Este documento discute a pesquisa do autor na interface entre comunicação e educação. Apresenta como sua pesquisa evoluiu de focar nos efeitos negativos da mídia para valorizar a participação ativa dos receptores. Também discute como novos paradigmas em comunicação e educação enfatizam a construção social de significado e como os estudos de recepção fornecem uma perspectiva útil para entender a complexidade da relação dos jovens com a mídia.
1. A PESQUISA NA INTER-RELAÇÃO COMUNICAÇÃO/EDUCAÇÃO
Vanderlei Siqueira dos Santos1.
RESUMO
Este artigo apresenta nossa trajetória de pesquisa nas áreas da Comunicação e Educação
iniciada em 2001, na graduação e continuada hoje no programa de Doutorado em Educação na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. O objetivo é, por meio da descrição da trajetória
pessoal de pesquisa, apresentar algumas questões teóricas e práticas que vêm constituindo uma nova
área de intervenção social denominada Educomunicação. Mais do que uma metodologia, a
Educomunicação vem se constituindo um paradigma de análise do mundo por meio da aproximação
Comunicação/Educação. A nova área de investigação vem ganhando relevância ao conceber o
conhecimento como histórico e os sujeitos como agentes ativos. Os avanços teóricos nas áreas de
Comunicação e Educação, com ênfase nas abordagens qualitativas, acarretaram implicações
significativas para a re-conceituação e desenvolvimento de práticas de educação para as mídias em
escolas, voltadas para a autonomia crítica de jovens telespectadores. Transformam a didática e
potencializam a ação pedagógica, por meio da inserção crítica das tecnologias da informação e
comunicação na educação.
Palavras-chave: Comunicação. Educação. Educomunicação.
INTRODUÇÃO
Algumas questões relacionadas às mídias vêm fomentando a pesquisa educacional. Com o
objetivo de levantar o consumo da mídia pelos alunos de 5ª a 8ª séries do EF em um colégio
particular localizado no norte do Paraná, realizamos, em 2004, uma pesquisa cujos resultados
revelaram que a maioria dos adolescentes passava cerca de 4 a 5 horas diárias assistindo à televisão
e escutando rádio, e que seu gênero preferido era o entretenimento. Para analisar os dados da
pesquisa, recorremos a pesquisadores que vinham trabalhando a interface Comunicação/Educação
na perspectiva dos estudos da recepção. Entre eles Ismar de Oliveira Soares, Adilson Citelli, Jesús
Martin-Barbero, Guilherme Orozco-Gómez, Mauro Wilton de Souza, entre outros.
Esses pesquisadores assinalavam que tanto as pesquisas quanto as práticas nas áreas da
Educação e Comunicação passavam por profundas transformações paradigmáticas. Ambas
convergiam para substituir o paradigma da transmissão de conhecimentos pelo da mediação
compreendida como modelo interpretativo e relacional de apropriação de conhecimentos.
Do lado das teorias pedagógicas, destaca-se a participação ativa do aluno, trazendo-o para o
centro da aprendizagem. A concepção construtivista, sobre os passos de Piaget, Vygotsky e de
Wallon privilegia o significado e a construção da aprendizagem e não a informação e seu
tratamento. A dimensão cooperativa ou colaborativa da aprendizagem põe em evidência o papel dos
1
Graduado em Comunicação Social, com Mestrado em Educação pela UEM e Doutorando pela
PUCPR. Diretor Geral do Colégio Marista Pio XII. E-mail: irvanderlei@marista.org.br
2. pares e da tutela do adulto nas situações de aprendizagem. A dimensão didática aponta para o valor
da interdisciplinaridade e ligação dos conteúdos acadêmicos com a realidade dos alunos, donde se
deve levar em conta as concepções anteriores ou representações mentais dos alunos, conforme
esclarece Ausubel (1968) E nesse sentido, portanto, a necessidade de se considerar na didática o que
os alunos aprenderam dos meios.
Do lado das teorias da comunicação há uma profícua evolução dos modelos
comunicacionais e de seu impacto nas concepções da comunicação pedagógica. Dois paradigmas
comunicacionais se destacavam até a década de 80, aproximadamente, nas abordagens e nas
práticas comunicativas.
O modelo matemático da informação de Shannon (1948) impregnou durante muito tempo a
análise sociológica dos efeitos dos meios, a qual concebe o processo comunicativo de forma
unidirecional, do emissor para o receptor, objetivando-se sempre passar a mensagem. Esse modelo
reproduz o esquema estímulo-resposta do behaviorismo no modelo canônico da Comunicação
(Emissão > Mensagem > Recepção) que tem dominado amplamente o paradigma de análise norte-
americana da Comunicação Funcionalista.
Nessa perspectiva, as mídias nada mais eram do que meros transmissores e transportadores
de conteúdos e mensagens para fins que não estavam nem nos veículos nem na mensagem em si. A
recusa à análise das causas sociais em nível estrutural, e que determinam as diferentes disfunções
entre indivíduo e sociedade, acabou sendo uma estratégia que nem se voltou de fato para o
indivíduo nem enfrentou as questões do mundo social, apenas se preocupou em preservar, organizar
e manter o sistema sócio-produtivo.
Assim, em nível empírico, o sujeito da comunicação era o indivíduo, mas reificado
enquanto peça de um sistema; no nível teórico, o sujeito da comunicação era a
própria ordem do sistema social funcionando, porque indivíduos, idéias, opiniões e
instituições eram funções mantenedoras do sistema, constituindo um princípio
maior que ultrapassava os sujeitos empíricos (SOUZA, 2002, p.18).
O outro paradigma de análise da Comunicação, inspirado no neo-marxismo da escola de
Frankfurt sobre os efeitos ideológicos dos meios, também contribuiu para estereotipar a relação
escola-televisão e fomentou fortemente a hostilidade dos professores frente aos meios em geral e à
televisão em particular.
O modelo frankfurtiano enfatizava a crítica do econômico sobre a sociedade, sobretudo na
razão técnica alimentadora desse processo.
Acentuava que a relação de dominação não era apenas linear e direta entre
formações capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas. A racionalidade técnica,
base da modernidade, acabara se transformando de iluminadora em principal
instrumento da moderna dominação que, além das formações sociais, encontrava-
se no interior do próprio processo capitalista (SOUZA, 2002, p. 20).
3. A racionalidade do capitalismo industrial do início do século XX deslocara para o mercado o
eixo explicativo de manutenção do sistema. Era nesse eixo que comunicação, cultura e poder
interagiam. Nele, o receptor era considerado sempre como
indivíduo/objeto/mercadoria/instrumento, um sujeito reificado por completo.
NOVAS PERSPECTIVAS PARA A ANÁLISE DAS PESQUISAS EM COMUNICAÇÃO
A superação desses paradigmas nas áreas da Comunicação e Educação apontava para uma
mudança fundamental na concepção de homem, de ensino e de aprendizagem, fato que nos levou a
novas questões sobrepostas na interface Comunicação/Educação. Essas questões constituem um
novo problema de pesquisa, o qual foi investigado em pesquisa de Mestrado em Educação na
Universidade Estadual de Maringá.
A análise anterior sobre o consumo da mídia pelos adolescentes mostrou que estes aprendem
com os meios. Quando se perguntou sobre quais são suas fontes de informação, referiram-se com
mais freqüência aos meios (jornais, televisão, internet, rádio) do que à escola. Essa relevância aos
meios na vida dos adolescentes, enquanto fonte de informação, interpelou-nos a adentrar mais
profundamente o universo juvenil para analisar mais criteriosamente a relação destes com os meios,
em vista de uma proposta alternativa de mediação docente na educação para a mídia, mais coerente
com os desafios contemporâneos postos à educação e ao contexto dos sujeitos da aprendizagem.
Para identificar as formas e condições em que ocorre a relação dos adolescentes com os
meios, principalmente a televisão, acompanhei uma turma de sexta série do EF, numa disciplina
selecionada, do mesmo colégio onde havia realizado a primeira pesquisa, durante um mês de aula.
Por meio de instrumentos como questionários, trabalho com temas geradores, fórum de debate,
elaboração de textos e observação, tinha como objetivo investigar a recepção televisiva. No
primeiro encontro com os alunos selecionamos a telenovela Malhação, veiculada pela Rede Globo,
como objeto de investigação.
A retomada do referencial teórico da Escola de Frankfurt e das proposições de Adorno e
Horkheimer quanto à Indústria Cultural, encaminharam a pesquisa para análise dos dados
relacionados às categorias apresentadas pelos frankfurtianos: consumismo, entretenimento e
semiformação.
Com a ampliação da análise, constatou-se que o referencial utilizado, embora reconheça
sua importância para não se fazer uma análise ingênua dos meios, não dava conta de responder ao
problema de pesquisa. A Teoria crítica apontava para a análise da subjetividade padronizada,
contribuindo de forma incisiva para anular o potencial da dúvida e de questionamento dos
adolescentes. Assim, enfatiza a negatividade dos meios, privilegiando o efeito homogenizador da
comunicação e a não credibilidade dos telespectadores jovens como fontes confiáveis de
informação.
4. Como esclarece Wolf (1992), a partir de Adorno (1950), o pressuposto de que a indústria
cultural anula toda individualidade e que o que triunfa é o pseudo-individualismo, implica que não se pode
confiar nos espectadores como fontes de conhecimentos reais sobre processos comunicativos da indústria
cultural.
Os instrumentos utilizados na pesquisa revelaram que a telenovela Malhação exercia
grande influência na formação da subjetividade juvenil e que, portanto, deveria buscar uma
abordagem da recepção que captasse parte da riqueza e diversidade de interações possíveis entre o
programa televisivo e audiências jovens. O referencial adotado mostrava-se limitado para captar
aspectos da complexidade das formas pelas quais as audiências atuam sobre os textos televisivos
aceitando, negociando ou recusando as múltiplas posições que se abrem.
A análise foi revelando uma visão negativa, decepcionada do jovem telespectador
reduzido a passivo consumidor. Essa visão não contemplava os avanços das teorias da
comunicação e educação apontados em outros estudos, que têm como ponto alto de convergência,
desde a década de 80, a valorização da participação ativa do receptor/aprendiz. Os avanços
teóricos nas áreas de comunicação e educação acarretaram implicações significativas para a re-
conceituação e desenvolvimento de práticas de educação para as mídias em escolas, voltadas para
a autonomia crítica de jovens telespectadores.
Tal inquietação nos possibilitou voltar novamente para os estudos da recepção, os quais
tiveram origem ao longo da década de 80 do século XX. Estas consideravam que as pesquisas em
comunicação realizadas até então apresentavam um descompasso entre o mundo do conhecimento
epistemológico, o das posturas teórico-metodológicas e o das práticas de vida na sociedade. Havia
um movimento pendular entre o individual e o social nessas posturas e práticas. Se não cabia
abdicar do social nem resgatar o receptor apenas como indivíduo, havia dificuldades para
identificar seu lugar nesse mesmo processo. Diante da insuficiência explicativa desses
paradigmas, entre indivíduo e sociedade, sujeito e objeto, teoria e prática começavam a surgir
rupturas e crises, e conseqüente busca de alternativas.
De acordo com Martim-Barbero (1995, p.150), “a comunicação é questão de culturas, e não
só de ideologias; a comunicação é questão de sujeitos, atores e não só de aparatos e estruturas; a
comunicação é questão de produção e não só de reprodução”. Nessa nova perspectiva, enfatiza a
importância das práticas sociais e culturais nas quais se objetiva a construção diária de sentido da
vida individual e social.
Os estudos culturais, dentro dos quais se localizam os estudos de recepção, não só libertaram
a reflexão sobre as audiências, do paradigma funcionalista e frankfurtiano, como também
possibilitaram o entendimento da recepção como uma prática complexa de construção social de
sentido. A audiência é tida como uma estrutura complexa que reúne indivíduos em classes, grupos
ou subculturas, em que cada formação social tem sua própria identidade e seu próprio código. O
5. pólo da reflexão é progressivamente deslocado dos próprios meios para os grupos sociais que estão
integrados em práticas sociais e culturais mais amplas.
O ponto de partida metodológico está na constatação das insuficiências, ou até dos
equívocos, da pesquisa em comunicação quando se pretende captar o lugar da
televisão, a partir de simples mensurações de audiência, dentro de um padrão de
análise emissor/receptor separados de uma análise das estruturas de classes.
Estruturas essas que determinam, de um lado, o poder que se manifesta na emissão,
nos meios, no conteúdo das mensagens e, por outro lado, nas condições de
recepção moldadas pelos tipos de vida cotidiana próprios a cada classe da
sociedade (THIOLLENT, 1980 apud SILVA, 1985, p.4).
Os estudos de recepção, portanto, apresentavam outra perspectiva de análise para os dados da
pesquisa da telenovela Malhação. Em relação à categoria consumismo, por exemplo, acrescentava a
preocupação quanto ao discernimento das experiências cotidianas que atualizam os produtos culturais mais
consumidos pelos adolescentes. Formula outras questões como, por exemplo, em que medida tais produtos
estão de acordo com ou modificam um sistema de atitudes sociais historicamente configurados e como as
práticas culturais dos adolescentes consumidores são capazes de resistir a uma universalização.
Esse novo referencial teórico alertou-me para o risco de apresentar conclusões generalistas quanto à
análise dos dados da pesquisa, nivelando os sujeitos e expressando preconceitos pessoais em relação às
mídias. O que permitiu constatar que os dados da pesquisa revelavam que havia uma decodificação
diferenciada na recepção da telenovela Malhação variando entre a capacidade de transformar a mensagem da
televisão e a de se submeter e de representar as idéias hegemônicas. A recepção da telenovela pelos
adolescentes demonstrava a ocupação de um espaço contraditório de negociação, de busca de significações e
de produções incessantes de sentido na sua vida cotidiana. Citelli (2002, p. 62) esclarece que esse espaço
contraditório é resultante das diversas intermediações culturais.
A fala dos media entra em tensão com um conjunto de signos e linguagens que
circulam nas mais diversas intermediações sociais e culturais. Promovidas pela
família, pelas sociedades de amigos de bairro, pelos partidos políticos e por
permanências discursivas dispersas.obs. retirar o que está em amarelo nesse
parágrafo. A interpretação ou compreensão das mensagens geradas pela televisão,
pelo rádio, pelo jornal, fica, nesta óptica, dependente dos ajustes discursivos mais
amplos que os receptores conseguirem realizar.
Esse esclarecimento de Citelli (2002) evocou-nos a necessidade de investigar melhor a
perspectiva crítica dos estudos culturais. Nesse sentido, percebemos que a mudança do lócus da
pesquisa (do emissor para o receptor), não perde o viés crítico, todavia o localiza no todo que
envolve as partes.
Essa constatação vai ao encontro da reflexão de Souza (2002), quando alerta sobre o risco
de, a partir de uma interpretação equivocada dos estudos de recepção, em vista da crença na
autonomia dos consumidores, sucumbir ao slogan publicitário segundo o qual o consumidor é que
tem a palavra. Assim, não seria necessário, por exemplo, um olhar social ético sobre a qualidade
6. dos programas televisivos. Cada leitor faz uma leitura particular e retira lições positivas para a vida,
não importando a identidade do programa.
Outra constatação apresentada por Souza (2002) refere-se à ameaça de desligar o estudo da
recepção dos processos de produção. Parte-se do pressuposto de que não tem nada a ver o que se
passa na economia da produção com o que ocorre na recepção. Poderíamos cair agora em um novo
idealismo, segundo o qual se poderia entender o que faz o receptor, sem levar em conta a
concentração econômica dos meios e a reorganização do poder ideológico da hegemonia política e
cultural.
A convivência com os alunos e as reflexões sobre a recepção destes quanto à telenovela
assinalava que estávamos diante de novos sujeitos do conhecimento. “Sujeitos dotados de uma
„plasticidade neuronal‟ e elasticidade cultural que, embora se assemelhe a uma falta de forma, é
mais abertura a formas muito diversas, camaleônica adaptação aos mais diversos contextos
(MARTIN-BARBERO; REY, 2001, p.48-49).
Esses novos sujeitos e novos contextos desafiam as áreas da Comunicação e da Educação.
Os avanços obtidos nessas áreas apontavam para a revisão das metodologias, o enriquecimento dos
currículos, a adaptação das linguagens e a ampliação dos horizontes.
De acordo com Martin-Barbero e Rey (2001), assim como as mudanças do mundo atual,
também mudou a maneira de olhar. Nesse sentido, o poder da mídia sobre o imaginário das pessoas
tem fundamental importância, levando à mudança radical de comportamento. Graças a atrativos
poderosos com que hoje é servido, o ver dos cidadãos municiou-se de recursos jamais utilizados na
história da mídia.
Segundo esses autores, há anos os intelectuais e as ciências sociais na América Latina
continuam majoritariamente padecendo de um pertinaz “mal olhado”, que os fazem insensíveis aos
desafios culturais que a mídia impõe. Porém, por trás desse “mal olhado” se esconde outra
realidade:
Se a cultura é menos a paisagem que vemos do que o olhar com que a vemos,
começa-se a suspeitar que o argumento diz menos da televisão do que do olhar
radicalmente decepcionado do pensador sobre as pessoas pobres de hoje, incapazes
de calma, de silêncio e solidão, mas compulsivamente necessitadas de movimento,
de luz e de bulha, que é o que nos proporciona a televisão (MARTIN-BARBERO;
REY, 2001, p.23-24).
As pesquisas com os alunos revelaram que não existia uma cultura de se discutir suficientemente as
representações midiáticas. Percebeu-se que os temas tratados pela mídia pautavam as conversas dos alunos,
nos intervalos, no entanto não eram discutidos em sala de aula. Isso ficou bem visível no espanto dos alunos
quando propusemos o trabalho com as mídias.
Jacquinot (1998) identifica essa oposição nos estereótipos criados entre as duas instituições: Uma é
voltada para o passado, a outra só se interessa pela atualidade; uma repousa sobre a lógica da razão,
7. a outra, sobre a surpresa do acontecimento, o impacto e o emocional; uma ignora a lógica
econômica, a outra só funciona segundo ela; uma constrói-se na durabilidade, a outra na
efemeridade; uma procura formar os cidadãos, a outra os consumidores.
Para Jacquinot (1998), essa aparente oposição entre saber midiático e saber escolar tem
levado os professores a três atitudes equivocadas: a ignorar a influência dos meios e manter a
tradição da escola alheia à diversidade das realidades sociais e culturais; ou introduzem os meios na
escola e servem-se deles para atingir os objetivos pedagógicos que permanecem os mesmos; ou
criam cursos especializados de educação para os meios, sem que nada mude no conjunto das outras
práticas escolares.
O PROFESSOR EDUCOMUNICADOR: MEDIAÇÃO DOCENTE A PARTIR DE
QUATRO ÁREAS DE INTERVENÇÃO SOCIAL
A identificação dessas características nas pesquisas realizadas com os alunos e professores
sinalizava para a importância da mediação docente na educação para a mídia. De onde procedemos
a sistematização de uma proposta alternativa de mediação docente nessa perspectiva. Isso foi
realizado tendo como referencial teórico as propostas da Educomunicação, área que vem se
organizando e se constituindo em novo paradigma de análise das práticas que aproximam
Comunicação e Educação.
Esse paradigma prescreve que toda Educação é Comunicação e que toda Comunicação é
Educação. E, nesse sentido, as questões fundantes se referem a qual Educação ou Comunicação se
pretende. Não se trata, portando, de uma nova metodologia, mas de um paradigma, uma maneira de
ver a relação Comunicação/Educação como uma janela para visualizar o mundo. Esse paradigma
vem se constituindo a partir da investigação e sistematização de práticas educomunicativas em que
os grupos envolvidos percebem que a Comunicação é algo transversal e ocorre entre sujeitos.
Mais do que dominar a mídia, a Educomunicação objetiva a construção de um ecossistema
comunicativo aberto, criativo e democrático. Pergunta-se pelo tipo de pessoa que se quer. Não o que
se quer formar, mas o que se quer experimentar. Dessa forma, o ideal é prescindido pela
experiência. Ao vivenciar adquire-se a capacidade da análise crítica da mídia. A teoria não se
constitui guia da ação. Ao contrário, constitui-se a partir da ação. Recorre-se à teoria para iluminar a
ação e não para adaptá-la nas práticas pedagógicas.
A Educomunicação se refere, nessa perspectiva, a um conjunto de ações inerentes ao
planejamento e implementação de processos e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas
comunicativos nos espaços educativos formais e não formais. Tem como função melhorar o
coeficiente comunicativo das ações educativas, ampliar a capacidade de expressão dos sujeitos,
desenvolver o espírito crítico dos usuários dos meios e dos sistemas de comunicação, por meio do
exercício do protagonismo juvenil.
8. Jacquinot (1998) defende que na perspectiva da Educomunicação não se pode permanecer
na visão de uma oposição entre saber midiático e saber escolar. Porque não há escolha e, queiramos
ou não, os alunos hoje aprendem coisas dos meios, mesmo que seja de uma forma que escapa ao
pedagogo e aos pais; Porque a escola e os meios têm pontos em comum e o que se aprende na
escola pode ajudar a compreender os meios e vice-versa; Porque os modos de apropriação do saber
mudaram, e mudarão ainda mais na nossa sociedade que desenvolve as indústrias do conhecimento.
Nesse contexto, o educomunicador não é um professor especializado encarregado do curso
de educação para os meios. É um professor do século XXI, que integrava os diferentes meios nas
suas práticas pedagógicas. Nessa perspectiva, a sistematização da proposta alternativa de mediação
docente na educação para a mídia contemplou quatro áreas possíveis de intervenção e mediação
pelo professor/educomunicador, identificadas por Soares (2002).
A área da educação para a comunicação, constituída pelas reflexões em torno da relação
entre os pólos vivos do processo comunicativo, assim como, no campo pedagógico, pelos
programas de formação de receptores autônomos e críticos frente aos meios.
Para Orozco-Gómez (1997), é possível, necessário e urgente intervir no processo de recepção. O
pesquisador argumenta que não nascemos receptores, mas vamos nos fazendo, em grande medida,
influenciados demasiadamente pelas mensagens dos meios de comunicação. Sem a concorrência, portanto,
de outras influências efetivas e críticas, é mais provável que as crianças se façam receptores somente a partir
do que as empresas dos meios de comunicação desejam. Mas, se ao contrário, a criança vai sendo orientada
enquanto vê TV, aos poucos vai aprendendo a diferenciar a programação de qualidade da que não o é, e
conseqüentemente estará melhor preparada para tomar melhores decisões frente às mensagens midiáticas que
lhe são oferecidas.
A área da mediação tecnológica na educação compreendendo os procedimentos e as
reflexões em torno da presença e dos múltiplos usos das tecnologias da informação e comunicação
na educação. Essa área vem ganhando grande exposição devido à rápida expansão dos sistemas de
educação, tanto presencial como a distância. Se os recursos tecnológicos clássicos como o rádio e a
televisão tiveram dificuldade para serem absorvidos pelo campo da educação, especialmente por
seu caráter lúdico e mercantil, o mesmo não aconte com o computador e a internet.
Essa área aponta para a necessidade de preparar professores e estudantes para usufruírem
dos novos recursos e usá-los adequadamente. Encontra profundas implicações culturais e
econômicas sobre os modos como as políticas públicas, as práticas empresariais e os vários modelos
pedagógicos vêm incorporando as tecnologias nos espaços educativos. Seu objeto de estudo são as
mudanças decorrentes da incidência das inovações tecnológicas no cotidiano das pessoas e grupos
sociais.
Segundo Martin-Barbero e Rey (2001), materializa-se na sociedade um novo ecossistema
comunicativo tão vital como o ecossistema ambiental. Acreditam que a primeira manifestação desse
ecossistema comunicativo é a relação das novas gerações com as tecnologias.
9. Nesse sentido, Soares (1999) argumenta que é preciso superar a tradicional visão
instrumental das tecnologias, para instaurar um discurso sobre o cenário e o ambiente em que
atuam. Em espaços educativos, o olhar comunicacional incidiria, portanto, no campo da
aprendizagem, entendida como espaço produtor de sentidos, oportunizado por uma concepção
dialética da presença da tecnologia nos meios educativos, passando de um modelo de comunicação
linear a um modelo de comunicação em redes.
A área da gestão comunicativa, designando toda ação voltada para o planejamento, execução
e avaliação de planos, programas e projetos de intervenção social no espaço da inter-relação
Comunicação/Educação, criando ecossistemas comunicativos em instituições formais e não
formais.
A área da reflexão epistemológica sobre a inter-relação Comunicação/Educação como
fenômeno cultural emergente. Entende-se que é a reflexão acadêmica, metodologicamente
conduzida, que garantirá unidade às práticas da Educomunicação, permitindo que evolua.
NOVO MOMENTO DA PESQUISA: FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA ATUAR NA
INTER-RELAÇÃO COMUNICAÇÃO/EDUCAÇÃO
A partir da observação, estudo e reflexão em relação à mediação docente na educação para a
mídia surgem novas questões para a pesquisa, em boa parte, referentes à necessidade de formação
de professores para atuarem na interface Comunicação/Educação. A busca de respostas para essas
questões tem norteado nossa investigação/reflexão no programa de Doutorado em Educação na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Os estudos realizados em conjunto com professores e alunos doutorandos revelam a
influência dos paradigmas da ciência em todas as áreas do conhecimento. Assim, também os
professores são influenciados pelos paradigmas da sua própria formação, os quais determinam
concepções sobre visão de mundo, de sociedade, de homem e da própria prática pedagógica
desenvolvida em sala de aula, inclusive a forma de uso das tecnologias da informação e
comunicação.
A tentativa de entender os paradigmas da educação, principalmente naquilo que implica a
formação de professores em cada tempo histórico, levou o grupo a investigar os paradigmas da
ciência. Nessa perspectiva, por um lado identificou-se uma abordagem conservadora na educação
baseada na racionalidade newtoniana cartesiana e de outro, uma abordagem inovadora que atende
uma visão da complexidade, da interconexão e da interdependência.
A prática pedagógica dos professores vem sendo questionada, em especial, nestas últimas
décadas, para buscar a superação da visão conservadora que leva o aluno a escutar, decorar e repetir
informações. Percebemos a influencia desse paradigma conservador no contexto da inserção das
10. tecnologias na educação brasileira na década de 1960, fortemente marcada pela abordagem
tecnicista.
De acordo com Leite et al (2003), a proposta de levar para a sala de aula qualquer novo
equipamento tecnológico que a sociedade industrial vinha produzindo de modo cada vez mais
acelerado foi uma das pontas de um contexto político-econômico mundial como produtor e
consumidor de bens, em perspectiva de um desenvolvimento associado ao capital estrangeiro. Na
educação, isso se traduziu na defesa de um modelo tecnicista, preconizando o uso das tecnologias
como fator de modernização da prática pedagógica e solução de todos os seus problemas.
A inserção das tecnologias, nessa perspectiva, ocorreu em um contexto marcado pela
racionalidade técnica advindo do paradigma cartesiano. É dentro desse contexto de racionalidade,
de eficiência, de eficácia e de produtividade alinhados com os interesses do capital que localizamos
a teoria pedagógica tecnicista. Esta teoria percebe a sociedade como um sistema harmônico e
funcional, e a escola como a instituição que organiza, por meio de técnicas específicas, o processo
de integração do indivíduo neste sistema.
Em práticas pedagógicas fundamentadas na teoria tecnicista, cuja ênfase reside na
reprodução do conhecimento, nas aulas expositivas e nos exercícios repetitivos, as tecnologias na
educação aparecem como ferramentas para facilitar a reprodução fiel de conteúdos auxiliando a
assimilação e a repetição. O acento não reside sobre o professor ou o aluno, mas nos próprios meios
sem se questionar suas finalidades. Desse modo, a utilização de tecnologias na escola tecnicista foi
associada a uma visão limitada de educação onde a função do aluno é aprender a fazer.
Esse contexto tecnicista levou os professores a desconfiarem da efetiva contribuição das
tecnologias na educação. Autores como Sá Filho e Machado (2004, p. 1) começam a questionar se a
simples inserção das tecnologias na educação, como aconteceu a partir de 1960, significa, de fato,
melhoria na prática pedagógica ou se esta será determinada pelo uso adequado que se faz.
A exigência de oferecer uma prática pedagógica reflexiva e crítica tem conduzido à
mudanças paradigmáticas na ação docente. Nesse sentido, as leituras, relatos de experiência e
reflexões têm desafiado os alunos pesquisadores a investigarem possíveis caminhos para buscarem
uma prática pedagógica condizente com os desafios postos pela sociedade atual.
Conforme Behrens (2007), o movimento de transposição de paradigmas advindos da ciência,
influencia também a Educação e leva a uma tendência de superação da abordagem conservadora e
positivista para dar lugar a uma formação de professores que leve a uma nova maneira de
investigar, de ensinar e de aprender. Nessa perspectiva, surge um novo paradigma, nomeado por
Capra (1996) e Morin (2000), como paradigma da complexidade, o qual começa a semear uma nova
visão de homem, de sociedade e de mundo, afeta a todos os profissionais e, conseqüentemente, os
professores. A formação de professores para atuar no novo paradigma passa a requerer processos de
qualificação contínua com visão crítica, reflexiva e transformadora.
11. Para Behrens (2006), a atuação no paradigma da complexidade leva as universidades e as
escolas em geral a superarem práticas conservadoras baseadas na transmissão e na repetição. Mais
do que reforçar atos intelectuais, o paradigma da complexidade exige que se estabeleçam novas
relações entre as pessoas, entre as pessoas e a natureza e entre as pessoas e o mundo. “Não adianta
pensar o mundo sem pensar a si mesmo como pessoa complexa” (PERRENOUD, 2001, p.47).
Considerações finais
Após 10 anos de pesquisa nas áreas de Educação e Comunicação, é possível identificar
algumas questões norteadoras nas investigações nessa área, como a tendência em considerar a
Educomunicação como um modo de olhar a interelação Educação e Comunicação, para além de
simples metodologia, a ênfase nas abordagens qualitativas de pesquisa, e a tendência, após a década
de 1980, em valorizar o contexto dos sujeitos da pesquisa e proceder a partir de olhares que
reconhecem o significado, o movimento e a contradição em culturas diversificadas. Essas
tendências corroboram no sentido de reconhecer as experiências coletivas de educomunicação como
lugar legítimo de construção significativa do saber. O ideal é prescindido pela experiência. Quer
dizer, ao experimentar adquiri-se a capacidade de análise e de crítica.
Em relação à organização da pesquisa, fazemos alguns destaques: A fecundidade do
momento da problematização, o que exige movimento de lógica, de produção de conhecimento, de
diálogo com os autores, de questionamento da área de pesquisa e de boas perguntas; A inserção da
pesquisa em um quadro teórico que permita análise abrangente dos dados pesquisados, evitando a
apropriação acrítica de idéias generalizadas; A descrição clara da metodologia e dos procedimentos
metodológicos. Não importa batizar, mas descrever os passos tomados. Como decidi entrar nesse
campo? Qual era o objetivo? Essa atitude vai, simultaneamente, encaminhando-nos para a seleção
do método.
Em relação aos procedimentos da pesquisa nessa área da Educomunicação destacamos a
importância de trabalhar com abordagens qualitativas, identificando e descrevendo o público: quem
é ele? Qual será o grau de participação desses sujeitos na pesquisa? Quem vou deixar de fora?
Dessa forma, considerar como os sujeitos vêem a realidade e que significados dão a ela. Como
constroem esse significado? Identificar o papel das interações sociais na compreensão da realidade
(onde as mídias exercem forte influência) e a valorização dos conhecimentos tácitos. Fazer uma
análise critica da cultura sem viciá-la com preconceitos do pesquisador.
Quanto à organização da pesquisa recorremos a Gamboa (2007), o qual aponta para a
importância de conhecer profundamente os pressupostos epistemológicos e filosóficos dos métodos
utilizados e o necessário nexo entre os seus diversos níveis constitutivos, tais como nível técnico,
nível metodológico, nível teórico e nível epistemológico.
12. Essas considerações nos permitem uma avaliação da trajetória de pesquisa identificando
possibilidades e limites, e ao mesmo tempo, remete-nos desafios para atentarmos nas pesquisas
posteriores.
REFERÊNCIAS
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Obs. Publicação impressa desse artigo: SANTOS, Vanderlei Siqueira dos. A pesquisa na
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