Este artigo discute a gestão da mudança da qualidade de produtos. Apresenta os conceitos de parâmetros e dimensões da qualidade total de um produto. Propõe que a mudança da qualidade ocorre nessas dimensões de forma a melhorar o valor percebido pelo usuário. Descreve como a mudança pode envolver alterações no projeto ou na conformidade do produto.
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Aula 6 negociaçao e gestao da mudanca
1. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 104
GESTÃO DA MUDANÇA DA QUALIDADE DE PRODUTO
José Carlos de Toledo
Prof. Doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos
C.P. 676; 13565-905 - São Carlos-SP; Fone: 0162-74.8236/37/38; Fax: 0162-71.2081
[Este artigo foi baseado na Tese de Doutorado do autor, apresentada e aprovada no Departamento de Engenharia
de Produção da Escola Politécnica da USP em março de 1994]
O dinamismo do ambiente competitivo, das exigências dos consumidores, e mesmo
das normas e regulamentações, impõe às empresas pressões para melhoria constante
da qualidade dos produtos existentes. Assim, a capacidade para conseguir manter os
produtos atualizados, frente às exigências do ambiente econômico e tecnológico, tem-
se tornado uma importante fonte de vantagem competitiva. O desempenho nessa área
depende da capacidade das empresas para gerir o processo de desenvolvimento e de
aperfeiçoamento dos produtos e interagir com o mercado e com as fontes de
inovação tecnológica. Este trabalho apresenta o conceito de mudança da qualidade
de produto, derivado do conceito de inovação tecnológica. Essa mudança se dá em
parâmetros e dimensões que compõem a qualidade total do produto, e representa
modificações que aumentam o seu valor. É proposto um modelo que serve de
referencial para a estruturação e o planejamento das atividades necessárias à
mudança da qualidade de produto em uma empresa. Também apresenta um conjunto
de proposições para a gestão eficaz e eficiente desse processo de mudança.
Palavras-chaves: qualidade de produto, mudança da qualidade de produto, gestão da
mudança.
1. Introdução
O lançamento de novos produtos e a melhoria da qualidade dos produtos
existentes são duas questões de grande relevância para a capacidade competitiva das
empresas. Ambos compõem o que normalmente se chama de Desenvolvimento de
Produto.
Diversos estudos (ABERNATHY et al. (1983), HAYES et al. (1988), CLARK
& FUJIMOTO (1991), WHELWRIGHT & CLARK (1992)) apontam o papel central
que o Desenvolvimento de Produto tem representado no ambiente competitivo do final
dos anos 80 e na década de 90. Além disso, estudos (ROSENBLOOM &
CUSUMANO (1987), GARVIN(1988)) demonstram que uma importante parcela da
vantagem competitiva da manufatura japonesa advém do modo como os produtos são
projetados, desenvolvidos e aperfeiçoados. Assim, o desenvolvimento eficaz de novos
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produtos tem-se tornado uma dimensão crítica da competição industrial e uma
importante fonte de vantagem competitiva.
Nesse ambiente competitivo, caracterizado por intensa concorrência em nível
global, pela emergência de mercados fragmentados e com consumidores cada vez
mais exigentes e sofisticados, e por mudanças tecnológicas mais rápidas,
diversificadas e transformadoras, as empresas estão sujeitas a pressões constantes para
a melhoria da qualidade dos produtos.
No caso de países em desenvolvimento, o Desenvolvimento de Produto se
concentra essencialmente em adaptar e melhorar produtos existentes. As condições
econômicas, tecnológicas e sociais desses países inibem a inovação radical e tornam as
mudanças incrementais de fundamental importância para a competitividade de
diversos segmentos industriais. Os novos produtos tendem a ser desenvolvidos nos
países centrais e são difundidos nos demais países via transferência internacional de
tecnologia. Segundo FRANSMAN (1986), a atividade tecnológica no terceiro mundo
tende a ser quase exclusivamente incremental, ao invés de "movedora-de-fronteiras",
mas é preciso não subestimar a importância cumulativa da mudança tecnológica
incremental.
Estudos de caso permitem observar que a melhoria incremental dos produtos
existentes e das gerações de produtos sucedâneos é tão importante quanto as rupturas
tecnológicas e o lançamento de novos produtos (GEORGHIOU et al. 1986).
Entretanto, o referencial teórico sobre Desenvolvimento de Produto é voltado
para grandes estruturas produtivas, que realizam o ciclo completo de inovação
tecnológica, e para o desenvolvimento de novos produtos.
A literatura que trata de inovação tecnológica é vasta no que diz respeito à
definição, à discussão e à gestão do processo de inovação. Este processo geralmente é
apresentado como linear e como um fluxo de ciclo único, que se inicia com a pesquisa
básica e termina com o lançamento de uma inovação no mercado. Entretanto, quando
se analisa a evolução de um produto torna-se evidente que os avanços ocorridos
resultam de muitos incrementos ao longo do tempo. Periodicamente são introduzidas
mudanças que melhoram o desempenho global, ou qualidade total, do produto,
evidenciando que esse processo é dinâmico e contínuo.
Já a literatura sobre "melhoria da qualidade" limita-se à prescrição de
metodologias e ferramentas para diagnóstico e solução de problemas específicos e
volta-se para melhoria da qualidade dos processos da empresa (como é o caso da
metodologia KAIZEN e de ferramentas da Gerência da Qualidade Total), ou para
análise do produto stricto sensu, como é o caso da Análise/Engenharia de Valor.
Portanto, não existe um referencial teórico que se situe entre o macroprocesso de
inovação tecnológica e o nível micro de diagnóstico e solução de problemas
específicos. A nosso ver, o QFD (Desdobramento da Função Qualidade) é a
metodologia que mais se aproxima desta questão, na medida em que procura
coordenar as ações de controle e melhoria da qualidade, integrando-as com o mercado.
Também parece razoável admitir que a mudança da qualidade dos produtos se dá
mediante um processo que não está devidamente caracterizado e estruturado nas
empresas (as mudanças ocorrem de forma dispersa, são muitas as fontes de mudança,
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não existe uma definição clara da área funcional responsável pelas mudanças, não
constituem uma atividade rotineira, etc). Parte-se do pressuposto de que a formulação
de uma estratégia na área, e a estruturação de um sistema para mudança da qualidade
de produto são fundamentais para a gestão deste processo e para o desempenho da
empresa. Segundo BELL et al. (1984) uma estratégia consciente para mudanças em
produtos e processos, fortalecida por estímulos intermitentes, é o que geralmente
distingue as firmas bem sucedidas, em indústrias estabelecidas, das indústrias
nascentes nos países menos desenvolvidos.
Assim, este trabalho objetiva contribuir para o desenvolvimento de um quadro
teórico que sirva de referência para a definição, estruturação e gestão do processo de
mudança da qualidade de produto.
O trabalho contribui para responder a duas questões:
- como se dá o processo de mudança da qualidade de produto (quais os
principais elementos desse processo, as variáveis envolvidas e as relações
existentes)?
- quais as especificidades desse processo e qual a "melhor forma" de se gerenciá-
lo?
Esse referencial teórico pode ter as seguintes aplicações:
- no âmbito da empresa: auxilia na definição e estruturação do processo de mudança
da qualidade de produto e na sua gestão.
- no âmbito macroeconômico (definindo-se um setor industrial e um produto):
permite avaliar a qualidade resultante do produto (nas suas diversas dimensões), a
evolução desta qualidade ao longo do tempo, as forças condicionantes, as razões da
mudança e o comportamento do processo de mudança. Também ajuda a observar
tendências da qualidade do produto e a relacionar essas tendências com fatores
condicionantes para, se necessário, intervir nesses fatores e direcionar a evolução da
qualidade. Esse tipo de estudo exige uma série histórica de dados sobre as variáveis
envolvidas no processo de mudança da qualidade de produto.
A mudança da qualidade de produto se dá em características e parâmetros que
compõem a qualidade do produto. Assim, inicialmente o trabalho apresenta esses
conceitos para posteriormente desenvolver um modelo para o processo de mudança da
qualidade de produto bem como proposições para sua gestão.
2. Parâmetros e Dimensões da Qualidade Total do Produto
De modo genérico, característica de qualidade é definida como qualquer
propriedade ou atributo de produtos, materiais ou processos, necessária para se
conseguir a adequação ao uso. Essas características podem ser de ordem tecnológica,
psicológica, temporal, contratual ou ética (JURAN, 1974, p.2.8).
As características de qualidade que nos interessam aqui são as de produto, as
quais estão presentes fisicamente no produto ou estão associadas ao mesmo.
A qualidade de um produto é representada pela característica, ou conjunto de
características, que determinam a sua natureza. Pode-se pensar, assim, que um produto
tem qualidades e não uma qualidade, uma vez que existe uma qualidade para cada
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característica. E a qualidade global do produto pode ser vista como uma resultante de
todas as qualidades parciais (TOLEDO & ALMEIDA, 1990).
Se para cada característica de qualidade (ci) do produto existe uma qualidade
(qi), a qualidade global, que passaremos a chamar de qualidade total do produto
(QTP), seria resultante de uma função dessas qualidades qi. Assim tem-se que:
QTP = f(q1, q2,..., qn; a1, a2,...,an)
onde qi é a qualidade de cada característica e os ai são os parâmetros da função.
Entretanto, as características de qualidade do produto são muitas e de diversos
tipos. Para efeito de simplificação é conveniente agrupá-las em parâmetros da
qualidade perceptíveis para o usuário.
Chamaremos de parâmetro da qualidade de produto a características específicas,
ou conjunto de características, do produto que compõem um determinado aspecto da
qualidade. E chamaremos de dimensão a um agrupamento, ou composição, de
parâmetros da qualidade, em função da similaridade de sua contribuição para a
qualidade total do produto. Por exemplo: diversas características de qualidade de
projeto e de conformação compõem o parâmetro confiabilidade do produto. Este
parâmetro, por sua vez, em conjunto com outros - como a disponibilidade e a
mantenabilidade - compõe uma dimensão da qualidade que representa a qualidade de
características funcionais temporais do produto. Essa dimensão procura refletir a
qualidade de funcionamento do produto ao longo do tempo.
Tendo como ponto de partida o trabalho de GARVIN (1984), propomos o
agrupamento dos parâmetros da qualidade nas seguintes dimensões:
a) qualidade de características funcionais intrínsecas ao produto:
Parâmetros:
- Desempenho técnico ou funcional
- Facilidade ou conveniência de uso
b) qualidade de características funcionais temporais (dependentes do
tempo):
Parâmetros:
- Disponibilidade
- Confiabilidade
- Mantenabilidade
- Durabilidade
c) qualidade de conformação:
Parâmetro:
- Grau de conformidade do produto
d) qualidade dos serviços associados ao produto:
Parâmetros:
- Instalação e orientação de uso
- Assistência técnica
e) qualidade da interface do produto com o meio:
Parâmetros:
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- Interface com o usuário
- Interface com o meio ambiente (impacto no meio ambiente)
f) qualidade de características subjetivas associadas ao produto:
Parâmetros:
- Estética
- Qualidade percebida e imagem da marca
g) custo do ciclo de vida do produto para o usuário:
O custo do ciclo de vida do produto, para o usuário, compreende a soma dos
custos de aquisição, de operação, de manutenção e de descarte do produto.
O conjunto dessas dimensões e parâmetros compõe o que estamos chamando de
qualidade total do produto. A qualidade total do produto representa, portanto, a
qualidade experimentada e avaliada pelo usuário, objetiva ou subjetivamente, na etapa
de utilização do produto e em todas as suas dimensões, sejam intrínsecas ou associadas
ao produto.
3. O Conceito de Mudança da Qualidade de Produto
Como visto, a qualidade do produto pode ser decomposta em diversas
dimensões. Essas dimensões representam os eixos ao longo dos quais pode se dar a
mudança da qualidade do produto.
As mudanças representam alterações nessas dimensões que, supõe-se, se
traduzam em melhorias em relação à qualidade anterior. A melhoria da qualidade é
representada pelo aumento no desempenho de características do produto que elevam o
seu valor para o usuário ou para o produtor.
A qualidade está diretamente associada ao desvio entre as necessidades dos
clientes e o desempenho real do produto no mercado. Assim, a mudança da qualidade
de produto está associada a mudanças nesse desvio.
Esse desvio pode ser decomposto em dois tipos:
i. desvio entre as necessidades do cliente (qualidade desejada pelo mercado) e
o desempenho projetado para o produto (qualidade projetada); e
ii. desvio entre a qualidade projetada e o desempenho constatado (real) do
produto (qualidade real do produto).
O primeiro desvio reflete um problema de concepção e ou de projeto (ou seja, de
qualidade de projeto) e o segundo um problema de produção (ou seja, de qualidade de
conformação). Assim, a mudança em dimensões da qualidade do produto pode exigir
mudanças de projeto e ou de conformação.
Para algumas características de qualidade, as diferenças inter-produtos podem ser
expressas em termos quantitativos como é o caso, por exemplo, da resistência de um
aço, da quantidade de impurezas no leite e da quilometragem útil de um pneu. Esse
aspecto quantitativo da qualidade permite pensar em termos de qualidade superior e
inferior (ou seja, em níveis da qualidade) e de melhoramento e deterioração da
qualidade. Esse tipo de diferença de qualidade pode ser chamado de diferença
vertical. De modo geral, a qualidade superior, entre quaisquer duas, é considerada
preferível potencialmente por todos os consumidores. Deve-se ressaltar, entretanto,
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que essa preferência não se aplica a todas as características quantitativas e objetivas.
Por exemplo, a redução do consumo de energia de um equipamento pode ter maior
importância para algumas pessoas do que para outras.
Ao mesmo tempo, existem características de qualidade que não podem ser
expressas em termos quantitativos e para as quais não existe concordância de opinião,
entre diferentes pessoas, quanto ao seu valor relativo. É o caso, por exemplo, de
características de estética, tais como: cor, forma e textura de um produto, ou de
características de conveniência, tais como a posição do porta-malas de um carro, a
distribuição de prateleiras e gavetas num refrigerador e o controle remoto de um
televisor. Nestes casos, um mesmo atributo pode atrair alguns consumidores e afastar
outros, uma vez que as pessoas diferem em suas circunstâncias, valores e gostos. Esse
tipo de diferença inter-produtos pode ser chamado de horizontal, em contraposição à
diferença vertical. A diferença não é em termos de nível de qualidade, mas sim de
adequação a gostos e preferências do consumidor.
Existe um terceiro caminho em que a qualidade pode ser modificada. É o caso da
introdução de uma inovação tecnológica, considerada superior por muitos ou todos os
consumidores, e que torna a qualidade anterior obsoleta. Neste caso, a superioridade
não é devida a uma mudança opcional no nível de qualidade a que pertence o produto
(mudança vertical) e nem na melhor adequação do produto a nichos de mercado
(mudança horizontal), mas sim devida a melhoramentos na qualidade existente. Essa
mudança pode ser chamada de inovacional, uma vez que representa uma inovação
tecnológica em relação ao padrão de qualidade anterior. Essa inovação pode ser do
tipo maior ou menor (radical ou incremental) implicando, respectivamente, uma
mudança de nível ou uma mudança intra-nível.
Resumindo, pode-se pensar em três direções para mudança da qualidade de
produto (MQP): vertical, horizontal e inovacional. Na prática uma mudança de
qualidade nem sempre se ajusta perfeitamente a uma dessas categorias, podendo
conter mudanças em todas as três.
4. O Processo de Mudança da Qualidade de Produto
As mudanças nos produtos são desenvolvidas e introduzidas em função da sua
capacidade potencial para manter e aumentar a participação no mercado, reduzir
custos e atender a necessidades específicas de melhoria, seja a partir de estratégia
própria da empresa ou por imposição do ambiente externo (por exemplo, por normas e
regulamentações). Assim, os planos e ações para melhoria da qualidade do produto
assumem papel importante, no domínio estratégico, para as empresas e devem ser
eficientemente gerenciados.
Os modelos tradicionais que descrevem o processo de inovação tecnológica
representam um ciclo único de inovação. Esse ciclo inicia com a identificação da
necessidade, ou da oportunidade, de alguma melhoria e incorpora conhecimentos e
restrições dos ambientes tecnológico, econômico e social, até resultar, eventualmente,
numa invenção. Quando incorporada em um produto e introduzida no mercado, esta
invenção se torna uma inovação, e inicia-se a etapa de difusão.
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Este modelo representa um "ciclo único" porque descreve o desenvolvimento de
uma inovação, e normalmente é representado pelas três grandes fases: invenção,
inovação e difusão, conforme figura 1.a, ou representado, de forma desagregada,
pelas fases: pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, engenharia,
fabricação e consumo, conforme figura 1.b.
Identificação da
necessidade ou
oportunidade de Invenção Inovação Difusão
mudança
Figura 1a - Ciclo de Inovação Tecnológica
Pesquisa Pesquisa Desenvolvi-
Engenharia Fabricação Consumo
Básica Aplicada mento
Figura 1b - Detalhamento das Etapas do Ciclo de Inovação Tecnológica
Quando se estuda a evolução de um produto, observa-se que ao longo do tempo
os avanços obtidos resultam do acúmulo de muitas melhorias incrementais.
Periodicamente, são introduzidas mudanças que melhoram a qualidade total do
produto através de um processo evolutivo, conforme se depreende de diversos estudos
sobre desenvolvimentos pós-inovação (NELSON & WINTER, 1982; GEORGHIOU
et al., 1986).
A partir do trabalho de ARROW (1962) passou-se a valorizar o papel das
pequenas inovações técnicas localizadas, que ocorreriam de forma endógena a partir
da otimização da própria capacidade tecnológica existente na empresa. Reconheceu-se
o caráter cumulativo e incerto do processo de aprendizagem tecnológica em direção à
melhor prática.
NELSON & WINTER (1982), na mesma direção de ARROW (1962),
desenvolveu a Teoria Evolucionária da Firma que supõe um mundo em
transformação, com a possibilidade de inovações incrementais de produto e de
processo, a partir da própria firma. As opções tecnológicas, bem como a melhor
prática, não são dadas, a firma as procura e aperfeiçoa, a partir de esforços e ações
próprias. Essa teoria forneceu as bases para a inserção da qualidade - particularmente
da melhoria da qualidade - no processo de mudança técnica.
Assim, parece razoável admitir que o modelo de "ciclo único" de inovação,
comentado anteriormente, pode ser visto como a parte central de um processo
contínuo de melhoria. Ou seja: dada uma inovação, ela passa a ser continuamente
aperfeiçoada.
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Nesse sentido parece desejável, e útil, um modelo conceitual que descreva o
processo de melhoria da qualidade de produto. Esse modelo, que em parte se
confunde com um modelo de inovação tecnológica em nível de empresa, permite um
melhor entendimento das variáveis envolvidas e das relações de causa e efeito,
auxiliando o gerenciamento da mudança da qualidade de produto.
O processo de mudança da qualidade de produto pode ser representado a partir
dos componentes básicos de um processo genérico, a saber: entradas, transformação
ou operação, saídas, controle (feedback) e fatores condicionantes. Para tanto, é
necessário estabelecer parâmetros para avaliação da melhoria resultante da qualidade
do produto (ou seja, as saídas do processo), de maneira a determinar a extensão dessa
melhoria. Também é necessário identificar o fluxo de entrada do processo, os
condicionantes, as etapas da transformação e a resposta do mercado (feedback).
O modelo referente a este processo pode ser visualizado na figura 2.
Condicionantes
Externos Internos
Mercado Consumidor Estratégia Competitiva
Concorrência Estratégia Tecnológica
Tecnologia Estratégia de Produto e
Mercado
Normas e Regulamentações
Estratégia da Qualidade
Política Ind. e Com. Exterior
Esforço
de P&D Melhoria da
Desenvol- qualidade do
Identificação Concepção Implantação
Experiência vimento
produto
Resposta do mercado
Figura 2 - Modelo Descritivo do Processo de Mudança da Qualidade de Produto
Existem duas ordens de fatores condicionantes do fenômeno da mudança da
qualidade de produto: de um lado os fatores externos à empresa, que exercem
influência para que as mudanças ocorram, e, de outro, os fatores internos, que
determinam a direção, o desenvolvimento e a efetivação das mudanças.
Os fatores externos, que pressionam para que as mudanças da qualidade
ocorram e caminhem numa ou em outra direção, e em determinado rítmo, são:
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- o mercado consumidor, por meio da constante renovação de exigências e de
novas necessidades;
- a concorrência, mediante estratégias competitivas e de diferenciação de
produto das empresas atuantes no setor;
- as inovações tecnológicas nas áreas afins do produto, em termos de materiais,
componentes, processo e da concepção científico-tecnológica básica do produto;
- as normas e regulamentações governamentais ou de convenção entre os
produtores e consumidores;
- a política industrial e de comércio exterior do país.
Os fatores internos são basicamente as estratégias competitiva, tecnológica,
da qualidade e de produto e mercado da empresa.
As saídas deste processo são representadas pelas mudanças efetivas em
dimensões específicas da qualidade do produto, que se supõe incorporarem melhorias
em relação à qualidade anterior. Ou seja, representam um delta Qi, um acréscimo na
qualidade do produto. Pensando-se num bem durável, podem ser consideradas todas as
dimensões e parâmetros da qualidade de produto listadas no item 2 deste trabalho. As
saídas representam, portanto, mudanças em uma ou mais dessas dimensões.
As entradas são os fluxos de informações que direcionam as fases do processo,
tanto de percepção da necessidade, ou da oportunidade, de mudança quanto de solução
do problema. Esses fluxos são basicamente:
- a experiência acumulada da empresa: com o produto, com o mercado, de gestão
e de fabricação;
- o esforço tecnológico;
- a orientação estratégica da empresa; e
- as informações e o feedback do ambiente externo.
Tradicionalmente a experiência é avaliada, do ponto de vista quantitativo, pela
produção acumulada da indústria ou da empresa em estudo. O esforço tecnológico
pode ser avaliado pelos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D),
corrente e agregado ao longo do tempo, e ainda pela capacidade da empresa para
desenvolvimento de atividades de engenharia.
A transformação representa as atividades de uma empresa que definem a
direção da mudança da qualidade (ou seja, a definição de quais dimensões serão
modificadas, em que intensidade e como serão modificadas), desenvolvem e
implantam as mudanças definidas. A definição da direção das mudanças está
subordinada aos fatores condicionantes externos e às políticas e estratégias da
empresa. Embora muitas das áreas da empresa, em maior ou menor grau, influam no
processo de melhoria da qualidade, as que participam mais ativamente são:
Marketing, P&D, Engenharia do Produto, Engenharia do Processo, Engenharia da
Qualidade e Fabricação. Em princípio não existe na estrutura das empresas uma área
ou função específica que tenha a responsabilidade exclusiva pela mudança da
qualidade de produto. Ou seja, essa atividade estaria diluída entre algumas áreas da
empresa.
Pode-se pensar o processo de mudança da qualidade de produtos existentes como
envolvendo quatro etapas:
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1. identificação da necessidade ou oportunidade de mudança
2. a concepção (ou definição) da mudança a ser desenvolvida
3. o desenvolvimento (ou projeto) da mudança
4. a implantação da mudança
De modo genérico cada etapa se constitui numa série de ciclos de resolução de
problemas, através dos quais são geradas e avaliadas alternativas. No final de cada
etapa resulta a aprovação de uma solução, que é encaminhada à etapa seguinte.
Entre as etapas, e no seu interior, fluem informações. Assim, o conjunto das
etapas pode ser visto como um fluxo de informações. Ele inicia com a entrada de
informações que indicam a necessidade ou oportunidade de mudanças e termina com a
liberação do produto para fabricação, com as mudanças incorporadas.
O controle (feedback) é dado pela resposta efetiva do mercado (que está sendo
estimulado ou satisfeito) em relação às mudanças realizadas em dimensões específicas
da qualidade. Esse feedback do mercado afeta o nível de pressão dos fatores
condicionantes (externos e internos) sobre o processo de melhoria, fornece subsídios
para a alocação de recursos para melhoria em dimensões específicas da qualidade e
também afeta as entradas do sistema.
Assim, a atividade de mudança da qualidade de produto pode ser vista como um
processo dinâmico que se alimenta da própria experiência tecnológica, de produto e
de mercado da empresa, buscando desenvolver inovações que aumentem a sua
capacidade competitiva. Ou seja, é uma atividade inteligente, em que se aprende com
o tempo.
Esse modelo pode ser útil no desenvolvimento de estudos para avaliar as
direções e as taxas de evolução da qualidade de um produto, numa empresa ou numa
indústria. Também pode contribuir para responder a questões do tipo: qual a qualidade
resultante do produto, em suas diversas dimensões?; quais as forças determinantes
dessa qualidade?; como muda a qualidade do produto?; por que muda?; quais as
tendências da qualidade?
O modelo sugere algumas hipóteses de interesse:
Hipótese 1: se o nível de pressão dos fatores condicionantes se mantém
constante, haverá um razoável e consistente relacionamento entre as melhorias em
dimensões da qualidade do produto e a experiência e o esforço tecnológico (esforço de
Engenharia e de P&D) da empresa ou indústria. Ou seja, existiria uma correlação
positiva entre aumento da experiência e melhoria da qualidade do produto.
Hipótese 2: mudanças nos níveis de pressão dos fatores condicionantes refletirão
diretamente sobre o padrão de relacionamento (correlação) entre as entradas e as
saídas deste processo. Ou seja, aumentos nas pressões para mudanças produziriam um
relacionamento mais eficiente entre aumento da experiência e melhoria da qualidade
do produto.
5. As Fontes de Inovação para MQP
Os estudos sobre inovação de produto, tradicionalmente, partem do pressuposto
de que as inovações são tipicamente desenvolvidas pelo fabricante do produto final.
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Ou seja, as inovações de um equipamento, por exemplo, seriam lideradas e
desenvolvidas pelo fabricante desse equipamento e não pelos seus usuários ou pelos
fornecedores de seus componentes. Von HIPPEL (1988), desenvolveu estudos em que
demonstra que esta hipótese é frequentemente incompatível com a realidade. Segundo
o autor, as fontes de inovação variam consideravelmente em diferentes indústrias e o
processo de inovação de produto ocorreria de forma distribuída entre usuários,
fabricantes e fornecedores.
O autor desenvolve o conceito de "fonte funcional de inovação" e propõe uma
categorização das empresas em termos do relacionamento funcional através do qual
elas derivam benefícios de uma dada inovação de produto ou processo. Assim, se uma
empresa se beneficia utilizando uma inovação, ela seria usuária da inovação. Se ela se
beneficia produzindo a inovação, então seria um produtor da inovação. E se ela se
beneficia fornecendo materiais ou componentes, necessários à produção da inovação,
então seria um fornecedor. Qualquer uma dessas classes funcionais seria uma fonte
potencial de inovação, sob condições apropriadas. Dado que uma empresa é, ao
mesmo tempo, cliente e fornecedora de produtos, o seu papel funcional não é fixo,
dependendo da inovação específica que está sendo examinada.
Embora o autor admita que existem muitos fatores que influenciam a fonte
funcional de inovação, ele sugere que a análise do valor esperado do ganho monetário
(ou seja, do lucro) advindo da introdução da inovação pelos inovadores potenciais,
permite prever a origem de uma inovação. Assim, as variações nas fontes de inovação
estariam associadas a variações nas expectativas de ganhos financeiros por parte dos
inovadores potenciais.
Essa constatação teria duas implicações. A primeira, é a de que, conhecendo-se
como os ganhos esperados são distribuídos, é possível prever a fonte de inovação
mais provável. A segunda, de que é possível modificar-se a fonte mais provável
agindo-se para modificar tal distribuição de ganhos esperados. O autor observa que "a
gerência da empresa, algumas vezes, pode modificar as fontes de inovação que afetam
produtos de seu interesse, manipulando variáveis sob seu controle, tais como o projeto
do produto" (Von HIPPEL, 1988, p.7).
ALMEIDA (1981) desenvolveu um modelo conceitual amplo, que explica os
relacionamentos entre as fontes de inovação tecnológica, de conhecimento científico,
a produção e o mercado. Segundo o autor, os processos reais de inovação são
abrangentes e complexos, não sendo possível estabelecer uma seqüência genérica de
etapas. Cada inovação tenderia a ter um percurso particular.
Partindo-se do modelo de ALMEIDA (1981) e do de von HIPPEL (1988), e
pensando-se num produto que é fabricado (ou montado) por uma empresa, as
inovações introduzidas na qualidade desse produto podem ter origens tanto externas
como internas à empresa.
Externamente, as mudanças na qualidade podem ter origem nos fornecedores,
mediante inovações na qualidade de materiais e componentes fornecidos; nos
clientes/usuários mediante inovações que são desenvolvidas pelo próprio cliente
visando uma maior adequação do produto às suas necessidades; e em contratos de
transferência de tecnologia com empresas do país ou do exterior, com centros de
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pesquisa e desenvolvimento, universidades e, no caso de filiais de multinacionais, por
intermédio da matriz ou de outras empresas do grupo.
Internamente, as mudanças na qualidade também têm origens diversas, que
poderiam ser agrupadas em três fontes básicas: a área de P&D, a área de Engenharia
(englobando a Engenharia do Produto, Engenharia do Processo e Engenharia da
Qualidade) e a área de Fabricação.
A figura 3 apresenta um esquema geral dessas fontes para mudança da qualidade
de produto.
Clientes/ Fornecedores Transferência
Usuários de Tecnologia
Fontes Externas
MQP
Fontes Internas
Produção
Engenharia P&D (chão-de-fábrica)
Figura 3 - Fontes de Inovação para MQP
6. A Gestão da Mudança da Qualidade de Produto
6.1 Questões básicas do desenvolvimento de produto
As empresas expõem sua real capacidade competitiva quando colocam no
mercado seus novos produtos. Assim, as empresas que lançam produtos com elevado
padrão de qualidade são consideradas competitivas e mais aptas para enfrentar as
mudanças no mercado.
Avalia-se, cada vez mais, que, em muitas indústrias, a capacidade competitiva
das empresas surge fundamentalmente da superioridade do Desenvolvimento de
Produto. O Desenvolvimento de Produto situa-se na interface entre a empresa e o
mercado (e daí sua importância estratégica), cabendo a ele desenvolver um produto
que atenda às expectativas do mercado e que possa ser produzido eficientemente.
As questões fundamentais, portanto, se resumem a:
- desenvolver um produto que satisfaça as expectativas do mercado, em termos
da qualidade total do produto;
13. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 116
- desenvolver o produto adequado a tempo, ou seja mais rápido que os
concorrentes; e
- desenvolver o produto a um custo aceitável.
Também deve ser assegurada a manufaturabilidade do produto desenvolvido, ou
seja a facilidade de produzi-lo, atendidas as restrições de custos e de qualidade.
Assim, o desempenho de uma empresa em Desenvolvimento de Produto pode ser
avaliado pelos parâmetros básicos: qualidade, tempo e produtividade.
O primeiro é a qualidade total do produto, que representa o grau com que o
produto desenvolvido satisfaz os requisitos do consumidor, de maneira global. Deve-
se ressaltar, entretanto, que o Desenvolvimento de Produto afeta a qualidade em dois
aspectos: no tocante ao projeto, ou seja à qualidade de projeto, e no que se refere à
capacidade da empresa para produzir o que foi projetado, ou seja da qualidade de
conformação.
O segundo parâmetro, tempo, exprime a rapidez com que a empresa caminha da
concepção até a colocação do produto no mercado. Quanto menor esse prazo, mais
fácil se torna a atividade de planejamento de novos produtos, pois se corre menos risco
de enfrentar novos conceitos, de mercado e tecnológicos, enquanto o produto ainda
está em desenvolvimento. Pode-se, além disso, assegurar a conquista de parcelas do
mercado antes dos concorrentes, o que é particularmente importante em situações de
concorrência apoiadas no lançamento de novos produtos. Por outro lado, um
desenvolvimento excessivamente rápido, ou apressado, poderá comprometer o
desempenho funcional e global do produto. Em cada situação real deve existir um
tempo de desenvolvimento ótimo, que dependerá da tecnologia envolvida e das
condições do mercado.
O terceiro parâmetro, a produtividade, se refere à quantidade de recursos
requeridos para conduzir o projeto, da concepção à comercialização. Esses recursos
podem incluir horas de engenharia, materiais, equipamentos e serviços utilizados no
Desenvolvimento do Produto. De modo geral, a produtividade do Desenvolvimento
afeta diretamente o custo do produto e determina a quantidade de projetos que a
empresa consegue realizar com uma dada quantidade de recursos.
Tradicionalmente, considera-se que o desempenho em Desenvolvimento de
Produto depende de fatores diversos tais como investimentos em P&D; capacitação do
corpo técnico de Engenharia e de Projeto; capacitação para a realização de protótipos,
testes e ensaios; aplicação de equipamentos de auxílio ao desenvolvimento e projeto
(tais como CAD) e do acesso às informações tecnológicas. A esse propósito, CLARK
& FUJIMOTO (1991), observam que, mais do que os investimentos e recursos
empregados, o que parece distinguir as empresas bem sucedidas no desenvolvimento
de seus produtos é a consistência do padrão global do sistema de desenvolvimento,
incluindo a estrutura organizacional, habilidades técnicas, processos de resolução de
problemas, cultura e estratégia na área. Esta consistência e coerência envolve não
apenas os princípios gerais e a arquitetura do sistema, mas também a gestão das
atividades, nos diversos níveis de detalhamento.
6.2 Um modelo para gestão da MQP
14. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 117
A seguir apresenta-se um conjunto de recomendações para uma gestão eficaz e
eficiente do processo de MQP, descrito no item 4, consubstanciadas num modelo
conceitual constituído dos seguintes itens:
- estratégia para gestão do processo de MQP
- integração do processo de MQP ao ambiente e à empresa
- estrutura organizacional
- princípios de gerenciamento
- metodologias e ferramentas
- indicadores de desempenho
- aprendizagem para aperfeiçoamento do processo de MQP
A estratégia e a integração visam assegurar a eficácia do processo de MQP. Os
demais itens, associados à gestão interna deste processo, visam a sua eficiência. A
figura 4 associa esses itens com a eficácia e a eficiência do processo de MQP e com a
capacidade competitiva da empresa.
A seguir abordamos cada um desses itens.
Estratégia para gestão do processo de MQP
A gestão do processo de MQP deve resultar de uma estratégia específica na
área, que esteja atrelada às estratégias competitiva, tecnológica, de produto e mercado
e de qualidade da empresa; aos condicionantes do ambiente econômico e tecnológico e
às fontes de inovação tecnológica.
Deve haver uma estrutura organizacional e gerencial específica, com
definição de atividades e responsabilidades, prevendo-se a aplicação de modernos
métodos e ferramentas de gestão. O gerenciamento deve iniciar-se com a formulação
de objetivos na área, imbricados aos objetivos da empresa, em seguida devem-se
elaborar os planos gerais e específicos e, por fim, a gestão própriamente dita de
projetos para mudança da qualidade de produto. Assim, tem-se a gestão de um fluxo
de projetos atrelados a planos e estes a objetivos na área, assegurando-se coerência
entre os projetos e aderência aos objetivos mais amplos da empresa. Os planos, além
de orientarem para que os projetos sigam os objetivos, também permitem administrar
as capacidades e recursos requeridos pelos projetos.
15. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 118
Estratégia e
Integração Eficácia
do Processo
de MQP
Desempenho em Competitividade
da Empresa
MQP
Gestão Interna
do Processo
Eficiência
de MQP Desempenho em
Outros Fatores
Figura 4 - Eficácia e Eficiência do Processo de MQP
Também deve ser definido um conjunto de indicadores de desempenho deste
processo, para a sua gestão, e deve estar previsto o seu aperfeiçoamento contínuo, a
partir da aprendizagem gerada sistematicamente em cada projeto de MQP.
Portanto, a estratégia para gestão da mudança da qualidade de produto prevê
atividades de planejamento pré-projetos, mediante definição de objetivos e planos
na área, e atividades de aperfeiçoamento, deste processo(sistema), pós-projeto.
Ambas as atividades complementam e apoiam o desenvolvimento de projetos
específicos de mudança da qualidade, cujo processo foi detalhado no item 4. A figura
5 apresenta um esquema geral do modelo referente a esta estratégia de gestão.
Integração ao ambiente e à empresa
A eficácia pode ser assegurada pela integração deste processo com os fatores
condicionantes externos e internos à empresa. Ou seja, o processo deve estar integrado
com o mercado/cliente e suas necessidades, com as ações e estratégias dos
concorrentes, com as fontes externas de informação tecnológica acompanhando as
inovações na área, com os fornecedores, com a implementação de normas e
regulamentações (técnicas, ambientais, de segurança, desempenho, etc) e com as
políticas governamentais (econômica, industrial e de comércio exterior). Também
deve estar integrado à empresa como um todo, ou seja às suas estratégias competitiva,
tecnológica, de qualidade e de produto e mercado; às fontes internas para mudança
tecnológica (P&D, Projeto e Engenharia do Produto, Projeto e Engenharia do Processo
e Fabricação); à área de fabricação (tanto para incorporar as sugestões de melhoria do
produto oriundas do "chão-da-fábrica", quanto para que se considerem as capacidades
e limitações de produção, assegurando a manufaturabilidade das mudanças do
16. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 119
produto); às fontes de informação que identificam a necessidade de aperfeiçoamentos
e de correções de não conformidades nos produtos: Assistência Técnica, Garantia da
Qualidade, Marketing e Atendimento ao Cliente.
Estratégias e
Objetivos da
Empresa
G estão da M Q P
Fontes de
Aprendizagem e
Inovação Desenvolvi- Desempenho
Tecnológica Objetivos Planos mento de Aperfeiçoamento
Projetos
Ambiente
Econômico e
Tecnológico
Figura 5 - Modelo para Gestão do Processo de MQP
Estrutura organizacional
Para a gestão deste processo deve-se desenvolver uma estrutura organizacional
que incorpore os conceitos, adaptados se necessário, observados nas melhores práticas
de gestão do desenvolvimento de produto no âmbito internacional (HAYES et al.
(1988), CLARK & FUJIMOTO (1991), WHEELWRIGHT & CLARK (1992)), tais
como: integração das etapas de desenvolvimento; alta comunicação e fluxo geral de
informações; trabalho em equipes multifuncionais; organização e liderança das
equipes; implantação de conceitos de just-in-time, gerência da qualidade total e
melhoria contínua, que tradicionalmente são aplicados no setor de produção;
organização "enxuta" (no sentido de lean production, conforme WOMACK (1990)).
No âmbito da organização e gerenciamento do desenvolvimento de produto, as
melhores práticas têm sido no sentido de um desenvolvimento integrado de curto
ciclo, alta eficiência e qualidade. Este paradigma está baseado em um sistema físico e
de informação, interligado por ciclos rápidos de resolução de problemas, com intensa
troca de informações e elevada integração, tanto interna quanto externamente.
Observa-se, também, que estruturas mais simples são mais propícias ao entendimento
e à adoção de uma linguagem comum, que são necessários para a integração.
Princípios de gerenciamento
17. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 120
O processo de MQP será mais efetivo numa empresa onde estiverem presentes
princípios como: mentalidade e cultura de melhoria contínua, organização aberta (que
recorre a todas as fontes de informação e de inovação), integração com clientes e
fornecedores, orientação para o mercado e melhoria constante da capacitação dos
recursos humanos. Em suma, num ambiente de qualidade total.
Metodologias e ferramentas
As principais metodologias e ferramentas de apoio à gestão da mudança da
qualidade de produto são:
- Metodologias Estatísticas:
Confiabilidade
FMEA - Análise do Efeito e do Modo de Falha
Planejamento de Experimentos/Método Taguchi
- Metodologias Organizacionais:
QFD - Desdobramento da Função Qualidade
DFM - Projeto para Manufatura
Engenharia Simultânea
Análise/Engenharia de Valor
- Outras metodologias:
Benchmarking de Produto
CAD/CAE
As metodologias estatísticas auxiliam no diagnóstico de problemas da qualidade
de produto, na identificação das causas e no desenvolvimento de soluções para esses
problemas. As metodologias organizacionais auxiliam na coordenação, gerenciamento
e integração das atividades pertinentes ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de
produtos. O Benchmarking permite posicionar a capacidade competitiva do produto da
empresa, nas diversas dimensões da qualidade total, em relação aos concorrentes. Já
os sistemas CAD e CAE auxiliam nas atividades de projeto de novos produtos ou de
melhoria dos produtos existentes, bem como na realização de simulações,
contribuindo, além do mais, para a redução do ciclo projetar - construir - testar.
Quanto ao QFD, trata-se de uma metodologia de coordenação que abrange
conceitos de outras e que prevê e possibilita a aplicação integrada com outras
metodologias e ferramentas ao longo de suas etapas de implantação, como por
exemplo as metodologias estatísticas, DFM - Projeto para Manufatura,
Análise/Engenharia de Valor, Benchmarking de Produto e CAD/CAE. Portanto, o
QFD pode ser aplicado como uma metodologia básica para gestão do processo de
mudança da qualidade de produto.
Entretanto, é importante que o QFD não seja visto apenas como um
procedimento formal. Acima de tudo, é fundamental que a equipe de técnicos e
engenheiros de desenvolvimento entenda o que o mercado deseja e que a equipe de
18. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 121
marketing conheça a tecnologia básica do produto e do processo. Ou seja, a
metodologia se torna mais eficaz quando aplicada por engenheiros que interagem
diretamente com os consumidores e têm experiência em lidar com questões de
marketing, e por especialistas de marketing que são familiarizados com a tecnologia e
têm experiência de interação com engenheiros na resolução de problemas técnicos.
Também é fundamental a aplicação do ciclo PDCA (Plan - Do - Check - Action)
de controle e melhoria (conceito formalizado por Deming e amplamente difundido
pela JUSE - Union of Japanese Scientists and Engineers) e de metodologias de
análise e solução de problemas.
Indicadores de desempenho
Deve-se implantar um conjunto de indicadores de desempenho deste processo,
baseado em parâmetros de tempo-até-o-mercado (ou seja, da identificação da
necessidade de melhoria até a colocação, no mercado, do produto aperfeiçoado);
produtividade dos recursos aplicados na área e qualidade total resultante do
produto que foi modificado. Isso permitirá uma retroalimentação de informações para
ajustes de melhoramentos do processo de MQP bem como a identificação e análise de
problemas recorrentes associados a estes parâmetros de desempenho.
Aprendizagem para aperfeiçoamento do processo de MQP
Após a conclusão de cada ciclo de MQP, ou de cada projeto, é importante que se
avalie e incorpore a aprendizagem ocorrida, de modo a se aperfeiçoar continuamente a
capacidade deste processo. Por melhoria contínua, entende-se aqui a constante
superação de problemas que limitam o desempenho desejado para este processo. Isto
exige um conhecimento aprofundado das causas fundamentais destes problemas.
Idealmente a aprendizagem deve dar-se a partir da experiência gerada em cada projeto
de melhoria da qualidade do produto. Esta deve ser uma atividade sistemática, no final
de cada projeto, antes de se iniciar o seguinte.
Ou seja, deve-se identificar as lições aprendidas e determinar a melhor forma de
aplicá-las para aperfeiçoar o processo de MQP.
Não se está referindo aqui à aprendizagem individual, que resulta da experiência
acumulada com as atividades desenvolvidas por um profissional (técnico, engenheiro,
etc) participante de um projeto, e que é "naturalmente" incorporada à bagagem pessoal
de conhecimentos. Também não se está pensando na aprendizagem do tipo "curva de
aprendizagem", ou learning by doing, que tende a surgir como consequência natural
do aumento quantitativo da experiência adquirida no desempenho de uma determinada
atividade. Está-se considerando, sim, a aprendizagem de um processo de MQP e de
sua gestão. Esta aprendizagem resulta de esforços sistemáticos, dirigidos e gerenciados
para aumentar a capacidade de denvolvimento da empresa e seu desempenho nesta
área.
Pode-se pensar em seis focos para a busca da aprendizagem: processos
(sequência de atividades), procedimentos, metodologias e ferramentas, estrutura,
19. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 122
capacitação e princípios. A análise destes focos permite obter informações sobre o
que a empresa aprendeu com a experiência de cada projeto. Eles também representam
os mecanismos que permitem a introdução de novas capacidades para melhorar o
desempenho:
Processo: aprendizagem e aperfeiçoamento a partir de modificações na sequência de
etapas e atividades da estrutura de MQP. Poderá envolver a supressão de etapas, a
criação de novas etapas e a introdução de melhorias na sua integração e
intercomunicação.
Procedimentos: representam a aprendizagem e o aperfeiçoamento da sequência
detalhada de atividades, ou regras que são seguidas durante o desenvolvimento deste
processo: procedimentos para identificação da necessidade de melhoria,
procedimentos para identificação e resolução de problemas, procedimentos para a
tomada de decisões, procedimentos para a aprovação de mudanças de projeto
(mudanças de engenharia), para a aprovação de protótipos, etc. De modo geral, a
aprendizagem poderá resultar na modificação ou mesmo na eliminação de
procedimentos.
Metodologias e ferramentas: aprendizagem e aperfeiçoamento a partir de mudanças
na forma de utilização das ferramentas, ou mesmo em termos da constatação da
necessidade de adequação e aplicação de novas ferramentas, para auxílio na resolução
de problemas específicos. Poderá requerer treinamento para capacitação no uso de tais
ferramentas.
Estrutura: aprendizagem e aperfeiçoamento mediante mudanças na organização
formal, na definição de responsabilidades, na localização geográfica das atividades,
nos canais de comunicação, nas equipes e na organização do trabalho, bem como na
integração e nas interfaces com o resto da empresa e com o ambiente.
Capacitação: aprendizagem em termos da necessidade de melhorias na capacidade
dos recursos humanos e tecnológicos envolvidos neste processo. Poderá exigir
treinamento e contratação ou aquisição de novos recursos.
Princípios: aprendizagem e aperfeiçoamento em relação aos conceitos, idéias e
valores que orientam o comportamento das pessoas em atividades e situações,
previstas ou não. Ou seja, quanto aos princípios que orientam o desenvolvimento de
atividades e os processos de tomada de decisões.
7. Conclusões
Este trabalho introduz os conceitos de qualidade total do produto e de mudança
da qualidade de produto. Também propõe um modelo referencial para estruturação e
planejamento de um processo para mudança da qualidade de produto nas empresas.
Por fim apresenta proposições para a gestão desse processo.
20. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 123
O modelo pode ser aplicado tanto a produtos e indústrias de tecnologias maduras
quanto de tecnologias dinâmicas. No caso de tecnologias dinâmicas, em que os ciclos
dos produtos no mercado são cada vez menores, surgem dois desafios. O primeiro é o
imperativo de que a qualidade certa deve ser obtida da primeira vez, pois se o
produto vai estar à venda, por exemplo, por apenas seis meses, não existirá tempo para
corrigir defeitos descobertos a posteriori pela empresa ou pelos consumidores. O
segundo desafio surge do fato de que, em consequência disso, a empresa deve
conseguir transferir o que aprendeu sobre qualidade a partir de atividades e produtos
anteriores (por exemplo, ao desenvolver e produzir o modelo do último ano) para os
novos produtos e atividades (por exemplo, para o modelo do próximo ano).
O modelo também pode auxiliar nessas situações, onde os novos produtos podem
utilizar tecnologias significativamente diferentes das anteriores, principalmente em
relação ao segundo desafio, contribuindo inclusive para que a empresa aprenda a
aprender.
Como conclusão geral sugere-se a importância de se definir, nas empresas, um
processo específico para mudança contínua da qualidade dos produtos, que deve ser
objeto de uma gestão específica e integrada e não dispersiva, como normalmente
ocorre. O modelo proposto, e as sugestões para sua gestão, apontam no sentido de uma
postura ativa e integrada para aperfeiçoamento dos produtos. O bom desempenho dos
produtos de uma empresa no mercado depende de uma efetiva identificação das
necessidades a serem satisfeitas, do monitoramento constante do nível de satisfação
oferecido, do acompanhamento sistemático do desempenho dos concorrentes, da
integração da empresa com o ambiente econômico e tecnológico e da eficácia e
eficiência das atividades de melhoria contínua da qualidade. As perdas associadas a
um desempenho insatisfatório nessa área correspondem em grande parte a "custos
invisíveis", na medida em que não são nem identificados e nem acompanhados pelas
empresas em seus sistemas de controle tradicionais.
As exigências de que os novos produtos devem ser lançados a intervalos cada
vez menores e que os produtos existentes devem ser aperfeiçoados constantemente,
impõem que as empresas estejam preparadas para o desenvolvimento dessas
mudanças. A formulação de uma estratégia na área leva não só a um ritmo mais
intenso de mudanças, mas, se adequada, leva à adoção de mudanças mais eficazes e
mais apropriadas ao ambiente.
Esse modelo será objeto de aperfeiçoamentos mediante estudos teóricos e
aplicações práticas em casos específicos. Esses estudos e aplicações terão continuidade
ao longo de duas linhas de pesquisa: "Gestão da Qualidade em Desenvolvimento de
Produto" e "Avaliação da Qualidade de Produtos".
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MANAGEMENT OF CHANGE IN PRODUCT QUALITY
ABSTRACT - The dynamic of the competitive environment, rapid changes in consumer
necessities and sometimes, even legal constraints, lead firms to continually try to
improve the quality of their existing products. As a result, the ability to constantly keep
22. Gestão & Produção, v. 1, n. 2, p. 104-124, ago. 1994 125
products up to date, in the face of the requirements of economic and technological
environments, has been an important source of competitive advantage. Performance
in this area depends on firms' ability to manage the process of development and
improvement of products and also on their ability to interact with the market and with
the technological innovation sources. This paper presents the concept of change in
product quality, related to the concept of technological innovation. This change
occurs according to dimensions that embrace the total product quality, often adding
value to it. It proposes a model that can be used as a guideline to structure and plan
the necessary activities in the process of changing the product quality in a firm. It also
provides a set of propositions that can contribute to both an efficacious and efficient
management of this changing process.
Key-words: product quality, change in product quality, management of change.