O documento descreve a cena musical brasileira das décadas de 1960 e 1970, incluindo estilos como Bossa Nova, Jovem Guarda e música de protesto. Também discute os processos de triagem e mistura na música popular brasileira, especialmente em relação aos movimentos tropicais e a imposição de padrões únicos.
2. Cena musical da década de 1960.
Bossa Nova.
Jovem Guarda.
Música de protesto.
Beatles.
Festivais (Excelsior, Record, Globo) na TV.
1968 -
3. Triagem e mistura
Movimento de triagem estética com a Bossa
Nova.
Tomada de poder pelos militares, acirrando a
atitude musical politizada.
Espécie de hipertriagem com a música de
protesto.
Irrompimento do tropicalismo
4. Samba-canção da década de 1940:
Embora tenha aprimorado consideravelmente
o modo romântico de compor e deixado uma
verdadeira coleção de clássicos (...), o estilo
samba-canção se sobrepôs de tal forma às
demais dicções da canção brasileira que, na
década de 1950, quase se converteu em
padrão único de criação (...). (Tatit, p. 99)
5. De todo modo, o sucesso das canções
passionais também desencadeou uma
vertente de produções melodramáticas que
acabou por desmotivar o consumo da classe
média mais instruída e, em especial, dos
estudantes que vinham se tornando uma das
principais forças culturais das grandes
metrópoles. (Tatit, p. 100)
6. Para esse ouvinte diferenciado e com bom
poder aquisitivo, o samba-canção,
identificado como música de “dor-de-cotovelo”,
veiculava uma “estética” do
excesso que não contribuía para o
refinamento do gosto. O excesso era antes
de tudo semântico, na medida em que
reinava um sentimentalismo desenfreado,
quase sempre beirando à pieguice (...).
(Tatit, p. 100)
7. Boemia, aqui me tens de regresso
E suplicante te peço a minha nova inscrição.
Voltei pra rever os amigos que um dia
Eu deixei a chorar de alegria; me acompanha
o meu violão.
Boemia, sabendo que andei distante,
Sei que essa gente falante vai agora ironizar:
"Ele voltou! O boêmio voltou novamente.
Partiu daqui tão contente. Por que razão
quer voltar?"
8. Acontece que a mulher que floriu meu caminho
De ternura, meiguice e carinho, sendo a vida do
meu coração,
Compreendeu e abraçou-me dizendo a sorrir:
"Meu amor, você pode partir, não esqueça o seu
violão.
Vá rever os seus rios, seus montes, cascatas.
Vá sonhar em novas serenatas e abraçar seus
amigos leais.
Vá embora, pois me resta o consolo e alegria
De saber que depois da boemia
É de mim que você gosta mais".
9. • Bossa Nova, a partir de 1958:
• Nesse mesmo período, alguns músicos jovens
mostravam-se especialmente sintonizados
com a tendência do mundo ocidental pós-
Segunda Guerra de se encantar com os
progressos e as conquistas do povo norte-americano.
O interesse pelos mestres do jazz
e, sobretudo, pelo fenômeno pop Frank
Sinatra, que arrebanhou uma legião de fãs
em todo o mundo, tomou de assalto a
juventude brasileira que, justamente,
buscava uma alternativa mais refinada para
desfazer a supremacia passional.
10. • A bossa nova constituiu, assim, uma triagem
de ordem estética, cujo gesto fundamental
de eliminação dos excessos passou a ser
constantemente reconvocado pelos agentes
musicais toda vez que se faz necessário
sanear alguma “exorbitância” no mundo da
canção. Mesmo o improviso, tão caro ao jazz,
é considerado uma complicação inútil
incompatível com a precisão da bossa nova.
(Tatit, p. 101)
11. Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai
12. Mas se ela voltar
Se ela voltar que coisa linda
Que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços, os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim
13. • A primeira consequência da nova ordem se
fez sentir nas letras das canções que foram
gradativamente retomando o peso
semântico, agora não mais no campo
amoroso e sim na forma de posicionamento
ideológico que compreendia a reabilitação
dos valores regionais, a denúncia de
injustiças sociais e o anúncio de uma
revolução iminente e inevitável. Logo depois,
as melodias também recuperaram as
inflexões grandiloquentes de tempos
passados para dar cobertura compatível à
oratória engajada. (Tatit, p. 102)
14. Nessas circunstâncias, irrompe a figura de
Geraldo Vandré, compositor e intérprete
vencedor de festivais e com prestígio no
meio artístico, tentando promover o que
poderíamos chamar de hipertriagem: fazer
com que a música popular de interesse
naquele momento histórico fosse unicamente
a canção engajada, de preferência a de sua
autoria e criação interpretativa. (Tatit, p.
103)
15. Olha que a vida tão linda se perde em tristezas assim
Desce o teu rancho cantando essa tua esperança sem fim
Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção
Pra que teu povo cantando teu canto ele não seja em vão
Eu vou levando a minha vida enfim
Cantando e canto sim
E não cantava se não fosse assim
Levando pra quem me ouvir
Certezas e esperanças pra trocar
Por dores e tristezas que bem sei
Um dia ainda vão findar
Um dia que vem vindo
E que eu vivo pra cantar
Na Avenida girando, estandarte na mão pra anunciar.
16. • Se a música de protesto era contra a ditadura
militar, o tropicalismo manifestava-se em boa
medida contra a música de protesto e o seu
espírito de exclusão, o que não significava,
muito pelo contrário, que os tropicalistas
nutrissem qualquer simpatia pelos usurpadores
do poder político. (...)
17. Das atitudes consumistas (e “alienadas”) da
jovem guarda ou da anarquia manipulada pelo
programa de auditório do Chacrinha até a
expressão kitsch de Vicente Celestino ou as
novidades do rock internacional, passando pelo
flerte explícito com o mercado cultural e com os
símbolos da contemporaneidade (história em
quadrinhos, Coca-cola, astronauta, sexo etc.), o
tropicalismo deu a entender que a canção
brasileira é formada por todas as dicções –
nacionais ou estrangeiras, vulgares ou elitizadas,
do passado ou do momento, e não suportaria
qualquer gesto de exclusão. (Tatit, p. 103)
18. • Por todas essas razões, pela primeira vez a
mistura não se processou naturalmente e seu
surgimento abrupto surtiu efeitos de tratamento
de choque sobre a MPB da época. E na
assimilação desbragada tanto de valores culturais
considerados positivos como dos
terminantemente rejeitados pelos grupos de
esquerda, a atuação tropicalista foi avaliada ora
como portadora de enriquecimentos à música
popular, ora como profanação de suas conquistas
já sacramentadas. De todo modo, a partir de
então, o gesto dos artistas baianos foi
incorporado à história da canção como um
dispositivo de mistura a ser acionado toda vez
que ocorrer a ameaça de exclusão. (Tatit, p.
104)
19. Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou
20. Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou
21. Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não?
22. Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento
Eu vou
Eu tomo uma Coca-Cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou
23. Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou
24. Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não?
Por que não, por que não?
Por que não, por que não?
Por que não, por que não?