1) A história do Brasil seguiu uma "via prussiana" de conciliação entre classes dominantes, impedindo revoluções de baixo para cima e mantendo as massas excluídas do poder.
2) As transformações no Brasil ocorreram através de "revoluções passivas" ou "contrarreformas" pelo alto, satisfezendo parcialmente demandas populares ou restaurando o status quo.
3) A atual crise política e econômica no Brasil não permite nova conciliação pelo alto, correndo-se o r
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
A conciliação pelo alto impede o progresso do brasil
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A CONCILIAÇÃO PELO ALTO IMPEDE O PROGRESSO DO BRASIL
Fernando Alcoforado*
O processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil ao longo da história
seguiu uma “via prussiana” nos moldes do processo de modernização capitalista da
Alemanha e em contraposição ao modelo dos Estados Unidos. Segundo Wladimir
Lênin, na “via prussiana”, a grande propriedade pré-capitalista da Alemanha do final do
século XIX se transforma, gradativamente, em empresa capitalista com as relações de
trabalho mantendo aspectos da coerção extra-econômica que as caracterizavam e os
antigos proprietários, ao garantirem a manutenção das formas econômicas em que se
apoiam, conseguem manter papel proeminente no aparelho de Estado e, assim, orientar
o próprio processo de modernização. Em contraposição, o modelo dos Estados Unidos,
de caráter democrático, segundo Lênin, se caracteriza pela destruição da grande
propriedade pré-capitalista, fracionada em pequenas propriedades camponesas.
As transformações ocorridas na história do Brasil não resultaram de autênticas
revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto da
população, mas se encaminharam sempre através de uma conciliação entre os
representantes dos grupos opositores economicamente dominantes, conciliação que se
expressava sob a figura política de reformas “pelo alto” (Ver o artigo Os efeitos da “via
prussiana” sobre a intelectualidade brasileira de Carlos Nelson Coutinho disponível no
website <http://laurocampos.org.br/2008/09/os-efeitos-da-via-prussiana-sobre-a-
intelectualidade-brasileira/>, 2008).
Segundo Carlos Nelson Coutinho, todas as grandes alternativas concretas vividas pelo
Brasil (Independência, Abolição, República, modificação do bloco de poder em 1930 e
1937, passagem para um novo patamar de acumulação em 1964), encontraram uma
resposta “à prussiana”; uma resposta na qual a conciliação “pelo alto” não escondeu
jamais a intenção explícita de manter marginalizadas ou reprimidas de qualquer modo,
fora do âmbito das decisões, as classes e camadas sociais “de baixo”. A tendência
objetiva que tem a transformação social no Brasil de se realizar por meio da
“conciliação pelo alto” marca a história do Brasil. Surgem entre nós manifestações
explícitas da ideologia “prussiana”, que em nome de uma visão abertamente elitista e
autoritária defendem a exclusão das massas populares de qualquer manifestação ativa
nas grandes decisões nacionais.
A conciliação pelo alto pode assumir duas características: 1) revolução passiva; e, 2)
contrarreforma. No artigo Revolução passiva ou contra-reforma? disponível no website
<http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=790>, Carlos Nelson Coutinho
afirma que, ao contrário de uma revolução popular, “jacobina”, como, por exemplo, as
revoluções francesa de 1789 e russa de 1917, realizada a partir de baixo — e que, por
isso, rompe radicalmente com a velha ordem política e social —, uma revolução passiva
implica sempre a presença de dois momentos: o da “restauração” (trata-se sempre de
uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical
proveniente “de baixo”) e da “renovação” (no qual algumas das demandas populares são
satisfeitas “pelo alto”, através de “concessões” das camadas dominantes).
No Brasil, a Revolução de 1930, por exemplo, foi uma revolução passiva baseada na
“renovação” na qual algumas das demandas populares foram satisfeitas “pelo alto”,
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como é o caso das leis sociais introduzidas pelo governo Getúlio Vargas que
representaram “concessões” das camadas sociais dominantes. O golpe de estado de
1964, por sua vez, foi uma revolução passiva baseada na “restauração” porque ela foi
realizada como uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva
e radical proveniente “de baixo” durante o governo João Goulart.
Quanto à contrarreforma, Gramsci a caracteriza como uma pura e simples
“restauração”, diferentemente do que faz no caso da revolução passiva, quando fala em
uma “revolução-restauração”. Apesar disso, porém, ele admite que até mesmo neste
caso tem lugar uma “combinação entre o velho e o novo”. A diferença essencial entre
uma revolução passiva e uma contra-reforma reside no fato de que, enquanto na
primeira existem “restaurações” que visam barrar as exigências que vinham de “baixo”,
na segunda é preponderante não o momento do novo, mas precisamente o do velho (Ver
o artigo Revolução passiva ou contra-reforma? de Carlos Nelson Coutinho disponível
no website <http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=790>).
O Welfare State (Estado de Bem estar Social), por exemplo, introduzido na Europa
Ocidental após a Segunda Guerra Mundial foi uma revolução passiva com a introdução
da social democracia que teve o momento da restauração ao barrar as possibilidades de
sucesso de revolução socialista e o momento da renovação ao adotar as políticas
econômicas intervencionistas sugeridas por Keynes e ao acolher muitas das demandas
das classes trabalhadoras. Por sua vez, a contrarreforma tem como exemplo o
neoliberalismo que foi introduzido na economia mundial, inclusive no Brasil, a partir da
década de 1990 para barrar o declínio do sistema capitalista.
Na época neoliberal em que vivemos não há espaço para o avanço dos direitos sociais.
Ao contrário, há a eliminação de tais direitos e a desconstrução e negação das reformas
já conquistadas pelas classes subalternas levadas avante no Welfare State. As chamadas
“reformas” da previdência social, das leis de proteção ao trabalho, a privatização das
empresas públicas, etc. — “reformas” que estão atualmente presentes na agenda política
tanto dos países capitalistas centrais quanto dos periféricos (hoje elegantemente
rebatizados como “emergentes”) — têm por objetivo a pura e simples restauração das
condições próprias de um capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem freios as
leis do mercado.
Após a revolução passiva baseada na “restauração” realizada pelo regime militar de
1964 a 1985, a política econômica adotada pelos governos Fernando Henrique Cardoso,
Lula e Dilma Rousseff representou um misto de revolução passiva baseada na
“renovação” e de contrarreforma. Com a revolução passiva baseada na “renovação”
algumas demandas populares foram satisfeitas “pelo alto”, como, por exemplo, os
programas de transferência de renda como o Bolsa Escola e o Bolsa Família. A
contrarreforma se caracterizou pela introdução do neoliberalismo do qual resultou a
eliminação de alguns direitos sociais, a desconstrução e negação das reformas já
conquistadas pelas classes subalternas, a privatização das empresas públicas, etc.
A conciliação pelo alto está em marcha, no momento atual, no Brasil com o conluio do
governo Dilma Rousseff com setores conservadores para evitar sua destituição do poder
através de impeachment e, também, o conluio entre o governo Dilma Rousseff e o
presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha, para evitar o
impeachment da presidente da República por ter praticado crime de responsabilidade
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fiscal e ter utilizado recursos da corrupção da Petrobras em sua campanha de reeleição
em 2014 e a cassação do deputado pelo crime de corrupção em flagrante desrespeito às
leis e à vontade da grande maioria da população brasileira. Enquanto isto, o País
caminha celeremente para o colapso econômico e político. Do conluio em curso no
momento resultará um misto de revolução passiva baseada na “restauração” porque se
trata de uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical
do Brasil que corresponda à vontade da grande maioria da população brasileira e de
contrarreforma porque visa a manutenção do modelo neoliberal no Brasil.
Pode-se afirmar que, no Brasil, nunca houve, de fato, uma revolução social. O Brasil,
mais que qualquer outro país da América Latina, pode ser caracterizado como o lugar
por excelência da revolução passiva e da contrarreforma. A Independência do Brasil
diferiu da experiência dos demais países da América Latina porque não apresentou as
características de um típico processo revolucionário nacional-libertador porque foi
abortado, no caso brasileiro, pelo episódio da transmigração da família real portuguesa
para o Brasil, quando a Colônia acolhe a estrutura e os quadros do Estado
metropolitano.
O nativismo revolucionário, sob a influência dos ideais do liberalismo e das grandes
revoluções de fins do século XVIII cedeu terreno à lógica do conservar-mudando que
prevalece até hoje, cabendo à iniciativa de D. Pedro I, príncipe herdeiro da Casa Real
portuguesa, e não ao povo brasileiro o ato político que culminou com a Independência.
A Independência do Brasil foi, portanto, uma "revolução sem revolução" porque não
houve mudanças na base econômica e nas superestruturas política e jurídica da nação. O
Estado que nasce da Independência mantém o execrável latifúndio e intensifica a não
menos execrável escravidão fazendo desta o suporte da restauração que realiza quanto
às estruturas econômicas herdadas da Colônia.
O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão no século XIX, a
reforma agrária ainda está por se realizar porque a malfadada estrutura agrária baseada
no latifúndio continua existindo no Brasil, modernizada na atualidade com o
agronegócio, e o processo de industrialização foi introduzido tardiamente no Brasil,
200 anos após a Revolução Industrial na Inglaterra. Isto reflete o atraso econômico do
Brasil em relação aos países mais desenvolvidos. As crises econômicas enfrentadas pelo
Brasil ao longo de sua história não foram capazes de gerar crises políticas que levassem
o povo brasileiro à revolução social e colocassem em xeque o sistema econômico e os
detentores do poder visando a promoção de seu desenvolvimento econômico e social.
Apesar das inúmeras revoltas populares registradas ao longo da história do Brasil, uma
verdadeira revolução política, econômica e social capaz de realizar mudanças estruturais
profundas e promover o desenvolvimento em benefício da população brasileira nunca
aconteceu efetivamente no País. Todas as tentativas revolucionárias realizadas no Brasil
foram abortadas com dura repressão pelos detentores do poder. É sabido que, no
mundo, os países que avançaram politicamente são aqueles cujos povos foram
protagonistas, através de revoluções sociais, das mudanças realizadas nos planos
econômico e social.
Ao longo da história do Brasil, é flagrante a incapacidade do povo brasileiro de assumir
protagonismo nas mudanças estruturais necessárias ao progresso econômico e social do
País. De modo geral, em momentos de crise política e econômica sempre ocorreram
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acordos entre as classes dominantes e os detentores do poder político que possibilitavam
manter o “status quo” como ocorreu, por exemplo, durante a “República Velha”, após a
Proclamação da República em 1889 com a “política do café com leite” e, após o fim do
regime militar em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da
República. Quando não houve “acordos pelo alto” ao longo da história, o Brasil foi
vítima de golpes de estado como ocorreu em 1889 com o fim do Império, em 1930 com
o fim da “República Velha” e em 1964 com a implantação da ditadura militar. Ao longo
da história do Brasil, o povo brasileiro nunca foi protagonista das mudanças políticas,
econômicas e sociais. Isto precisa mudar para que se possa construir um futuro radioso
para o Brasil.
A crítica situação política, econômica e social em que se encontra o Brasil no momento
não comporta a conciliação “pelo alto” como o que se esboça entre os detentores do
poder econômico e político para manter o governo Dilma Rousseff no poder. Tudo leva
a crer que se Dilma Rousseff não for destituída do poder através de impeachment pelo
crime de responsabilidade fiscal ou crime eleitoral, poderá ocorrer convulsão social com
o confronto entre a grande maioria do povo brasileiro que deseja sua deposição e os
partidários do governo. É preciso levar em conta as lições da história que nos ensina que
a convulsão social pode levar à instauração de ditaduras de direita ou de esquerda. Este
é o risco que ameaça a sociedade brasileira. Desta vez, não há espaço para conciliação
“pelo alto”. O Brasil vive, portanto, momentos decisivos em sua história.
* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil-
Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).