio Na casa a mãe chora, no bar o pai gastando o pouco que tem No trabalho faz sinal de reverência ao monstro da TV Ninguém se fala mais Só silencio e o gatilho refletindo nos olhos Medo, suástica sendo apresentada com orgulho
  • 70. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 70 - O disco está girando ao contrário O pedreiro que se fodeu uma vida inteira agora bate continência ao carrasco Saio pelo bairro. Mais uma marcha pra Jesus Bucho cheio de comida, e alma cheia de ódio Não consigo entender que mundo é esse Sempre soube que uma hora eles deixariam o amor de lado Era uma questão de tempo. Primeiro uma guerra declarado ao demônio Depois luta contra a pobreza Agora caçada aos infiéis, aos ímpios, aos pecadores Tudo em nome de Deus E o capitão ri com a boca murcha De quem já derramou sangue dos inimigos do estado Sorrindo, feliz, e depois sentou na mesa pra jantar com os filhos
  • 71. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 71 - Felipe Pauluk ǀ É um curitibano residente em Londrina há mais de 10 anos, jogou na loteria da vida e numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. lançou seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso em 2011). Hit The Road, Jack, romance em 2012. Em 2015, foi lançado Town, novo romance do autor. "Comida di butequim" e "Tórax de São sebastião" foram seu dois livros de poemas publicados em 2016. Em 2017, de forma mais artesanal veio ao mundo o livreto de poemas "Manual Prático de Perna Mecânica para Cantores". Além de escritor, Pauluk também é roteirista e diretor de clipes. poema: v. h. choca o ovo da serpente em brasa no miolo do povo nos confins de marte mordendo o dedo da criança & colando gatilhos. um deus-morno que lambe asfalto e cospe nos olhos de quem quer pichê quem precisa de estrada ainda um astronauta que colide com o seu próprio corpo calendário ao contrário mundo de ponta cabeça o pau de arara filosófico há queima de fogo de roupa, de pele e um menino-valente liga para mãe adventista em pleno sábado
  • 72. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 72 - para dizer que está vivo faminto & com uma órbita aberta é tudo retrocesso - diz ele é tudo retrocesso - diz ele com um pano sobre o telefone com um cadarço no pescoço com cinta de macacão no pescoço com os joelhos fletidos vladimir herzog na memória não na moda
  • 73. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 73 - Dom Alencar ǀ Nasceu em 1989 em Tapiramutá-Ba, vive em Manaus desde 2007. É assistente social, poeta e comunista. Autor de algumas dezenas de livretos. poema antifascista A poesia desanimou Esmoreceu. Está gripada Tempos de cólera Voltamos ao bronze A maioria dos poetas estão cansados tomando fôlego e tentando não surtar. Ao novo Hitler e aos não tão novos nazifascistas Já vem lá o próximo poema Para ser gravado na carne e na história Palavras de fogo e vida Para que todos saibam quem verdadeiramente nós somos. Antifascistas. Genes de Luta Enquanto ela falava da necessidade urgente dos piquetes Queimar pneus Quebrar vidraças Engrossar as fileiras Desobediência civil já Eu transbordava admiração Vivo encanto em meu olhar Aquela jovem senhora Guerrilheira. Sonhadora Mãe da guerra Belona, Nice, Victória Ternas palavras Chamados de luta Tua voz é fogo Acalenta minha alma Corta a floresta. Flecha América latina Um sopro sem pressa de inesgotável coragem Genes de luta replicados de greve em greve Veias abertas. Corações No meio da rua, na praça. Desalinha o caos A semente há muito tempo foi plantada. Presta atenção, olha com cuidado
  • 74. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 74 - Como tem vivido o teu irmão? Há aqui tantos que sequer tem empregos O distrito não basta O comércio não comporta Nem todos passarão em trinta concursos públicos Por isso mesmo Sempre estaremos em crise nesse sistema capitalista Presta atenção no teu irmão que não tem nada, nem teto, nem terra, nem salário mínimo nem almoço ou pão Presta atenção no teu irmão que não conseguiu sequer ser terceirizado Quantos camaradas moram no desconforto das marquises Invisíveis e miseráveis dividindo restos de carne apodrecida com os cachorros Maldita condição Presta atenção no olhar mais triste A solidão de quem não tem mais forças A constante dos nãos Zero esperança na luta Presta atenção no teu irmão Olha pro lado Primeira, segunda, terceira pessoa Todos os dias nossos braços. Juntos Cadarços. Já se foi o tempo do resignado. Também se foi o tempo do exército de um homem só Morreram-se todos os messias E o que restou? Gasolina Fósforos Algumas pedras Alguns pneus Um pouco de coragem Quase nada e tanto Um germe de fogo que arde Fragrante, extremo, profundo
  • 75. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 75 - Uma América que pulsa dentro de caixas torácicas intermináveis. Amanhã nada, hoje Nosso sangue está gravado com fogo mais uma vez fogo Sempre fogo.
  • 76. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 76 - Solano Gualda ǀ Quadrinista e zineiro. ------------------------------------------------------------------------------------------- Uma atmosfera de irracionalidade se espalha com violência pelo país. Se abandona cada vez mais a responsabilidade com a verdade. Discurso moral toma espaço de projeto político. Cinco horas atrás, um homem branco e forte entrou no ônibus, de peito estufado usando uma camiseta escrita ´´Brilhante Ustra vive``, com uma foto grande do militar centralizada. Parou na PUC entrou tranquilo. As coisas não vão bem.
  • 77. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 77 -
  • 78. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 78 - Victor Hugo Neves de Souza ǀ é professor, contista, autor de Sinestesia e Recorte de Homens. Escapando fedendo Meu irmãozinho e agora?! Estou aqui no quarto, com esta caixa na mão e, todos meus amigos e primos fazendo esse barulho a esta hora da manhã?! Não, jamais gosto de ser incomodado antes das oito. Nada de resposta e explicações para boêmios que passaram a noite na farra e agora virão com aquelas velhas manias de bêbados: Falar cutucando, babar e querer beijar, contar piada sem graça. Preciso de um plano, preciso de um plano. O que fazer? Afff, botarei logo este terno para mostrar que não estou para brincadeira. Embrulharei esse pacote em papel de presente para não verem o conteúdo e pulo para dentro do carro após uma passagem frenética pela sala. Se eles verem o que tem neste pacote! Deus me livre, lá virá meia hora de gozação infantil. Saio e pego o carro. É isso. -Olá rapaziada! Estou com pressa, não, não toque nesta caixa. Também te amo! Gostei da camisa e- ... Ufa, a garagem e o meu carro. Fui! Foi assim que escapei dos tapas amorosos que seriam aplicados e das velhas reminiscências que seriam ressuscitadas pelos meus antigos parceiros de noitada. Viver em uma cidade que não conhecemos, numa quase república, dá nisso. Agora, com meu fígado em frangalhos, com a pressão tão alta que basta comer feijão cru que ele mesmo se cozinha em minha barriga que eu precisei rever meus atos. Fugir é quase uma profissão desde então. Os bares tentam me sequestrar, as casas de pastéis idem, as gorduras de picanha flertam comigo, a garrafa de refrigerante faz psiu para mim; sou fiel e leal a minha saúde. Tudo que é tóxico merece meu divórcio, mesmo assim, essas
  • 79. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 79 - dores abdominais continuam a me perseguir. Quem sabe quando eu saia dos meus 120 kg a coisa melhore. Tenho que deixar dessas elucubrações, eliminar minhas impurezas da mente, que os exames médicos digam o que tenho. Sigo no volante. Nada melhor que do que jogar as tripas para o cérebro durante o sinal vermelho. É o que faço agora, todo sinal vermelho é uma tripa com um nó no meio do trânsito caótico. Ele para os fluxos, retém os veículos, entope as vias e transforma a cidade que nada mais é do que uma grande barriga numa congestão sem fim. Opa! Finalmente abriu. -Sai da frente meu gato! Pode ofender minha mãe, eu também te amo! Depois vem com essa história que só mulher que faz besteira no trânsito! Comprou tua carteira foi?!- A duzentos metros terá um atalho. Neste caso, o caminho mais curto é certamente aquele que leva ao paraíso. Avante! Meu caro, que rua mais esburacada! Deveriam por o nome dela de Meu rosto na adolescência! Quando sai de um buraco, vem um mondrongo, quando sai do mondrongo vem o buraco. Que coisa, que coisa. Assim, não chego com este bendito pacote no seu destino final. Nunca vi algo do tipo, parece que o segredo da minha vida está aí embrulhado. Tu me dás trabalho hein pacotinho.. hehe, no final tu serás minha salvação. Ah não! que é aquilo ali na frente? O que passa, porque todos estão parando? Putz, uma blitz. Lá vai eu me atrasar. - Para aí cidadão! Porque tu não baixa o vidro quando se aproxima? -Eu...
  • 80. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 80 - -Xiii... Não quero saber... Encosta ali que nós vamos revistar teu carro. Putz, tenho que controlar meu nervosismo. Se demonstrar fraqueza eles levarão até minha moeda Venezuelana que uma Chica me jogou do Ferry Bolt dizendo “Te quiero”. - Bora, bora, rapaz... sai desse carro! Encosta ali na parede. Abre as pernas.- Porra.. e é preciso apalpar tanto meu saco? Vou só pensar, se falar o sopapo vem de imediato. Ninguém pra gravar essa abordagem. Maldito atalho! -Fica aqui enquanto cabo Meirelles revista teu carro. Já vi teu documento e tu não tem nada a ver com a foto. As letras estão apagadas. Ta tudo com cara de adulteração. Tu tá fugindo né gordão? Com esta tua pinta de Tim Maia, tem a maior cara de 171. Qualquer erro gordão fale logo pow, fale logo que aqui não suporto gente sonsa ou abusada ...- -Deixa eu... -Beto, Beto, o cara tá com o step furado... olha a porra desse carro tá uma bagunça. Vem dá uma olhada aqui enquanto eu continuo esse papo.- - Cara deixa eu te falar... O Betão é jogo duro pra caramba. Já vimos teus documentos, a coisa não tá legal, eu sei, eu sei. Toda vez ele faz essa fuleragem. Vamos fazer o seguinte, tou querendo te ajudar. Dá logo, uma força pra gente que essa conversa termina por aqui. Falo lá com ele e pronto, sem stress pra ninguém. - Pow cara só tenho vinte reais na carteira, tempos de crises, não está fácil. Releva aí senhor. Não vou nem dizer que estou certo. Vocês estão com a lei e, sabe, não vamos nos indispor.
  • 81. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 81 - - Meirelles, e aí?- - Esse macho contou tanto choro que falta pouco pra eu adotar ele como filho... - - Filho ele já é. Filho da gaita. Kkkk -Sabe Meirelles, olha esse pacotinho aqui, peguei lá dentro do carro. Quadrado e embrulhado em papel de presente dourado. Vou balançar. Uhum tem coisa pesada aqui dentro! O gordão tá liso porque comprou presente pra namoradinha... Ah Gordão, aposto que foi com grana do tráfico. Deve ser anel? Cordão? Aliança? Com certeza não é a caixa de Pandora. Sabe Meirelles, elas por elas, libera esse Tim Maia aí antes que eu dê um enquadramento nele. Vou nem abrir a porra desse pacote. Minha esposa que me dirá a revelação. Vaza Tim Maia! Vaza daqui! Pega a Chave do teu carro e nem olha pra trás! Não sei onde eu tou com a cabeça que não te faço uma massagem estilo ursinhos carinhosos. Cai fora já!- Ai meu santo protetor! Obrigado por me livrar de mais uma. Apesar dessas pernas mais bambas do que jogador júnior quando estreia em time profissional, escapei sem levar um esculacho. Vou sair logo dessa rua, pararei num bar, pedirei uma comida gordurosa, chutarei o pau da barraca nesta sexta feira. Mais uma vez vou sobreviver. Até que todo esse alivio me causa prazer, depois dessa pressão eu sinto uma sensação gostosa tomar conta do meu corpo. Vou dirigir para meu boteco favorito, não há mais razão para seguir adiante. O pacote ficou no meio do caminho, não o levarei mais a clínica de diagnostico. Em outra ocasião farei outro exame e, deixe que os canalhas façam bom proveito com o produto de sua extorsão. Todo mundo colhe o que planta. Que o fruto da colheita deles
  • 82. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 82 - seja a melhor possível e que aquele pacote com meu exame de fezes possa fazer a diferença na vida deles.
  • 83. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 83 - Carolina Passos ǀ Natural de Imperatriz (Maranhão), herdou da mãe o amor pelos livros, e na escola já demonstrava inclinação para a escrita. Sempre gostou de inventar histórias. Aos dezessete anos passou a pesquisar e ler novos autores que a influenciaram a se arriscar no campo literário, começando aí a escrever suas primeiras poesias. Iniciou a divulgação de suas primeiras produções em blogs, e depois no Facebook e outras mídias sociais. É uma escritora em ascensão. Lançou em 2017 seu primeiro livreto intitulado "A saudade carrega teu nome e tem cheiro de naftalina". ------------------------------------------------------------------------------------------- Deu a hora e fui pra varanda como de costume. Estava de noite. Alguns moleques jogavam na rua. De lá era possível observar a cidade melhor. Acendi um cigarro. Entre um trago e outro você veio e ficou também olhando em silêncio pra aquela penca de prédios e casas empilhadas. Muitas luzes. Iniciei a conversa dizendo qualquer coisa aleatória. Puxei mais alguns tragos e depois acendi outro cigarro. O rio de janeiro estava cada vez pior. Não havia por do sol bonito. As pessoas andavam entristecidas nas favelas. As mulheres entravam cabisbaixas no metrô. Os jovens haviam desistido. Velhos com oitenta anos se suicidavam. Ninguém sabia muito bem o que fazer. Você falou que o rio de janeiro virou uma espécie de alpendre que tem como bônus algumas paisagens bonitas pra seres viajantes como eu. Mas que morar ali é como descobrir um medo incurável que te impossibilita de existir, e que em algum momento uma bala vai se alojar bem no meio do seu peito. "então você morre. há um funeral de um dia e meio na casa dos seus pais. alguém chega com algumas flores e chora. fecham o caixão. te levam até o cemitério. descem as cordas. alguém joga um punhado de terra dizendo adeus temendo ser o próximo. por último, o coveiro finalmente inicia seu trabalho deixando você completamente coberto de terra e esquecido." você me
  • 84. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 84 - disse isso enquanto lá embaixo a mãe de um dos moleques berrava. Dou a última tragada. Um carro de polícia passa na hora. Então te observo desaparecer nesse desânimo profundo que nem aquele mar de luz que nos rodeava foi capaz de esconder.
  • 85. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 85 - Romulo Narducci ǀ é advogado, poeta, escritor e compositor. Um dos idealizadores do evento Uma Noite na Taverna, realizado em São Gonçalo (cidade periférica do estado do Rio de Janeiro) desde 2004. É autor dos livros independentes de poesia Orações Licenciosas (Ou Cancioneiro Erótico) (2008) e Tudo que Morre é Consumado (2010). O seu primeiro conto publicado foi Um Sax Tenor, na coletânea FLUPP Pensa – 43 Novos Autores (2012, editora Aeroplano). Lançou o seu primeiro livros de contos Angustiolândia (Ou de Bares, Ruas e Bordéis) em 2015, editora All Print. fábulas pueris a vida se refestela imensa – com sua monstruosidade insana & ameaçadora – sobre nossos ombros rijos e cansados. !Eia a nossa incapacidade de erguer a rocha e rolar para o topo da montanha nos apontam armas enquanto cuspimos flores que brotam do asfalto com nosso suor e soa o grito de resistência nas costas suadas do negro , do índio
  • 86. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 86 - , do mulato , do branco , do cafuzo , do mameluco & mistura-se tudo em cores e espremem sangue vermelho das diversas peles multicoloridas e loucos dias acenam e vermelha não é minha bandeira , vermelho é o nome de minha nação que de pau Brasil , pau de arara , pau de cacete nas costas do detento , a estripar sua culpa por pisar descalço sem chão , sem educação & sem ãos. pau de santo do pau oco que reza frouxo o ódio disseminado abafando o amor ... ... ... !que horror
  • 87. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 87 - Me cubro de vergonha , se acreditasse na cegonha pedia que me levasse de volta ? Qual é Melhor acreditar Em fábulas pueris do que nos mitos de ódio
  • 88. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 88 -
  • 89. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 89 - Luiz Augusto Ribeiro Andrade (Luiz Andrade) ǀ É cartunista colaborador no site Humor Político e ilustrador no coletivo de artistas Animeniac X-mao na cidade de Manaus desde 2010, onde ajuda na elaboração e execução dos projetos independentes e comerciais. Com X-mao já publicou, de forma independente, livros infantis, contos ilustrados e quadrinhos. ------------------------------------------------------------------------------------------- Rubem Alves tem uma frase genial que é mais ou menos assim: “O cientista virou um mito. E todo o mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento”. Ele se refere, claro, ao perigo de acreditar cegamente na ciência, apenas por ser ciência, cujo próprio preceito é duvidar e comprovar por meio de fatos testados. Mas essa frase cai perfeitamente em nosso momento de convulsão sociopolítica. O mito se estabeleceu, nominalmente e pragmaticamente, e varreu, com força descomunal o pensamento. Vivemos uma polarização absurda que tem raízes no desespero, insatisfação e no ódio, combinação essa que levou-nos a erros tremendos como humanidade no passado. No início dos anos 20 a Alemanha sofria as consequências da 1ª Guerra Mundial e se afundava cada vez mais em uma crise moral e econômica. No meio desse cenário surgiu o Partido Nazista e seu líder Adolf Hitler, que com mãos de ferro e um discurso forte e autoritário, estabeleceu os princípios fundamentais do nazismo: anticomunismo, antiliberalismo, ultranacionalismo, militarismo, racismo e, principalmente, o ódio aos judeus (antissemitismo). Os alemães se entregaram a esse ódio e nós caminhamos na mesma direção. Não aposto numa nova ditadura no Brasil, mas também não descarto. A luta por direitos e liberdade nunca termina, ela é constante.
  • 90. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 90 - Sou cartunista e durante essas eleições me peguei pensando sobre o motivo de ter escolhido essa forma de me expressar. A origem do cartunista político tem relação com as expressões satíricas de artistas (ou simples cidadãos) com seus regimes ou governantes. Com o passar do tempo a ocupação se popularizou e transformou o cartunista numa espécie de cronista social, que tomou pra si a posição de vigilante do poder. O cartunista nunca apoia o poder, ele aponta seus erros e vigia seus atos. Me vesti com essa armadura e agora não consigo mais abandoná-la. Nem se quisesse acho que conseguiria. Além da essência combatente do cartunista sou antes, artista, e por isso a responsabilidade é dobrada. Os artistas levantam a bandeira da liberdade, são os primeiros que o fazem, somos a vanguarda da resistência, a primeira e última linha de defesa. Por esse motivo, talvez, sejamos os primeiros caçados pelo fascismo ou pelo autoritarismo em geral, que busca calar toda voz que incomoda, que desafia. Como movimento ideológico, o fascismo se constitui de um regime extremamente autoritário com concentração do poder num líder, de nacionalismo exacerbado e cujas críticas eram recebidas com o uso de violência e terror. Apesar de improvável, uma nova onda fascista nunca deve ser subestimada. O que estamos vivendo é a propagação de um discurso autoritário que apresenta ecos do fascismo, e que se coloca como uma verdadeira ameaça à democracia. O curioso é a contradição presente aqui, já que 69% da população prefere a
  • 91. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 91 - democracia como regime de governo, segundo pesquisa recente do Datafolha, num índice de aprovação histórico. Não sabemos o que virá, mas serão tempos sombrios. A polarização se estabeleceu, a pseudo-politização se espalhou após os protestos de 2013, a violência disparou, a corrupção se mostrou generalizada e alguns oportunistas apenas subiram na prancha e começaram a surfar a onda. A partir de agora é resistência. É luta, com arte, com cultura, educação e com debate.
  • 92. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 92 - Eliakin Rufino ǀ É cantor e poeta, compositor e filósofo. Desde 1984, apresenta – no Brasil e no Exterior – espetáculos de música e poesia falada. É autor dos livros: Pássaros ariscos (1984), Poemas (1987), Escola de Poesia (1990), Brincadeira (1991), Poeta de água doce (1993), Poesia para ler na cama (1997), Haikai (2010), Cavalo Selvagem (2011). Como músico sua produção compreende vários CDs com composições próprias e outras em parceria. Nasceu e reside em Boa Vista – RR, no Extremo Norte do Brasil. A voz do Brasil O Brasil perdeu a voz No tempo da ditadura Teve sua língua cortada Com a tesoura da censura. Foi um tempo de aflição Foi um clima de terror Ficou no povo este medo Ficou na boca esta dor. Sem língua e sem palavra Sem verbo de ligação O Brasil perdeu a voz No fundo de um camburão. Passaram-se tantos anos E o Brasil não encontrou Aquele pedaço de língua Que a ditadura cortou. Falta soltar a garganta Falta desatar os nós O Brasil precisa de verbo O Brasil precisa de voz.
  • 93. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 93 - Marcos Samuel Costa ǀ é poeta. Nesta casa meu corpo irá morrer (Para Simone Brantes e Marli Dias) Moro ainda na mesma casa este corpo triste hoje sem cerca elétrica cãos bravios e chuvas ácidas Moro ainda na mesma casa este corpo ansioso magoado e depressivo ninhos de pássaros e pedras de serpentes corpo pichação Moro ainda na mesma casa este corpo a luz de vela e mar vazio Solidão e lembranças dolorosas amores impossíveis e fragilidades nesta casa de aranhas e pêssegos cortinas lilás e tapetes vermelhos frutas deliciosas Quero mudar de casa e transportar a dor nos olhares dos transeuntes o caminhão da mudanças já estar na porta carregam minhas coisas - uma mesa com pernas quebradas cadeiras velhas e gatos sem fome. Nessa nova casa será tudo diferente
  • 94. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 94 - terá um casamento arranjado status família e glória. Nesta casa meu corpo irá morrer. Carta sem força ou outro início Deitamos no quarto dele. Eu na cama e ele na rede. Uma sede me acorda. Já era o horário combinado. Lhe acordava no tempo certo. Quase limiar. Certo. Hora certa. O rádio trazia uma notícia: um metalúrgico que chegou a presidência, hoje entra para a história, é liberto. Entro para o banho. No galho da embaubeira um bicho preguiça subiu rumando os céus. Ele me chamou para olhar. Do quintal, meus pés descalços. Sem sandálias. Nossos pés primitivos e punidos. Sua mãe nos olha. Eu quero olhar para ela também. Ele entra para o banho depois de mim. Um beijo dele veio até minha boca. - amor - és primeira vez em tudo Calamos a cortina vespertina azul. Abrimos os portões e pensamos em Deus. Caminhamos com bastante noite, chegamos já madrugada. Observamos com coragem. Ele me toma pelas mãos. Na hora certa erramos. Esquecemos a carteira e voltamos. Rumos mudados. Seguimos a pé. Os pés calçados. Minha sandália o deixou com vergonha. Sou sem estilo, brilho e beleza. Sou o homem mais feio.
  • 95. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 95 - Airton Souza ǀ É poeta e professor. Publicou mais de 32 livros e participa de mais de 80 antologias. Possui poemas traduzidos para o Alemão, o espanhol e o inglês. É mestrando em Literatura, pela Unifesspa, no Pará e já venceu mais de 50 prêmios literários. Bordo a carne idílica do homem porque ele no silêncio de entender grades adiava a geométrica língua cotidiana das pedras, das secas & a iminência de irrigar pássaros solitários nessa manhã de nomear uma couraça contra a premonição dos ossos. Bordo esquinas sem caridades elas fabricam as tristezas diárias de pronunciar escuros sobre o homem [ erva árida no coração da memória ]. Nessa manhã estou habitado contra o pão e a casa enquanto comungam dentro de mim um nome para a boca em chagas mas, dói a resistência de ontem quando hermeticamente rumino a verdade inútil. Agora eu sei o quanto é delicado fechar os olhos depois de contornar a solidão do Sertão [ essa limítrofe atmosfera de retesar silêncios ] onde haveríamos de ser abandono. Nessa manhã ainda estamos distantes demais do pão e do amor
  • 96. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 96 - & a chaga da palavra benevolência responde por essa fisionomia com uma linguagem de petúnias arcaicas. O essencial é inventar agora no meio do Sertão como semear: o pão, o amor e a casa só esse latifúndio nos conduzirá ao verbo antes da carne.
  • 97. 7 dias cortando as pontas dos dedos Um manifesto contra o fascismo Página | - 97 -