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HUBERTO ROHDEN

ÍDOLOS
OU IDEAL?
PENSAMENTO AVULSO SOBRE DEUS, O HOMEM E O UNIVERSO

UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.
Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a
transição de uma existência para outra existência.
O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.
Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer
convenções acadêmicas.
ÍDOLOS OU IDEAL?

O título e o conteúdo deste livro nos colocam diante de um impasse existencial.
Iremos adorar ídolos ou iremos viver um Ideal? Cada um de nós, num
determinado momento de nossas vidas, chega a essa filosófica pergunta. E a
resposta e vivência dessa pergunta determinará a qualidade e a finalidade de
nossa existência.
Devemos aprender com a sabedoria milenar dos tempos: Somos livres para
semear, mas somos obrigados a colher aquilo que semeamos. A escolha é da
responsabilidade de cada um. Essa é a inexorável lei cósmica que rege a
harmonia do Universo.
A mensagem deste livro nos ajuda a fazer a escolha melhor. Gradativa e
didaticamente, Rohden vai nos mostrando, através de pensamentos sobre
Deus, o homem, o universo, a vida, o verdadeiro caminho existencial que todo
o ser humano pode e deve percorrer na sua evolução.
O livro oferece a vantagem de não exigir uma leitura contínua e concentrada.
Num minuto podemos “pegar” um fragmento, uma metáfora, um aforismo e lêlo isoladamente até à assimilação inconsciente, para que fique fermentando e
programando nosso agir cotidiano. Esses fragmentos condicionadores de atos
e atitudes positivas e de “correto agir” são de grande valia para atingirmos
nossa grandeza humana e espiritual.
Intuitivamente Rohden começa nos ensinando a importância de “Fechar o
Circuito”. Diz ele: “Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a
usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja
interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o
misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta.
Assim, se alguém só quer receber e não quer dar, devolvendo à usina divina o
que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e
calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que
de Deus recebeu. „De graça dai o que de graça recebestes‟.
Onde não há efluxo de bens na horizontal, não pode haver influxo na vertical:
homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. A falta de
fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia moral.”
O supremo ideal do homem deve ser sua própria auto-realização.
PRELIMINARES

Sou carpinteiro, nas horas vagas. Depois de terminado algum trabalho maior,
fica o soalho da carpintaria cheio de pedaços e pedacinhos de madeira, tábuas
e sarrafos de diversos tamanhos e feitios. Em vez de jogar fora ou usar como
lenha essas sobras, reúno as melhores e delas faço algum objeto útil ou de
simples enfeite: uma casinha para as corruíras fazerem ninho, uma cadeirinha
ou mesinha para crianças, uma casinha de bonecas, ou algum vaso para
flores.
Durante quase meio século escrevi e publiquei umas dezenas de livros, sobre
filosofia universal, filosofia do Evangelho, assuntos de religião, biografias e
divulgação científica; mas os meus livros não-publicados são mais numerosos
que os que andam nas mãos dos leitores: e mais numerosos ainda são os
cadernos de pensamentos vários, impressões de fora e experiências de dentro
– um mundo de coisas heterogêneas, fragmentos de todas as espécies.
Ora, em vez de deixar às traças, ou à arbitrariedade dos pósteros, esses
fragmentos da minha carpintaria literária, resolvi reunir algumas dessas idéias
avulsas e dispersas, na esperança de que, talvez, algum leitor se encontre a si
mesmo nesses ecos multiformes e multicores da minha alma.
Não procure, portanto, o leitor unidade ou sequência lógica entre os capítulos
de um livro que não tem pretensão alguma de ser um todo homogêneo ou
logicamente concatenado. Abra este volume em qualquer página e leia o que
lhe cair sob os olhos. Verá que, não raro, necessita precisamente daquilo, para
seu alimento interior, o que casualmente encontra.
De resto, nessa febricitante lufa-lufa da civilização moderna, sobretudo nas
grandes metrópoles, poucos leitores têm paciência e lazer para estudar um
volume que desenvolva coerentemente uma determinada idéia; muitos
preferem um bric-a-brac de assuntos que possam ler em cinco ou dez minutos.
Pois bem, neste volume de “fragmentos” – e, se Deus quiser, em mais alguns
volumes futuros – encontrará o leitor o desejado alimento em bocados de fácil
e rápida ingestão.
***
Não me é possível precisar até onde vai a minha paternidade literária no
tocante a muitos dos pensamentos deste volume. Quem passa pelo mundo de
olhos abertos e espírito alerta; quem passou longos anos fora da terra natal;
quem entrou em contato mental e espiritual com numerosos pensadores e leu
grande número de livros, em diversas línguas – não está em condições de
discriminar, no fim, qual a porcentagem de idéias próprias e quais as de origem
alheia. Em certo sentido, todos os nossos pensamentos são alheios, embora,
em outro sentido, sejam nossos, uma vez que cada pensamento pensado por
outrem, e repensado por nós, assume o colorido do nosso ego personal – e,
assim, o filho adotivo passa a ser filho próprio. Servindo-nos da terminologia
aristotélica, diríamos que, embora a matéria das nossas idéias seja de todos, a
forma é nossa, e, sendo aquela o elemento determinável, e esta o fator
determinante, todos os pensamentos que mergulharam nas profundezas da
experiência pessoal são mais daquele que lhes deu forma determinante do que
daqueles que forneceram apenas a matéria determinável.
Apagam-se cada vez mais as fronteiras materiais dos povos, nessa idade dos
aviões a jato – e diluem-se cada vez mais as fronteiras mentais, nesse avanço
da cultura universal.
O leitor que possua suficiente fidelidade a si mesmo não se deixará influenciar
por pensamentos alheios ao ponto de perder essa auto-fidelidade, deixando de
ser o que é para se tornar o que não é; assimilará o que for assimilável e
rejeitará o inassimilável. Diariamente, ingerimos determinados alimentos e até
hoje ninguém virou batata, arroz, feijão, pão, manteiga, ou outro manjar que
tenha ingerido milhares de vezes, porque o organismo, quando normal e
vigoroso, é fiel a si mesmo, transformando em si o objeto, sem se deixar
transformar pelo objeto.
Faça o leitor o mesmo com estes “fragmentos” – assimile o que corresponder
ao estado da sua evolução interna – e deixe de parte o resto.
FECHAR O CIRCUITO!
Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não
acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver
luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito
completo, ida e volta.
Assim, se alguém só quer receber, e não quer dar, devolvendo à usina divina o
que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e
calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que
de Deus recebeu; porquanto, “o que fizerdes a um desses meus irmãos mais
pequeninos, a mim é que o fazeis”.

O SEGURO MORREU DE VELHO
Todo homem “seguro” – que muito segura o que tem e não o partilha com
ninguém – morre de “velho”, dia a dia, embora pareça moço; porque egoísmo é
velhice moral, decrepitude senil.
“De graça dai o que de graça recebestes!” (Jesus.)
“Temos em nossas mãos bens demasiados.” (Emerson.)
Onde não há efluxo de bens na horizontal, lá não pode haver influxo na vertical:
o homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. E falta de
fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia, arteriosclerose moral.

SEGURO DE VIDA
Sim – mas da vida dos outros. Eu não posso fazer um seguro de vida pessoal
sem fazer um seguro de vida universal. Quem quiser salvar-se individualmente,
talvez que entre no céu – mas esse céu é povoado de refinados egoístas como
ele, que quiseram salvar-se sem os outros, ou à custa dos outros. Todos eles
estão num céu infernal. Prefiro estar num inferno celestial...
Não posso ser feliz no meu céu enquanto um único ser humano for infeliz no
seu inferno e não tenha a possibilidade de entrar no céu da felicidade. Detesto
esse céu! Quero sair dele! Prefiro sofrer no inferno com o grosso da
humanidade a gozar nesse céu com uma elite de refinados egoístas.
Onde eu possa fazer bem a meus semelhantes, mesmo entre sofrimentos, ali é
o meu céu.

DEUS EM TI
“Despoja-te de toda e qualquer cobiça! O que, depois disto, sobrar de ti, isto é
Deus” (Meister Eckhardt). A soma total das tuas cobiças, físicas e mentais, não
são o teu verdadeiro Eu – são apenas a tua máscara ou a tua “persona”*.
Esse pseudo-Eu da personalidade humana revela-se, precipuamente, de dois
modos: pelo instinto de conservação e pelo instinto de propagação, ou seja,
pelo egoísmo individual e pelo egoísmo sexual.
Deus no homem chama-se a alma, o Emanuel, o Cristo interno, o Espírito
santo que habita no templo do corpo.
* A palavra latina “persona” (pessoa) quer dizer “máscara”. “Persona”, composto de “per”
(através) e “sonare” (soar, falar), era, entre os romanos aquela máscara de boca aberta através
da qual os atores do palco falavam. Desempenhar a “persona” ou máscara do rei, do vilão, do
mendigo, equivalia à nossa expressão hodierna “desempenhar o papel” de...
A pessoa ou personalidade do homem não é, pois, o seu verdadeiro Eu, senão apenas um
invólucro, uma máscara fictícia e temporária da sua verdadeira individualidade humana. O seu
verdadeiro Ego é sua alma.

ESPELHO OU JANELA?
O profano egoísta acha-se no meio duma sala cujas paredes são espelhos,
como no célebre museu de Grevin, de Paris; para onde quer que ele se volte,
só vê o seu Eu, sempre seu próprio Eu – isto é, o seu pseudo-Eu físico-mental
que ele erroneamente identifica com o seu verdadeiro Eu espiritual. Que
admira que esse homem fique egocêntrico?
De repente, enojado desse Eu, quebra um dos espelhos-parede e abre
caminho para o mundo objetivo! E fica livre da obsessão do seu estreito
egocentrismo. Abriu uma janela!

INTROSPECÇÃO NÃO É EGOCENTRISMO
Há quem pense que a meditação ou introspecção favoreça o egocentrismo,
obrigando o homem a girar em torno de si mesmo. É engano! A introspecção
ensina ao homem a ultrapassar o seu ego físico-mental, estreito e unilateral, e
encontrar o seu grande Ego espiritual, vasto e onilateral como o próprio Deus
de infinita amplitude. Quanto mais o homem se concentra no seu Eu espiritual,
na sua alma divina, tanto mais ele se universaliza e diviniza. A consciência
universal, porém, é o amor universal e absoluto.

CRISTO E CRISTIANISMO
Ambos nasceram no Oriente próximo, em sua forma humana – mas o
cristianismo eclesiástico é criação típica do Ocidente, que o Oriente jamais
aceitará. Se o nosso cristianismo teológico se converter no cristianismo
evangélico, também o Oriente se tornará cristão.

ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI
Stanley Jones, o grande missionário norte-americano da Índia, pediu a Gandhi
o orientasse sobre o melhor modo de fazer com que os hindus vissem no
cristianismo algo seu, e não um elemento alheio ao espírito da Índia. Ao que o
Mahatma respondeu:
1) “Antes de tudo, aconselharia aos cristãos que vivessem assim como o Cristo
viveu.
2) Que transformassem a religião em atos, sem lhe fazer violência nem a
degradar.
3) Que pusessem ênfase especial na prática do amor, porque o amor é o
centro e a alma do Cristianismo. Entendo por amor não algum sentimento
emocional, mas uma força creadora, a força do universo moral.
4) Que os cristãos estudassem com mais simpatia as religiões e culturas nãocristãs, para descobrir o que nelas-há de bom e adquirir a faculdade de se
aproximar do oriental com maior compreensão.”

FALA UM GRANDE INDIÓLOGO
Escreve o dr. Erwin Baktay, exímio conhecedor da Índia: “O dr. Stanley Jones
ousou dar o passo decisivo; concede, aberta e corajosamente, que mais
aprendeu da Índia do que pôde ensinar à Índia. Aprendeu a verdade essencial
de que a essência do cristianismo é unicamente o próprio Cristo – todo o resto
é aditamento humano, são pontos de vista e sistematizações eruditamente
excogitados, e que só em determinadas circunstâncias peculiares têm um
direito relativo à existência. A Índia nada pode ter de comum com as guerras de
religião do Ocidente, com as controvérsias teológicas e com todo o curso do
desenvolvimento do cristianismo segundo o gênio do Oeste; nada pode ter de
comum com os problemas locais relacionados com a cultura ocidental – tanto
mais, porém, tem a Índia que ver com o Cristo e seu Evangelho. Se o mundo
ocidental tinha o direito de desenvolver as correspondentes formas religiosas
segundo a sua própria concepção, consoante as circunstâncias da sua
evolução – compete à Índia pelo menos o mesmo direito de desenvolver o
cristianismo a seu modo, tanto mais que o seu profundo entusiasmo com que,
há milênios, vai em busca de Deus, e sua insaciável sede da verdade
transformaram o subsolo espiritual do indiano num humus fecundo, muito mais
propício à recepção da pureza do Evangelho do que a Europa de outrora, em
parte dominada pela cultura heleno-romana, isto é, pagã; em parte dominada
pelo barbarismo; mais propício também do que o Ocidente de hoje,
obsessionado pelo materialismo, pela ânsia do poder, e que por isto vai
definhando num caos de sistemas eruditamente excogitados.”

ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE
O Oriente trilha, por via de regra, o caminho individual do saber, isto é, da
experiência religiosa pessoal; mas isto é privilégio de uma pequena elite; as
massas são incapazes de realizar esse encontro pessoal com Deus,
contentando-se com os invólucros vazios de yoga, que para elas são meras
fórmulas sem conteúdo.
O Ocidente desenvolveu o caminho coletivo do amor, inteligível às massas, a
qualquer creatura, por mais destituída de inteligência e preparo – crianças e
analfabetos, doentes no fundo do leito ou operários nas fábricas – para todos
eles é inteligível a linguagem do amor, e, de fato, só aceitam o cristianismo
quando lhes vem na forma internacional e interconfessional do amor.
Infelizmente, o Ocidente, em geral, não deu importância ao encontro pessoal
com Deus, sem o qual todo amor social e coletivo é superficial, meramente
emocional, acabando naquilo que temos visto e estamos vendo: guerras, ódio
de classes, extermínio de raças, conflitos religiosos.
O Oriente não pode aceitar o cristianismo teológico do Ocidente, mas abraçará
com entusiasmo o cristianismo do Evangelho, porque vê no Cristo o divino
Logos, o eterno Super-Eu, a alma do homem e do universo.
Assim, a Índia jamais aceitará um Deus vingativo, como aparece na teologia
ocidental; nem a idéia de castigos eternos e a absoluta impossibilidade da
conversão; nem tampouco a doutrina do pecado original, de um pecado
cometido por outra pessoa e pelo qual eu seria responsável; nem a teologia
horripilante da redenção pelo sangue de um homem inocente injustamente
trucidado pelos pecadores.

CICLOS CÓSMICOS
Um ano mundial (aion) abrange cerca de 25.920 anos terrestres. Um mês
mundial corresponde a cerca de 2.160 anos terrestres.
Cada mês mundial inaugura na terra uma nova era, cujo fim é sempre
acompanhado de grandes tribulações e tempestades de todo gênero – expira
um inverno tormentoso para dar lugar a uma nova primavera de evolução.
O Antigo Testamento decorre sob o signo de Capricórnio, símbolo de violência.
Estamos no signo de Peixes, que começou com o nascimento de Jesus; e
vamos em breve entrar no signo de Aquário.
A era de Peixes é assinalada pela onda cósmica do amor, pelo Cristo, o
misterioso “ichthys” (peixe) das catacumbas.
A era de Aquário virá a ser o domínio da universalidade, assim como a água é
o elemento mais universal na terra, sem a qual nenhuma vida orgânica é
possível.
Os maus espíritos, que são soltos no fim de cada ciclo cósmico, não são maus
em absoluto, mas sim relativamente maus – assim como são más as
tempestades que preludiam o advento da primavera e quebram os galhos
podres e arrancam as folhas secas, a fim de preparar a grande ressurreição da
natureza.
Era da serpente rastejante – Lúcifer.
Era da serpente exaltada – Cristo individualizado em Jesus.
Era do espírito universal – Cristo cosmificado no espírito santo.

INDIVIDUAL – COLETIVO
O coletivismo só pode ser perfeito pela união de homens individualmente
perfeitos, irradiando amor desinteressado. O indivíduo só pode ter possibilidade
de ulterior evolução das suas faculdades, através de uma vida fundada num
coletivismo perfeito desse gênero. A missão da sociedade está em garantir ao
indivíduo, não só a maior segurança, mas também todos os meios necessários
para o seu aperfeiçoamento.
O maior perigo do coletivismo mal orientado está na tendência de querer
suprimir o indivíduo e coibir a livre expansão das suas faculdades e talentos.
Valores reais se perderiam deste modo, o que, cedo ou tarde, redundaria em
detrimento do Todo Social.
O Oriente possui o segredo da evolução individual, mas não conseguiu
desenvolver uma vida coletiva para as massas que lhes assegurasse um bemestar dignamente humano; e por isto milhões de seres humanos vegetam e
sofrem em condições indizivelmente tristes.
No Ocidente houve mais coletivismo, mas, devido à falta de cultura individual, o
próprio coletivismo degenerou em maldição.
Quando surgirá o homem completo, integral, o homem cósmico?
Já apareceu, mas são poucos que conseguiram trilhar o mesmo caminho.
“Eu vim para que os homens tenham a vida – e a tenham em maior
abundância.”

A RELIGIÃO DE EINSTEIN
“A minha religião – diz ele – consiste numa humilde admiração do espírito
supremo, ilimitado, que se revela nos pequenos detalhes que somos capazes
de perceber com a nossa mente débil e fraca: – a presença de um Poder
Racional superior, revelado no universo incompreensível – é o que é a minha
idéia de Deus.”

O COSMOS É INDIVISÍVEL
Escreve o grande cientista contemporâneo, Dr. Gustavo Stromberg: “Temos
razões para crer que todos os atributos do cosmos sejam interrelacionados e
formem um Todo unificado. O cosmos em si mesmo é um e indivisível; e é
devido a uma peculiaridade da nossa mente e do nosso sistema nervoso que o
apreendemos na forma de categorias (quer dizer: fenômenos concretos).
Matéria, vida e consciência têm as suas raízes num mundo além de tempo e
espaço.”

CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO
Escreve Lincoln Barrett, na obra The Universe of Dr. Einstein: “Permanece o
mistério fundamental. Toda essa marcha da ciência rumo à unificação dos
conceitos – a redução da matéria a elementos, a uns poucos tipos de
partículas, a redução das forças ao simples conceito de energia – tudo isto
continua ainda a locar-nos ao Desconhecido.”

HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES
GÊNIOS RELIGIOSOS
Escreve o filósofo Erich Fromm, em seu livro Psychoanalysis and Religion:
“Quando tentamos dar um quadro da atitude humana que serve de substrutura
ao pensamento de Lao-Tse, de Buda, dos Profetas, de Sócrates, de Jesus, de
Spinoza e dos filósofos do Esclarecimento, fere-nos a atenção o fato de que,
não obstante notáveis diferenças, existe um centro de idéias e normas comuns
em todos esses ensinamentos. Sem pretendermos apresentar uma formulação
completa e precisa, passaremos a descrever, aproximadamente, esse centro
comum:
1) deve o homem esforçar-se para atingir a verdade, e o homem só pode ser
plenamente humano na proporção que realizar essa sua missão;
2) deve o homem ser independente e livre, um fim em si mesmo, e não um
meio para os propósitos de quem quer que seja;
3) deve estabelecer entre si e seus semelhantes uma relação de amor; se lhe
faltar o amor, não passará de um invólucro vaio (empty shell), mesmo que
possuísse todo o poder, todas as riquezas e toda a inteligência;
4) deve conhecer a diferença entre o bem e o mal, e deve aprender a ouvir a
voz da consciência e tornar-se capaz de segui-Ia.”

O PERIGO DE NÃO FAZER NADA
“Entre as grandes coisas que não podemos fazer, e as pequenas coisas que
não queremos fazer, existe o perigo de não fazermos coisa alguma.” (Adolphe
Monod.)

PALAVRAS FORTES – CAUSA FRACA
“Palavras fortes e amargas indicam, geralmente, uma causa fraca.” (Victor
Hugo.)
O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO
“Quando duas pessoas fazem a mesma coisa, a coisa não é a mesma.”
(Publius Syrus.)

ALTO – MAS NÃO DEMAIS
“Ascende acima das restrições e das convenções do mundo – mas não tão alto
que as percas de vista!” (Richard Garnett.)

CRIMES E VÍCIOS
“Crimes, quase sempre nos chocam demais – vícios, quase sempre, nos
chocam de menos.” (C. Hare.)

EXCESSIVAMENTE CLARO
Dizem uns: O homem de hoje paga os seus débitos de ontem.
Opinam outros: O homem de hoje paga os débitos do pai comum da
humanidade.
Acham outros: O homem de hoje não paga débito algum, mas nasceu
simplesmente nesse estado inferior.
Essas três teorias, sobretudo a primeira e a segunda, são demasiadamente
simples e claras, para serem aceitáveis. Coisa que a inteligência possa
facilmente compreender e que não deixe margem para dúvidas e obscuridades,
é suspeita de estar aquém da verdade integral. As grandes verdades são
certas, intuitivamente, mas não analisáveis, intelectualmente. Podemos intuíIas com a razão espiritual, mas não inteligi-Ias com a mente.
Felizmente, nem é necessária essa análise intelectual. Muito mais importante
do que esquadrinhar o donde e o porquê do sofrimento é saber o para quê do
mesmo e o como da atitude a assumir em face dele, para que promova a nossa
evolução rumo às alturas.

A VOZ DA INTUIÇÃO
Um senso íntimo e indefinível me diz:
1) que não fui o que sou, e que posso vir a ser mais do que sou;
2) que aquilo que posso vir a ser depende de uma integração no Todo, de um
serviço prestado ao Universo, ao Todo, a Deus;
3) que todo isolamento ou separatismo é pernicioso, mau, pecador, infeliz;
4) que a integração no grande Todo é feito pelo Amor, por um amor racional,
espontâneo, radiante, jubiloso;
5) que esse grande Todo me é acessível, diariamente, na forma da
humanidade, de cada um dos meus semelhantes, e da própria natureza infrahumana;
6) que, à luz desse Amor Universal, o passado do homem se torna
compreensível, não no plano intelectivo, mas sim o plano intuitivo, que é o
verdadeiro saber.
Tudo isto que estou dizendo a meus leitores, digo-o em primeiro lugar a mim
mesmo. Eu sou o meu leitor e ouvinte número um – o meu pequeno Eu físicomental está sentado como dócil discípulo aos pés do Mestre, que é o meu Eu
espiritual, o meu Cristo interno, o meu Emanuel.

QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU
Deus é aquela Realidade Universal, Absoluta, Infinita, Eterna, Única, que
ultrapassa todas as fronteiras das nossas análises intelectuais. Para além dos
extremos horizontes de todos os nossos mais arrojados silogismos começa
Deus, que não é isto nem aquilo, nem a soma total de todos os fenômenos do
universo. Só sei de Deus pela experiência íntima do meu próprio Eu divino.
Quem julga ter provado a Deus pelo intelecto é ateu.
E quem adora esse Deus demonstrado é idólatra.

A VIDA NÃO É UMA TEORIA
Há quem se diga agnóstico, há quem se chame ateu. Ambos ignoram a Deus;
mas o agnóstico ignora-o sem quebra da lógica, ao passo que o ateu o ignora
assassinando a lógica, porquanto afirma conhecer algo que, segundo ele, não
existe – como se o inexistente, o puro nada, pudesse ser objeto de
conhecimento!
Na prática, porém, não há nem agnósticos nem ateus. Em teoria é possível
manter-se alguém numa atitude de suspensão ou neutralidade, porque a teoria
é um esqueleto inerte; na prática, porém, todo homem assume atitude ou
positiva ou negativa – a neutralidade é uma simples ficção mental, inexistente
no plano da realidade concreta da vida humana.

CRER OU DESCRER NADA RESOLVE
Crer em Deus não resolve os problemas da vida – descrer dele, ainda menos.
Mas o crer torna suportáveis os sofrimentos da existência, ao passo que o
descrer os torna insuportáveis.
A única coisa que realmente resolve os problemas é o saber, isto é, a
experiência íntima da realidade de Deus. Em face do saber desmaiam a noite
do descrer e o crepúsculo matutino do crer, assim como as trevas e penumbras
fogem diante do sol nascente.
Entretanto, o crer é de suma importância, porque é o prelúdio do saber.
Ninguém pode saber sem primeiro crer.

HARMONIZAR O AGIR COM O SER
No meu íntimo SER sou Deus; por isto, no meu externo AGIR também devo ser
como Deus. Devo combinar a horizontal da minha ética com a vertical da minha
mística, a fim de ser redimido por essa cruz, de ser positivo, mais, infinito,
como esse sinal simbólico. Todo o mal da minha vida vem da discrepância
entre o meu AGIR e o meu SER.

UNO E MÚLTIPLO
Deus é um ou uno em sua essência, no seu eterno SER – porém múltiplo na
sua existência, no seu AGIR temporário. Os mundos múltiplos são a expressão
do Deus uno e único.

“CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA”
Um brâmane, cultor da mística estática das cavernas solitárias, insistia com
Mahatma Gandhi que se retirasse do bulício do mundo e da política para o
silêncio duma caverna, a fim de se salvar; ao que Gandhi replicou: “Trago essa
caverna dentro de mim.”
BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO
– RELIGIÕES PARA ELITE
Essas religiões são para pequenas elites, seitas, irmandades piedosas, não
para a humanidade como tal. No catolicismo romano, só uma pequena elite, os
sacerdotes, frades e freiras, com os seus votos separatistas, é que são
considerados cristãos de primeira classe; os leigos e casados são tolerados,
como seres de segunda classe.
De modo análogo, no budismo e bramanismo.
O cristianismo, porém, é universal; exige de todo e qualquer homem uma
santidade e perfeição completa, uma religião da vida inteira, e não apenas de
certas horas devocionais.
A única consolação que as religiões ascéticas orientais, e o romanismo clerical
do Ocidente, podem dar ao homem no meio do mundo é ter pena dele e
augurar-lhe melhor sorte numa futura reencarnação, ou então recomendar-lhe
que se resigne com um lugarzinho secundário no céu, deixando os lugares de
honra, na imediata vizinhança de Deus, aos heróis da renúncia do mundo de
Deus. Para todos eles, a perfeição não está em usar corretamente as coisas
que Deus nos deu, mas em recusá-Ias com soberano desdém.

PAZ INTERNACIONAL – SÓ NO CEMITÉRIO
Depois da primeira guerra mundial, alguém, visitando a Europa devastada, viu
por toda a parte cemitérios e mais cemitérios de soldados mortos –
americanos, ingleses, alemães, franceses, italianos, russos, israelitas – todos
eles pacificamente sepultos uns ao lado dos outros – e não havia guerra entre
eles...
Será que só quando morto pode o homem estar em paz com seus
semelhantes?
Sim, só depois de morto – ou morto para a vida do corpo, ou então morto para
a vida do seu egoísmo. Se não quiser morrer para o egoísmo, terá de morrer
para a vida corpórea, se é que quer ter paz com seus irmãos humanos.
Só a pleni-vida do espírito, em vez dessa semi ou pseudo-vida do corpo e da
mente é que lhe poderiam garantir perfeita paz no meio duma vida abundante.
“Eu vim para que os homens tenham a vida, e a tenham em maior abundância.”
“Dou-vos a minha paz”...
“Isto vos disse para que minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa
alegria”...

PEIXINHOS EM POÇAS D’ÁGUA DA PRAIA
Cada grupo de peixinhos nessas poças que a maré deixara na arenosa praia
discutia com os inquilinos de outras poças, afirmando ser a sua poça o mar e
serem eles os únicos habitantes legítimos do oceano.
De repente, enorme vagalhão levou de roldão todas as pocinhas d‟água
juntamente com seus orgulhosos íncolas, abismando-os nas profundezas do
mar.
E os peixinhos viram que eram todos irmãos e habitantes do mesmo oceano.

BUROCRATIZANDO OU VOLATILIZANDO
O CRISTIANISMO
São estes os dois grandes perigos da atualidade. O sectário estreito
burocratiza o espírito de Cristo, procurando encerrá-lo em fórmulas
doutrinárias. O liberal superficial volatiza a alma do cristianismo, difundindo-a
pelos vastos areais da sua indiferença religiosa, até não sobrar nada da divina
essência do Evangelho.
Respeitar a infinita verticalidade do Evangelho, e ao mesmo tempo
horizontalizá-lo até aos últimos confins do universo – isto é tremendamente
difícil, porquanto o vertical da profundidade e sublimidade parece negar o
horizontal da amplitude e universalidade. Assim parece aos profanos liberais e
aos estreitos sectaristas – mas o verdadeiro iniciado sabe por experiência
íntima que não há antagonismo real entre o vertical da experiência individual e
o horizontal da organização social. Mas, para unir permanentemente a barra
horizontal com o tronco vertical, requer-se tamanha força espiritual que poucos
conseguem essa suprema realização, filha do encontro pessoal com Deus.

ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA
A Bíblia, sobretudo no mundo protestante, foi transformada numa simples
coletânea de preceitos éticos ou numa teologia escolástica, em uma espécie de
dose de ópio destinada a manter pacientemente submissas as bestas de carga
humanas; dos misteriosos surtos de experiência mística que produziram a
Bíblia, desse vastíssimo incêndio do espírito divino de que as palavras
humanas são apenas cinzas frias – disto nada sabem nem suspeitam os
cultores da “letra morta”. A “bibliolatria”, como lhe chama Harry Émerson
Fosdick, é a pior inimiga da Bíblia.

REALISMO – IDEALISMO
O Cristianismo é um vasto realismo horizontal, animado por um profundo
idealismo vertical.

O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS
Ou o homem tem experiência de Deus – e neste caso vê a Deus no mundo e o
mundo em Deus; ou não tem experiência de Deus – e neste caso vê o mundo
sem Deus. No meio desses dois extremos estão os que, embora não tenham
experiência de Deus, têm contudo a boa vontade de a possuir, e isto é crer. O
crente não vê a Deus no mundo, nem o mundo sem Deus – mas adivinha Deus
para além do mundo.
Para o descrente e o insciente, Deus é inexistente.
Para o crente, mas ainda insciente, Deus é existente, porém ausente.
Para o experiente ou sapiente, Deus é ao mesmo tempo imanente no mundo e
transcendente ao mundo. Este é o homem integral, cósmico, crístico.

TOTALITARISMOS – CATÓLICO
E PROTESTANTE
“O catolicismo tem sustentado o nazismo, o fascismo, o integralismo, e todas
as outras formas de totalitarismo político, porque ele mesmo é o totalitarismo
por excelência, e numa esfera mil vezes pior que a esfera política, na espera
espiritual da consciência. Os países de preponderância católica são
invariavelmente aqueles em que o comunismo medra mais espantosamente.
O protestantismo tem sustentado o capitalismo e todas as formas de
totalitarismo econômico, embora, em teoria, invoque os direitos do indivíduo
humano.
Só uma profunda e completa remodelação da mentalidade individual, católica e
protestante, é que poderá salvar a civilização cristã do Ocidente” (adaptado).
MARIA – PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA
MÍSTICA-SOCIAL
Maria, tocada pelo Espírito Santo, tornou-se a primeira revolucionária em prol
do reino de Deus, na era cristã, quando exclamou:
“Serviu-se do poder do seu braço para dispersar os soberbos na mente do seu
coração e exaltar os humildes... Depôs dos seus tronos os orgulhosos e
sublimou os pequeninos... Encheu de bens os famintos e mandou embora
vazios os ricos.” (Lc. 1,51-53.)

TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA
Toda e qualquer revolução que venha apenas como um belo movimento ético
ou social está derrotada mesmo antes de começar, porquanto toda a ética é,
em si mesma, difícil, cruciante, sacrificial – e estas coisas não têm garantia de
solidez e perpetuidade. Só as coisas experimentadas como fáceis,
espontâneas e deliciosas é que possuem essa solidez e perpetuidade.
Toda revolução construtiva tem de ser baseada, portanto, numa compreensão
profunda da realidade do homem e do mundo, numa luminosa visão da
essência central das coisas, numa veemente revelação de dentro, porque só
esse contacto direto e imediato com a Realidade Eterna do homem e do
mundo, essa visão mística do Todo, é que torna a ética fácil e a virtude
deliciosa, ateando no homem um incêndio cósmico de amor e de entusiasmo
pela verdade e pelo bem.
Só se eu conseguir transformar o meu deserto em um oásis, é que estarei
disposto a habitar nesse deserto, transformado, pela intuição da verdade
oculta, num paraíso de vida e beleza.
Felizmente, essa transformação não é filha da ilusão, mas é uma realidade
infinitamente mais real do que todas as pseudo-realidades da superfície, uma
vez que a onipresença de Deus e sua imanência em todas as coisas, também
no deserto, é um fato, e não uma fantasia. Não experimentar essa imanência
de Deus em tudo é ver no deserto um deserto de fastidiosa monotonia e
vacuidade – mas, desde o momento que o homem experimenta o Deus
onipresente e oni-imanente, deixou o deserto de ser uma vacuidade inerte e se
transformou numa exuberante plenitude vital. O que mudou não foi o deserto –
que nunca esteve “deserto”, mas sim o homem, que de cego se tornou vidente,
de ignorante se tornou sapiente, de profano se tornou iniciado, de morto se
tornou vivo.
INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS
DO CRISTIANISMO ETERNO
Nos três primeiros séculos não existe, propriamente, interpretação do
Cristianismo, porque todo cristão experimentava e vivia diretamente essa
estupenda realidade. O fato da invasão do mundo espiritual no mundo material
era para eles uma realidade objetiva; subjetivamente vivia em toda a sua
plenitude, profundidade e amplitude.
No início do quarto século, porém, tinha essa experiência de Deus arrefecido a
tal ponto que se tornou necessária uma teoria escolástico-teológica sobre essa
grande realidade – fogo bem pintado em vez de fogo real. E esse fogo artificial
da teologia teve de substituir o fogo natural do Evangelho, e o cristão foi
obrigado a crer na realidade desse fogo irreal na tela teológica, sob pena de
ser excomungado da igreja de Cristo. A fim de dar maior realce à ilusão do fogo
artificial como sendo fogo real, foram invocados todos os recursos da política,
do militarismo, da sociologia, da psicologia, do ritualismo externo, e da força
bruta – cruzadas, inquisições, excomunhões, etc. Mas o fogo artificial da
teologia não se transformou no fogo real do Evangelho. Os “hereges”,
excomungados, passaram a excomungar os seus excomungadores – e seguiuse o caos eclesiástico ao cosmos evangélico.
Com Constantino Magno, esse imperador pseudo-converso, surgiu, no setor
romano do Cristianismo, o ideal da ditadura dos corpos e das almas, que até
hoje continua, pelo menos como ditadura das almas, já que os governos
modernos negaram aos teólogos eclesiásticos a ditadura dos corpos.
Aparece, no século 16, a tentativa de uma interpretação democrática do
Cristianismo: cada indivíduo tem o direito de saber por si mesmo, graças a
seus inalienáveis direitos humanos, o que é Deus, o Cristo, a vida eterna, sem
a necessidade de interrogar o infalível pontífice de uma igreja hierarquizada.
Mas a democracia eclesiástica do protestantismo acabou em anarquia religiosa
– por quê? porque eram pouquíssimos os homens espiritualmente maduros e
adultos para encontrarem a Deus por si mesmos e em si mesmos. O que
encontraram foi o Lúcifer do ego em vez do Espírito de DEUS, porque não
cavaram bastante fundo, não atingiram até ao centro da revelação divina, mas
pararam na periferia da interpretação intelectual da Bíblia. Prevaleceu a
exegese teológica sobre a experiência mística. E assim a tentativa da
interpretação democrática do Cristianismo falhou, como falhara a interpretação
ditatorial.
Aparecem então os ascetas escatológicos – que aliás sempre tinham existido –
e tentaram interpretar o Cristianismo como negação radical da vida e do
mundo; quanto mais longe do mundo, tanto mais perto de Deus, e vice-versa.
Tentaram transformar o mundo de Deus num mundo sem Deus, ou num Deus
sem mundo, numa longínqua e solitária e desnuda Tebaida, onde o homem
desiludido do mundo se pudesse enamorar e inebriar de Deus, em mística
solitude e perpétuo êxtase.
Outros, cansados de fracassos, resolveram abrir mão de todas as lucubrações
teológicas e contentar-se com um Cristianismo puramente ético-social,
horizontalista, superficial. Para que investigar a origem das nascentes, quando
se pode beber das suas águas em qualquer ponto do percurso da torrente?
Basta que o homem seja bom, justo, correto, honesto, caridoso, afável, amigo
de todos, para ser um cristão perfeito e integral. Triunfou então a propínqua
superficialidade da ética humanitária sobre a longínqua profundidade da
mística divina. Entretanto, as almas mais profundas não valeram sopitar dentro
de si as saudades do abismo, a nostalgia do Infinito, o silencioso clamor da sua
anima naturaliter christiana; insatisfeitas com as águas derivadas da ética
cotidiana, subiram às montanhas eternas para saber onde nasciam essas
águas, de que rochedos brotavam, puras, incontaminadas, inderivadas – e
muitos desses pioneiros do Infinito nunca mais voltaram às planícies do finito;
inebriados da nascente divina, esqueceram-se de todos os rios humanos.
Outros, porém, continuaram a beber das águas, mais ou menos turvas, dos rios
da ética, inexperientes da linfa puríssima da sua nascente.
Quando aparecerá sobre a face da terra o homem cósmico? O homem integral,
o homem crístico, que dispense interpretação do Cristianismo, pelo fato de o
experimentar e viver em toda a sua plenitude, profundidade, sublimidade e
amplitude?
Já apareceu, esse homem cósmico, o filho do homem; nasceu no ano 1 da
nossa era, e foi crucificado no ano 33...
Entretanto, ele está conosco todos os dias até à consumação dos séculos,
cheio de graça e de verdade...

NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO
Não, há cristianismo-teoria.
Só há cristianismo-fato.
O cristianismo é uma realidade eterna, é realismo a 100%. Por falta de
realismo e excesso de irrealismo é que o homem deixa de ser cristão.
Antes da Encarnação, o Cristo, o eterno Logos, era Theoria (palavra grega que
quer dizer “visão”); depois da Encarnação, essa eterna Theoria ou “Visão” se
tornou Praxis, isto é, “Ação”, atualizou-se, tornou-se realidade palpável, visível;
o espírito divino do Cristo materializou-se na carne humana de Jesus.
O cristianismo é uma permanente Encarnação: o Verbo, ou Logos, se faz carne
sem cessar e habita entre nós.
Também a vida de cada cristão é uma incessante Encarnação do Verbo, do
divino Logos da Alma eterna que se individualiza ou materializa na pessoa de
Pedro, Paulo, Maria, Isabel, etc.
A visão mística encarna-se diariamente na ação ética – e nasce o homem
cósmico, o homem integral.

DO CRISTIANISMO AO CRISTO
Não é o cristianismo que pode salvar o mundo, mas só o Cristo. O cristianismo
é, hoje em dia, teoria e teologia humana, o Cristo é realidade divina.
Qualquer reforma religiosa eficiente consiste no abandono das teorias e
teologias humanas e no retorno real e total ao Cristo.
O mundo de hoje nada tem que esperar do cristianismo, tudo tem que esperar
do Cristo.
O nosso cristianismo é ficção – o Cristo é fato.
O nosso cristianismo é um fogo pintado – o Cristo é um fogo real.

DA CARIDADE AO AMOR
Se houvesse entre nós mais amor, não haveria necessidade da caridade,
porque a caridade é filha da miséria, mas a miséria é filha da nossa falta de
amor. O egoísmo humano, que é falta de amor, cria a miséria, a indigência, a
pobreza, a fome, a desnudez; e, em face dessa numerosa prole gerada por
nosso desamor, faz-se mister a caridade. A caridade não remedia os males da
sociedade, apenas os atenua temporária ou parcialmente; é uma espécie de
injeção, de anestésico, de soporífero, de pomada ou cataplasma que o homem
egoísta que desejaria ser altruísta aplica às dolorosas chagas abertas pelo
egoísmo e desamor dos homens. Se não houvesse exploradores, não haveria
explorados, e, se não houvesse exploradores nem explorados, não haveria miséria – e não haveria ambiente propício para exercer a caridade. O triunfo do
amor tornaria impossível o exercício da caridade – a não ser em casos
excepcionais, catástrofes inesperadas, terremotos, incêndios, enchentes, e
outros fenômenos não dependentes da maldade dos homens; nessas ocasiões
excepcionais seria necessária a caridade, mesmo entre homens cristificados
pelo amor; mas a caridade não seria uma necessidade normal, permanente, da
nossa sociedade.
“Pobres, sempre os tereis convosco; a mim, porém, nem sempre me tereis.”
Será que não deveríamos traduzir: “Pobres, sempre os tereis convosco, se não
me tiverdes a mim”? A miséria sempre estará presente onde o Cristo está
ausente, e, por haver miséria gerada pela ausência do Cristo, faz-se mister a
caridade como lenitivo dessa miséria.
A abolição radical e definitiva da miséria está na proclamação e vivência do
amor.
Entre os primeiros discípulos do Cristo, referem os Atos dos Apóstolos, não
haveria um só indigente – porque havia o espírito do Cristo, que é amor.

CARIDADE, NÃO – JUSTIÇA, SIM
Numa das minhas viagens pelo Nordeste brasileiro, fui convidado a falar num
centro operário; ao entrar no recinto, verifiquei sobre a porta a legenda: “Não
queremos caridade – queremos a justiça do trabalho!”
Onde há amor, lá existe a justiça do trabalho, o trabalho devidamente
remunerado, de maneira que a pobreza não encontre terreno para prosperar, e
torne a caridade desnecessária. O cristianismo doentio dos nossos dias canta
apoteoses à filantropia, filha da pobreza e neta do egoísmo – essa filantropia
humanitária, talvez a mais perversa heresia dentro do cristianismo ocidental.
Tão grande é a sagacidade do nosso inextirpável egoísmo que chega a
camuflar em virtude os seus vícios, cantando entusiásticos hinos à caridade e
filantropia a fim de poder continuar impunemente, por detrás dessa cortina de
fumaça, as suas torpes manobras de descaridosa exploração e aumentar cada
vez mais a miséria – sob o rótulo hipócrita de caridade! E destarte, barrado por
essa satânica filantropia, não pode o amor do Cristo entrar no coração do
homem... “caritativo”...
E a miséria continua...

JESUS DEU ESMOLA?
Não consta. O que consta é que preparou um grupo de homens, como
fermento da massa profana, que tornasse desnecessária a esmola, porque
aboliria a pobreza pelo amor. Mas os cristãos, abolindo o amor, criaram a
pobreza, e, como consequência, a necessidade da esmola. E neste círculo
vicioso se debate a humanidade até hoje – até que triunfe o espírito do Cristo,
que é amor e justiça.

DEUS NÃO ENTRA NA ALMA
Encontramos em todas as grandes filosofias e religiões a doutrina sobre a
imanência de Deus no homem. Essa imanência divina é chamada o Emanuel
(Deus em nós), o Cristo interno, a centelha divina no homem, o alicerce da
alma, a voz interior, a luz interna, o espírito santo que habita no templo do
corpo, o Eu central, a faculdade intuitiva, o Logos, a Razão, a Consciência
Cósmica, o chamamento interno, etc.
O certo é que Deus não entra nem necessita de entrar na alma; porquanto ele
está na alma desde o início, ou melhor, ele mesmo é essa alma. O que importa
é que esse Deus objetivamente presente na alma pela realidade ontológica se
torne também subjetivamente presente pela percepção lógica; isto é, que o
homem se torne consciente dessa imanência de Deus. Enquanto o homem
ignorar essa presença íntima de Deus, ele é mau, pecador, egoísta, porque
não renasceu ainda pelo espírito, não se despojou ainda do homem velho, nem
se revestiu do homem novo; mas no dia e na hora em que ele se tornar
consciente da realidade interna da imanência de Deus nele, esse homem
passará das trevas à luz, da morte à vida, do egoísmo ao amor, do pecado à
santidade. Não é possível que um homem que tenha conhecido o seu
verdadeiro Ser divino viva, por muito tempo, em desarmonia com essa
realidade por ele conhecida; cedo ou tarde, o seu Agir se conformará com o
seu Ser; a sua Ética se revestirá das cores da sua Mística; a sua Vida será
sintonizada pela sua Fé, se é que essa Fé é uma experiência íntima, e não
apenas a encampação externa de opiniões alheias.

APREENDER E COMPREENDER –
DESCOBRIR FATOS, REALIZAR VALORES
Aprende-se e apreende-se mentalmente – compreende-se espiritualmente.
Aprender e apreender é um processo analítico, silogístico, sensitivo-intelectual.
“Não há nada no intelecto que não tenha estado no senso”, diz o velho adágio
filosófico. O que os sentidos percebem fisicamente, o intelecto o concebe e
elabora metafisicamente; mas essa elaboração metafísica do intelecto não
despoja a percepção física do seu caráter visceralmente individual e unilateral.
Só quando o homem compreende – isto é, “prende totalmente” – é que ele
sabe de fato o que a coisa é em si mesma: Mas esse compreender não é um
processo analítico-silogístico, um ato sensitivo-intelectivo; o compreender é um
fato simultâneo, repentino, um lampejo de dentro, uma revelação ou iluminação
interna, e não uma aquisição externa. A compreensão não é derivada dos
objetos externos, mas do sujeito interno, do grande, eterno e infinito SUJEITO,
que é Deus, e que, em sua forma humana, se chama alma. Aprende-se de
fora, compreende-se de dentro. O aprender é feito pelo ego físico-mental – o
compreender é feito pelo ego racional-espiritual, pelo Emanuel, pelo Cristo
interno, por Deus em nós.
Para aprender necessita o homem de uma vasta expansão em sentido
centrífugo – para compreender requer-se uma profunda concentração em
sentido centrípeto.
A quantidade dos fatos externos apreendidos torna o homem erudito,
inteligente – a qualidade do valor interno compreendido torna o homem bom e
santo.
Nenhuma religião promete o céu aos homens inteligentes – todas prometem o
céu aos homens bons; porquanto, descobrir fatos fora de mim me faz apenas
erudito, mas não me faz bom; ao passo que realizar valores dentro de mim me
faz realmente bom. Eu sou o descobridor de fatos alheios, e isto não atinge a
essência do meu ser – mas eu sou também o criador de valores próprios, e isto
atinge a íntima essência do meu Eu humano.
Ainda que eu descobrisse todos os fatos objetivos do mundo externo, e fosse
assim um cientista a 100%, seria feliz? Não! Por que não? Porque não teria
criado nenhum valor humano dentro de mim, e, como a minha felicidade é
essencialmente idêntica a essa criação de valores internos, nenhum
descobrimento de fatos externos afetará o íntimo quê do meu ser; são fatos
periféricos, na superfície longínqua do meu Eu; é uma luz fria fora de mim, mas
não uma força cálida dentro de mim. O céu da minha felicidade não é fabricado
com a matéria-prima impessoal de fatos objetivos, que minha inteligência
descobre, mas sim com a força pessoal de valores subjetivos que minha alma
cria e realiza.
Satanás é o rei da inteligência – mas é infeliz, porque o seu mundo é feito de
fatos descobertos por sua poderosa inteligência, mas não de valores realizados
por seu espírito. E, por isto mesmo, o seu céu intelectual é o seu inferno
espiritual – um céu infernal.
Nenhum fato externo me pode fazer feliz ou infeliz – só uma realização interna
é que me abre as portas do céu ou do inferno.
Eu sou o criador do meu céu – eu sou o autor do meu inferno!
É nisto que está o meu maior privilégio – e o meu maior perigo...
Quão estupenda era a filosofia cósmica daquele que disse: “Que aproveita ao
homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer prejuízo em sua própria
alma?”
Que aproveita ao homem descobrir e possuir todos os fatos externos, pela luz
da inteligência – se com isto perder um único grau do seu valor interno, que só
a alma pode realizar?
A ciência descobre os objetos – a consciência realiza o sujeito!
Eu sei do conteúdo da minha ciência – mas eu sou o conteúdo da minha
consciência! O que me faz feliz não é aquilo que eu sei, mas aquilo que eu
sou... Quando se fundirem numa grandiosa unidade cósmica aquilo que eu sou
e aquilo que eu sei – então serei perfeita e perenemente feliz...

“O DESERTO VIVENTE”
É este o título de uma das mais maravilhosas películas naturistas de Walt
Disney, The living desert (em vernáculo: “O drama do deserto”).
A vida de todo homem que atingiu certa altura de evolução interior é um
“deserto vivente”. A sua solidão externa cresce na razão direta da sua
vitalização interna. Os ruídos profanos da sociedade o atraem cada vez menos;
as deslumbrantes vacuidades do mundo profano deixam-no indiferente. Todas
as antigas bonecas de celulóide, soldadinhos de chumbo, aviõezinhos de mola,
pistolinhas de ar comprimido e outras maravilhas do jardim de infância com que
muitos se divertem a vida inteira, embora com nomes mais pomposos,
deixaram de lhe atrair a atenção e o interesse, desde que, no campo visual da
sua experiência interna, despontou um novo mundo de grandezas e
formosuras. Instintivamente, esse homem busca a solidão, não por algum
espírito de misantropia ou acerbo pessimismo, mas pelo irresistível fascínio
que esse novo mundo de estupendas maravilhas exerce sobre ele. É que ele
fez a experiência de que esse mundo imaterial é tanto mais visível, audível e
sensível quanto mais se calarem os ruídos profanos do mundo material. E ele
escuta, embevecido, a misteriosa sinfonia desse mundo e percebe a inefável
sacralidade da sua vida transbordante de beatitude...
Vai-se atrofiando, não raro, a vida material e social desse feliz vidente de
universos supra-sensíveis e ultra-intelectivos; a sua vida econômica declina...
Feliz dele se uma pessoa de posses materiais e de compreensão espiritual
entrar na vida desse homem!... Do contrário, acabará o seu contenedor
material por sucumbir sob a veemência do seu conteúdo espiritual... Entretanto,
mesmo assim, continuará ele a ser feliz, porque possui o principal da felicidade,
a realização dos valores internos, mesmo com o sacrifício dos fatores
externos...
O seu deserto é vivo, transbordante de vida...

ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO
– O QUE É?
Acabo de escutar, numa estação emissora de Washington, um diálogo entre
um teólogo romano e um juiz sobre a divindade de Cristo. Afirmava o teólogo
que a maior desgraça era a negação da divindade de Cristo da parte de
milhares de cristãos do presente século.
Respondeu o juiz que ele considerava uma calamidade fazer depender a
salvação ou condenação da aceitação ou rejeição de um dogma como este.
Que quer dizer, afinal de contas, aceitar ou não-aceitar a divindade de Cristo?
Não consiste num ato de inteligência e vontade? E não depende esse ato da
maior ou menor clareza com que fulano ou sicrano percebe as razões pró ou
contra esse dogma? E não depende essa maior ou menor clareza de uma
instrução eclesiástica e certo grau de interesse neste ou naquele sistema
teológico? E que tem isto a ver com Deus, com salvação ou condenação?
Sou eu mais crístico e mais amigo de Deus depois de dizer “sim”, e menos
espiritual depois de dizer “não” a uma pergunta sobre a divindade de Cristo?
Na realidade, o meu “sim” ou o meu “não” nada tem que ver com o meu
verdadeiro cristianismo, se por cristianismo se entende a união com o espírito
de Deus, e não este ou aquele grupo eclesiástico a que pertenço por força de
nascimento ou de outras circunstâncias externas fortuitas.
O que decide sobre o fato de eu ser crístico ou não-crístico é a minha vida, a
profunda e permanente atitude do meu interno ser e do meu externo agir em
perfeita sintonia com o espírito de Cristo. Esse espírito, porém, nada tem que
ver com a forma deste ou daquele credo, mas resume-se nos dois grandes
mandamentos do amor de Deus e do próximo, nos quais “consistem toda a lei
e os profetas”. O “sim” ou “não”, verbal ou mental, em nada modifica a minha
atitude de ser e de agir, e é profundamente deplorável que uma grande parte
do cristianismo eclesiástico do Ocidente dê maior importância a essa profissão
de fé teológica imposta por seu grupo do que à realidade da sua vida emanada
do espírito de Cristo.
E, para salvar esse credo eclesiástico, os seus adeptos, através de séculos,
têm cometido, e continuam a cometer os maiores atentados ao espírito de
Cristo, matando infiéis e hereges, excomungando dissidentes, inculcando a
seus filhos o desprezo para com os que não professam o mesmo credo
teológico – matam o espírito de Cristo para salvar uma teologia pseudocristã!...
Enquanto eu não puder dizer, com absoluta verdade “Já não sou eu que vivo –
o Cristo é que vive em mim”, não aceitei o espírito de Cristo, embora professe a
mais ortodoxa das fórmulas sobre a divindade de Cristo. Mahatma Gandhi
nunca aceitou nenhum credo eclesiástico; Albert Schweitzer é conhecido como
herege pelas igrejas cristãs protocolares – mas dificilmente encontraremos dois
homens que vivam com maior pureza e fidelidade o espírito de Cristo, em
profundo amor de Deus e vasta caridade dos homens.
É de urgente necessidade que o mundo cristão se torne crístico, vivendo
realmente o espírito de Cristo, em vez de apenas professar teoricamente este
ou aquele dogma sobre a divindade de Cristo.

O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE?
Talvez não. Possivelmente, é mais repelente do que atraente. Nem é
necessário que o homem espiritual seja atraente. Geralmente, ele não atrai
outros a si – antes os “transtrai” para além de si. É como um desses marcos
quilométricos à beira da estrada ou setas nas encruzilhadas, cuja finalidade
não é fazerem-se adorados pelos viandantes, mas sim abandonados, depois
que o transeunte tomou direção certa.
O homem espiritual não deve ser como um espelho, que prende em si a
pessoa que nele se mira – deve ser como uma janela aberta através da qual a
gente enxerga as belezas da paisagem e vastos horizontes além. O nosso
egoísmo, naturalmente, insinua-nos a sermos espelhos atraentes – ao passo
que a verdadeira espiritualidade nos ensina a sermos janelas transcendentes.
Alguns dos discípulos de João Batista se escandalizaram com o fato de ser o
mestre abandonado por seus antigos seguidores, que foram em seguimento do
Nazareno, ao que o precursor respondeu: “Eu sou apenas o paraninfo, mas ele
é o esposo, convém que ele cresça e que eu desapareça” – isto era ser janela
aberta para o Cristo, e não espelho atraente para si mesmo.
O homem espiritual não faz com que outros tenham satisfação nele, mas
contribui para que os homens sintam insatisfação de si mesmos, vejam a sua
imperfeição e tenham desejo de maior perfeição.
O homem espiritual é um veículo, uma ponte, um canal, um dedo estendido
rumo ao Infinito.
O homem espiritual é uma passagem, e não uma parada; é uma entrada e uma
saída para Deus. A sua simples presença é um chamariz, um desafio, por
vezes um ultimatum e um doloroso exame de consciência.
O homem espiritual não é, em geral, uma fascinante personalidade, como
certos cavalheiros dos nossos salões elegantes. Possivelmente, é ele mais
repelente do que atraente, porque a sua retilínea lealdade aos princípios
eternos é inquietante para muitos. Sentem-se perturbados em sua presença,
como o Evangelista diz de Herodes em face do Precursor encarcerado. Em
presença do homem espiritual, muitos começam a pensar em coisa séria,
alguns até aprendem a orar. O campo magnético que circunda o homem
espiritual faz oscilar todas as agulhas que não estejam devidamente
polarizadas pelo norte divino – e ninguém sabe o que vai acontecer depois, nas
almas receptivas... Pode haver terremotos, tempestades, incêndios de
Pentecostes... Pode ser que muitos ídolos e fetiches, tidos por intangíveis e
sagrados, caiam dos seus pedestais...
“Segue-me!”...
“Deixa que os mortos sepultem os seus mortos – tu, porém, vai e proclama o
reino de Deus!”...
“Vai, dá todos os teus haveres aos pobres – e segue-me!”
Pode ser que alguém ouça, no silêncio de sua alma, coisas terríficas como
esses trovões, quando sai da presença de um homem espiritual.
Cuidado! Alta-tensão!...
Perigo de vida!...
Mantenha distância!...
Aí está um homem espiritual!...

DOIS TIPOS DE PREGADORES
Do sermão de um deles, diz Vieira, retiravam-se os ouvintes, ruidosamente
satisfeitos com o brilhantismo do orador – da presença do outro retiravam-se
todos em silêncio, insatisfeitos consigo mesmos e esquecidos do pregador.
Um deles era pregoeiro de si mesmo – o outro era arauto do reino de Deus.

TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE
O século 18 foi o século do “deísmo”, sistema filosófico-teológico que
considerava a Deus como o “grande Arquiteto do Universo”, transcendente a
seu mundo, como o artífice existente fora do seu artefato.
O século 19 foi o século do “Logos”, do Deus encarnado em Jesus, na forma
do Cristo, o Deus universal individualizado em homem.
O século 20 parece ser o século do Deus “imanente”, isto é, o Deus Universal
que, individualizado em Jesus, se universalizou no Espírito Santo (“santo” quer
dizer “universal”). Em sua íntima essência, todas as coisas são Deus, porque
não há nada real fora de Deus, a única Realidade; existencialmente, todas as
coisas são inferiores a Deus, porque nenhuma delas, individualmente, é Deus.
(Os ingênuos, incapazes de pensar logicamente, afirmam que isto é
“panteísmo”, porque não sabem distinguir entre “monismo e panteísmo”; todos
os grandes mestres espirituais da humanidade pensavam em termos de
monismo absoluto.)
Deus criou o mundo?
Certamente!
De quê? Do nada?
Sim, do nada do mundo – mas do Todo de si mesmo. Do nada da existência –
mas do Todo da Essência. O mundo foi criado não só por Deus, mas também
de Deus.
Então, o mundo é idêntico a Deus?
Não!
É separado de Deus?
Nem tampouco. O mundo não é idêntico nem separado de Deus – mas é
distinto dele, um com Deus pela eterna essência, diverso de Deus pela
existência temporal.

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS
Comunhão não pode ser criada artificialmente, ad hoc; ela é o resultado
espontâneo e natural de uma união que vai além dessa com-união
(comunhão). Onde não há união com um centro comum não pode haver comunião entre os raios divergentes.
Quando dois ou mais homens se unem em Deus pela mística nasce entre eles
com-união pela ética. Os raios de um círculo aproximam-se uns dos outros na
razão direta que se aproximam do centro comum do círculo, e distanciam-se
uns dos outros na razão que se distanciam do centro. Não pode haver
comunhão (com-união) sem união. A paternidade única de Deus crea a
fraternidade universal dos homens. Querer estabelecer a fraternidade humana
sem a paternidade divina é tão absurdo como querer fazer um círculo sem
centro ou um edifício sem alicerce.
A união é o atributo dos santos – a desunião é o característico dos pecadores.
Não há comunhão entre os maus – só pode haver comunhão entre os bons,
porque o mal é dispersivo por natureza, como os raios divergentes de um
círculo. Vigora secreta afinidade entre todos os santos, da terra e do universo,
embora os componentes dessa invisível Irmandade Branca não sejam
individualmente conhecidos uns aos outros. Eles atuam em silêncio, porque
têm onipresença cósmica. Quem faz parte dessa Irmandade Branca dos
Irmãos Anônimos sabe-a nas profundezas de sua alma e comunica-se com
seus semelhantes, a despeito de tempo e espaço, porque ele é um grande
“liberto” – a Verdade o libertou...
Quem puder compreendê-lo compreenda-o!...

QUE É PERSONALIDADE?
A personalidade principia com o ego – e culmina no Eu. Satã é o ego
petrificado – Cristo é o mais vigoroso Eu.
Um cão, uma vaca não têm ego nem Eu.
O homem profano desenvolveu o seu ego, mas não cultivou o seu Eu.
Quando o ego personal culmina no Eu individual, então desaparece a ilusão do
separatismo entre o homem e Deus e surge o grande unismo, o senso nítido
“Eu e o Pai somos um”, o grande “Eu sou”, o fascinante “Tat twam asi” (isto és
tu).
Toda a redenção está na transição do ego para o Eu – e toda a perdição está
na estagnação do ego no plano do ego.
Um só é o Eu do homem – muitos podem ser os seus egos.
Eternamente idêntico a si mesmo é o nosso divino Eu – variáveis são os
nossos humanos egos.
Eu sou o divino Eu – eu tenho humanos egos.
O ego é “persona”, isto é, “máscara” – mas o Eu é “indivíduo”, isto é, “indiviso”,
não-dividido, inseparável da Realidade eterna.
Quando o nosso ego personal nos sugere separação da Infinita Realidade
“Deus”, então começa a tendência centrífuga: o homem procura criar um reino
à parte, dele, só dele – e isto é “pecado”*.
* “Pecado” e “separado”, em diversas línguas, têm o mesmo radical. Em alemão o vocábulo
sondern (separar) é filologicamente idêntico a suenden (pecar). Também em inglês assunder
(separado) e sin (pecado) têm o mesmo radical. Pecar é considerar-se separado do grande
Centro Cósmico, Deus. A redenção consiste no movimento contrário, “Eu e o Pai somos um.”

DESCOBRIMENTO – OU REVELAÇÃO?
O homem inteligente descobre pequenas coisas – grandes coisas são
reveladas ao homem espiritual, suposto que ele seja receptivo, que possua
espaços internos assaz amplos em que possa jorrar a plenitude do Além.
Será que eu conheço a Deus e o mundo espiritual assim como alguém que,
depois de muito pesquisar e varrer o céu com o telescópio, descobre,
finalmente, um astro? – ou será como quem levanta o fone do aparelho
telefônico e escuta o que alguém está dizendo do outro lado? Será que eu
descubro a Deus – ou que Deus se revela a mim?
O homem inteligente, escreveu Einstein, descobre aquilo que é (das was ist) –
o homem espiritual realiza aquilo que deve ser (das was sein soll). Descobrir se
refere aos fatos objetivos da natureza externa – realizar tem que ver com os
valores internos dentro do próprio sujeito.
Quem sabe o que é Deus, não descobriu um objeto de fora – teve uma
revelação do seu sujeito de dentro, uma vez que “o reino de Deus está dentro
de vós”.
Revelação, inspiração, vem a mim, subitamente, espontaneamente, é verdade
– mas (e aqui começa o grande mistério) não vem sem mais nem menos,
automaticamente, sem nenhuma cooperação da minha parte. Eu, é verdade,
não sou o autor e a causa desse subitâneo relâmpago em plena noite, mas
tenho de contribuir algo do meu para que esse relâmpago venha. Não há
descarga elétrica se não houver pólo negativo que, com a sua veemente
vacuidade, chame a plenitude complementar. Não sou causa da revelação,
mas sou condição indispensável. Se eu nada faço, Deus nada faz. Daí conclui
o ignorante que é ele mesmo o autor e a causa do efeito espiritual. Confunde
causa com condição. O abrimento duma janela condiciona a iluminação da sala
– mas não causa essa iluminação. O abrimento duma torneira condiciona o
jorrar da água – mas a torneira aberta não é causa dessa água.
Tenho de agir intelectualmente como quem usa telescópio – e depois tenho de
portar-me espiritualmente como quem escuta um telefonema. Tenho de ser
intelectualmente ativo e espiritualmente passivo – essa atividade passiva, ou
passividade dinâmica, é que é o segredo das grandes inspirações.
O espírito de Deus atua espontaneamente – mas não arbitrariamente.
Tudo acontece segundo leis eternas.
A graça, embora seja de graça, não é um fenômeno arbitrário.
Deus não é capricho – Deus é a Lei.
Devo trabalhar intensamente, como se tudo dependesse de mim – e ao mesmo
tempo devo orar intensamente, como se tudo dependesse de Deus. Sintetizar
esses dois pólos, aparentemente antitéticos, é tarefa trágica na vida humana. É
tão fácil ser extremista, para a direita ou para a esquerda – mas é
tremendamente difícil ser centralista. Há milhares e milhões de homens que
esperam tudo só de Deus ou só de si mesmos – mas há pouquíssimos que
esperam tudo de Deus através de si mesmos, que saibam unir a causa divina
com a condição humana.
Da união desses dois pólos, divino e humano, positivo e negativo, é que nasce
toda a luz e toda a força da vida humana.

CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA
NEM SUFICIENTE
Se não tenho certeza infalível de certas verdades básicas, como a existência
de Deus e a imortalidade, é impossível a salvação, porque estou sujeito a erros
e aberrações.
Assim diz certa teologia eclesiástica. E conclui: “Por isto, é necessário que
haja, através dos séculos, um homem infalível neste mundo, que possa decidir
com clareza e precisão o que é verdade e o que é erro.”
Muitos adotam essa espécie de “lógica”.
Entretanto, essa “lógica” é um grande ilogismo.
Antes de tudo, que quer dizer “certeza”? E donde vem ela?
É verdade que determinada pessoa me pode dar certeza de uma realidade
espiritual, pelo fato de afirmar simplesmente “isto é assim”, “isto não é assim”?
Será que, depois de ouvir essa afirmação ou negação, eu tenho uma certeza
que antes não tinha? Se eu não tinha certeza da existência de Deus, e uma
pessoa infalível afirma “Deus existe” – é verdade que agora tenho certeza
desse fato?
Neste ponto, Buda era bem mais lógico do que certos teólogos. Quando
alguém perguntava ao grande iluminado o que era Deus, Buda não respondia.
Por que não? Porque, se o consulente não sabia por experiência própria o que
era Deus, nem o saberia depois de ouvir uma definição da parte de alguém que
o sabia; mas, se o consulente sabia o que era Deus, a afirmação de um
terceiro não lhe daria certeza, nem a sua negação lhe tiraria a certeza que ele
possuísse.
Quem sabe por experiência interna que há Deus pode tranquilamente escutar
todas as negações desta verdade – nada modifica a sua experiência interna,
que lhe dá certeza.
A grande e gloriosa verdade é esta: Ninguém me pode dar experiência que não
tenho – e ninguém me pode tirar a experiência que tenho. A certeza, porém,
vem da experiência interna, e não de argumentos externos. Quem tem
experiência é invulnerável em sua certeza. A experiência não é transferível
nem auferível. Ela não vem de fora da alma – ela brota das divinas
profundezas da alma.
Por isto, é profundamente ilusório querer dar certeza a alguém por intermédio
de um homem infalível. Suposto mesmo que esse homem infalível tivesse, ou
tenha, essa certeza experiencial, nem por isto poderia ele dar aos filhos da sua
igreja essa certeza, que é absolutamente intransferível. Transferíveis são as
coisas externas, de corpo e da mente, os argumentos, as provas científicas, as
demonstrações analíticas – mas nada disto me dá certeza real de Deus e da
vida eterna. Quem não tem experiência interna não tem certeza de uma
realidade espiritual.
O único auxílio que fatores externos nos podem prestar, nesse plano, é o fato
de aplainarem o caminho que leva a essa certeza definitiva. Mestres,
educadores, escritores, oradores, diretores espirituais podem apontar-nos o
caminho certo onde nós possamos ter certeza espiritual – mas nenhum deles
nos pode dar essa certeza. Todos eles são como setas na encruzilhada,
marcos à beira da estrada, que indicam o rumo certo, mas não obrigam o
viandante a seguir caminho certo.
O rumo indicado pelo maior dos mestres da humanidade, nas páginas áureas
do Evangelho, sobretudo no Sermão da Montanha, possui o máximo de certeza
que se possa imaginar, e a sua linguagem é absolutamente clara e precisa;
querer criar uma instância de certeza acima da certeza dada por Jesus Cristo é
procedimento absurdo, e até arrogante. Não há nada mais infalível que as
palavras de Jesus, no Evangelho.
Daí, porém, não se segue que todo homem que leia o Evangelho da certeza
tenha certeza daquilo que Jesus afirma. Enquanto o leitor for apenas leitor, não
terá certeza alguma; só se passar a viver, por experiência íntima, o espírito do
Evangelho, é que ele terá certeza. A certeza não vem da inteligência – vem da
vivência. Quem não vive a alma do Evangelho não tem certeza das verdades
por ele proclamadas. Saber não quer dizer ter ouvido dizer, ter lido, ter
decorado; saber quer dizer literalmente saborear. Saborear, porém, não é um
processo mental, mas uma experiência vital. Quem não saboreia a realidade
espiritual não sabe como é que ela sabe, que sabor tem, porque lhe falta a
experiência vital da realidade espiritual.
A certeza teológica não é necessária – nem é suficiente.

PENSAMENTO SINTETIZADO
“Escrevi um livro tão grande – disse alguém – porque não tive tempo para
escrever um livro pequeno.” De fato, para condensar devidamente em 100
páginas o que está derramado em 1.000, requer-se mais tempo e, sobretudo,
maior intensidade de pensamento do que para ser difuso e prolixo.

ORAÇÃO – ESSÊNCIA DE TODAS
AS RELIGIÕES
Não há hereges em matéria de oração. Todos os homens espirituais de todas
as religiões do mundo concordam em que a oração é a quintessência nas
relações do homem com Deus.
Duas coisas são absolutamente certas: 1) que a oração, quando genuína, é
sempre um elemento positivo e benéfico na vida do homem; 2) que ignoramos
totalmente como a oração atua sobre a vida humana; a sua técnica peculiar
nos é de todo desconhecida. Sabemos apenas o “quê” – ignoramos o “como”
da oração.
Ninguém sabe se a sua oração vai ser eficiente na direção em que ele deseja
ou espera; ignora se aquilo que ele tem em mente vai acontecer ou não. A
oração parece algo como um jogo de azar, totalmente arbitrária. Na realidade,
é certo, a oração obedece a leis invariáveis – mas o homem não conhece
essas leis.

O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR
A verdadeira oração, inteiramente pura e autêntica, não é peticionária, é
simplesmente afirmativa; não pede nada, afirma apenas uma grande realidade.
Todas as grandes religiões conhecem a oração afirmativa – o Budismo, o
Brahmanismo, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Taoísmo, o
Zoroastrianismo.
A oração inferior ou peticionária é, fundamentalmente, egocêntrica – ao passo
que a oração superior, afirmativa, é essencialmente teocêntrica. Nesse estágio
superior de experiência, o homem ultrapassa o próprio Eu e se perde em Deus;
emigra do pequeno indivíduo e imigra no grande Universal. A oração superior
tem algo de nirvânico, porque nela o homem perde a consciência objetiva do
ego e se dilui totalmente na consciência subjetiva do Todo.
Nessa total ego-evacuação e nessa intensa teo-plenificação, que o místico
experimenta como divina embriaguez, o homem se identifica com a suprema
Realidade e diz silenciosamente: Santificado seja o teu nome... Venha o teu
reino... Seja feita a tua vontade...
Essa oração afirmativa supõe uma constante e inalterável experiência da
Suprema Realidade, onipresente e onipenetrante.
Nessa zona, qualquer pedido, por mais altruístico, seria impossível e absurdo.
Quem pediria? O que pediria? Falta tanto a consciência do “quem” ou sujeito,
como também a noção do “quê” ou objeto, porque essa polaridade é criação da
pequena consciência físico-mental, que, nesse plano, não funciona.
Uma vez que a minha consciência individual submergiu irrevogavelmente no
oceano da grande Consciência Universal – como poderia eu sofrer tamanha
decadência ao ponto de pedir algo? Mesmo o algo mais perto de mim, o meu
ego, deixou de existir – quanto mais os algos mais distantes de mim, os objetos
do mundo externo.
É, pois, evidente que o homem imerso na oração superior é incapaz de pedir
algo a Deus, e isto não por virtuosidade, mas sim por grande compreensão e
sabedoria. O seu único desejo é a crescente identificação com a Realidade
Infinita.
“Venha o teu reino...”
“Seja feita a tua vontade...”
***
Entretanto, cada um deve orar no nível em que vive, sem orgulho nem
presunção. A total realização do nível em que vive de momento é a melhor
preparação para a ascensão a um nível superior.
Conformidade e não-conformidade – é esta a grande lei da evolução. Deve o
homem conformar-se plenamente com o nível da sua evolução atual – e ao
mesmo tempo não-conformar-se de modo que nele encontre definitiva
satisfação. Se não se conformar com o que tem, vai ser tragado
impiedosamente pelo ambiente em permanente luta – se, depois de se
conformar, não se inconformar, entrará em estagnação e morte.
***
A razão por que não podemos entender como a oração atua é o fato de que
“entender” representa um “menos”, algo individual, unilateral – ao passo que a
oração em si mesma tem que ver com um “mais”, com a ordem cósmica,
universal, onilateral, com o grande TODO. O “menos” não pode jamais
“compreender” (prender, abranger, totalmente), mas tão-somente “entender”, e
assim a maior parte do “compreender” fica fora da sua zona e jurisdição.
Por isto, o benefício da oração é certo, mas o modo como ela atua é incerto, e
nunca será certo, à luz do intelecto analítico. A oração nunca será objeto de
uma investigação ou técnica científica.
O mundo fenomenal jamais poderá compreender o mundo numenal, embora
este domine aquele.
Pela oração, o homem, primeiramente, entra para seu interior, para dentro da
Realidade; daí ele toma rumo ao mundo exterior, levando consigo a luz de
dentro e transfigurando com esta luz todas as coisas do mundo externo.
Graças a essa completa identificação com a Última Realidade, a oração
superior adquire, ou antes recebe, uma compreensão total da Realidade, que é
Sabedoria Cósmica, Sabedoria que, até essa data, lhe era oculta.
O requisito preliminar e a condição sine qua non desse estágio superior de
experiência é não somente uma caridade geral, no sentido ético, mas também
uma irrestrita reverência e lealdade para com todas as formas de vida. Essa
constante e espontânea afirmação de todas as formas de vida, irradiações da
Vida Universal, cria na alma um clima de profunda paz, uma completa ausência
de ansiedade, e, por isto, uma alegria e uma beatitude que ninguém conhece
que não tenha submergido nesse luminoso oceano da Suprema Realidade.
Para o homem identificado com a Suprema Realidade já não existe, nem pode
existir, medo, porque medo supõe inferioridade, que nasce da ignorância – ele,
porém, é um sapiente,
Essa experiência divina, que é o fruto maduro da oração, faz o homem
totalmente livre, e, portanto, onipotente.
Por meio da oração volta o homem, perifericamente disperso, a um TODO
central; e esse sentir-se-um com o grande TODO lhe dá indizível segurança e
felicidade. Todo o dualismo causa insegurança-e infelicidade.
Pela oração, eu me afasto do pluralismo do mundo objetivo e incerto e me
aproximo do monismo do mundo subjetivo e certo. O resultado desse
afastamento do caos não é monotonia, mas sim harmonia.
Mas só o verdadeiro iniciado sabe o que é harmonia; para os outros é apenas
uma bela palavra ou um lindo ideal.
A oração me faz saborear o grande Além-de-dentro – que é o grande Além-defora; depois de cruzar a fronteira da minha consciência. “Eu e o Pai somos
um”...

A FASCINANTE AVENTURA DA
ORAÇÃO SUPERIOR
A prece, nos seus estágios superiores, aparece sempre aureolada de um tal ou
qual espírito aventureiro – a tendência de abandonar o que é familiar,
confortável, facilmente compreensível e atingível, e o anseio de explorar
mundos ignotos e dificilmente conquistáveis. Velhas garantias e seguros
tradicionais são ultrapassados, e, em lugar deles, surge o espírito pioneiro de
uma grande mobilidade através de zonas de estranha incerteza inicial.
Desaparecem os estreitos trilhos do instinto rotineiro e aparecem as tateantes
interrogações do vasto mundo da fé... Desperta na alma outonal a tendência
migratória da sua íntima natureza... Sem saber exatamente para onde vai,
sente a necessidade de abandonar as conhecidas querências de antanho...
Não há largas avenidas em perspectiva – há tão-somente ínvias florestas a
desbravar, desertos anônimos a cruzar, onde, de longe em longe, aparecem
rastos incertos de algum solitário viajor que por aí tenha passado em tempos
idos... Mas a alma migratória confia em sua intuição divina... A oração, humilde
e intensa, lhe é um fio de Ariadne através de todos os labirintos...
Com efeito, a íntima essência da oração superior é suprema libertação. É a
voluntária renúncia a velhos hábitos rijamente solidificados através de séculos
e milênios... Assim, em tempos pré-históricos, deve o homem dos sentidos ter
lutado, no processo da sua intelectualização, para se emancipar de hábitos
subconscientes em prol da sua entrada no mundo consciente...
A transição da estreiteza e passividade da consciência gregária, própria de
todos os rebanhos humanos, para a consciência individual, e desta para a
consciência universal – é um drama multimilenar de estupenda grandeza e
tragicidade, desde os abismos do homem meramente sensitivo, através dos
planos do homem mental rumo às alturas do homem espiritual – e não há nada
que lhe possa garantir êxito nessa jornada ascensional senão a verdadeira
oração.
Há, nessa silenciosa epopéia, uma sucessão de trevas e de luzes.
Da noite total dos sentidos para a penumbra do intelecto.
Da semi-luz matutina do intelecto, através do misterioso eclipse da fé, para o
sol meridiano da experiência direta de Deus.
É esta a fascinante aventura da oração superior...

OS SANTOS PROVAM A VERDADE
DUMA IGREJA?
O argumento de que uma igreja que produz santos seja santa em si mesma,
como igreja organizada, é insustentável à luz da lógica imparcial. Os
verdadeiros santos pouco ou nada têm que ver com os arranjos artificiais duma
organização, que, em qualquer hipótese, é uma criação da inteligência. Os
dirigentes duma organização eclesiástica são, não raro, extremamente maus.
Francisco de Assis e Tomás de Aquino viveram, ambos, no século 13, ambos
dentro do mesmo organismo eclesiástico – mas são de gênio tão diverso como
o dia e a noite, e os dirigentes da igreja desse tempo pertencem aos piores que
a história conhece. O teólogo napolitano, de acordo com a mentalidade da
época, aprova e defende, em sua “Summa Theologiae” e “Summa contra
Gentiles”, a liceidade da pena de morte e do extermínio violento de hereges –
ao passo que o poverello da Umbria, na sua vasta intuição mística, é amigo de
todos os seres vivos do mundo.
Há santos em todas as religiões – o que não prova que essas religiões sejam
boas como um todo. Santidade é atributo do indivíduo, e não duma
coletividade.

VERDADEIRA CATOLICIDADE
Todo o verdadeiro monoteísta, ou melhor, monista, que realize pela ética a sua
mística, é genuinamente “católico”, quer dizer, “universalista”. Católico nãouniversalista é pseudo-católico.
Nenhum dos grandes místicos da chamada igreja católica concorda com a
cosmologia e teologia dessa igreja – ao passo que todos concordam
admiravelmente com a orientação espiritual de seus irmãos de outras religiões,
mesmo fora do Cristianismo organizado. Há uma grande afinidade entre os
maharishis da Índia e os sufis da Arábia, por um lado, e os verdadeiros
místicos cristãos, quer católico-romanos, quer evangélico-protestantes. Todos
pertencem à “comunhão dos santos”, à “irmandade branca dos irmãos
anônimos”. São João da Cruz, por um triz foi condenado como herege, e o
texto dos seus livros espirituais, por muito tempo, apareceu mutilado pela
autoridade eclesiástica. Luiz de Granada esteve quatro anos nas cadeias da
Inquisição por causa da sua explicação do “Cântico dos Cânticos”. Meister
Eckhart, o maior dos místicos medievais, sempre foi suspeito de heresia e seus
livros foram proibidos após a morte dele.
Aceitar um santo ou místico deste ou daquele grupo espiritual não equivale a
aceitar o grupo como tal, porque a santidade, sendo atributo do indivíduo, nada
tem que ver com o grupo organizado. Todos os místicos do mundo, dentro e
fora do Cristianismo organizado, formam uma espécie de super-ecclesia,
porque representam a legítima ekklesia, palavra grega composta de ek e kaléo
(chamar para fora, selecionar) e cujo sentido exato é “elite” ou “seleção”. O
sentido de “igreja” não é massa, mas elite; é aquele pusillus grex ou pequeno
rebanho, de que fala Jesus. A igreja é universal cósmica. Uma igreja sectária é
uma pseudo-igreja. A verdadeira catolicidade cósmica abrange judeus, hindus,
árabes, taoístas, budistas, cristãos, etc., suposto que eles tenham verdadeira
experiência de Deus e manifestam essa sua mística divina na ética humana. O
primeiro mandamento, que é a mística, e o segundo, que é a ética, sintetizam
toda a religião, como diz o Nazareno.

PROCESSO DE INCUBAÇÃO
A vida humana é, a bem-dizer, um processo de incubação, transição de um
estado de consciência a outro. A nossa consciência espiritual, ainda hoje em
estado de latência, tem de passar da sua potencialidade para a atualidade. E o
calor necessário para promover essa longa incubação se chama “oração”.

A LEI DA EVOLUÇÃO
O íntimo quê da evolução, sobretudo no mundo espiritual, não é segurança,
estabilidade, calma, mas sim o desejo de ultrapassar todas as fronteiras da
vida já vivida e conhecida – e isto significa aventura, perigo, incerteza; é o
abandono de todos os Iitorais familiares e o salto mortal para dentro de um
mundo totalmente ignoto.
É também este o íntimo quê do amor, que deseja arriscar algo e ultrapassar o
seu próprio Eu conhecido. O amor é essencialmente cósmico.

INSTINTO – FILTRO SELETIVO
O instinto é uma espécie de filtro seletivo; o animal sabe com infalível certeza o
que lhe convém e o que não convém. Com o advento do intelecto humano
perdeu-se esse filtro, e não pode ser reavido. Uma vez consciente, o homem
não consegue voltar a ser subconsciente. Mas o seu intelecto consciente não
funciona com a mecânica infalibilidade do instinto; é extremamente móvel e
variável, como a corda de um violino, que pode produzir ilimitada variedade de
tons e semitons, ao passo que um disco de gramofone produz unicamente os
sons que estão gravados nele; o disco tem infalibilidade sem variabilidade; o
violino tem variabilidade sem infalibilidade.
Quando, um dia, o homem atingir a consciência cósmica, possuirá infalibilidade
máxima com variabilidade máxima. Não existe instrumento no mundo material
que simbolize esse estado de suprema segurança e suprema mobilidade. É o
estado da harmonia cósmica, feita de unidade e diversidade.

TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO
No princípio, oramos em prol de nós mesmos, com o desejo de alcançar algum
objeto que, em nossa ignorância, julgamos necessário para a nossa felicidade.
Mais tarde, oramos pelo bem de outras pessoas, para as libertar de algum mal
e conseguir-lhes algum bem.
Finalmente, não oramos por objeto algum, mas tão somente pela progressiva
identificação do sujeito individual Eu com a Realidade Universal, Deus. E todo
o nosso desejo se resume no anseio de estarmos muito tempo na luminosa
presença de Deus, assim como a planta deseja estar envolta e penetrada pela
luz solar. Todo o nosso impuro desejo de “ter” acabou no puro desejo de “ser”.
E então só conhecemos esta grande melodia: Deus, santificado seja o teu
nome... venha a nós o teu reino... seja feita a tua vontade...

EMBRIÃO MATERIAL – EMBRIÃO ESPIRITUAL
O embrião material do homem leva 9 meses para seu desenvolvimento no seio
materno – o embrião espiritual leva cerca de 900 meses, ou 70 anos, para
atingir suficientemente evolução, independente do seio materno da natureza
físico-mental; mas a sua evolução continua indefinidamente.

A NATUREZA: É DEMOCRÁTICA
– OU ARISTOCRÁTICA?
A natureza não faz caso de massa, mas sim de elite. Produz milhões e bilhões
de seres inferiores, para, finalmente, produzir um único ser superior. A massa
serve apenas de pedestal para a elite. A vasta horizontal tem de servir à alta
vertical. A natureza visa qualidade, e para isto ela se serve de quantidades.
Isto é aristocracia? Ou, quem sabe, antes hierarquia...

PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA?
Pode dizer-me por que está aqui? Donde veio? Para onde vai?... Pode dizerme a última razão de todo esse sofrimento?...
Pode uma lagarta solver o problema da sua vida? Pode dizer-nos por que vive
a comer sem cessar? Por que morre? Porque repousa no interior do casulo?
Não! A lagarta não pode dar resposta a essas perguntas, porque não sabe o
porquê dos seus atos; só depois de virar borboleta, e olhando para trás, é que
pode solver os enigmas da sua vida de lagarta.
E você julga poder saber agora por que vive, sofre e morre? Você, que ainda é
muito “lagarta”? Solver de verdade só se pode de cima para baixo, não de
baixo para cima, só do superior para o inferior, e não vice-versa.
Agora, meu amigo, você pode apenas crer numa solução definitiva – saber só
pode depois de passar para um plano superior de experiência e vivência.

DEUS MANDA DOENÇAS?
Jesus admite a relativa imperfeição do Antigo Testamento: “Foi dito aos antigos
– eu, porém, vos digo”... “Eu não vim para abolir a lei e os profetas – mas para
levá-los à perfeição.”
Uma das maiores imperfeições da Lei Antiga é a idéia de que Deus mande aos
homens doenças para os “castigar”. Jesus ensina que as doenças são “obras
de, Satanás”, isto é, da inteligência não devidamente iluminada pelo espírito.
“Não tornes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.” “Tem confiança
(disse ao paralitico) os teus pecados te são perdoados”. No caso da mulher
encurvada havia 18 anos, afirma o texto sacro: “Satanás a mantinha presa,
havia 18 anos” – Deus, – ou Satanás?...
O nosso Lúcifer intelectual, mal orientado, transgride as leis da natureza, que
são as leis de Deus; e provoca doenças – o Cristo divino em nós derrota o
nosso Lúcifer e promove a cura.
Se doenças fossem provas do amor divino, por que não consta de uma única
doença de Jesus?
Verdade é que, uma vez doentes por causa da nossa inteligência unilateral, o
melhor, que podemos fazer é aceitar o sofrimento como castigo e remédio, a
fim de alcançarmos redenção.

O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO
Aparece em afirmações positivas, e não em pedidos.
Pai nosso, que estás nos céus!
Santificado é o teu nome.
O teu reino vem.
A tua vontade é cumprida na terra como nos céus.
Tu nos dás hoje o nosso pão de cada dia.
Tu nos perdoas as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos
devedores.
Tu não nos induzes em tentação.
Tu nos livras do mal.

ANÁLISE PSICOLÓGICA E
SÍNTESE METAFÍSICA
Estas duas ciências, aquela do Ocidente, esta do Oriente, abrem o caminho
para um conhecimento melhor de Deus e do homem. Dão, pelo menos, a linha
reta que o homem deve manter para chegar ao destino, preservando-o dos
inúteis ziguezagues.
No princípio, o homem está numa união inconsciente com o Grande Todo,
como toda a natureza inferior (o homem do Éden).
Depois, entra na zona de uma desunião consciente com grande Todo (o
homem nos domínios de Lúcifer).
E, finalmente; sobe às alturas duma união consciente com o Grande Todo (o
homem no reino do Cristo).
CURA PELO PODER ESPIRITUAL
Por que é tão rara, hoje em dia, a cura espiritual? Quando é evidente que
Jesus legou esse carisma a todos os seus discípulos?
É porque o mundo cristão de hoje não é realmente crístico, salvo raras
exceções. Uns professam um Cristianismo puramente externo, liberal, de
simples conveniências sociais, sem nenhuma convenção pessoal; outros
pertencem a um Cristianismo estreitamente sectário. Estes são verticais sem
horizontalidade, aqueles são horizontais sem verticalidade; nenhum deles é
vertical-horizontal, isto é, crístico ou cósmico.
O verdadeiro discípulo de Cristo deve possuir profunda experiência de Deus e
vasta benevolência para com todos os filhos de Deus – então terá ele nas
mãos o poder de Deus e curará qualquer doença física e mental.
Profundidade e amplitude são o segredo do poder.

POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS?
Em última análise, quem se entusiasma por um guia espiritual, entusiasma-se
por seu próprio Eu divino ou Cristo interno, porque, potencialmente, todo
homem é o que alguns já são atualmente. Dentro de cada um de nós dorme
um gênio metafísico e místico; quando então aparece, no plano objetivo, um
gênio espiritual, nós sentimos, nas incônscias profundezas da nossa natureza
humana; que aquilo somos nós em germe; percebemos o eco de uma voz
longínqua, as vibrações de uma luz, o calor de um fogo que também está em
nós, mas ainda implicitamente, quando naquele gênio espiritual esse fogo já
arde explicitamente. Todo combustível – lenha, carvão, gasolina, etc. – é fogo
potencial, assim como o fogo é combustível em estado atualizado.
“Se o olho não fosse solar – diz Goethe – jamais poderia contemplar o sol.”
Da mesma forma, se a alma não fosse divina ou crística, jamais poderia
responder à voz de Deus ou do Cristo.
Por isto, o cristianismo – ou “cristismo” – da alma humana entra em vibração
quando outra alma, já em adiantado estado de cristificação, aparece no cenário
– assim como a semente, no fundo da terra, começa a vibrar quando percebe,
em plena escuridão, as misteriosas vibrações do calor solar.
Em última análise, o nosso guru ou guia espiritual externo é o nosso Eu divino
ou Cristo interno, personificado casualmente no mestre A, B ou C.
COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU
– QUANDO OUTROS SOFREM NO INFERNO?
O homem comum, de visão curta e sentimento obtuso, pode achar compatível
a idéia de um céu eterno para ele e seus amigos com a consciência de um
inferno para outros seres humanos – ao passo que o verdadeiro místico, ou
homem cósmico, não se sente plenamente remido e bem-aventurado enquanto
sobrar um único ser humano ainda irredento e em sofrimento. Para ele, não
pode haver céu e inferno, mas tão-somente céu ou inferno.
A tese teológica de que os bem-aventurados mereceram o seu céu, e os
condenados mereceram o seu inferno é tranquilamente aceita pelos profanos,
exotéricos e analfabetos da experiência cósmica – mas atua como horripilante
monstruosidade sobre a apurada consciência de qualquer homem que tenha
chegado à experiência da paternidade única de eus e da fraternidade universal
da humanidade.
Como poderia eu sentir-me integralmente salvo – enquanto um só dos meus
irmãos humanos continua ainda necessitado de salvação?
Um bem-aventurado capaz de gozar o seu céu, sabendo que milhares de seus
irmãos estão sofrendo o seu inferno, deve ser mesmo um requintado egoísta.
Se assim fosse, eu, por mim, simpatizaria mais com os egoístas no sofrimento
infernal do que com os egoístas no gozo celestial.
Quando deixará a nossa teologia de ser tão unilateralmente teórica e se tornará
onilateralmente cósmica?...

AMOR FRUSTRADO
“Se amor fosse simplesmente atração sexual, um superficial sex-appeal, não
poderia haver verdadeira frustração, nesse plano, porquanto o mundo está
cheio de seres masculinos e femininos, de maneira que, falhando um, o
frustrado ou frustrada poderia escolher outro – e acabaria a frustração.
Mas o verdadeiro amor é algo muito mais além do simples macho e da simples
fêmea. No mundo animal não há frustração, porque não existe verdadeiro
amor. Quanto mais humano é o homem ou a mulher, maior possibilidade existe
para uma frustração amorosa trágica, mortífera. O verdadeiro amor é algo
cósmico, místico, único e irrepetível, do qual não se pode fazer, sem mais nem
menos, uma segunda ou terceira edição; ele está para além do nosso alcance;
é algo que nos “acontece”, e não está em nosso poder fazer com que
“aconteça” pela segunda ou terceira vez. Algo se partiu nesse delicado cristal
da alma que amava, e não há conserto... Se os nossos romances e películas
cinematográficas substituem, em cinco ou dez minutos, um amor por outro
amor, provam apenas a sua horripilante superficialidade, e, para cúmulo do
nosso barbarismo civilizado, essa banalidade é considerada como um
progresso...

EXPERIÊNCIA CÓSMICA
É algo para além da mística, ou então uma mística universal. O místico foge do
mundo para se encontrar com Deus, mas o homem da experiência cósmica
penetra tão profundamente na alma do universo, que atinge o Deus do mundo
no mundo de Deus. Naturalmente, não é o homem que realiza essa
experiência – ela lhe “acontece” com um contato vital com a própria Vida do
Universo. Daí por diante, todo o seu antigo “dever” ético se transforma num
novo “querer” místico, numa fome e sede, num flamejante entusiasmo, numa
irresistível paixão por essa estupenda Realidade que está para além de todos
os nomes, como a Vida, o Espírito, o Amor, a Beatitude...
Para o mundo profano em derredor, esse homem deve necessariamente
parecer um louco ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por
normal se entende essa cegueira habitual dos inexperientes e essa
insensibilidade paquidérmica dos profanos. Esse homem é normal “para cima”,
supra-normal, e não anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes.
Mas, como o homem comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem
algum conhecimento do infra-normal – que admira que coloque o supra-normal
no plano dos infra-normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu
conhecimento – ou da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no
cognoscente segundo a capacidade do cognoscente”. O homem normal pode
conhecer o infra-normal, que para ele é um “menos”, mas não pode saber o
que seja supra-normal, porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber
coisa maior do que ele mesmo é; o nosso “ser” é a bitola do nosso “conhecer” –
agere sequitur esse (o agir segue o ser).
Entretanto, são esses homens de experiência cósmica os únicos que garantem
a continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. São como
impetuosos incêndios de fogo autônomo, de cuja alma os outros recebem luz e
calor, alguma centelha ou algum clarão emitidos pelo vasto incêndio da
experiência cósmica desses poucos que alimentam os muitos.
TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA
Com a afirmação de que, na hóstia consagrada, não exista mais a substância
do pão, mas existe a substância do corpo de Jesus, aventurou-se a teologia
eclesiástica na perigosa vizinhança da física nuclear. Nos outros dogmas,
puramente espirituais e transcendentes, não existe esse perigo; estão a salvo
de qualquer experiência de laboratório ou reator atômico.
A física nuclear dos nossos dias não admite substâncias, no plural; conhece
uma única substância, que, segundo a matemática de Einstein, é a luz
universal. Substâncias, no plural, seriam as diversas formas da luz, como, por
exemplo, os 92 elementos naturais da química, desde o hidrogênio (H) até ao
urânio (U). Entretanto, é possível provar experimentalmente que, após a
consagração, a substância do pão continua presente na hóstia, inalterada, e
não foi substituída por nenhuma outra substância. Logo, no plano objetivo,
ontológico, não houve nenhuma “transubstanciação”, como o dogma afirma.
Objetam os fiéis que a verdadeira substância do pão não é acessível às
experiências de laboratório, que atinge apenas os acidentes, como a cor, o
sabor e o cheiro do pão. É absurda essa evasiva. Ninguém se pode alimentar
de acidentes dessa natureza – mas quem comesse suficiente número de
hóstias consagradas poderia viver desse alimento; idem, quem bebesse
bastante vinho consagrado ficaria bêbado. Logo, ainda persiste a substância do
pão e do vinho, como aliás, é fácil verificar por uma análise química.
Entretanto, não negamos a presença real do Cristo sob essas espécies; mas
essa presença é criada pela fé do crente, é uma presença subjetiva, e não
objetiva. Portanto, uma presença fictícia, ilusória? De forma alguma! As
criações da nossa fé não são irreais; são até mais reais que as coisas
objetivas. O sujeito consciente é muito mais poderoso do que os objetos
inconscientes, ou apenas subconscientes.

MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS
MATEMÁTICA ESPIRITUAL
No plano físico-mental, o efeito é diretamente proporcional à sua causa; se
bato um prego com 10 graus de força ele entrará na madeira numa
profundidade correspondente exatamente a esses 10 graus. Coisa análoga
também acontece no terreno mental. O resultado é diretamente proporcional à
atividade do agente.
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Ideias avulsas sobre Deus, o homem e o universo

  • 1. HUBERTO ROHDEN ÍDOLOS OU IDEAL? PENSAMENTO AVULSO SOBRE DEUS, O HOMEM E O UNIVERSO UNIVERSALISMO
  • 2. ADVERTÊNCIA A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.
  • 3. ÍDOLOS OU IDEAL? O título e o conteúdo deste livro nos colocam diante de um impasse existencial. Iremos adorar ídolos ou iremos viver um Ideal? Cada um de nós, num determinado momento de nossas vidas, chega a essa filosófica pergunta. E a resposta e vivência dessa pergunta determinará a qualidade e a finalidade de nossa existência. Devemos aprender com a sabedoria milenar dos tempos: Somos livres para semear, mas somos obrigados a colher aquilo que semeamos. A escolha é da responsabilidade de cada um. Essa é a inexorável lei cósmica que rege a harmonia do Universo. A mensagem deste livro nos ajuda a fazer a escolha melhor. Gradativa e didaticamente, Rohden vai nos mostrando, através de pensamentos sobre Deus, o homem, o universo, a vida, o verdadeiro caminho existencial que todo o ser humano pode e deve percorrer na sua evolução. O livro oferece a vantagem de não exigir uma leitura contínua e concentrada. Num minuto podemos “pegar” um fragmento, uma metáfora, um aforismo e lêlo isoladamente até à assimilação inconsciente, para que fique fermentando e programando nosso agir cotidiano. Esses fragmentos condicionadores de atos e atitudes positivas e de “correto agir” são de grande valia para atingirmos nossa grandeza humana e espiritual. Intuitivamente Rohden começa nos ensinando a importância de “Fechar o Circuito”. Diz ele: “Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta. Assim, se alguém só quer receber e não quer dar, devolvendo à usina divina o que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que de Deus recebeu. „De graça dai o que de graça recebestes‟. Onde não há efluxo de bens na horizontal, não pode haver influxo na vertical: homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. A falta de fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia moral.” O supremo ideal do homem deve ser sua própria auto-realização.
  • 4. PRELIMINARES Sou carpinteiro, nas horas vagas. Depois de terminado algum trabalho maior, fica o soalho da carpintaria cheio de pedaços e pedacinhos de madeira, tábuas e sarrafos de diversos tamanhos e feitios. Em vez de jogar fora ou usar como lenha essas sobras, reúno as melhores e delas faço algum objeto útil ou de simples enfeite: uma casinha para as corruíras fazerem ninho, uma cadeirinha ou mesinha para crianças, uma casinha de bonecas, ou algum vaso para flores. Durante quase meio século escrevi e publiquei umas dezenas de livros, sobre filosofia universal, filosofia do Evangelho, assuntos de religião, biografias e divulgação científica; mas os meus livros não-publicados são mais numerosos que os que andam nas mãos dos leitores: e mais numerosos ainda são os cadernos de pensamentos vários, impressões de fora e experiências de dentro – um mundo de coisas heterogêneas, fragmentos de todas as espécies. Ora, em vez de deixar às traças, ou à arbitrariedade dos pósteros, esses fragmentos da minha carpintaria literária, resolvi reunir algumas dessas idéias avulsas e dispersas, na esperança de que, talvez, algum leitor se encontre a si mesmo nesses ecos multiformes e multicores da minha alma. Não procure, portanto, o leitor unidade ou sequência lógica entre os capítulos de um livro que não tem pretensão alguma de ser um todo homogêneo ou logicamente concatenado. Abra este volume em qualquer página e leia o que lhe cair sob os olhos. Verá que, não raro, necessita precisamente daquilo, para seu alimento interior, o que casualmente encontra. De resto, nessa febricitante lufa-lufa da civilização moderna, sobretudo nas grandes metrópoles, poucos leitores têm paciência e lazer para estudar um volume que desenvolva coerentemente uma determinada idéia; muitos preferem um bric-a-brac de assuntos que possam ler em cinco ou dez minutos. Pois bem, neste volume de “fragmentos” – e, se Deus quiser, em mais alguns volumes futuros – encontrará o leitor o desejado alimento em bocados de fácil e rápida ingestão. *** Não me é possível precisar até onde vai a minha paternidade literária no tocante a muitos dos pensamentos deste volume. Quem passa pelo mundo de olhos abertos e espírito alerta; quem passou longos anos fora da terra natal;
  • 5. quem entrou em contato mental e espiritual com numerosos pensadores e leu grande número de livros, em diversas línguas – não está em condições de discriminar, no fim, qual a porcentagem de idéias próprias e quais as de origem alheia. Em certo sentido, todos os nossos pensamentos são alheios, embora, em outro sentido, sejam nossos, uma vez que cada pensamento pensado por outrem, e repensado por nós, assume o colorido do nosso ego personal – e, assim, o filho adotivo passa a ser filho próprio. Servindo-nos da terminologia aristotélica, diríamos que, embora a matéria das nossas idéias seja de todos, a forma é nossa, e, sendo aquela o elemento determinável, e esta o fator determinante, todos os pensamentos que mergulharam nas profundezas da experiência pessoal são mais daquele que lhes deu forma determinante do que daqueles que forneceram apenas a matéria determinável. Apagam-se cada vez mais as fronteiras materiais dos povos, nessa idade dos aviões a jato – e diluem-se cada vez mais as fronteiras mentais, nesse avanço da cultura universal. O leitor que possua suficiente fidelidade a si mesmo não se deixará influenciar por pensamentos alheios ao ponto de perder essa auto-fidelidade, deixando de ser o que é para se tornar o que não é; assimilará o que for assimilável e rejeitará o inassimilável. Diariamente, ingerimos determinados alimentos e até hoje ninguém virou batata, arroz, feijão, pão, manteiga, ou outro manjar que tenha ingerido milhares de vezes, porque o organismo, quando normal e vigoroso, é fiel a si mesmo, transformando em si o objeto, sem se deixar transformar pelo objeto. Faça o leitor o mesmo com estes “fragmentos” – assimile o que corresponder ao estado da sua evolução interna – e deixe de parte o resto.
  • 6. FECHAR O CIRCUITO! Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta. Assim, se alguém só quer receber, e não quer dar, devolvendo à usina divina o que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que de Deus recebeu; porquanto, “o que fizerdes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fazeis”. O SEGURO MORREU DE VELHO Todo homem “seguro” – que muito segura o que tem e não o partilha com ninguém – morre de “velho”, dia a dia, embora pareça moço; porque egoísmo é velhice moral, decrepitude senil. “De graça dai o que de graça recebestes!” (Jesus.) “Temos em nossas mãos bens demasiados.” (Emerson.) Onde não há efluxo de bens na horizontal, lá não pode haver influxo na vertical: o homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. E falta de fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia, arteriosclerose moral. SEGURO DE VIDA Sim – mas da vida dos outros. Eu não posso fazer um seguro de vida pessoal sem fazer um seguro de vida universal. Quem quiser salvar-se individualmente, talvez que entre no céu – mas esse céu é povoado de refinados egoístas como ele, que quiseram salvar-se sem os outros, ou à custa dos outros. Todos eles estão num céu infernal. Prefiro estar num inferno celestial... Não posso ser feliz no meu céu enquanto um único ser humano for infeliz no seu inferno e não tenha a possibilidade de entrar no céu da felicidade. Detesto esse céu! Quero sair dele! Prefiro sofrer no inferno com o grosso da humanidade a gozar nesse céu com uma elite de refinados egoístas.
  • 7. Onde eu possa fazer bem a meus semelhantes, mesmo entre sofrimentos, ali é o meu céu. DEUS EM TI “Despoja-te de toda e qualquer cobiça! O que, depois disto, sobrar de ti, isto é Deus” (Meister Eckhardt). A soma total das tuas cobiças, físicas e mentais, não são o teu verdadeiro Eu – são apenas a tua máscara ou a tua “persona”*. Esse pseudo-Eu da personalidade humana revela-se, precipuamente, de dois modos: pelo instinto de conservação e pelo instinto de propagação, ou seja, pelo egoísmo individual e pelo egoísmo sexual. Deus no homem chama-se a alma, o Emanuel, o Cristo interno, o Espírito santo que habita no templo do corpo. * A palavra latina “persona” (pessoa) quer dizer “máscara”. “Persona”, composto de “per” (através) e “sonare” (soar, falar), era, entre os romanos aquela máscara de boca aberta através da qual os atores do palco falavam. Desempenhar a “persona” ou máscara do rei, do vilão, do mendigo, equivalia à nossa expressão hodierna “desempenhar o papel” de... A pessoa ou personalidade do homem não é, pois, o seu verdadeiro Eu, senão apenas um invólucro, uma máscara fictícia e temporária da sua verdadeira individualidade humana. O seu verdadeiro Ego é sua alma. ESPELHO OU JANELA? O profano egoísta acha-se no meio duma sala cujas paredes são espelhos, como no célebre museu de Grevin, de Paris; para onde quer que ele se volte, só vê o seu Eu, sempre seu próprio Eu – isto é, o seu pseudo-Eu físico-mental que ele erroneamente identifica com o seu verdadeiro Eu espiritual. Que admira que esse homem fique egocêntrico? De repente, enojado desse Eu, quebra um dos espelhos-parede e abre caminho para o mundo objetivo! E fica livre da obsessão do seu estreito egocentrismo. Abriu uma janela! INTROSPECÇÃO NÃO É EGOCENTRISMO Há quem pense que a meditação ou introspecção favoreça o egocentrismo, obrigando o homem a girar em torno de si mesmo. É engano! A introspecção ensina ao homem a ultrapassar o seu ego físico-mental, estreito e unilateral, e encontrar o seu grande Ego espiritual, vasto e onilateral como o próprio Deus
  • 8. de infinita amplitude. Quanto mais o homem se concentra no seu Eu espiritual, na sua alma divina, tanto mais ele se universaliza e diviniza. A consciência universal, porém, é o amor universal e absoluto. CRISTO E CRISTIANISMO Ambos nasceram no Oriente próximo, em sua forma humana – mas o cristianismo eclesiástico é criação típica do Ocidente, que o Oriente jamais aceitará. Se o nosso cristianismo teológico se converter no cristianismo evangélico, também o Oriente se tornará cristão. ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI Stanley Jones, o grande missionário norte-americano da Índia, pediu a Gandhi o orientasse sobre o melhor modo de fazer com que os hindus vissem no cristianismo algo seu, e não um elemento alheio ao espírito da Índia. Ao que o Mahatma respondeu: 1) “Antes de tudo, aconselharia aos cristãos que vivessem assim como o Cristo viveu. 2) Que transformassem a religião em atos, sem lhe fazer violência nem a degradar. 3) Que pusessem ênfase especial na prática do amor, porque o amor é o centro e a alma do Cristianismo. Entendo por amor não algum sentimento emocional, mas uma força creadora, a força do universo moral. 4) Que os cristãos estudassem com mais simpatia as religiões e culturas nãocristãs, para descobrir o que nelas-há de bom e adquirir a faculdade de se aproximar do oriental com maior compreensão.” FALA UM GRANDE INDIÓLOGO Escreve o dr. Erwin Baktay, exímio conhecedor da Índia: “O dr. Stanley Jones ousou dar o passo decisivo; concede, aberta e corajosamente, que mais aprendeu da Índia do que pôde ensinar à Índia. Aprendeu a verdade essencial de que a essência do cristianismo é unicamente o próprio Cristo – todo o resto é aditamento humano, são pontos de vista e sistematizações eruditamente excogitados, e que só em determinadas circunstâncias peculiares têm um direito relativo à existência. A Índia nada pode ter de comum com as guerras de
  • 9. religião do Ocidente, com as controvérsias teológicas e com todo o curso do desenvolvimento do cristianismo segundo o gênio do Oeste; nada pode ter de comum com os problemas locais relacionados com a cultura ocidental – tanto mais, porém, tem a Índia que ver com o Cristo e seu Evangelho. Se o mundo ocidental tinha o direito de desenvolver as correspondentes formas religiosas segundo a sua própria concepção, consoante as circunstâncias da sua evolução – compete à Índia pelo menos o mesmo direito de desenvolver o cristianismo a seu modo, tanto mais que o seu profundo entusiasmo com que, há milênios, vai em busca de Deus, e sua insaciável sede da verdade transformaram o subsolo espiritual do indiano num humus fecundo, muito mais propício à recepção da pureza do Evangelho do que a Europa de outrora, em parte dominada pela cultura heleno-romana, isto é, pagã; em parte dominada pelo barbarismo; mais propício também do que o Ocidente de hoje, obsessionado pelo materialismo, pela ânsia do poder, e que por isto vai definhando num caos de sistemas eruditamente excogitados.” ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE O Oriente trilha, por via de regra, o caminho individual do saber, isto é, da experiência religiosa pessoal; mas isto é privilégio de uma pequena elite; as massas são incapazes de realizar esse encontro pessoal com Deus, contentando-se com os invólucros vazios de yoga, que para elas são meras fórmulas sem conteúdo. O Ocidente desenvolveu o caminho coletivo do amor, inteligível às massas, a qualquer creatura, por mais destituída de inteligência e preparo – crianças e analfabetos, doentes no fundo do leito ou operários nas fábricas – para todos eles é inteligível a linguagem do amor, e, de fato, só aceitam o cristianismo quando lhes vem na forma internacional e interconfessional do amor. Infelizmente, o Ocidente, em geral, não deu importância ao encontro pessoal com Deus, sem o qual todo amor social e coletivo é superficial, meramente emocional, acabando naquilo que temos visto e estamos vendo: guerras, ódio de classes, extermínio de raças, conflitos religiosos. O Oriente não pode aceitar o cristianismo teológico do Ocidente, mas abraçará com entusiasmo o cristianismo do Evangelho, porque vê no Cristo o divino Logos, o eterno Super-Eu, a alma do homem e do universo. Assim, a Índia jamais aceitará um Deus vingativo, como aparece na teologia ocidental; nem a idéia de castigos eternos e a absoluta impossibilidade da conversão; nem tampouco a doutrina do pecado original, de um pecado cometido por outra pessoa e pelo qual eu seria responsável; nem a teologia
  • 10. horripilante da redenção pelo sangue de um homem inocente injustamente trucidado pelos pecadores. CICLOS CÓSMICOS Um ano mundial (aion) abrange cerca de 25.920 anos terrestres. Um mês mundial corresponde a cerca de 2.160 anos terrestres. Cada mês mundial inaugura na terra uma nova era, cujo fim é sempre acompanhado de grandes tribulações e tempestades de todo gênero – expira um inverno tormentoso para dar lugar a uma nova primavera de evolução. O Antigo Testamento decorre sob o signo de Capricórnio, símbolo de violência. Estamos no signo de Peixes, que começou com o nascimento de Jesus; e vamos em breve entrar no signo de Aquário. A era de Peixes é assinalada pela onda cósmica do amor, pelo Cristo, o misterioso “ichthys” (peixe) das catacumbas. A era de Aquário virá a ser o domínio da universalidade, assim como a água é o elemento mais universal na terra, sem a qual nenhuma vida orgânica é possível. Os maus espíritos, que são soltos no fim de cada ciclo cósmico, não são maus em absoluto, mas sim relativamente maus – assim como são más as tempestades que preludiam o advento da primavera e quebram os galhos podres e arrancam as folhas secas, a fim de preparar a grande ressurreição da natureza. Era da serpente rastejante – Lúcifer. Era da serpente exaltada – Cristo individualizado em Jesus. Era do espírito universal – Cristo cosmificado no espírito santo. INDIVIDUAL – COLETIVO O coletivismo só pode ser perfeito pela união de homens individualmente perfeitos, irradiando amor desinteressado. O indivíduo só pode ter possibilidade de ulterior evolução das suas faculdades, através de uma vida fundada num coletivismo perfeito desse gênero. A missão da sociedade está em garantir ao indivíduo, não só a maior segurança, mas também todos os meios necessários para o seu aperfeiçoamento.
  • 11. O maior perigo do coletivismo mal orientado está na tendência de querer suprimir o indivíduo e coibir a livre expansão das suas faculdades e talentos. Valores reais se perderiam deste modo, o que, cedo ou tarde, redundaria em detrimento do Todo Social. O Oriente possui o segredo da evolução individual, mas não conseguiu desenvolver uma vida coletiva para as massas que lhes assegurasse um bemestar dignamente humano; e por isto milhões de seres humanos vegetam e sofrem em condições indizivelmente tristes. No Ocidente houve mais coletivismo, mas, devido à falta de cultura individual, o próprio coletivismo degenerou em maldição. Quando surgirá o homem completo, integral, o homem cósmico? Já apareceu, mas são poucos que conseguiram trilhar o mesmo caminho. “Eu vim para que os homens tenham a vida – e a tenham em maior abundância.” A RELIGIÃO DE EINSTEIN “A minha religião – diz ele – consiste numa humilde admiração do espírito supremo, ilimitado, que se revela nos pequenos detalhes que somos capazes de perceber com a nossa mente débil e fraca: – a presença de um Poder Racional superior, revelado no universo incompreensível – é o que é a minha idéia de Deus.” O COSMOS É INDIVISÍVEL Escreve o grande cientista contemporâneo, Dr. Gustavo Stromberg: “Temos razões para crer que todos os atributos do cosmos sejam interrelacionados e formem um Todo unificado. O cosmos em si mesmo é um e indivisível; e é devido a uma peculiaridade da nossa mente e do nosso sistema nervoso que o apreendemos na forma de categorias (quer dizer: fenômenos concretos). Matéria, vida e consciência têm as suas raízes num mundo além de tempo e espaço.” CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO Escreve Lincoln Barrett, na obra The Universe of Dr. Einstein: “Permanece o mistério fundamental. Toda essa marcha da ciência rumo à unificação dos
  • 12. conceitos – a redução da matéria a elementos, a uns poucos tipos de partículas, a redução das forças ao simples conceito de energia – tudo isto continua ainda a locar-nos ao Desconhecido.” HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES GÊNIOS RELIGIOSOS Escreve o filósofo Erich Fromm, em seu livro Psychoanalysis and Religion: “Quando tentamos dar um quadro da atitude humana que serve de substrutura ao pensamento de Lao-Tse, de Buda, dos Profetas, de Sócrates, de Jesus, de Spinoza e dos filósofos do Esclarecimento, fere-nos a atenção o fato de que, não obstante notáveis diferenças, existe um centro de idéias e normas comuns em todos esses ensinamentos. Sem pretendermos apresentar uma formulação completa e precisa, passaremos a descrever, aproximadamente, esse centro comum: 1) deve o homem esforçar-se para atingir a verdade, e o homem só pode ser plenamente humano na proporção que realizar essa sua missão; 2) deve o homem ser independente e livre, um fim em si mesmo, e não um meio para os propósitos de quem quer que seja; 3) deve estabelecer entre si e seus semelhantes uma relação de amor; se lhe faltar o amor, não passará de um invólucro vaio (empty shell), mesmo que possuísse todo o poder, todas as riquezas e toda a inteligência; 4) deve conhecer a diferença entre o bem e o mal, e deve aprender a ouvir a voz da consciência e tornar-se capaz de segui-Ia.” O PERIGO DE NÃO FAZER NADA “Entre as grandes coisas que não podemos fazer, e as pequenas coisas que não queremos fazer, existe o perigo de não fazermos coisa alguma.” (Adolphe Monod.) PALAVRAS FORTES – CAUSA FRACA “Palavras fortes e amargas indicam, geralmente, uma causa fraca.” (Victor Hugo.)
  • 13. O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO “Quando duas pessoas fazem a mesma coisa, a coisa não é a mesma.” (Publius Syrus.) ALTO – MAS NÃO DEMAIS “Ascende acima das restrições e das convenções do mundo – mas não tão alto que as percas de vista!” (Richard Garnett.) CRIMES E VÍCIOS “Crimes, quase sempre nos chocam demais – vícios, quase sempre, nos chocam de menos.” (C. Hare.) EXCESSIVAMENTE CLARO Dizem uns: O homem de hoje paga os seus débitos de ontem. Opinam outros: O homem de hoje paga os débitos do pai comum da humanidade. Acham outros: O homem de hoje não paga débito algum, mas nasceu simplesmente nesse estado inferior. Essas três teorias, sobretudo a primeira e a segunda, são demasiadamente simples e claras, para serem aceitáveis. Coisa que a inteligência possa facilmente compreender e que não deixe margem para dúvidas e obscuridades, é suspeita de estar aquém da verdade integral. As grandes verdades são certas, intuitivamente, mas não analisáveis, intelectualmente. Podemos intuíIas com a razão espiritual, mas não inteligi-Ias com a mente. Felizmente, nem é necessária essa análise intelectual. Muito mais importante do que esquadrinhar o donde e o porquê do sofrimento é saber o para quê do mesmo e o como da atitude a assumir em face dele, para que promova a nossa evolução rumo às alturas. A VOZ DA INTUIÇÃO Um senso íntimo e indefinível me diz:
  • 14. 1) que não fui o que sou, e que posso vir a ser mais do que sou; 2) que aquilo que posso vir a ser depende de uma integração no Todo, de um serviço prestado ao Universo, ao Todo, a Deus; 3) que todo isolamento ou separatismo é pernicioso, mau, pecador, infeliz; 4) que a integração no grande Todo é feito pelo Amor, por um amor racional, espontâneo, radiante, jubiloso; 5) que esse grande Todo me é acessível, diariamente, na forma da humanidade, de cada um dos meus semelhantes, e da própria natureza infrahumana; 6) que, à luz desse Amor Universal, o passado do homem se torna compreensível, não no plano intelectivo, mas sim o plano intuitivo, que é o verdadeiro saber. Tudo isto que estou dizendo a meus leitores, digo-o em primeiro lugar a mim mesmo. Eu sou o meu leitor e ouvinte número um – o meu pequeno Eu físicomental está sentado como dócil discípulo aos pés do Mestre, que é o meu Eu espiritual, o meu Cristo interno, o meu Emanuel. QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU Deus é aquela Realidade Universal, Absoluta, Infinita, Eterna, Única, que ultrapassa todas as fronteiras das nossas análises intelectuais. Para além dos extremos horizontes de todos os nossos mais arrojados silogismos começa Deus, que não é isto nem aquilo, nem a soma total de todos os fenômenos do universo. Só sei de Deus pela experiência íntima do meu próprio Eu divino. Quem julga ter provado a Deus pelo intelecto é ateu. E quem adora esse Deus demonstrado é idólatra. A VIDA NÃO É UMA TEORIA Há quem se diga agnóstico, há quem se chame ateu. Ambos ignoram a Deus; mas o agnóstico ignora-o sem quebra da lógica, ao passo que o ateu o ignora assassinando a lógica, porquanto afirma conhecer algo que, segundo ele, não existe – como se o inexistente, o puro nada, pudesse ser objeto de conhecimento! Na prática, porém, não há nem agnósticos nem ateus. Em teoria é possível manter-se alguém numa atitude de suspensão ou neutralidade, porque a teoria
  • 15. é um esqueleto inerte; na prática, porém, todo homem assume atitude ou positiva ou negativa – a neutralidade é uma simples ficção mental, inexistente no plano da realidade concreta da vida humana. CRER OU DESCRER NADA RESOLVE Crer em Deus não resolve os problemas da vida – descrer dele, ainda menos. Mas o crer torna suportáveis os sofrimentos da existência, ao passo que o descrer os torna insuportáveis. A única coisa que realmente resolve os problemas é o saber, isto é, a experiência íntima da realidade de Deus. Em face do saber desmaiam a noite do descrer e o crepúsculo matutino do crer, assim como as trevas e penumbras fogem diante do sol nascente. Entretanto, o crer é de suma importância, porque é o prelúdio do saber. Ninguém pode saber sem primeiro crer. HARMONIZAR O AGIR COM O SER No meu íntimo SER sou Deus; por isto, no meu externo AGIR também devo ser como Deus. Devo combinar a horizontal da minha ética com a vertical da minha mística, a fim de ser redimido por essa cruz, de ser positivo, mais, infinito, como esse sinal simbólico. Todo o mal da minha vida vem da discrepância entre o meu AGIR e o meu SER. UNO E MÚLTIPLO Deus é um ou uno em sua essência, no seu eterno SER – porém múltiplo na sua existência, no seu AGIR temporário. Os mundos múltiplos são a expressão do Deus uno e único. “CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA” Um brâmane, cultor da mística estática das cavernas solitárias, insistia com Mahatma Gandhi que se retirasse do bulício do mundo e da política para o silêncio duma caverna, a fim de se salvar; ao que Gandhi replicou: “Trago essa caverna dentro de mim.”
  • 16. BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO – RELIGIÕES PARA ELITE Essas religiões são para pequenas elites, seitas, irmandades piedosas, não para a humanidade como tal. No catolicismo romano, só uma pequena elite, os sacerdotes, frades e freiras, com os seus votos separatistas, é que são considerados cristãos de primeira classe; os leigos e casados são tolerados, como seres de segunda classe. De modo análogo, no budismo e bramanismo. O cristianismo, porém, é universal; exige de todo e qualquer homem uma santidade e perfeição completa, uma religião da vida inteira, e não apenas de certas horas devocionais. A única consolação que as religiões ascéticas orientais, e o romanismo clerical do Ocidente, podem dar ao homem no meio do mundo é ter pena dele e augurar-lhe melhor sorte numa futura reencarnação, ou então recomendar-lhe que se resigne com um lugarzinho secundário no céu, deixando os lugares de honra, na imediata vizinhança de Deus, aos heróis da renúncia do mundo de Deus. Para todos eles, a perfeição não está em usar corretamente as coisas que Deus nos deu, mas em recusá-Ias com soberano desdém. PAZ INTERNACIONAL – SÓ NO CEMITÉRIO Depois da primeira guerra mundial, alguém, visitando a Europa devastada, viu por toda a parte cemitérios e mais cemitérios de soldados mortos – americanos, ingleses, alemães, franceses, italianos, russos, israelitas – todos eles pacificamente sepultos uns ao lado dos outros – e não havia guerra entre eles... Será que só quando morto pode o homem estar em paz com seus semelhantes? Sim, só depois de morto – ou morto para a vida do corpo, ou então morto para a vida do seu egoísmo. Se não quiser morrer para o egoísmo, terá de morrer para a vida corpórea, se é que quer ter paz com seus irmãos humanos. Só a pleni-vida do espírito, em vez dessa semi ou pseudo-vida do corpo e da mente é que lhe poderiam garantir perfeita paz no meio duma vida abundante. “Eu vim para que os homens tenham a vida, e a tenham em maior abundância.” “Dou-vos a minha paz”...
  • 17. “Isto vos disse para que minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa alegria”... PEIXINHOS EM POÇAS D’ÁGUA DA PRAIA Cada grupo de peixinhos nessas poças que a maré deixara na arenosa praia discutia com os inquilinos de outras poças, afirmando ser a sua poça o mar e serem eles os únicos habitantes legítimos do oceano. De repente, enorme vagalhão levou de roldão todas as pocinhas d‟água juntamente com seus orgulhosos íncolas, abismando-os nas profundezas do mar. E os peixinhos viram que eram todos irmãos e habitantes do mesmo oceano. BUROCRATIZANDO OU VOLATILIZANDO O CRISTIANISMO São estes os dois grandes perigos da atualidade. O sectário estreito burocratiza o espírito de Cristo, procurando encerrá-lo em fórmulas doutrinárias. O liberal superficial volatiza a alma do cristianismo, difundindo-a pelos vastos areais da sua indiferença religiosa, até não sobrar nada da divina essência do Evangelho. Respeitar a infinita verticalidade do Evangelho, e ao mesmo tempo horizontalizá-lo até aos últimos confins do universo – isto é tremendamente difícil, porquanto o vertical da profundidade e sublimidade parece negar o horizontal da amplitude e universalidade. Assim parece aos profanos liberais e aos estreitos sectaristas – mas o verdadeiro iniciado sabe por experiência íntima que não há antagonismo real entre o vertical da experiência individual e o horizontal da organização social. Mas, para unir permanentemente a barra horizontal com o tronco vertical, requer-se tamanha força espiritual que poucos conseguem essa suprema realização, filha do encontro pessoal com Deus. ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA A Bíblia, sobretudo no mundo protestante, foi transformada numa simples coletânea de preceitos éticos ou numa teologia escolástica, em uma espécie de dose de ópio destinada a manter pacientemente submissas as bestas de carga humanas; dos misteriosos surtos de experiência mística que produziram a Bíblia, desse vastíssimo incêndio do espírito divino de que as palavras
  • 18. humanas são apenas cinzas frias – disto nada sabem nem suspeitam os cultores da “letra morta”. A “bibliolatria”, como lhe chama Harry Émerson Fosdick, é a pior inimiga da Bíblia. REALISMO – IDEALISMO O Cristianismo é um vasto realismo horizontal, animado por um profundo idealismo vertical. O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS Ou o homem tem experiência de Deus – e neste caso vê a Deus no mundo e o mundo em Deus; ou não tem experiência de Deus – e neste caso vê o mundo sem Deus. No meio desses dois extremos estão os que, embora não tenham experiência de Deus, têm contudo a boa vontade de a possuir, e isto é crer. O crente não vê a Deus no mundo, nem o mundo sem Deus – mas adivinha Deus para além do mundo. Para o descrente e o insciente, Deus é inexistente. Para o crente, mas ainda insciente, Deus é existente, porém ausente. Para o experiente ou sapiente, Deus é ao mesmo tempo imanente no mundo e transcendente ao mundo. Este é o homem integral, cósmico, crístico. TOTALITARISMOS – CATÓLICO E PROTESTANTE “O catolicismo tem sustentado o nazismo, o fascismo, o integralismo, e todas as outras formas de totalitarismo político, porque ele mesmo é o totalitarismo por excelência, e numa esfera mil vezes pior que a esfera política, na espera espiritual da consciência. Os países de preponderância católica são invariavelmente aqueles em que o comunismo medra mais espantosamente. O protestantismo tem sustentado o capitalismo e todas as formas de totalitarismo econômico, embora, em teoria, invoque os direitos do indivíduo humano. Só uma profunda e completa remodelação da mentalidade individual, católica e protestante, é que poderá salvar a civilização cristã do Ocidente” (adaptado).
  • 19. MARIA – PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA MÍSTICA-SOCIAL Maria, tocada pelo Espírito Santo, tornou-se a primeira revolucionária em prol do reino de Deus, na era cristã, quando exclamou: “Serviu-se do poder do seu braço para dispersar os soberbos na mente do seu coração e exaltar os humildes... Depôs dos seus tronos os orgulhosos e sublimou os pequeninos... Encheu de bens os famintos e mandou embora vazios os ricos.” (Lc. 1,51-53.) TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA Toda e qualquer revolução que venha apenas como um belo movimento ético ou social está derrotada mesmo antes de começar, porquanto toda a ética é, em si mesma, difícil, cruciante, sacrificial – e estas coisas não têm garantia de solidez e perpetuidade. Só as coisas experimentadas como fáceis, espontâneas e deliciosas é que possuem essa solidez e perpetuidade. Toda revolução construtiva tem de ser baseada, portanto, numa compreensão profunda da realidade do homem e do mundo, numa luminosa visão da essência central das coisas, numa veemente revelação de dentro, porque só esse contacto direto e imediato com a Realidade Eterna do homem e do mundo, essa visão mística do Todo, é que torna a ética fácil e a virtude deliciosa, ateando no homem um incêndio cósmico de amor e de entusiasmo pela verdade e pelo bem. Só se eu conseguir transformar o meu deserto em um oásis, é que estarei disposto a habitar nesse deserto, transformado, pela intuição da verdade oculta, num paraíso de vida e beleza. Felizmente, essa transformação não é filha da ilusão, mas é uma realidade infinitamente mais real do que todas as pseudo-realidades da superfície, uma vez que a onipresença de Deus e sua imanência em todas as coisas, também no deserto, é um fato, e não uma fantasia. Não experimentar essa imanência de Deus em tudo é ver no deserto um deserto de fastidiosa monotonia e vacuidade – mas, desde o momento que o homem experimenta o Deus onipresente e oni-imanente, deixou o deserto de ser uma vacuidade inerte e se transformou numa exuberante plenitude vital. O que mudou não foi o deserto – que nunca esteve “deserto”, mas sim o homem, que de cego se tornou vidente, de ignorante se tornou sapiente, de profano se tornou iniciado, de morto se tornou vivo.
  • 20. INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS DO CRISTIANISMO ETERNO Nos três primeiros séculos não existe, propriamente, interpretação do Cristianismo, porque todo cristão experimentava e vivia diretamente essa estupenda realidade. O fato da invasão do mundo espiritual no mundo material era para eles uma realidade objetiva; subjetivamente vivia em toda a sua plenitude, profundidade e amplitude. No início do quarto século, porém, tinha essa experiência de Deus arrefecido a tal ponto que se tornou necessária uma teoria escolástico-teológica sobre essa grande realidade – fogo bem pintado em vez de fogo real. E esse fogo artificial da teologia teve de substituir o fogo natural do Evangelho, e o cristão foi obrigado a crer na realidade desse fogo irreal na tela teológica, sob pena de ser excomungado da igreja de Cristo. A fim de dar maior realce à ilusão do fogo artificial como sendo fogo real, foram invocados todos os recursos da política, do militarismo, da sociologia, da psicologia, do ritualismo externo, e da força bruta – cruzadas, inquisições, excomunhões, etc. Mas o fogo artificial da teologia não se transformou no fogo real do Evangelho. Os “hereges”, excomungados, passaram a excomungar os seus excomungadores – e seguiuse o caos eclesiástico ao cosmos evangélico. Com Constantino Magno, esse imperador pseudo-converso, surgiu, no setor romano do Cristianismo, o ideal da ditadura dos corpos e das almas, que até hoje continua, pelo menos como ditadura das almas, já que os governos modernos negaram aos teólogos eclesiásticos a ditadura dos corpos. Aparece, no século 16, a tentativa de uma interpretação democrática do Cristianismo: cada indivíduo tem o direito de saber por si mesmo, graças a seus inalienáveis direitos humanos, o que é Deus, o Cristo, a vida eterna, sem a necessidade de interrogar o infalível pontífice de uma igreja hierarquizada. Mas a democracia eclesiástica do protestantismo acabou em anarquia religiosa – por quê? porque eram pouquíssimos os homens espiritualmente maduros e adultos para encontrarem a Deus por si mesmos e em si mesmos. O que encontraram foi o Lúcifer do ego em vez do Espírito de DEUS, porque não cavaram bastante fundo, não atingiram até ao centro da revelação divina, mas pararam na periferia da interpretação intelectual da Bíblia. Prevaleceu a exegese teológica sobre a experiência mística. E assim a tentativa da interpretação democrática do Cristianismo falhou, como falhara a interpretação ditatorial. Aparecem então os ascetas escatológicos – que aliás sempre tinham existido – e tentaram interpretar o Cristianismo como negação radical da vida e do mundo; quanto mais longe do mundo, tanto mais perto de Deus, e vice-versa.
  • 21. Tentaram transformar o mundo de Deus num mundo sem Deus, ou num Deus sem mundo, numa longínqua e solitária e desnuda Tebaida, onde o homem desiludido do mundo se pudesse enamorar e inebriar de Deus, em mística solitude e perpétuo êxtase. Outros, cansados de fracassos, resolveram abrir mão de todas as lucubrações teológicas e contentar-se com um Cristianismo puramente ético-social, horizontalista, superficial. Para que investigar a origem das nascentes, quando se pode beber das suas águas em qualquer ponto do percurso da torrente? Basta que o homem seja bom, justo, correto, honesto, caridoso, afável, amigo de todos, para ser um cristão perfeito e integral. Triunfou então a propínqua superficialidade da ética humanitária sobre a longínqua profundidade da mística divina. Entretanto, as almas mais profundas não valeram sopitar dentro de si as saudades do abismo, a nostalgia do Infinito, o silencioso clamor da sua anima naturaliter christiana; insatisfeitas com as águas derivadas da ética cotidiana, subiram às montanhas eternas para saber onde nasciam essas águas, de que rochedos brotavam, puras, incontaminadas, inderivadas – e muitos desses pioneiros do Infinito nunca mais voltaram às planícies do finito; inebriados da nascente divina, esqueceram-se de todos os rios humanos. Outros, porém, continuaram a beber das águas, mais ou menos turvas, dos rios da ética, inexperientes da linfa puríssima da sua nascente. Quando aparecerá sobre a face da terra o homem cósmico? O homem integral, o homem crístico, que dispense interpretação do Cristianismo, pelo fato de o experimentar e viver em toda a sua plenitude, profundidade, sublimidade e amplitude? Já apareceu, esse homem cósmico, o filho do homem; nasceu no ano 1 da nossa era, e foi crucificado no ano 33... Entretanto, ele está conosco todos os dias até à consumação dos séculos, cheio de graça e de verdade... NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO Não, há cristianismo-teoria. Só há cristianismo-fato. O cristianismo é uma realidade eterna, é realismo a 100%. Por falta de realismo e excesso de irrealismo é que o homem deixa de ser cristão. Antes da Encarnação, o Cristo, o eterno Logos, era Theoria (palavra grega que quer dizer “visão”); depois da Encarnação, essa eterna Theoria ou “Visão” se
  • 22. tornou Praxis, isto é, “Ação”, atualizou-se, tornou-se realidade palpável, visível; o espírito divino do Cristo materializou-se na carne humana de Jesus. O cristianismo é uma permanente Encarnação: o Verbo, ou Logos, se faz carne sem cessar e habita entre nós. Também a vida de cada cristão é uma incessante Encarnação do Verbo, do divino Logos da Alma eterna que se individualiza ou materializa na pessoa de Pedro, Paulo, Maria, Isabel, etc. A visão mística encarna-se diariamente na ação ética – e nasce o homem cósmico, o homem integral. DO CRISTIANISMO AO CRISTO Não é o cristianismo que pode salvar o mundo, mas só o Cristo. O cristianismo é, hoje em dia, teoria e teologia humana, o Cristo é realidade divina. Qualquer reforma religiosa eficiente consiste no abandono das teorias e teologias humanas e no retorno real e total ao Cristo. O mundo de hoje nada tem que esperar do cristianismo, tudo tem que esperar do Cristo. O nosso cristianismo é ficção – o Cristo é fato. O nosso cristianismo é um fogo pintado – o Cristo é um fogo real. DA CARIDADE AO AMOR Se houvesse entre nós mais amor, não haveria necessidade da caridade, porque a caridade é filha da miséria, mas a miséria é filha da nossa falta de amor. O egoísmo humano, que é falta de amor, cria a miséria, a indigência, a pobreza, a fome, a desnudez; e, em face dessa numerosa prole gerada por nosso desamor, faz-se mister a caridade. A caridade não remedia os males da sociedade, apenas os atenua temporária ou parcialmente; é uma espécie de injeção, de anestésico, de soporífero, de pomada ou cataplasma que o homem egoísta que desejaria ser altruísta aplica às dolorosas chagas abertas pelo egoísmo e desamor dos homens. Se não houvesse exploradores, não haveria explorados, e, se não houvesse exploradores nem explorados, não haveria miséria – e não haveria ambiente propício para exercer a caridade. O triunfo do amor tornaria impossível o exercício da caridade – a não ser em casos excepcionais, catástrofes inesperadas, terremotos, incêndios, enchentes, e outros fenômenos não dependentes da maldade dos homens; nessas ocasiões
  • 23. excepcionais seria necessária a caridade, mesmo entre homens cristificados pelo amor; mas a caridade não seria uma necessidade normal, permanente, da nossa sociedade. “Pobres, sempre os tereis convosco; a mim, porém, nem sempre me tereis.” Será que não deveríamos traduzir: “Pobres, sempre os tereis convosco, se não me tiverdes a mim”? A miséria sempre estará presente onde o Cristo está ausente, e, por haver miséria gerada pela ausência do Cristo, faz-se mister a caridade como lenitivo dessa miséria. A abolição radical e definitiva da miséria está na proclamação e vivência do amor. Entre os primeiros discípulos do Cristo, referem os Atos dos Apóstolos, não haveria um só indigente – porque havia o espírito do Cristo, que é amor. CARIDADE, NÃO – JUSTIÇA, SIM Numa das minhas viagens pelo Nordeste brasileiro, fui convidado a falar num centro operário; ao entrar no recinto, verifiquei sobre a porta a legenda: “Não queremos caridade – queremos a justiça do trabalho!” Onde há amor, lá existe a justiça do trabalho, o trabalho devidamente remunerado, de maneira que a pobreza não encontre terreno para prosperar, e torne a caridade desnecessária. O cristianismo doentio dos nossos dias canta apoteoses à filantropia, filha da pobreza e neta do egoísmo – essa filantropia humanitária, talvez a mais perversa heresia dentro do cristianismo ocidental. Tão grande é a sagacidade do nosso inextirpável egoísmo que chega a camuflar em virtude os seus vícios, cantando entusiásticos hinos à caridade e filantropia a fim de poder continuar impunemente, por detrás dessa cortina de fumaça, as suas torpes manobras de descaridosa exploração e aumentar cada vez mais a miséria – sob o rótulo hipócrita de caridade! E destarte, barrado por essa satânica filantropia, não pode o amor do Cristo entrar no coração do homem... “caritativo”... E a miséria continua... JESUS DEU ESMOLA? Não consta. O que consta é que preparou um grupo de homens, como fermento da massa profana, que tornasse desnecessária a esmola, porque aboliria a pobreza pelo amor. Mas os cristãos, abolindo o amor, criaram a pobreza, e, como consequência, a necessidade da esmola. E neste círculo
  • 24. vicioso se debate a humanidade até hoje – até que triunfe o espírito do Cristo, que é amor e justiça. DEUS NÃO ENTRA NA ALMA Encontramos em todas as grandes filosofias e religiões a doutrina sobre a imanência de Deus no homem. Essa imanência divina é chamada o Emanuel (Deus em nós), o Cristo interno, a centelha divina no homem, o alicerce da alma, a voz interior, a luz interna, o espírito santo que habita no templo do corpo, o Eu central, a faculdade intuitiva, o Logos, a Razão, a Consciência Cósmica, o chamamento interno, etc. O certo é que Deus não entra nem necessita de entrar na alma; porquanto ele está na alma desde o início, ou melhor, ele mesmo é essa alma. O que importa é que esse Deus objetivamente presente na alma pela realidade ontológica se torne também subjetivamente presente pela percepção lógica; isto é, que o homem se torne consciente dessa imanência de Deus. Enquanto o homem ignorar essa presença íntima de Deus, ele é mau, pecador, egoísta, porque não renasceu ainda pelo espírito, não se despojou ainda do homem velho, nem se revestiu do homem novo; mas no dia e na hora em que ele se tornar consciente da realidade interna da imanência de Deus nele, esse homem passará das trevas à luz, da morte à vida, do egoísmo ao amor, do pecado à santidade. Não é possível que um homem que tenha conhecido o seu verdadeiro Ser divino viva, por muito tempo, em desarmonia com essa realidade por ele conhecida; cedo ou tarde, o seu Agir se conformará com o seu Ser; a sua Ética se revestirá das cores da sua Mística; a sua Vida será sintonizada pela sua Fé, se é que essa Fé é uma experiência íntima, e não apenas a encampação externa de opiniões alheias. APREENDER E COMPREENDER – DESCOBRIR FATOS, REALIZAR VALORES Aprende-se e apreende-se mentalmente – compreende-se espiritualmente. Aprender e apreender é um processo analítico, silogístico, sensitivo-intelectual. “Não há nada no intelecto que não tenha estado no senso”, diz o velho adágio filosófico. O que os sentidos percebem fisicamente, o intelecto o concebe e elabora metafisicamente; mas essa elaboração metafísica do intelecto não despoja a percepção física do seu caráter visceralmente individual e unilateral.
  • 25. Só quando o homem compreende – isto é, “prende totalmente” – é que ele sabe de fato o que a coisa é em si mesma: Mas esse compreender não é um processo analítico-silogístico, um ato sensitivo-intelectivo; o compreender é um fato simultâneo, repentino, um lampejo de dentro, uma revelação ou iluminação interna, e não uma aquisição externa. A compreensão não é derivada dos objetos externos, mas do sujeito interno, do grande, eterno e infinito SUJEITO, que é Deus, e que, em sua forma humana, se chama alma. Aprende-se de fora, compreende-se de dentro. O aprender é feito pelo ego físico-mental – o compreender é feito pelo ego racional-espiritual, pelo Emanuel, pelo Cristo interno, por Deus em nós. Para aprender necessita o homem de uma vasta expansão em sentido centrífugo – para compreender requer-se uma profunda concentração em sentido centrípeto. A quantidade dos fatos externos apreendidos torna o homem erudito, inteligente – a qualidade do valor interno compreendido torna o homem bom e santo. Nenhuma religião promete o céu aos homens inteligentes – todas prometem o céu aos homens bons; porquanto, descobrir fatos fora de mim me faz apenas erudito, mas não me faz bom; ao passo que realizar valores dentro de mim me faz realmente bom. Eu sou o descobridor de fatos alheios, e isto não atinge a essência do meu ser – mas eu sou também o criador de valores próprios, e isto atinge a íntima essência do meu Eu humano. Ainda que eu descobrisse todos os fatos objetivos do mundo externo, e fosse assim um cientista a 100%, seria feliz? Não! Por que não? Porque não teria criado nenhum valor humano dentro de mim, e, como a minha felicidade é essencialmente idêntica a essa criação de valores internos, nenhum descobrimento de fatos externos afetará o íntimo quê do meu ser; são fatos periféricos, na superfície longínqua do meu Eu; é uma luz fria fora de mim, mas não uma força cálida dentro de mim. O céu da minha felicidade não é fabricado com a matéria-prima impessoal de fatos objetivos, que minha inteligência descobre, mas sim com a força pessoal de valores subjetivos que minha alma cria e realiza. Satanás é o rei da inteligência – mas é infeliz, porque o seu mundo é feito de fatos descobertos por sua poderosa inteligência, mas não de valores realizados por seu espírito. E, por isto mesmo, o seu céu intelectual é o seu inferno espiritual – um céu infernal. Nenhum fato externo me pode fazer feliz ou infeliz – só uma realização interna é que me abre as portas do céu ou do inferno. Eu sou o criador do meu céu – eu sou o autor do meu inferno!
  • 26. É nisto que está o meu maior privilégio – e o meu maior perigo... Quão estupenda era a filosofia cósmica daquele que disse: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer prejuízo em sua própria alma?” Que aproveita ao homem descobrir e possuir todos os fatos externos, pela luz da inteligência – se com isto perder um único grau do seu valor interno, que só a alma pode realizar? A ciência descobre os objetos – a consciência realiza o sujeito! Eu sei do conteúdo da minha ciência – mas eu sou o conteúdo da minha consciência! O que me faz feliz não é aquilo que eu sei, mas aquilo que eu sou... Quando se fundirem numa grandiosa unidade cósmica aquilo que eu sou e aquilo que eu sei – então serei perfeita e perenemente feliz... “O DESERTO VIVENTE” É este o título de uma das mais maravilhosas películas naturistas de Walt Disney, The living desert (em vernáculo: “O drama do deserto”). A vida de todo homem que atingiu certa altura de evolução interior é um “deserto vivente”. A sua solidão externa cresce na razão direta da sua vitalização interna. Os ruídos profanos da sociedade o atraem cada vez menos; as deslumbrantes vacuidades do mundo profano deixam-no indiferente. Todas as antigas bonecas de celulóide, soldadinhos de chumbo, aviõezinhos de mola, pistolinhas de ar comprimido e outras maravilhas do jardim de infância com que muitos se divertem a vida inteira, embora com nomes mais pomposos, deixaram de lhe atrair a atenção e o interesse, desde que, no campo visual da sua experiência interna, despontou um novo mundo de grandezas e formosuras. Instintivamente, esse homem busca a solidão, não por algum espírito de misantropia ou acerbo pessimismo, mas pelo irresistível fascínio que esse novo mundo de estupendas maravilhas exerce sobre ele. É que ele fez a experiência de que esse mundo imaterial é tanto mais visível, audível e sensível quanto mais se calarem os ruídos profanos do mundo material. E ele escuta, embevecido, a misteriosa sinfonia desse mundo e percebe a inefável sacralidade da sua vida transbordante de beatitude... Vai-se atrofiando, não raro, a vida material e social desse feliz vidente de universos supra-sensíveis e ultra-intelectivos; a sua vida econômica declina... Feliz dele se uma pessoa de posses materiais e de compreensão espiritual entrar na vida desse homem!... Do contrário, acabará o seu contenedor material por sucumbir sob a veemência do seu conteúdo espiritual... Entretanto, mesmo assim, continuará ele a ser feliz, porque possui o principal da felicidade,
  • 27. a realização dos valores internos, mesmo com o sacrifício dos fatores externos... O seu deserto é vivo, transbordante de vida... ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO – O QUE É? Acabo de escutar, numa estação emissora de Washington, um diálogo entre um teólogo romano e um juiz sobre a divindade de Cristo. Afirmava o teólogo que a maior desgraça era a negação da divindade de Cristo da parte de milhares de cristãos do presente século. Respondeu o juiz que ele considerava uma calamidade fazer depender a salvação ou condenação da aceitação ou rejeição de um dogma como este. Que quer dizer, afinal de contas, aceitar ou não-aceitar a divindade de Cristo? Não consiste num ato de inteligência e vontade? E não depende esse ato da maior ou menor clareza com que fulano ou sicrano percebe as razões pró ou contra esse dogma? E não depende essa maior ou menor clareza de uma instrução eclesiástica e certo grau de interesse neste ou naquele sistema teológico? E que tem isto a ver com Deus, com salvação ou condenação? Sou eu mais crístico e mais amigo de Deus depois de dizer “sim”, e menos espiritual depois de dizer “não” a uma pergunta sobre a divindade de Cristo? Na realidade, o meu “sim” ou o meu “não” nada tem que ver com o meu verdadeiro cristianismo, se por cristianismo se entende a união com o espírito de Deus, e não este ou aquele grupo eclesiástico a que pertenço por força de nascimento ou de outras circunstâncias externas fortuitas. O que decide sobre o fato de eu ser crístico ou não-crístico é a minha vida, a profunda e permanente atitude do meu interno ser e do meu externo agir em perfeita sintonia com o espírito de Cristo. Esse espírito, porém, nada tem que ver com a forma deste ou daquele credo, mas resume-se nos dois grandes mandamentos do amor de Deus e do próximo, nos quais “consistem toda a lei e os profetas”. O “sim” ou “não”, verbal ou mental, em nada modifica a minha atitude de ser e de agir, e é profundamente deplorável que uma grande parte do cristianismo eclesiástico do Ocidente dê maior importância a essa profissão de fé teológica imposta por seu grupo do que à realidade da sua vida emanada do espírito de Cristo. E, para salvar esse credo eclesiástico, os seus adeptos, através de séculos, têm cometido, e continuam a cometer os maiores atentados ao espírito de Cristo, matando infiéis e hereges, excomungando dissidentes, inculcando a seus filhos o desprezo para com os que não professam o mesmo credo
  • 28. teológico – matam o espírito de Cristo para salvar uma teologia pseudocristã!... Enquanto eu não puder dizer, com absoluta verdade “Já não sou eu que vivo – o Cristo é que vive em mim”, não aceitei o espírito de Cristo, embora professe a mais ortodoxa das fórmulas sobre a divindade de Cristo. Mahatma Gandhi nunca aceitou nenhum credo eclesiástico; Albert Schweitzer é conhecido como herege pelas igrejas cristãs protocolares – mas dificilmente encontraremos dois homens que vivam com maior pureza e fidelidade o espírito de Cristo, em profundo amor de Deus e vasta caridade dos homens. É de urgente necessidade que o mundo cristão se torne crístico, vivendo realmente o espírito de Cristo, em vez de apenas professar teoricamente este ou aquele dogma sobre a divindade de Cristo. O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE? Talvez não. Possivelmente, é mais repelente do que atraente. Nem é necessário que o homem espiritual seja atraente. Geralmente, ele não atrai outros a si – antes os “transtrai” para além de si. É como um desses marcos quilométricos à beira da estrada ou setas nas encruzilhadas, cuja finalidade não é fazerem-se adorados pelos viandantes, mas sim abandonados, depois que o transeunte tomou direção certa. O homem espiritual não deve ser como um espelho, que prende em si a pessoa que nele se mira – deve ser como uma janela aberta através da qual a gente enxerga as belezas da paisagem e vastos horizontes além. O nosso egoísmo, naturalmente, insinua-nos a sermos espelhos atraentes – ao passo que a verdadeira espiritualidade nos ensina a sermos janelas transcendentes. Alguns dos discípulos de João Batista se escandalizaram com o fato de ser o mestre abandonado por seus antigos seguidores, que foram em seguimento do Nazareno, ao que o precursor respondeu: “Eu sou apenas o paraninfo, mas ele é o esposo, convém que ele cresça e que eu desapareça” – isto era ser janela aberta para o Cristo, e não espelho atraente para si mesmo. O homem espiritual não faz com que outros tenham satisfação nele, mas contribui para que os homens sintam insatisfação de si mesmos, vejam a sua imperfeição e tenham desejo de maior perfeição. O homem espiritual é um veículo, uma ponte, um canal, um dedo estendido rumo ao Infinito. O homem espiritual é uma passagem, e não uma parada; é uma entrada e uma saída para Deus. A sua simples presença é um chamariz, um desafio, por vezes um ultimatum e um doloroso exame de consciência.
  • 29. O homem espiritual não é, em geral, uma fascinante personalidade, como certos cavalheiros dos nossos salões elegantes. Possivelmente, é ele mais repelente do que atraente, porque a sua retilínea lealdade aos princípios eternos é inquietante para muitos. Sentem-se perturbados em sua presença, como o Evangelista diz de Herodes em face do Precursor encarcerado. Em presença do homem espiritual, muitos começam a pensar em coisa séria, alguns até aprendem a orar. O campo magnético que circunda o homem espiritual faz oscilar todas as agulhas que não estejam devidamente polarizadas pelo norte divino – e ninguém sabe o que vai acontecer depois, nas almas receptivas... Pode haver terremotos, tempestades, incêndios de Pentecostes... Pode ser que muitos ídolos e fetiches, tidos por intangíveis e sagrados, caiam dos seus pedestais... “Segue-me!”... “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos – tu, porém, vai e proclama o reino de Deus!”... “Vai, dá todos os teus haveres aos pobres – e segue-me!” Pode ser que alguém ouça, no silêncio de sua alma, coisas terríficas como esses trovões, quando sai da presença de um homem espiritual. Cuidado! Alta-tensão!... Perigo de vida!... Mantenha distância!... Aí está um homem espiritual!... DOIS TIPOS DE PREGADORES Do sermão de um deles, diz Vieira, retiravam-se os ouvintes, ruidosamente satisfeitos com o brilhantismo do orador – da presença do outro retiravam-se todos em silêncio, insatisfeitos consigo mesmos e esquecidos do pregador. Um deles era pregoeiro de si mesmo – o outro era arauto do reino de Deus. TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE O século 18 foi o século do “deísmo”, sistema filosófico-teológico que considerava a Deus como o “grande Arquiteto do Universo”, transcendente a seu mundo, como o artífice existente fora do seu artefato.
  • 30. O século 19 foi o século do “Logos”, do Deus encarnado em Jesus, na forma do Cristo, o Deus universal individualizado em homem. O século 20 parece ser o século do Deus “imanente”, isto é, o Deus Universal que, individualizado em Jesus, se universalizou no Espírito Santo (“santo” quer dizer “universal”). Em sua íntima essência, todas as coisas são Deus, porque não há nada real fora de Deus, a única Realidade; existencialmente, todas as coisas são inferiores a Deus, porque nenhuma delas, individualmente, é Deus. (Os ingênuos, incapazes de pensar logicamente, afirmam que isto é “panteísmo”, porque não sabem distinguir entre “monismo e panteísmo”; todos os grandes mestres espirituais da humanidade pensavam em termos de monismo absoluto.) Deus criou o mundo? Certamente! De quê? Do nada? Sim, do nada do mundo – mas do Todo de si mesmo. Do nada da existência – mas do Todo da Essência. O mundo foi criado não só por Deus, mas também de Deus. Então, o mundo é idêntico a Deus? Não! É separado de Deus? Nem tampouco. O mundo não é idêntico nem separado de Deus – mas é distinto dele, um com Deus pela eterna essência, diverso de Deus pela existência temporal. CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS Comunhão não pode ser criada artificialmente, ad hoc; ela é o resultado espontâneo e natural de uma união que vai além dessa com-união (comunhão). Onde não há união com um centro comum não pode haver comunião entre os raios divergentes. Quando dois ou mais homens se unem em Deus pela mística nasce entre eles com-união pela ética. Os raios de um círculo aproximam-se uns dos outros na razão direta que se aproximam do centro comum do círculo, e distanciam-se uns dos outros na razão que se distanciam do centro. Não pode haver comunhão (com-união) sem união. A paternidade única de Deus crea a fraternidade universal dos homens. Querer estabelecer a fraternidade humana
  • 31. sem a paternidade divina é tão absurdo como querer fazer um círculo sem centro ou um edifício sem alicerce. A união é o atributo dos santos – a desunião é o característico dos pecadores. Não há comunhão entre os maus – só pode haver comunhão entre os bons, porque o mal é dispersivo por natureza, como os raios divergentes de um círculo. Vigora secreta afinidade entre todos os santos, da terra e do universo, embora os componentes dessa invisível Irmandade Branca não sejam individualmente conhecidos uns aos outros. Eles atuam em silêncio, porque têm onipresença cósmica. Quem faz parte dessa Irmandade Branca dos Irmãos Anônimos sabe-a nas profundezas de sua alma e comunica-se com seus semelhantes, a despeito de tempo e espaço, porque ele é um grande “liberto” – a Verdade o libertou... Quem puder compreendê-lo compreenda-o!... QUE É PERSONALIDADE? A personalidade principia com o ego – e culmina no Eu. Satã é o ego petrificado – Cristo é o mais vigoroso Eu. Um cão, uma vaca não têm ego nem Eu. O homem profano desenvolveu o seu ego, mas não cultivou o seu Eu. Quando o ego personal culmina no Eu individual, então desaparece a ilusão do separatismo entre o homem e Deus e surge o grande unismo, o senso nítido “Eu e o Pai somos um”, o grande “Eu sou”, o fascinante “Tat twam asi” (isto és tu). Toda a redenção está na transição do ego para o Eu – e toda a perdição está na estagnação do ego no plano do ego. Um só é o Eu do homem – muitos podem ser os seus egos. Eternamente idêntico a si mesmo é o nosso divino Eu – variáveis são os nossos humanos egos. Eu sou o divino Eu – eu tenho humanos egos. O ego é “persona”, isto é, “máscara” – mas o Eu é “indivíduo”, isto é, “indiviso”, não-dividido, inseparável da Realidade eterna. Quando o nosso ego personal nos sugere separação da Infinita Realidade “Deus”, então começa a tendência centrífuga: o homem procura criar um reino à parte, dele, só dele – e isto é “pecado”*.
  • 32. * “Pecado” e “separado”, em diversas línguas, têm o mesmo radical. Em alemão o vocábulo sondern (separar) é filologicamente idêntico a suenden (pecar). Também em inglês assunder (separado) e sin (pecado) têm o mesmo radical. Pecar é considerar-se separado do grande Centro Cósmico, Deus. A redenção consiste no movimento contrário, “Eu e o Pai somos um.” DESCOBRIMENTO – OU REVELAÇÃO? O homem inteligente descobre pequenas coisas – grandes coisas são reveladas ao homem espiritual, suposto que ele seja receptivo, que possua espaços internos assaz amplos em que possa jorrar a plenitude do Além. Será que eu conheço a Deus e o mundo espiritual assim como alguém que, depois de muito pesquisar e varrer o céu com o telescópio, descobre, finalmente, um astro? – ou será como quem levanta o fone do aparelho telefônico e escuta o que alguém está dizendo do outro lado? Será que eu descubro a Deus – ou que Deus se revela a mim? O homem inteligente, escreveu Einstein, descobre aquilo que é (das was ist) – o homem espiritual realiza aquilo que deve ser (das was sein soll). Descobrir se refere aos fatos objetivos da natureza externa – realizar tem que ver com os valores internos dentro do próprio sujeito. Quem sabe o que é Deus, não descobriu um objeto de fora – teve uma revelação do seu sujeito de dentro, uma vez que “o reino de Deus está dentro de vós”. Revelação, inspiração, vem a mim, subitamente, espontaneamente, é verdade – mas (e aqui começa o grande mistério) não vem sem mais nem menos, automaticamente, sem nenhuma cooperação da minha parte. Eu, é verdade, não sou o autor e a causa desse subitâneo relâmpago em plena noite, mas tenho de contribuir algo do meu para que esse relâmpago venha. Não há descarga elétrica se não houver pólo negativo que, com a sua veemente vacuidade, chame a plenitude complementar. Não sou causa da revelação, mas sou condição indispensável. Se eu nada faço, Deus nada faz. Daí conclui o ignorante que é ele mesmo o autor e a causa do efeito espiritual. Confunde causa com condição. O abrimento duma janela condiciona a iluminação da sala – mas não causa essa iluminação. O abrimento duma torneira condiciona o jorrar da água – mas a torneira aberta não é causa dessa água. Tenho de agir intelectualmente como quem usa telescópio – e depois tenho de portar-me espiritualmente como quem escuta um telefonema. Tenho de ser intelectualmente ativo e espiritualmente passivo – essa atividade passiva, ou passividade dinâmica, é que é o segredo das grandes inspirações. O espírito de Deus atua espontaneamente – mas não arbitrariamente.
  • 33. Tudo acontece segundo leis eternas. A graça, embora seja de graça, não é um fenômeno arbitrário. Deus não é capricho – Deus é a Lei. Devo trabalhar intensamente, como se tudo dependesse de mim – e ao mesmo tempo devo orar intensamente, como se tudo dependesse de Deus. Sintetizar esses dois pólos, aparentemente antitéticos, é tarefa trágica na vida humana. É tão fácil ser extremista, para a direita ou para a esquerda – mas é tremendamente difícil ser centralista. Há milhares e milhões de homens que esperam tudo só de Deus ou só de si mesmos – mas há pouquíssimos que esperam tudo de Deus através de si mesmos, que saibam unir a causa divina com a condição humana. Da união desses dois pólos, divino e humano, positivo e negativo, é que nasce toda a luz e toda a força da vida humana. CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA NEM SUFICIENTE Se não tenho certeza infalível de certas verdades básicas, como a existência de Deus e a imortalidade, é impossível a salvação, porque estou sujeito a erros e aberrações. Assim diz certa teologia eclesiástica. E conclui: “Por isto, é necessário que haja, através dos séculos, um homem infalível neste mundo, que possa decidir com clareza e precisão o que é verdade e o que é erro.” Muitos adotam essa espécie de “lógica”. Entretanto, essa “lógica” é um grande ilogismo. Antes de tudo, que quer dizer “certeza”? E donde vem ela? É verdade que determinada pessoa me pode dar certeza de uma realidade espiritual, pelo fato de afirmar simplesmente “isto é assim”, “isto não é assim”? Será que, depois de ouvir essa afirmação ou negação, eu tenho uma certeza que antes não tinha? Se eu não tinha certeza da existência de Deus, e uma pessoa infalível afirma “Deus existe” – é verdade que agora tenho certeza desse fato? Neste ponto, Buda era bem mais lógico do que certos teólogos. Quando alguém perguntava ao grande iluminado o que era Deus, Buda não respondia. Por que não? Porque, se o consulente não sabia por experiência própria o que
  • 34. era Deus, nem o saberia depois de ouvir uma definição da parte de alguém que o sabia; mas, se o consulente sabia o que era Deus, a afirmação de um terceiro não lhe daria certeza, nem a sua negação lhe tiraria a certeza que ele possuísse. Quem sabe por experiência interna que há Deus pode tranquilamente escutar todas as negações desta verdade – nada modifica a sua experiência interna, que lhe dá certeza. A grande e gloriosa verdade é esta: Ninguém me pode dar experiência que não tenho – e ninguém me pode tirar a experiência que tenho. A certeza, porém, vem da experiência interna, e não de argumentos externos. Quem tem experiência é invulnerável em sua certeza. A experiência não é transferível nem auferível. Ela não vem de fora da alma – ela brota das divinas profundezas da alma. Por isto, é profundamente ilusório querer dar certeza a alguém por intermédio de um homem infalível. Suposto mesmo que esse homem infalível tivesse, ou tenha, essa certeza experiencial, nem por isto poderia ele dar aos filhos da sua igreja essa certeza, que é absolutamente intransferível. Transferíveis são as coisas externas, de corpo e da mente, os argumentos, as provas científicas, as demonstrações analíticas – mas nada disto me dá certeza real de Deus e da vida eterna. Quem não tem experiência interna não tem certeza de uma realidade espiritual. O único auxílio que fatores externos nos podem prestar, nesse plano, é o fato de aplainarem o caminho que leva a essa certeza definitiva. Mestres, educadores, escritores, oradores, diretores espirituais podem apontar-nos o caminho certo onde nós possamos ter certeza espiritual – mas nenhum deles nos pode dar essa certeza. Todos eles são como setas na encruzilhada, marcos à beira da estrada, que indicam o rumo certo, mas não obrigam o viandante a seguir caminho certo. O rumo indicado pelo maior dos mestres da humanidade, nas páginas áureas do Evangelho, sobretudo no Sermão da Montanha, possui o máximo de certeza que se possa imaginar, e a sua linguagem é absolutamente clara e precisa; querer criar uma instância de certeza acima da certeza dada por Jesus Cristo é procedimento absurdo, e até arrogante. Não há nada mais infalível que as palavras de Jesus, no Evangelho. Daí, porém, não se segue que todo homem que leia o Evangelho da certeza tenha certeza daquilo que Jesus afirma. Enquanto o leitor for apenas leitor, não terá certeza alguma; só se passar a viver, por experiência íntima, o espírito do Evangelho, é que ele terá certeza. A certeza não vem da inteligência – vem da vivência. Quem não vive a alma do Evangelho não tem certeza das verdades por ele proclamadas. Saber não quer dizer ter ouvido dizer, ter lido, ter
  • 35. decorado; saber quer dizer literalmente saborear. Saborear, porém, não é um processo mental, mas uma experiência vital. Quem não saboreia a realidade espiritual não sabe como é que ela sabe, que sabor tem, porque lhe falta a experiência vital da realidade espiritual. A certeza teológica não é necessária – nem é suficiente. PENSAMENTO SINTETIZADO “Escrevi um livro tão grande – disse alguém – porque não tive tempo para escrever um livro pequeno.” De fato, para condensar devidamente em 100 páginas o que está derramado em 1.000, requer-se mais tempo e, sobretudo, maior intensidade de pensamento do que para ser difuso e prolixo. ORAÇÃO – ESSÊNCIA DE TODAS AS RELIGIÕES Não há hereges em matéria de oração. Todos os homens espirituais de todas as religiões do mundo concordam em que a oração é a quintessência nas relações do homem com Deus. Duas coisas são absolutamente certas: 1) que a oração, quando genuína, é sempre um elemento positivo e benéfico na vida do homem; 2) que ignoramos totalmente como a oração atua sobre a vida humana; a sua técnica peculiar nos é de todo desconhecida. Sabemos apenas o “quê” – ignoramos o “como” da oração. Ninguém sabe se a sua oração vai ser eficiente na direção em que ele deseja ou espera; ignora se aquilo que ele tem em mente vai acontecer ou não. A oração parece algo como um jogo de azar, totalmente arbitrária. Na realidade, é certo, a oração obedece a leis invariáveis – mas o homem não conhece essas leis. O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR A verdadeira oração, inteiramente pura e autêntica, não é peticionária, é simplesmente afirmativa; não pede nada, afirma apenas uma grande realidade. Todas as grandes religiões conhecem a oração afirmativa – o Budismo, o Brahmanismo, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Taoísmo, o Zoroastrianismo.
  • 36. A oração inferior ou peticionária é, fundamentalmente, egocêntrica – ao passo que a oração superior, afirmativa, é essencialmente teocêntrica. Nesse estágio superior de experiência, o homem ultrapassa o próprio Eu e se perde em Deus; emigra do pequeno indivíduo e imigra no grande Universal. A oração superior tem algo de nirvânico, porque nela o homem perde a consciência objetiva do ego e se dilui totalmente na consciência subjetiva do Todo. Nessa total ego-evacuação e nessa intensa teo-plenificação, que o místico experimenta como divina embriaguez, o homem se identifica com a suprema Realidade e diz silenciosamente: Santificado seja o teu nome... Venha o teu reino... Seja feita a tua vontade... Essa oração afirmativa supõe uma constante e inalterável experiência da Suprema Realidade, onipresente e onipenetrante. Nessa zona, qualquer pedido, por mais altruístico, seria impossível e absurdo. Quem pediria? O que pediria? Falta tanto a consciência do “quem” ou sujeito, como também a noção do “quê” ou objeto, porque essa polaridade é criação da pequena consciência físico-mental, que, nesse plano, não funciona. Uma vez que a minha consciência individual submergiu irrevogavelmente no oceano da grande Consciência Universal – como poderia eu sofrer tamanha decadência ao ponto de pedir algo? Mesmo o algo mais perto de mim, o meu ego, deixou de existir – quanto mais os algos mais distantes de mim, os objetos do mundo externo. É, pois, evidente que o homem imerso na oração superior é incapaz de pedir algo a Deus, e isto não por virtuosidade, mas sim por grande compreensão e sabedoria. O seu único desejo é a crescente identificação com a Realidade Infinita. “Venha o teu reino...” “Seja feita a tua vontade...” *** Entretanto, cada um deve orar no nível em que vive, sem orgulho nem presunção. A total realização do nível em que vive de momento é a melhor preparação para a ascensão a um nível superior. Conformidade e não-conformidade – é esta a grande lei da evolução. Deve o homem conformar-se plenamente com o nível da sua evolução atual – e ao mesmo tempo não-conformar-se de modo que nele encontre definitiva satisfação. Se não se conformar com o que tem, vai ser tragado impiedosamente pelo ambiente em permanente luta – se, depois de se conformar, não se inconformar, entrará em estagnação e morte.
  • 37. *** A razão por que não podemos entender como a oração atua é o fato de que “entender” representa um “menos”, algo individual, unilateral – ao passo que a oração em si mesma tem que ver com um “mais”, com a ordem cósmica, universal, onilateral, com o grande TODO. O “menos” não pode jamais “compreender” (prender, abranger, totalmente), mas tão-somente “entender”, e assim a maior parte do “compreender” fica fora da sua zona e jurisdição. Por isto, o benefício da oração é certo, mas o modo como ela atua é incerto, e nunca será certo, à luz do intelecto analítico. A oração nunca será objeto de uma investigação ou técnica científica. O mundo fenomenal jamais poderá compreender o mundo numenal, embora este domine aquele. Pela oração, o homem, primeiramente, entra para seu interior, para dentro da Realidade; daí ele toma rumo ao mundo exterior, levando consigo a luz de dentro e transfigurando com esta luz todas as coisas do mundo externo. Graças a essa completa identificação com a Última Realidade, a oração superior adquire, ou antes recebe, uma compreensão total da Realidade, que é Sabedoria Cósmica, Sabedoria que, até essa data, lhe era oculta. O requisito preliminar e a condição sine qua non desse estágio superior de experiência é não somente uma caridade geral, no sentido ético, mas também uma irrestrita reverência e lealdade para com todas as formas de vida. Essa constante e espontânea afirmação de todas as formas de vida, irradiações da Vida Universal, cria na alma um clima de profunda paz, uma completa ausência de ansiedade, e, por isto, uma alegria e uma beatitude que ninguém conhece que não tenha submergido nesse luminoso oceano da Suprema Realidade. Para o homem identificado com a Suprema Realidade já não existe, nem pode existir, medo, porque medo supõe inferioridade, que nasce da ignorância – ele, porém, é um sapiente, Essa experiência divina, que é o fruto maduro da oração, faz o homem totalmente livre, e, portanto, onipotente. Por meio da oração volta o homem, perifericamente disperso, a um TODO central; e esse sentir-se-um com o grande TODO lhe dá indizível segurança e felicidade. Todo o dualismo causa insegurança-e infelicidade. Pela oração, eu me afasto do pluralismo do mundo objetivo e incerto e me aproximo do monismo do mundo subjetivo e certo. O resultado desse afastamento do caos não é monotonia, mas sim harmonia.
  • 38. Mas só o verdadeiro iniciado sabe o que é harmonia; para os outros é apenas uma bela palavra ou um lindo ideal. A oração me faz saborear o grande Além-de-dentro – que é o grande Além-defora; depois de cruzar a fronteira da minha consciência. “Eu e o Pai somos um”... A FASCINANTE AVENTURA DA ORAÇÃO SUPERIOR A prece, nos seus estágios superiores, aparece sempre aureolada de um tal ou qual espírito aventureiro – a tendência de abandonar o que é familiar, confortável, facilmente compreensível e atingível, e o anseio de explorar mundos ignotos e dificilmente conquistáveis. Velhas garantias e seguros tradicionais são ultrapassados, e, em lugar deles, surge o espírito pioneiro de uma grande mobilidade através de zonas de estranha incerteza inicial. Desaparecem os estreitos trilhos do instinto rotineiro e aparecem as tateantes interrogações do vasto mundo da fé... Desperta na alma outonal a tendência migratória da sua íntima natureza... Sem saber exatamente para onde vai, sente a necessidade de abandonar as conhecidas querências de antanho... Não há largas avenidas em perspectiva – há tão-somente ínvias florestas a desbravar, desertos anônimos a cruzar, onde, de longe em longe, aparecem rastos incertos de algum solitário viajor que por aí tenha passado em tempos idos... Mas a alma migratória confia em sua intuição divina... A oração, humilde e intensa, lhe é um fio de Ariadne através de todos os labirintos... Com efeito, a íntima essência da oração superior é suprema libertação. É a voluntária renúncia a velhos hábitos rijamente solidificados através de séculos e milênios... Assim, em tempos pré-históricos, deve o homem dos sentidos ter lutado, no processo da sua intelectualização, para se emancipar de hábitos subconscientes em prol da sua entrada no mundo consciente... A transição da estreiteza e passividade da consciência gregária, própria de todos os rebanhos humanos, para a consciência individual, e desta para a consciência universal – é um drama multimilenar de estupenda grandeza e tragicidade, desde os abismos do homem meramente sensitivo, através dos planos do homem mental rumo às alturas do homem espiritual – e não há nada que lhe possa garantir êxito nessa jornada ascensional senão a verdadeira oração. Há, nessa silenciosa epopéia, uma sucessão de trevas e de luzes. Da noite total dos sentidos para a penumbra do intelecto.
  • 39. Da semi-luz matutina do intelecto, através do misterioso eclipse da fé, para o sol meridiano da experiência direta de Deus. É esta a fascinante aventura da oração superior... OS SANTOS PROVAM A VERDADE DUMA IGREJA? O argumento de que uma igreja que produz santos seja santa em si mesma, como igreja organizada, é insustentável à luz da lógica imparcial. Os verdadeiros santos pouco ou nada têm que ver com os arranjos artificiais duma organização, que, em qualquer hipótese, é uma criação da inteligência. Os dirigentes duma organização eclesiástica são, não raro, extremamente maus. Francisco de Assis e Tomás de Aquino viveram, ambos, no século 13, ambos dentro do mesmo organismo eclesiástico – mas são de gênio tão diverso como o dia e a noite, e os dirigentes da igreja desse tempo pertencem aos piores que a história conhece. O teólogo napolitano, de acordo com a mentalidade da época, aprova e defende, em sua “Summa Theologiae” e “Summa contra Gentiles”, a liceidade da pena de morte e do extermínio violento de hereges – ao passo que o poverello da Umbria, na sua vasta intuição mística, é amigo de todos os seres vivos do mundo. Há santos em todas as religiões – o que não prova que essas religiões sejam boas como um todo. Santidade é atributo do indivíduo, e não duma coletividade. VERDADEIRA CATOLICIDADE Todo o verdadeiro monoteísta, ou melhor, monista, que realize pela ética a sua mística, é genuinamente “católico”, quer dizer, “universalista”. Católico nãouniversalista é pseudo-católico. Nenhum dos grandes místicos da chamada igreja católica concorda com a cosmologia e teologia dessa igreja – ao passo que todos concordam admiravelmente com a orientação espiritual de seus irmãos de outras religiões, mesmo fora do Cristianismo organizado. Há uma grande afinidade entre os maharishis da Índia e os sufis da Arábia, por um lado, e os verdadeiros místicos cristãos, quer católico-romanos, quer evangélico-protestantes. Todos pertencem à “comunhão dos santos”, à “irmandade branca dos irmãos anônimos”. São João da Cruz, por um triz foi condenado como herege, e o texto dos seus livros espirituais, por muito tempo, apareceu mutilado pela
  • 40. autoridade eclesiástica. Luiz de Granada esteve quatro anos nas cadeias da Inquisição por causa da sua explicação do “Cântico dos Cânticos”. Meister Eckhart, o maior dos místicos medievais, sempre foi suspeito de heresia e seus livros foram proibidos após a morte dele. Aceitar um santo ou místico deste ou daquele grupo espiritual não equivale a aceitar o grupo como tal, porque a santidade, sendo atributo do indivíduo, nada tem que ver com o grupo organizado. Todos os místicos do mundo, dentro e fora do Cristianismo organizado, formam uma espécie de super-ecclesia, porque representam a legítima ekklesia, palavra grega composta de ek e kaléo (chamar para fora, selecionar) e cujo sentido exato é “elite” ou “seleção”. O sentido de “igreja” não é massa, mas elite; é aquele pusillus grex ou pequeno rebanho, de que fala Jesus. A igreja é universal cósmica. Uma igreja sectária é uma pseudo-igreja. A verdadeira catolicidade cósmica abrange judeus, hindus, árabes, taoístas, budistas, cristãos, etc., suposto que eles tenham verdadeira experiência de Deus e manifestam essa sua mística divina na ética humana. O primeiro mandamento, que é a mística, e o segundo, que é a ética, sintetizam toda a religião, como diz o Nazareno. PROCESSO DE INCUBAÇÃO A vida humana é, a bem-dizer, um processo de incubação, transição de um estado de consciência a outro. A nossa consciência espiritual, ainda hoje em estado de latência, tem de passar da sua potencialidade para a atualidade. E o calor necessário para promover essa longa incubação se chama “oração”. A LEI DA EVOLUÇÃO O íntimo quê da evolução, sobretudo no mundo espiritual, não é segurança, estabilidade, calma, mas sim o desejo de ultrapassar todas as fronteiras da vida já vivida e conhecida – e isto significa aventura, perigo, incerteza; é o abandono de todos os Iitorais familiares e o salto mortal para dentro de um mundo totalmente ignoto. É também este o íntimo quê do amor, que deseja arriscar algo e ultrapassar o seu próprio Eu conhecido. O amor é essencialmente cósmico. INSTINTO – FILTRO SELETIVO O instinto é uma espécie de filtro seletivo; o animal sabe com infalível certeza o que lhe convém e o que não convém. Com o advento do intelecto humano
  • 41. perdeu-se esse filtro, e não pode ser reavido. Uma vez consciente, o homem não consegue voltar a ser subconsciente. Mas o seu intelecto consciente não funciona com a mecânica infalibilidade do instinto; é extremamente móvel e variável, como a corda de um violino, que pode produzir ilimitada variedade de tons e semitons, ao passo que um disco de gramofone produz unicamente os sons que estão gravados nele; o disco tem infalibilidade sem variabilidade; o violino tem variabilidade sem infalibilidade. Quando, um dia, o homem atingir a consciência cósmica, possuirá infalibilidade máxima com variabilidade máxima. Não existe instrumento no mundo material que simbolize esse estado de suprema segurança e suprema mobilidade. É o estado da harmonia cósmica, feita de unidade e diversidade. TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO No princípio, oramos em prol de nós mesmos, com o desejo de alcançar algum objeto que, em nossa ignorância, julgamos necessário para a nossa felicidade. Mais tarde, oramos pelo bem de outras pessoas, para as libertar de algum mal e conseguir-lhes algum bem. Finalmente, não oramos por objeto algum, mas tão somente pela progressiva identificação do sujeito individual Eu com a Realidade Universal, Deus. E todo o nosso desejo se resume no anseio de estarmos muito tempo na luminosa presença de Deus, assim como a planta deseja estar envolta e penetrada pela luz solar. Todo o nosso impuro desejo de “ter” acabou no puro desejo de “ser”. E então só conhecemos esta grande melodia: Deus, santificado seja o teu nome... venha a nós o teu reino... seja feita a tua vontade... EMBRIÃO MATERIAL – EMBRIÃO ESPIRITUAL O embrião material do homem leva 9 meses para seu desenvolvimento no seio materno – o embrião espiritual leva cerca de 900 meses, ou 70 anos, para atingir suficientemente evolução, independente do seio materno da natureza físico-mental; mas a sua evolução continua indefinidamente. A NATUREZA: É DEMOCRÁTICA – OU ARISTOCRÁTICA? A natureza não faz caso de massa, mas sim de elite. Produz milhões e bilhões de seres inferiores, para, finalmente, produzir um único ser superior. A massa
  • 42. serve apenas de pedestal para a elite. A vasta horizontal tem de servir à alta vertical. A natureza visa qualidade, e para isto ela se serve de quantidades. Isto é aristocracia? Ou, quem sabe, antes hierarquia... PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA? Pode dizer-me por que está aqui? Donde veio? Para onde vai?... Pode dizerme a última razão de todo esse sofrimento?... Pode uma lagarta solver o problema da sua vida? Pode dizer-nos por que vive a comer sem cessar? Por que morre? Porque repousa no interior do casulo? Não! A lagarta não pode dar resposta a essas perguntas, porque não sabe o porquê dos seus atos; só depois de virar borboleta, e olhando para trás, é que pode solver os enigmas da sua vida de lagarta. E você julga poder saber agora por que vive, sofre e morre? Você, que ainda é muito “lagarta”? Solver de verdade só se pode de cima para baixo, não de baixo para cima, só do superior para o inferior, e não vice-versa. Agora, meu amigo, você pode apenas crer numa solução definitiva – saber só pode depois de passar para um plano superior de experiência e vivência. DEUS MANDA DOENÇAS? Jesus admite a relativa imperfeição do Antigo Testamento: “Foi dito aos antigos – eu, porém, vos digo”... “Eu não vim para abolir a lei e os profetas – mas para levá-los à perfeição.” Uma das maiores imperfeições da Lei Antiga é a idéia de que Deus mande aos homens doenças para os “castigar”. Jesus ensina que as doenças são “obras de, Satanás”, isto é, da inteligência não devidamente iluminada pelo espírito. “Não tornes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.” “Tem confiança (disse ao paralitico) os teus pecados te são perdoados”. No caso da mulher encurvada havia 18 anos, afirma o texto sacro: “Satanás a mantinha presa, havia 18 anos” – Deus, – ou Satanás?... O nosso Lúcifer intelectual, mal orientado, transgride as leis da natureza, que são as leis de Deus; e provoca doenças – o Cristo divino em nós derrota o nosso Lúcifer e promove a cura. Se doenças fossem provas do amor divino, por que não consta de uma única doença de Jesus?
  • 43. Verdade é que, uma vez doentes por causa da nossa inteligência unilateral, o melhor, que podemos fazer é aceitar o sofrimento como castigo e remédio, a fim de alcançarmos redenção. O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO Aparece em afirmações positivas, e não em pedidos. Pai nosso, que estás nos céus! Santificado é o teu nome. O teu reino vem. A tua vontade é cumprida na terra como nos céus. Tu nos dás hoje o nosso pão de cada dia. Tu nos perdoas as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Tu não nos induzes em tentação. Tu nos livras do mal. ANÁLISE PSICOLÓGICA E SÍNTESE METAFÍSICA Estas duas ciências, aquela do Ocidente, esta do Oriente, abrem o caminho para um conhecimento melhor de Deus e do homem. Dão, pelo menos, a linha reta que o homem deve manter para chegar ao destino, preservando-o dos inúteis ziguezagues. No princípio, o homem está numa união inconsciente com o Grande Todo, como toda a natureza inferior (o homem do Éden). Depois, entra na zona de uma desunião consciente com grande Todo (o homem nos domínios de Lúcifer). E, finalmente; sobe às alturas duma união consciente com o Grande Todo (o homem no reino do Cristo).
  • 44. CURA PELO PODER ESPIRITUAL Por que é tão rara, hoje em dia, a cura espiritual? Quando é evidente que Jesus legou esse carisma a todos os seus discípulos? É porque o mundo cristão de hoje não é realmente crístico, salvo raras exceções. Uns professam um Cristianismo puramente externo, liberal, de simples conveniências sociais, sem nenhuma convenção pessoal; outros pertencem a um Cristianismo estreitamente sectário. Estes são verticais sem horizontalidade, aqueles são horizontais sem verticalidade; nenhum deles é vertical-horizontal, isto é, crístico ou cósmico. O verdadeiro discípulo de Cristo deve possuir profunda experiência de Deus e vasta benevolência para com todos os filhos de Deus – então terá ele nas mãos o poder de Deus e curará qualquer doença física e mental. Profundidade e amplitude são o segredo do poder. POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS? Em última análise, quem se entusiasma por um guia espiritual, entusiasma-se por seu próprio Eu divino ou Cristo interno, porque, potencialmente, todo homem é o que alguns já são atualmente. Dentro de cada um de nós dorme um gênio metafísico e místico; quando então aparece, no plano objetivo, um gênio espiritual, nós sentimos, nas incônscias profundezas da nossa natureza humana; que aquilo somos nós em germe; percebemos o eco de uma voz longínqua, as vibrações de uma luz, o calor de um fogo que também está em nós, mas ainda implicitamente, quando naquele gênio espiritual esse fogo já arde explicitamente. Todo combustível – lenha, carvão, gasolina, etc. – é fogo potencial, assim como o fogo é combustível em estado atualizado. “Se o olho não fosse solar – diz Goethe – jamais poderia contemplar o sol.” Da mesma forma, se a alma não fosse divina ou crística, jamais poderia responder à voz de Deus ou do Cristo. Por isto, o cristianismo – ou “cristismo” – da alma humana entra em vibração quando outra alma, já em adiantado estado de cristificação, aparece no cenário – assim como a semente, no fundo da terra, começa a vibrar quando percebe, em plena escuridão, as misteriosas vibrações do calor solar. Em última análise, o nosso guru ou guia espiritual externo é o nosso Eu divino ou Cristo interno, personificado casualmente no mestre A, B ou C.
  • 45. COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU – QUANDO OUTROS SOFREM NO INFERNO? O homem comum, de visão curta e sentimento obtuso, pode achar compatível a idéia de um céu eterno para ele e seus amigos com a consciência de um inferno para outros seres humanos – ao passo que o verdadeiro místico, ou homem cósmico, não se sente plenamente remido e bem-aventurado enquanto sobrar um único ser humano ainda irredento e em sofrimento. Para ele, não pode haver céu e inferno, mas tão-somente céu ou inferno. A tese teológica de que os bem-aventurados mereceram o seu céu, e os condenados mereceram o seu inferno é tranquilamente aceita pelos profanos, exotéricos e analfabetos da experiência cósmica – mas atua como horripilante monstruosidade sobre a apurada consciência de qualquer homem que tenha chegado à experiência da paternidade única de eus e da fraternidade universal da humanidade. Como poderia eu sentir-me integralmente salvo – enquanto um só dos meus irmãos humanos continua ainda necessitado de salvação? Um bem-aventurado capaz de gozar o seu céu, sabendo que milhares de seus irmãos estão sofrendo o seu inferno, deve ser mesmo um requintado egoísta. Se assim fosse, eu, por mim, simpatizaria mais com os egoístas no sofrimento infernal do que com os egoístas no gozo celestial. Quando deixará a nossa teologia de ser tão unilateralmente teórica e se tornará onilateralmente cósmica?... AMOR FRUSTRADO “Se amor fosse simplesmente atração sexual, um superficial sex-appeal, não poderia haver verdadeira frustração, nesse plano, porquanto o mundo está cheio de seres masculinos e femininos, de maneira que, falhando um, o frustrado ou frustrada poderia escolher outro – e acabaria a frustração. Mas o verdadeiro amor é algo muito mais além do simples macho e da simples fêmea. No mundo animal não há frustração, porque não existe verdadeiro amor. Quanto mais humano é o homem ou a mulher, maior possibilidade existe para uma frustração amorosa trágica, mortífera. O verdadeiro amor é algo cósmico, místico, único e irrepetível, do qual não se pode fazer, sem mais nem menos, uma segunda ou terceira edição; ele está para além do nosso alcance; é algo que nos “acontece”, e não está em nosso poder fazer com que “aconteça” pela segunda ou terceira vez. Algo se partiu nesse delicado cristal da alma que amava, e não há conserto... Se os nossos romances e películas
  • 46. cinematográficas substituem, em cinco ou dez minutos, um amor por outro amor, provam apenas a sua horripilante superficialidade, e, para cúmulo do nosso barbarismo civilizado, essa banalidade é considerada como um progresso... EXPERIÊNCIA CÓSMICA É algo para além da mística, ou então uma mística universal. O místico foge do mundo para se encontrar com Deus, mas o homem da experiência cósmica penetra tão profundamente na alma do universo, que atinge o Deus do mundo no mundo de Deus. Naturalmente, não é o homem que realiza essa experiência – ela lhe “acontece” com um contato vital com a própria Vida do Universo. Daí por diante, todo o seu antigo “dever” ético se transforma num novo “querer” místico, numa fome e sede, num flamejante entusiasmo, numa irresistível paixão por essa estupenda Realidade que está para além de todos os nomes, como a Vida, o Espírito, o Amor, a Beatitude... Para o mundo profano em derredor, esse homem deve necessariamente parecer um louco ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por normal se entende essa cegueira habitual dos inexperientes e essa insensibilidade paquidérmica dos profanos. Esse homem é normal “para cima”, supra-normal, e não anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes. Mas, como o homem comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem algum conhecimento do infra-normal – que admira que coloque o supra-normal no plano dos infra-normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu conhecimento – ou da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo a capacidade do cognoscente”. O homem normal pode conhecer o infra-normal, que para ele é um “menos”, mas não pode saber o que seja supra-normal, porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber coisa maior do que ele mesmo é; o nosso “ser” é a bitola do nosso “conhecer” – agere sequitur esse (o agir segue o ser). Entretanto, são esses homens de experiência cósmica os únicos que garantem a continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. São como impetuosos incêndios de fogo autônomo, de cuja alma os outros recebem luz e calor, alguma centelha ou algum clarão emitidos pelo vasto incêndio da experiência cósmica desses poucos que alimentam os muitos.
  • 47. TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA Com a afirmação de que, na hóstia consagrada, não exista mais a substância do pão, mas existe a substância do corpo de Jesus, aventurou-se a teologia eclesiástica na perigosa vizinhança da física nuclear. Nos outros dogmas, puramente espirituais e transcendentes, não existe esse perigo; estão a salvo de qualquer experiência de laboratório ou reator atômico. A física nuclear dos nossos dias não admite substâncias, no plural; conhece uma única substância, que, segundo a matemática de Einstein, é a luz universal. Substâncias, no plural, seriam as diversas formas da luz, como, por exemplo, os 92 elementos naturais da química, desde o hidrogênio (H) até ao urânio (U). Entretanto, é possível provar experimentalmente que, após a consagração, a substância do pão continua presente na hóstia, inalterada, e não foi substituída por nenhuma outra substância. Logo, no plano objetivo, ontológico, não houve nenhuma “transubstanciação”, como o dogma afirma. Objetam os fiéis que a verdadeira substância do pão não é acessível às experiências de laboratório, que atinge apenas os acidentes, como a cor, o sabor e o cheiro do pão. É absurda essa evasiva. Ninguém se pode alimentar de acidentes dessa natureza – mas quem comesse suficiente número de hóstias consagradas poderia viver desse alimento; idem, quem bebesse bastante vinho consagrado ficaria bêbado. Logo, ainda persiste a substância do pão e do vinho, como aliás, é fácil verificar por uma análise química. Entretanto, não negamos a presença real do Cristo sob essas espécies; mas essa presença é criada pela fé do crente, é uma presença subjetiva, e não objetiva. Portanto, uma presença fictícia, ilusória? De forma alguma! As criações da nossa fé não são irreais; são até mais reais que as coisas objetivas. O sujeito consciente é muito mais poderoso do que os objetos inconscientes, ou apenas subconscientes. MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS MATEMÁTICA ESPIRITUAL No plano físico-mental, o efeito é diretamente proporcional à sua causa; se bato um prego com 10 graus de força ele entrará na madeira numa profundidade correspondente exatamente a esses 10 graus. Coisa análoga também acontece no terreno mental. O resultado é diretamente proporcional à atividade do agente.