Este documento estabelece os procedimentos para o seguimento de grávidas com diabetes gestacional ou diabetes pré-existente. Recomenda rastreios para diabetes gestacional, testes de tolerância à glicose oral para diagnóstico, e a criação de consultas hospitalares multidisciplinares para o acompanhamento destas grávidas de alto risco.
1. Ministério da Saúde
Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa
Assunto: Diabetes e Gravidez Nº: 8/DGCG
DATA: 4/11/98
Para: Serviços Oficiais Prestadores de Cuidados de Saúde
Contacto na DGS: Divisão de Doenças Genéticas, Crónicas e Geriátricas – J. Alexandre Diniz
Divisão de Saúde Materna, Infantil e dos Adolescentes– Beatriz Calado
I – NORMA
A Direcção-Geral da Saúde, no uso das suas competências técnico-
normativas, estabelece, através desta Circular, os procedimentos que devem
ser adoptados pelos estabelecimentos oficiais de prestação de cuidados de
saúde, de forma a ser operacionalizado, a nível nacional, o consignado no
Programa de Controlo da Diabetes Mellitus 1, no que se refere ao seguimento
da Grávida com Diabetes Gestacional e da Diabética Grávida, tendo em conta
que
a Consulta Hospitalar de Alto Risco Obstétrico para a
Diabetes deve ter carácter multidisciplinar e destinar-se ao
atendimento de grávidas com Diabetes Gestacional e
Diabéticas Grávidas, desenvolvendo-se, respectivamente,
nos Hospitais de Apoio Perinatal e nos Hospitais de Apoio
Perinatal Diferenciado.
A Diabetes Gestacional define-se como uma intolerância aos hidratos de
carbono, de grau variável, que é diagnosticada, pela primeira vez, durante a
gravidez, podendo complicar o desenvolvimento do feto e indiciando o
possível aparecimento de futura diabetes. É geralmente transitória,
desaparecendo com o fim da gestação. No entanto, a sua reclassificação
após o parto é obrigatória.
1
Cf. Programa de Controlo da Diabetes Mellitus, (Lisboa: Direcção-Geral da Saúde 1995) 8,9
2. 1. Rastreio
Deve realizar-se, em todas as grávidas, entre as 24 e 28 semanas de
gravidez.
Deve efectuar-se no primeiro trimestre de gravidez, após uma glicemia em
jejum, sempre que a grávida apresente os seguintes factores de risco:
♦idade ≥ a 35 anos;
♦obesidade, com Índice de Massa Corporal ≥ a 30;
♦multiparidade ≥ a quatro partos;
♦dois ou mais abortos espontâneos;
♦nados mortos, ou morte perinatal, sem causa definida;
♦macrossomia fetal, com peso ≥ a 4 Kg.;
♦diabetes gestacional em gravidez anterior.
O rastreio deve efectuar-se com sobrecarga de 50 g de glicose, diluída em 2
dl de água e a glicemia medida uma hora depois, independentemente da
grávida estar ou não em jejum. A prova é positiva se o valor for igual ou
superior a 140 mg. Neste caso, deve ser feita Prova de Tolerância à Glicose
Oral (PTGO).
Não se deve efectuar o rastreio quando a glicemia plasmática em jejum for
igual ou superior a 140 mg (7,8 mmol/l), ou superior a 200 mg (11,1 mmol/l)
em qualquer hora, porque, neste caso, a grávida já se classifica como
diabética.
2. Prova de Tolerância Glicose Oral - PTGO
A PTGO deve efectuar-se com sobrecarga de 100 g de glicose, diluída em 4
dl de água e após três dias de dieta sem restrição hidrocarbonada, com
abstenção de tabaco e repouso durante a prova, com colheitas aos 0, 60,
120 e 180 minutos, tendo em conta os seguintes critérios de diagnóstico
(Carpenter e Coustan)2:
Hora Glicemia Plasmática (mg / dl) Glicemia Plasmática (mmol / l)
0 ≥95 5,3
1 ≥180 10,0
2 ≥155 8,6
2
Cf. Proceedings of the Fourth International Workshop-Conference on Gestational Diabetes
Mellitus, Diabetes Care, 21, 2, Agosto 1998
2
3. 3 ≥140 7,8
A prova é positiva quando, pelo menos, dois ou mais valores são iguais ou
superiores aos acima referidos.
Quando a PTGO for positiva, o Médico de Família deve referenciar a grávida,
de imediato, a uma Consulta Hospitalar de Alto Risco Obstétrico, num
Hospital de Apoio Perinatal.
Quando a PTGO for negativa, com rastreio positivo, no início da gravidez,
deve ser repetida às 24-28 semanas.
Quando a PTGO for negativa, com rastreio positivo, às 24-28 semanas, deve
ser repetida às 32 semanas.
3. Controlo e Reclassificação
Todas as grávidas a quem foi diagnosticada uma Diabetes Gestacional
devem ser submetidas a uma PTGO, com sobrecarga de 75 g de glicose,
seis a oito semanas após o parto, com determinação de glicemia em jejum e
duas horas após o início da prova. Se a prova estiver alterada, estas grávidas
serão classificadas, de acordo com os critérios da Organização Mundial de
Saúde, como sendo possuidoras de Diabetes Mellitus ou de Diminuição da
Tolerância à Glicose.
Todas as grávidas que tiveram uma Diabetes Gestacional prévia e que
apresentem uma PTGO com valores normais após o parto, devem ser
vigiadas regularmente e fazerem, anualmente, determinações da glicemia em
jejum, uma vez que possuem um risco aumentado para desenvolverem
Diabetes Mellitus.
4. Cuidados Préconcepcionais
Todas as mulheres em idade fértil devem ser informadas da necessidade de
programação da gravidez, o que implica uma contracepção eficaz.
As mulheres que tiveram uma Diabetes Gestacional devem ser informadas
da necessidade de programação da próxima gravidez e deve-lhes ser
aconselhada uma anticoncepção eficaz, a avaliar caso a caso, de acordo
com a idade e a sua situação metabólica.
A diabética deve estar consciente dos graves riscos de engravidar sem a
devida preparação prévia. Por esta razão, as mulheres diabéticas que
desejem engravidar devem ser obrigatoriamente referenciadas à Consulta
de Alto Risco Obstétrico para a Diabetes, num Hospital de Apoio Perinatal
Diferenciado, para avaliação e programação, preferencialmente seis meses
antes da data desejada da concepção.
3
4. 5. Organização
A Consulta Hospitalar de Alto Risco Obstétrico para seguimento da
Diabetes Gestacional, num Hospital de Apoio Perinatal, deve contar com a
presença simultânea de Obstetra e de Endocrinologista / Internista com treino
em diabetologia e apoio de Dietista / Nutricionista e Enfermeiro especialista
em obstetrícia com treino em diabetologia.
Se não forem detectadas complicações maternas ou fetais, a grávida com
Diabetes Gestacional deve continuar a ser seguida nesta consulta, num
Hospital de Apoio Perinatal, onde serão instituídas as adequadas
terapêuticas nutricional, educacional e, se necessário, insulínica. O parto
deverá ocorrer neste Hospital, o qual será responsável pela reclassificação
metabólica seis semanas após o parto.
Nos casos em que surjam dificuldades de controlo metabólico, ou se
detectem complicações maternas ou fetais, a grávida com Diabetes
Gestacional deve ser referenciada para uma Consulta de Alto Risco
Obstétrico para a Diabetes, num Hospital de Apoio Perinatal Diferenciado,
destinada à grávida com Diabetes Prévia, onde deverá ser seguida até ao
final da gravidez e onde deverá ocorrer o parto e ser feita a reclassificação
metabólica seis semanas após o parto.
As Consultas de Alto Risco Obstétrico, acima referidas, quer ocorram num
Hospital de Apoio Perinatal, ou num Hospital de Apoio Perinatal
Diferenciado, devem efectivar-se no período máximo de oito dias após a
referenciação, sem prejuízo de atendimento urgente quando a situação clínica
o justificar.
6. Recursos
Para o funcionamento das consultas acima referidas devem considerar-se,
nos Hospitais de Apoio Perinatal e Perinatal Diferenciado, para além dos
recursos necessários ao acompanhamento do parto e recém-nascido, os
seguintes recursos3:
Indispensáveis
• Obstetra
• Endocrinologista / Internista com treino em diabetologia
• Dietista / Nutricionista
3
Cf. Cuidados de Saúde Materna e Neonatal, (Lisboa: Comissão Nacional de Saúde Materna
e Infantil, 1989)
4
5. • Enfermeira especializada em obstetrícia com treino em
diabetologia
Desejáveis
• Psicólogo
• Assistente Social
7. Avaliação
A avaliação será realizada tendo em atenção o Despacho 2995/98 (II Série)
da Senhora Ministra da Saúde e através dos seguintes indicadores e
fórmulas de avaliação:
Mulheres identif. com Diabetes Gestacional seguidas em Cons. Hosp. de Alto Risco Obst.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----X 100
Mulheres identificadas com Diabetes Gestacional
Diabéticas Grávidas identificadas seguidas em Cons. Hosp. de Alto Risco Obst.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----X 100
Diabéticas Grávidas identificadas
II – FUNDAMENTAÇÃO
A Diabetes Mellitus é um grave problema de saúde de todas as faixas etárias
e de todos os países, sendo uma das mais graves e prevalentes doenças
crónicas em expansão no mundo ocidental, que afecta uma percentagem
importante da população portuguesa, com um significativo impacto negativo
na qualidade de vida do diabético e da sua família.
Portugal, como país subscritor da Declaração de St. Vincent, decidiu
proceder à operacionalização e gestão integrada do Programa de Controlo
da Diabetes Mellitus, investindo, a nível nacional, na prevenção, identificação
e tratamento das complicações causadas pela Diabetes Mellitus, de forma a
ser atingido o objectivo geral de obtenção de ganhos em saúde, consignado
no documento ministerial “Saúde em Portugal – Uma Estratégia para o virar
do Século – 1998 – 2002”.
A educação do diabético sobre a sua doença e formas de a controlar,
constitui um dos principais objectivos terapêuticos para combate da Diabetes
5
6. Mellitus, o qual foi reconhecido, pela Declaração de St. Vincent, como um
direito do diabético.
Para além da importância que a educação para a saúde assume no controlo
da Diabetes Mellitus, a promoção de hábitos e estilos de vida saudáveis
constitui o principal factor de prevenção do aparecimento de novos casos de
doença na população em geral, ou em indivíduos com risco acrescido de a
virem a contraír.
Se a educação terapêutica é a base do tratamento da Diabetes Mellitus, um
bom controlo metabólico é de importância fundamental na prevenção das
complicações causadas por esta doença e na influência que exerce sobre a
qualidade de vida dos diabéticos.
Nestes termos e como complemento do processo de gestão integrada da
Diabetes Mellitus e dando resposta ao cumprimento dos objectivos de St.
Vincent, deverão ser desenvolvidas, a nível nacional, as Consultas
Hospitalares de Alto Risco Obstétrico para a Diabetes, nos Hospitais de
Apoio Perinatal e Apoio Perinatal Diferenciado, num esforço de melhoria de
qualidade no seguimento da Grávida Diabética ou com Diabetes
Gestacional, de forma a aproximar o seu grau de risco, e o dos seus filhos,
ao da mulher não diabética.
O Director-Geral da Saúde
Prof. Doutor Constantino T. Sakellarides
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