SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 5
Descargar para leer sin conexión
OFICINA DOS
                                BRINQUEDOS
                                              António Torrado
                                              escreveu e
                                     Cristina Malaquias ilustrou




  C omeça num sótão de uma velha casa a história que
vamos contar. De uma mala entreaberta sai uma vozinha
queixosa:
   – Está frio, hoje! A quantos estamos?
   "Talvez em Dezembro", "Parece-me que em
Novembro...", "Não sei se em Janeiro...", respondem várias
vozes estremunhadas.
   – O cuco do relógio sabe. Dêem-lhe corda que ele diz –
lembra outra voz mais esperta.
   Da mala entreaberta sai um ursinho cor de canela, mas
um pouco descorado. Espreguiça-se, volta a espreguiçar-se
e trepa custosamente a em escadote. Pendurado na parede
e parado está o relógio de cuco, que já se não usa. O que se
não usa está usado ou estragado, no sótão fica guardado.

                                              1
© APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
– Não trabalho, mas faço contas de cabeça – diz de lá o
cuco. – Se perco a conta ao tempo, nunca mais me acerto.
  – Anda lá, despacha-te, e diz-nos a quantos estamos! –
impacienta-se o ursinho de peluche.
  – Neste momento são precisamente nove horas, treze
minutos e vinte e cinco segundos... Cucu... cucu... cucu...
  – O dia, o dia! – exigem várias vozes do rés-do-chão.
  – ... do dia 24 de Dezembro de... Cucu... cucu... cucu...
  – Véspera de Natal, imaginem – e uma boneca de
cabelo emaranhado e saia traçada salta de uma gaveta a
correr.
  – Para onde vais tu com tanta pressa? – pergunta-lhe, do
cimo do escadote, o ursinho cor de canela.
  – Vou arranjar-me para a ceia. Estou atrasadíssima.
  Um palhaço amolgado aparece, a piscar os olhos, detrás
de uma velha cómoda.
  – Vai ver-te ao espelho, boneca tola! – diz-lhe ele.
  – Detesto espelhos... – e a boneca põe-se a chorar.
  De caixas, gavetas e arcas saem mais bonecos e
brinquedos. Soldadinhos de espingarda partida, cavalos
sem orelhas, macacos de algodão com o algodão à mostra,
burros de pasta ratada e até um carro de bombeiros,
equilibrado em três rodas, acorrem ao choro da boneca.
  – Há novidade? Há fogo, inundação, desastre? É preciso
ajuda? – perguntam os bombeiros uns aos outros.
  O palhaço amolgado tranquiliza-os:
  – Nada disso. É ela que não se conforma e não acredita
que já ninguém a quer. Quem precisa de uma boneca
velha?
  – Pois é. Já não prestamos para nada – comentam os
outros bonecos.

                                              2
© APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
Lentamente, esgaçados uns, esbarrigados outros,
rachados uns quantos, regressam às gavetas, arcas, sacos
e caixas... Estas conversas não adiantam. Mais vale
dormir.
   Mas o urso de peluche, que continua empoleirado no
cimo do escadote, fala para a boneca, de forma a que os
outros oiçam:
   – Estou, daqui, a ver a máquina de costura antiga. No
armário há vestidos pendurados, tão velhos como nós, mas
alguns de bom tecido. Lembrei-me de que tu podias...
   A boneca limpa as lágrimas e levanta os olhos para o
ursinho:
   – Que linda ideia! Achas que posso?
   Mais brinquedos oferecem os seus serviços.
   – De caminho, podias consertar-me a barriga – pede o
macaco de algodão. – Estou todo descosido.
   – Também me dava jeito que me pregasses as orelhas...
– lembra o cavalo de feltro.
   De novo a voz do ursinho de peluche, do cimo do
escadote:
   – Do meu mirante também vejo latas de tinta, que os
pintores, que andaram a arranjar a casa, aqui deixaram.
   – Era óptimo para nós – exclamam os soldadinhos de
chumbo. – Estamos mesmo precisados de fardas novas.
   – E nós! E nós! – ecoam os bombeiros.
   – Pregos, martelos e outras ferramentas não faltam, por
aí espalhados – grita, cada vez mais alegre, o ursinho de
peluche. – Mãos à obra, meus amigos!
   Digamos já, para encurtar a história, que aquele sótão, há
pouco triste e sonolento, se transformou numa animada
oficina de brinquedos.

                                              3
© APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
– E agora? – perguntam os bonecos, com caras novas e
vestidos floridos.
  – Agora vamos descer pela chaminé – comanda o urso.
– Já deve faltar pouco para a meia-noite. Que grande
surpresa vai ser!
  O pêlo do ursinho de peluche está eriçado de
entusiasmo.
  Na manhã seguinte:
  – Alfredo, vem ver o que está na chaminé!
  – Que é, Noémia? Caiu algum tijolo?
  – Qual quê, homem! Anda ver. Caíram bonecos e
brinquedos do telhado. Foi, com certeza, o Pai Natal.
  – O Pai Natal? Na nossa idade?
  O senhor Alfredo ficou embasbacado. Imaginem dois
amáveis velhinhos, o senhor Alfredo e a dona Noémia,
únicos habitantes daquela casa, a olharem, sem acreditar,
para as surpresas reluzentes que o Pai Natal lhes deixou na
chaminé...
  – Repara, mulher: aquela boneca não é parecida com a
que demos à nossa filha? E aquele macaco? Naturalmente,
caíram do sótão. O soalho deve ter dado de si... Vou lá
acima ver.
  – Deixa lá isso, agora! Repara que estes brinquedos
estão como novos. Parece que o tempo não passou por
eles.
  – Até é mal empregado que estejam lá em cima a
estragar-se. E se fôssemos...? – sugere o senhor Alfredo.
  – Vamos – responde a dona Noémia.
  O senhor Alfredo e a dona Noémia entendem-se por
meias palavras, mas nós, nas linhas desta história, temos de
contar as palavras todas. Saibam, pois, que graças aos dois

                                              4
© APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
simpáticos velhinhos, transformados, para o efeito, em
ajudantes de Pai Natal, os brinquedos do sótão voltaram a
conhecer as mãos macias dos meninos.


   FIM




                                              5
© APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

11 planificações do cubo
11 planificações do cubo11 planificações do cubo
11 planificações do cuboclaudiassa
 
Diagrama de carrol e de venn
Diagrama de carrol e de vennDiagrama de carrol e de venn
Diagrama de carrol e de vennHelena Borralho
 
Ficha de trabalho - grau dos adjetivos
Ficha de trabalho - grau dos adjetivosFicha de trabalho - grau dos adjetivos
Ficha de trabalho - grau dos adjetivosCentral Didática
 
Ficheiro de lingua port-histórias através de imagens
Ficheiro de lingua port-histórias através de imagensFicheiro de lingua port-histórias através de imagens
Ficheiro de lingua port-histórias através de imagensAna Paula Santos
 
Fichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º Ano
Fichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º AnoFichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º Ano
Fichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º AnoSónia Pereira
 
A maior flor do mundo ficha de trabalho
A maior flor do mundo   ficha de trabalhoA maior flor do mundo   ficha de trabalho
A maior flor do mundo ficha de trabalhorosamfsilva
 
Problemas 3º ano
Problemas 3º anoProblemas 3º ano
Problemas 3º anopamg
 
Carochinha Mat 2.º ano
Carochinha Mat 2.º anoCarochinha Mat 2.º ano
Carochinha Mat 2.º anoSousa Martins
 
Fichas Matemática Carochinha 1º ano
Fichas Matemática Carochinha 1º anoFichas Matemática Carochinha 1º ano
Fichas Matemática Carochinha 1º anoAna Picão
 
Poemaságua se8-2013
Poemaságua se8-2013Poemaságua se8-2013
Poemaságua se8-2013Luis Veiga
 
Ficha de leitura O elefante cor de rosa
Ficha de leitura O elefante cor de rosaFicha de leitura O elefante cor de rosa
Ficha de leitura O elefante cor de rosaIsabel Cristina
 
Fichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º ano
Fichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º anoFichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º ano
Fichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º anoCrescendo EAprendendo
 
Ficha de Trabalho - Corpo Humano.docx
Ficha de Trabalho - Corpo Humano.docxFicha de Trabalho - Corpo Humano.docx
Ficha de Trabalho - Corpo Humano.docxHliaMarisaPintoCarol
 
Fichas avaliação mensal 2 ano
Fichas avaliação mensal 2 ano Fichas avaliação mensal 2 ano
Fichas avaliação mensal 2 ano Sousa Martins
 
Livro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-ano
Livro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-anoLivro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-ano
Livro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-anoRosa Maria
 

La actualidad más candente (20)

11 planificações do cubo
11 planificações do cubo11 planificações do cubo
11 planificações do cubo
 
Ficha- Amigos do 10
Ficha- Amigos do 10Ficha- Amigos do 10
Ficha- Amigos do 10
 
Diagrama de carrol e de venn
Diagrama de carrol e de vennDiagrama de carrol e de venn
Diagrama de carrol e de venn
 
Magusto atividades
Magusto   atividadesMagusto   atividades
Magusto atividades
 
Ficha de trabalho - grau dos adjetivos
Ficha de trabalho - grau dos adjetivosFicha de trabalho - grau dos adjetivos
Ficha de trabalho - grau dos adjetivos
 
Ficheiro de lingua port-histórias através de imagens
Ficheiro de lingua port-histórias através de imagensFicheiro de lingua port-histórias através de imagens
Ficheiro de lingua port-histórias através de imagens
 
Fichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º Ano
Fichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º AnoFichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º Ano
Fichas de Avaliação: A Grande Aventura_Estudo do Meio 3.º Ano
 
A maior flor do mundo ficha de trabalho
A maior flor do mundo   ficha de trabalhoA maior flor do mundo   ficha de trabalho
A maior flor do mundo ficha de trabalho
 
Pe de pai
Pe de paiPe de pai
Pe de pai
 
Problemas 3º ano
Problemas 3º anoProblemas 3º ano
Problemas 3º ano
 
Carochinha Mat 2.º ano
Carochinha Mat 2.º anoCarochinha Mat 2.º ano
Carochinha Mat 2.º ano
 
Fichas Matemática Carochinha 1º ano
Fichas Matemática Carochinha 1º anoFichas Matemática Carochinha 1º ano
Fichas Matemática Carochinha 1º ano
 
Poemaságua se8-2013
Poemaságua se8-2013Poemaságua se8-2013
Poemaságua se8-2013
 
Ficha de leitura O elefante cor de rosa
Ficha de leitura O elefante cor de rosaFicha de leitura O elefante cor de rosa
Ficha de leitura O elefante cor de rosa
 
Fichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º ano
Fichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º anoFichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º ano
Fichas de avaliação mensal de estudo do meio do 2º ano
 
Ficha de Trabalho - Corpo Humano.docx
Ficha de Trabalho - Corpo Humano.docxFicha de Trabalho - Corpo Humano.docx
Ficha de Trabalho - Corpo Humano.docx
 
Casos de leitura
Casos de leituraCasos de leitura
Casos de leitura
 
Fichas avaliação mensal 2 ano
Fichas avaliação mensal 2 ano Fichas avaliação mensal 2 ano
Fichas avaliação mensal 2 ano
 
Livro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-ano
Livro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-anoLivro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-ano
Livro o mundo da carochinha-fichas-de-matematica-2º-ano
 
40 ordenar um texto
40 ordenar um texto40 ordenar um texto
40 ordenar um texto
 

Destacado

12.23 entrevista com o pai natal
12.23   entrevista com o pai natal12.23   entrevista com o pai natal
12.23 entrevista com o pai natalSílvia Bastos
 
Mini Histórias de Natal - La Violetera
Mini Histórias de Natal - La VioleteraMini Histórias de Natal - La Violetera
Mini Histórias de Natal - La VioleteraGrupo OM
 
NinguéM Dá Prendas Ao Pai Natal
NinguéM Dá Prendas Ao Pai NatalNinguéM Dá Prendas Ao Pai Natal
NinguéM Dá Prendas Ao Pai Nataldaliatrigo
 
TradiçõEs De Natal
TradiçõEs De NatalTradiçõEs De Natal
TradiçõEs De NatalAna Cunha
 
Uma prenda de natal
Uma prenda de natalUma prenda de natal
Uma prenda de natalAcilu
 
Natal das Belas Histórias - Sonhar Acordado Campinas
Natal das Belas Histórias - Sonhar Acordado CampinasNatal das Belas Histórias - Sonhar Acordado Campinas
Natal das Belas Histórias - Sonhar Acordado Campinasgrandesfestas_sonhar_cps
 
A oficina do pai natal- pdf
A oficina do pai natal- pdfA oficina do pai natal- pdf
A oficina do pai natal- pdfIsa Crowe
 
Quem da prenda ao pai natal
Quem da prenda ao pai natalQuem da prenda ao pai natal
Quem da prenda ao pai natalAna Moreira
 
Natal conto melhor-natal-de-sempre
Natal conto melhor-natal-de-sempreNatal conto melhor-natal-de-sempre
Natal conto melhor-natal-de-sempreMarisol Santos
 

Destacado (10)

12.23 entrevista com o pai natal
12.23   entrevista com o pai natal12.23   entrevista com o pai natal
12.23 entrevista com o pai natal
 
Mini Histórias de Natal - La Violetera
Mini Histórias de Natal - La VioleteraMini Histórias de Natal - La Violetera
Mini Histórias de Natal - La Violetera
 
NinguéM Dá Prendas Ao Pai Natal
NinguéM Dá Prendas Ao Pai NatalNinguéM Dá Prendas Ao Pai Natal
NinguéM Dá Prendas Ao Pai Natal
 
TradiçõEs De Natal
TradiçõEs De NatalTradiçõEs De Natal
TradiçõEs De Natal
 
Uma prenda de natal
Uma prenda de natalUma prenda de natal
Uma prenda de natal
 
Natal das Belas Histórias - Sonhar Acordado Campinas
Natal das Belas Histórias - Sonhar Acordado CampinasNatal das Belas Histórias - Sonhar Acordado Campinas
Natal das Belas Histórias - Sonhar Acordado Campinas
 
A oficina do pai natal- pdf
A oficina do pai natal- pdfA oficina do pai natal- pdf
A oficina do pai natal- pdf
 
Quem da prenda ao pai natal
Quem da prenda ao pai natalQuem da prenda ao pai natal
Quem da prenda ao pai natal
 
Natal nas asas do arco-íris
Natal nas asas do arco-írisNatal nas asas do arco-íris
Natal nas asas do arco-íris
 
Natal conto melhor-natal-de-sempre
Natal conto melhor-natal-de-sempreNatal conto melhor-natal-de-sempre
Natal conto melhor-natal-de-sempre
 

Similar a 12.24 oficina dos brinquedos

Similar a 12.24 oficina dos brinquedos (20)

O_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdf
O_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdfO_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdf
O_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdf
 
O_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdf
O_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdfO_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdf
O_Picapau_Amarelo_-_Monteiro_Lobato.pdf
 
Espanta pardais
Espanta pardaisEspanta pardais
Espanta pardais
 
A chave do_tamanho_de_monteiro_lobato
A chave do_tamanho_de_monteiro_lobatoA chave do_tamanho_de_monteiro_lobato
A chave do_tamanho_de_monteiro_lobato
 
Aritmetica da Emilia - Monteiro Lobato.pdf
Aritmetica da Emilia - Monteiro Lobato.pdfAritmetica da Emilia - Monteiro Lobato.pdf
Aritmetica da Emilia - Monteiro Lobato.pdf
 
O natal das bruxas
O natal das bruxasO natal das bruxas
O natal das bruxas
 
Casos do romualdo
Casos do romualdoCasos do romualdo
Casos do romualdo
 
Uma Estrela Atrás Da Porta
Uma Estrela Atrás Da PortaUma Estrela Atrás Da Porta
Uma Estrela Atrás Da Porta
 
Simulado de português 5º ano agosto 2017
Simulado de português   5º ano agosto 2017Simulado de português   5º ano agosto 2017
Simulado de português 5º ano agosto 2017
 
Ideias do canario
Ideias do canarioIdeias do canario
Ideias do canario
 
Racismo
Racismo Racismo
Racismo
 
As aventuras-de-pinoquio (2)
As aventuras-de-pinoquio (2)As aventuras-de-pinoquio (2)
As aventuras-de-pinoquio (2)
 
Zeli pausa
Zeli pausaZeli pausa
Zeli pausa
 
A Moreninha
A MoreninhaA Moreninha
A Moreninha
 
Artur azevedo o califa da rua sabão
Artur azevedo   o califa da rua sabãoArtur azevedo   o califa da rua sabão
Artur azevedo o califa da rua sabão
 
Mundo fabuloso
Mundo fabulosoMundo fabuloso
Mundo fabuloso
 
Histórias de Janeiro
Histórias de JaneiroHistórias de Janeiro
Histórias de Janeiro
 
Mf Tempo
Mf TempoMf Tempo
Mf Tempo
 
A moreninha
A moreninhaA moreninha
A moreninha
 
Pausa - Moacyr Scliar
Pausa  - Moacyr ScliarPausa  - Moacyr Scliar
Pausa - Moacyr Scliar
 

Más de Sílvia Bastos (20)

Pinta os teus direitos
Pinta os teus direitosPinta os teus direitos
Pinta os teus direitos
 
BE AAL
BE AALBE AAL
BE AAL
 
Cartaz feira do livro 2014
Cartaz feira do livro 2014Cartaz feira do livro 2014
Cartaz feira do livro 2014
 
D. inês e d. pedro
D. inês e d. pedroD. inês e d. pedro
D. inês e d. pedro
 
D. inês e d. pedro
D. inês e d. pedroD. inês e d. pedro
D. inês e d. pedro
 
Camões
CamõesCamões
Camões
 
Camões
CamõesCamões
Camões
 
História de Portugal
História de PortugalHistória de Portugal
História de Portugal
 
História de Portugal
História de PortugalHistória de Portugal
História de Portugal
 
Bolo rei Antonio Torrado
Bolo rei Antonio TorradoBolo rei Antonio Torrado
Bolo rei Antonio Torrado
 
Livros do outono
Livros do outonoLivros do outono
Livros do outono
 
A mosca fosca compor
A mosca fosca comporA mosca fosca compor
A mosca fosca compor
 
Segredo do rio
Segredo do rioSegredo do rio
Segredo do rio
 
Ppt
PptPpt
Ppt
 
O velho, o rapaz e o burro expresso
O velho, o rapaz e o burro expressoO velho, o rapaz e o burro expresso
O velho, o rapaz e o burro expresso
 
Lagartinha comilona.pps
Lagartinha comilona.ppsLagartinha comilona.pps
Lagartinha comilona.pps
 
10 numa cama
10 numa cama10 numa cama
10 numa cama
 
Saturno
SaturnoSaturno
Saturno
 
Vénus
VénusVénus
Vénus
 
Terra
TerraTerra
Terra
 

12.24 oficina dos brinquedos

  • 1. OFICINA DOS BRINQUEDOS António Torrado escreveu e Cristina Malaquias ilustrou C omeça num sótão de uma velha casa a história que vamos contar. De uma mala entreaberta sai uma vozinha queixosa: – Está frio, hoje! A quantos estamos? "Talvez em Dezembro", "Parece-me que em Novembro...", "Não sei se em Janeiro...", respondem várias vozes estremunhadas. – O cuco do relógio sabe. Dêem-lhe corda que ele diz – lembra outra voz mais esperta. Da mala entreaberta sai um ursinho cor de canela, mas um pouco descorado. Espreguiça-se, volta a espreguiçar-se e trepa custosamente a em escadote. Pendurado na parede e parado está o relógio de cuco, que já se não usa. O que se não usa está usado ou estragado, no sótão fica guardado. 1 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
  • 2. – Não trabalho, mas faço contas de cabeça – diz de lá o cuco. – Se perco a conta ao tempo, nunca mais me acerto. – Anda lá, despacha-te, e diz-nos a quantos estamos! – impacienta-se o ursinho de peluche. – Neste momento são precisamente nove horas, treze minutos e vinte e cinco segundos... Cucu... cucu... cucu... – O dia, o dia! – exigem várias vozes do rés-do-chão. – ... do dia 24 de Dezembro de... Cucu... cucu... cucu... – Véspera de Natal, imaginem – e uma boneca de cabelo emaranhado e saia traçada salta de uma gaveta a correr. – Para onde vais tu com tanta pressa? – pergunta-lhe, do cimo do escadote, o ursinho cor de canela. – Vou arranjar-me para a ceia. Estou atrasadíssima. Um palhaço amolgado aparece, a piscar os olhos, detrás de uma velha cómoda. – Vai ver-te ao espelho, boneca tola! – diz-lhe ele. – Detesto espelhos... – e a boneca põe-se a chorar. De caixas, gavetas e arcas saem mais bonecos e brinquedos. Soldadinhos de espingarda partida, cavalos sem orelhas, macacos de algodão com o algodão à mostra, burros de pasta ratada e até um carro de bombeiros, equilibrado em três rodas, acorrem ao choro da boneca. – Há novidade? Há fogo, inundação, desastre? É preciso ajuda? – perguntam os bombeiros uns aos outros. O palhaço amolgado tranquiliza-os: – Nada disso. É ela que não se conforma e não acredita que já ninguém a quer. Quem precisa de uma boneca velha? – Pois é. Já não prestamos para nada – comentam os outros bonecos. 2 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
  • 3. Lentamente, esgaçados uns, esbarrigados outros, rachados uns quantos, regressam às gavetas, arcas, sacos e caixas... Estas conversas não adiantam. Mais vale dormir. Mas o urso de peluche, que continua empoleirado no cimo do escadote, fala para a boneca, de forma a que os outros oiçam: – Estou, daqui, a ver a máquina de costura antiga. No armário há vestidos pendurados, tão velhos como nós, mas alguns de bom tecido. Lembrei-me de que tu podias... A boneca limpa as lágrimas e levanta os olhos para o ursinho: – Que linda ideia! Achas que posso? Mais brinquedos oferecem os seus serviços. – De caminho, podias consertar-me a barriga – pede o macaco de algodão. – Estou todo descosido. – Também me dava jeito que me pregasses as orelhas... – lembra o cavalo de feltro. De novo a voz do ursinho de peluche, do cimo do escadote: – Do meu mirante também vejo latas de tinta, que os pintores, que andaram a arranjar a casa, aqui deixaram. – Era óptimo para nós – exclamam os soldadinhos de chumbo. – Estamos mesmo precisados de fardas novas. – E nós! E nós! – ecoam os bombeiros. – Pregos, martelos e outras ferramentas não faltam, por aí espalhados – grita, cada vez mais alegre, o ursinho de peluche. – Mãos à obra, meus amigos! Digamos já, para encurtar a história, que aquele sótão, há pouco triste e sonolento, se transformou numa animada oficina de brinquedos. 3 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
  • 4. – E agora? – perguntam os bonecos, com caras novas e vestidos floridos. – Agora vamos descer pela chaminé – comanda o urso. – Já deve faltar pouco para a meia-noite. Que grande surpresa vai ser! O pêlo do ursinho de peluche está eriçado de entusiasmo. Na manhã seguinte: – Alfredo, vem ver o que está na chaminé! – Que é, Noémia? Caiu algum tijolo? – Qual quê, homem! Anda ver. Caíram bonecos e brinquedos do telhado. Foi, com certeza, o Pai Natal. – O Pai Natal? Na nossa idade? O senhor Alfredo ficou embasbacado. Imaginem dois amáveis velhinhos, o senhor Alfredo e a dona Noémia, únicos habitantes daquela casa, a olharem, sem acreditar, para as surpresas reluzentes que o Pai Natal lhes deixou na chaminé... – Repara, mulher: aquela boneca não é parecida com a que demos à nossa filha? E aquele macaco? Naturalmente, caíram do sótão. O soalho deve ter dado de si... Vou lá acima ver. – Deixa lá isso, agora! Repara que estes brinquedos estão como novos. Parece que o tempo não passou por eles. – Até é mal empregado que estejam lá em cima a estragar-se. E se fôssemos...? – sugere o senhor Alfredo. – Vamos – responde a dona Noémia. O senhor Alfredo e a dona Noémia entendem-se por meias palavras, mas nós, nas linhas desta história, temos de contar as palavras todas. Saibam, pois, que graças aos dois 4 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
  • 5. simpáticos velhinhos, transformados, para o efeito, em ajudantes de Pai Natal, os brinquedos do sótão voltaram a conhecer as mãos macias dos meninos. FIM 5 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros