1. La lettura promossa tra scuola e biblioteca : alcune esperienze europee e riflessioni a confronto
Seminario Internazionale, Goethe Institut, Roma, 5 Maio 2008, 9:30 – 16:30
http://www.goethe.de/ins/it/rom/ver/it3209045v.htm
Bibliotecas e Escolas, Lugares de Construção de Sujeitos Leitores
(Portugal, 1986-2008)
Libraries & Schools, for Reading Building Subjects
(Portugal, 1986-2008)
Maria José Vitorino
mariajosevitorino@gmail.com
Resumo / Abstract
Mediar a leitura, promover as leituras, desenvolver competências, construir ambientes onde os leitores cresçam
e se formem, para toda a vida o serem, com todos os suportes, em papel ou na web. Esta missão, partilhada por
bibliotecas e escolas de todos os tipos e para todos os públicos, anima quem nelas trabalha a vencer as
dificuldades. Em Portugal, a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (1986- ), a Rede de
Bibliotecas Escolares (1996- ), o THEKA projecto Gulbenkian de Formação de Professores
para o Desenvolvimento de Bibliotecas Escolares (2004- ) e o Plano Nacional de Leitura
(2006- ) já contam com histórias reais suficientes para alimentar a reflexão sobre estes temas. As parcerias
entre instituições, a autonomia e a formação contínua dos profissionais, a consistência das políticas públicas,
necessariamente sustentadas com financiamentos públicos, e não só, acompanham uma necessidade crescente
de produção, edição e acessibilidade a conteúdos e investigação nestes domínios e valorizam estratégias que
envolvam cada vez mais actores sociais e comunitários em redes leitoras e promotoras de leitura. Em cada nó
axial destas redes, em cada laço que lhes garante a fluência, encontramos sempre a escola e a biblioteca. O
THEKA, Projecto Gulbenkian de Formação de Professores para o Desenvolvimento de
Bibliotecas Escolares (2004-2008) é uma proposta que pretende contribuir para a sustentabilidade deste
trabalho em Rede e para a valorização do papel cultural, social e educativo das bibliotecas escolares em todos
os níveis de ensino, com maior relevo para os primeiros anos de escolaridade de todas as crianças e todos os
jovens.
Schools and libraries, working for everyone, share a mission: reading promotion, skills development, friendly
environments building, where readers could grow and learn, turning into readers all life long, using all kind of
documents, paper or web, becoming active subjects of their own readings. In Portugal, Rede Nacional de
Bibliotecas Públicas/National Public Libraries Network (1986- ), Rede de Bibliotecas
Escolares/National School Libraries Network Program (1996- ), THEKA Projecto Gulbenkian
de Formação de Professores para o Desenvolvimento de Bibliotecas Escolares/THEKA
Teacher's Training for SL Development Gubenkian Project (2004- ) and Plano Nacional de
Leitura/National Reading Plan (2006- ) have now enough real stories to tell, feeding our critical thinking on
this matter. Partnerships between several entities, professional's autonomy and continuous training, public
policies effectiveness (budgeting included), are some factors we recognize as crutial. At the same time, it's
sensible the need for contents and research results on SL issues, which should be produced,
becoming available to all, providing resources for stronger strategies, envolving more and more several social
and community actors into readers and reading promotion networking. Within each network processing,
whenever and wherever it flows, we'll find, always, school and library.
THEKA, Teacher's Training for SL Development Gulbenkian Project (2004-2008) purpose is to
contribute to this Networking further sustentability, as well as to value SL cultural, social and educational role
2. all over the school system, mainly during the early school years of every children and all young people who
attend schools.
3. 1. Agradecimentos
Em nome do Projecto Gulbenkian THEKA, de todos os que se envolvem no meu pa+is no desenvolvimento
das bibliotecas e na promoção da leitura, e em meu próprio nome, gostaria de saudar a Unesco pelo Dia que
hoje aqui comemoramos e de agradecer o gentil convite aos organizadores deste evento.... e muito em
particular a Luisa Marcquardt, com quem venho partilhando tanto caminho desde 2003.
2. Apresentação
Portuguesa, 52 anos e meio, de Vila Franca de Xira, Portugal.
Professora de Língua e Historia desde 1976 (nivel etário), formadora de profissionais de ensino e de
bibliotecas desde 1985, bibliotecária desde 1990. Trabalho há dez anos na Rede de Biblioetcas Escolares
portuguesa, e faço parte de Associações relacionadas com o sector, tais como a BAD a Associação THEKA.
As bibliotecas escolares estão no meu caminho desde que comecei a ensinar (há 32 anos), sobretudo desde
que aderi a ideais pedagógicos da Escola Moderna (inspiração: Celestin Freinet, Paulo Freire) e mais tarde de
correntes próximas dos Radical Teachers e da Pedagogia Multicultural (USA, Canada e América do Sul). A
leitura e o livro estão desde antes disso, desde sempre, por tradição familiar, primeiro, e depois pelo percurso
escolar, profissional e de vida.
Nasci num meio popular, numa pequena comunidade perto de Lisboa1, hoje engolida pelo Grande Metrópole
mas ainda com identidade cultural própria, por entre o crescimento das lógicas do subúrbio e as
contingências trazidas pela modernidade. Fui aluna de escolas públicas, por razões económicas e de
convicções familiares. Cresci numa família alargada, com muitas convicções políticas e religiosas diferentes,
onde conviviam um ramo letrado (as mulheres da família do meu pai sabem ler desde o séc. XVIII, pelo
menos, e o negócio de família era de há muitas gerações a farmácia tradicional) e um ramo de chegada
recente à escrita e à leitura, mas de ricas tradições literárias orais ( a mãe de minha mãe não sabia ler, as
histórias contadas de geração em geração eram saborosas e gestuais, muito características das comunidades
marinheiras da Europa do Sul). Não é preciso ter pais de cores s para se saber que se nasceu de um
casamento misto.
Assim, a leitura, para mim, ficou sempre não apenas entre a escola e a biblioteca, como tão bem diz o título
deste seminário, mas também entre as casas da família – dos pais, mas também dos avós, tios, primos... - a
rua e os campos onde brincávamos, com as histórias em banda desenhada e os contos da tradição oral, e o
mundo sério dos adultos: as igrejas que liam (não católicas, e católica do Concílio Vaticano II), a cultura
operária de militância política que em Portugal lia jornais censurados nas entrelinhas e corria a rir e a chorar
com romances neo-realistas e a ver os filmes, mesmo com cortes, que atravessavam as fronteiras de um país
fechado, ou, como dizia o Ditador, “orgulhosamente só”.
As profissões que escolhi e fui aprendendo a dominar – professora, bibliotecária – e os trabalhos com que fui
ganhando experiência confirmaram a convicção do valor social e humano do livro e da leitura, seja em folhas
de papel seja em frames, em leitura silenciosa e solitária ou em voz alta e a par, com maior ou menor
interactividade. Porque sem eles o pensamento fica mais pobre, a imaginação mais difícil, o futuro mais
triste.
Nos últimos dez anos, cada vez mais trabalho em rede com outros, e já nem sei fazer de outro modo. Isto tem
consequências alegres e dolorosas.
Alegres, porque nos obriga a aprender a confiar, ao mesmo tempo que nos exige maior rigor e humildade, e
cada vez maiores capacidades de comunicação activa (perguntar, apresentar, argumentar, resumir, negociar)
e passiva (escutar, reagir, compreender), e, num sentido lato, cada vez mais competências leitoras.
Dolorosas, porque nos força a esquecer as velhas formas de gestão do tempo, de repente cada vez mais
precioso e invadido pela lógica das máquinas que nunca se cansam, dos fusos horários que trocam noites e
dias, desafiado pela necessária transmutação em multitaskers, seres de mil braços, mil olhos, cada vez mais
velozes, mas que nem sempre sabem para onde se corre tanto, e porque se corre naquela direcção.
Como o coelho da Alice, estamos sempre atrasados, e corremos, corremos. De vez em quando, felizmente há
uns gatos, como o Gato do mesmo livro, que nos desconcertam. Decerto se lembram do gato que, quando a
Alice lhe pergunta qual é o caminho, responde perguntando por sua vez para onde ela quer ir. Como a
menina não sabia que destino queria, ele rematou, antes de desaparecer: “ ´É indiferente. Qualquer um
serve.”2
1
Inserir imagens VFX
2
Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas
4. 3. Rede Nacional de Bibliotecas Públicas3
Antes de 1986, eram raras as bibliotecas públicas em Portugal. A partir dos anos 50, a Fundação Calouste
Gulbenkian4 assegurava um Serviço de Bibliotecas Itinerantes5, pioneiro, nacional e gratuito, que constituía
quase sempre o único recurso que a maioria da população tinha para aceder ao livro e à leitura. Num país
pobre, que nos anos 60 viu aumentar vertiginosamente o número de emigrantes que buscavam melhor vida
em África, França, Alemanha, Holanda, EUA; Canadá, Brasil e Venezuela, este factor deve ser mencionado.
Seria preciso esperar 12 anos depois da Revolução de 1974 para que o Estado desse um passo neste campo.
Em 1983, alguns anos depois do Manifesto da IFLA/Unesco, a BAD 6 produz um Manifesto pela Leitura
Pública em Portugal.7
Em 1986 o Governo cria Grupo de Trabalho para definir as bases de uma política nacional de leitura pública,
a qual assentaria quot;fundamentalmente na implantação e funcionamento regular e eficaz de uma rede de
bibliotecas municipais, assim como no desenvolvimento de estruturasquot; que, a nível central e local, mais
directamente as pudessem apoiar (Despacho nº 3/86, 11 de Março).
No seu 1º Relatório, sugeriram-se medidas imediatas de intervenção, bem como orientações conceptuais e
programáticas sobre as bibliotecas a criar que mereceram aprovação superior.
Assim, o Instituto Português do Livro e da Leitura desenvolveu e aplicou desde 1987 um plano de leitura
pública, através do apoio à criação de bibliotecas públicas municipais. Este plano prosseguiu após a sua
fusão com a Biblioteca Nacional, em 1992 - de que resultou o IBL (Instituto da Biblioteca Nacional e do
Livro) - e depois, em 1997, com a criação do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB).
Trata-se de um projecto de criação de uma rede nacional de bibliotecas públicas, tendo por base o Concelho,
que integra uma Biblioteca Municipal - localizada na respectiva sede, em zona central ou muito frequentada -
e Anexos ou Pólos em diferentes locais do município, de acordo com o número e a distribuição dos seus
habitantes.
Em 1996, um Grupo de Trabalho nomeado para o efeito apresentava um Relatório sobre as Bibliotecas
Públicas em Portugal, no qual se procedia a uma reflexão sobre o contexto - nacional e internacional - e se
propunham novas linhas de acção, atendendo sobretudo às recentes inovações tecnológicas, para o
3
Mais informação http://www.iplb.pt/pls/diplb/!main_page?levelid=20
4
FCG www.gulbenkian.pt
5
Imagem das Carrinhas Gulbenkian. Mais informação em
6
BAD Associação Portuguesa de Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas www.apbad.pt
7
Ver http://www.apbad.pt/Downloads/Comemoracao20anosRNBP.pdf
5. desenvolvimento futuro da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, a promover pelo IPLB, cuja lei orgânica
aguardava publicação. Considerando as recentes tendências para o registo e disponibilização da informação
em suporte digital, para a informação multimédia e para o aumento da utilização de facilidades de rede para
acesso e distribuição de produtos e serviços de informação - de que o exemplo mais conhecido é a Internet -
o referido Relatório concluía que, continuando a ser fundamentais as funções básicas de promoção da leitura
e do acesso à informação, para que a biblioteca pública as possa desempenhar cabalmente é necessário que
os respectivos serviços utilizem, como refere o , as tecnologias modernas apropriadas.
Em 2008, o Estado, através de um organismo central (DGLB) concede apoio técnico e financeiro, num
montante até 50% do respectivo valor, à criação de bibliotecas públicas em todos os concelhos do país.
Dos 308 concelhos existentes, em Portugal, 261 integram a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas. Destes,
160 abriram já ao público. As restantes 101 bibliotecas estão em diferentes fases de instalação. O Programa
Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP) baseia-se na criação de parcerias — entre a DGLB e os
Municípios — que possibilitem a instalação e modernização das bibliotecas públicas enquanto equipamentos
considerados como infra-estruturas de natureza sociocultural. Propriedade dos municípios, cada Biblioteca
integra secções diferenciadas para adultos e crianças e também espaços polivalentes para actividades de
animação, colóquios, exposições, etc.; Para além de colecções de livros e de periódicos, as Bibliotecas
reúnem documentos áudio, vídeo e multimédia, de modo a acompanhar as correntes actuais da literatura, da
ciência, das artes, etc. Assume ainda nos seus objectivos serviços de apoio às Bibliotecas Escolares das
escolas do território do Município (SABE). Em 2003 iniciaram-se os processos de candidatura de
Municípios das Regiões Autónomas (Açores e Madeira).
4. Rede de Bibliotecas Escolares8
Em 1996, a BAD organizou na Fundação Calouste Gulbenkian um Encontro Nacional sobre Bibliotecas
Escolares que reuniu centenas de professores e bibliotecários.
Na mesma data, o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura decidem lançar o Programa Rede de
Bibliotecas Escolares, que se propões dotar todas as escolas do país de biblioteca escolares, de acordo com a
conepção RBE, desenvolvida no Relatório que fundamentou o Programa, articulado com o Manifesto da
IFLA/UNEsco para Mediatecas Escolares (1978, posteriormente actualizado em 1999).
8
RBE www.rbe.min-edu.pt
6. A biblioteca escolar, entendida como centro multimédia onde a informação com fins educativos é
tratada, integrada, disponibilizada e produzida em diferentes suportes (livros, jornais, vídeo, filmes,
diapositivos, programas informáticos, informação on-line, etc.), constitui, por isso mesmo, um dos
principais recursos para o desenvolvimento curricular. Constitui igualmente um recurso privilegiado
na promoção da leitura lúdica, nomeadamente de obras literárias e de ficção ajustadas à idade dos
alunos.9
9
Lançar a Rede de Biblioetcas Escolares (1996) http://www.rbe.min-
edu.pt/np4/?newsId=74&fileName=lan_ar_a_rede.pdf
7. Assenta em candidaturas voluntárias das escolas, em parcerias com as Câmaras Municipais, que tutelam as
Bibliotecas Públicas. Todo o programa se desenvolveu com financiamentos públicos, valorizando a
cooperação, as redes locais, a formação e o projecto.
Em 2008, são cerca de 2000 bibliotecas escolares integradas na RBE (não se incluem as Regiões dos Açores
e da Madeira, que têm programas próprios).
A RBE faz parte da IASL e acompanha de perto o desenvolvimento de redes informais como o ENSIL.
Articula-se de muito perto como Plano Nacional de Leitura, criado em 2006.
Ainda há muito por fazer.
5. Plano Nacional de Leitura10
Com o lema LER+, é criado em 2006 por 3 Ministérios: Educação, Cultura e Assuntos Parlamentares, para
estimular iniciativas que abranjam a população, desde o nascimento à idade adulta.
Constitui uma resposta institucional à preocupação pelos níveis de literacia da população em geral e, em
particular, dos jovens, significativamente inferiores à média europeia.
Concretiza-se num conjunto de estratégias destinadas a promover o desenvolvimento de competências nos
domínios da leitura e da escrita, bem como o alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura,
designadamente entre a população escolar..
Sendo necessário adoptar uma estratégia faseada, elegem-se como público-alvo prioritário para uma primeira
10
PNL http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/
8. fase, a decorrer durante cinco anos, as crianças que frequentam a Educação Pré-escolar e as crianças que
frequentam o Ensino Básico, em particular os primeiros seis anos de escolaridade.
No pressuposto de que, para atingir as crianças e os jovens, é indispensável mobilizar os principais
responsáveis pela sua educação, consideram-se igualmente como segmentos do público-alvo privilegiado
educadores, professores, pais, encarregados de educação, bibliotecários, animadores e mediadores de leitura.
As principais acções previstas são as seguintes:
Promoção da leitura diária em Jardins-de-infância e Escolas de 1.º e 2.º Ciclos nas salas de aula
Promoção da leitura em contexto familiar
Promoção da leitura em bibliotecas públicas
Promoção da leitura noutros contextos sociais
Recurso aos órgãos de comunicação social e a campanhas para sensibilização da opinião pública
Produção de programas (ou rubricas de programas) centrados no livro e na leitura, a emitir pela rádio
e pela televisão
Criação de blogs e chat-rooms sobre livros e leitura para crianças, jovens e adultos
Plano Nacional de Leitura será tecnicamente fundamentado por um conjunto de estudos que irão permitir:
operacionalizar metas a atingir, em cada fase, prevendo-se, desde já, duas fases de cinco anos cada; criar
instrumentos de avaliação para verificar a respectiva consecução; avaliar a eficácia das diferentes acções a
lançar.
Para assegurar a comunicação dos programas e a interacção com as escolas e com todas as entidades
envolvidas, será construído um site, em permanente actualização, com orientações de leitura para cada idade
e com instrumentos metodológicos destinados a educadores, professores, pais, bibliotecários, mediadores,
animadores e eventuais voluntários.
Serão também disponibilizadas acções de formação presenciais e on-line dirigidas a educadores, professores,
mediadores, voluntários. As escolas e os jardins-de-infância deverão trabalhar com conjuntos diversificados
de livros, adequados a cada nível de escolaridade, para leitura na aula, para leitura autónoma e para leitura
em família.
Os Ministérios co-responsáveis pelo Plano definirão os recursos técnicos e financeiros para a execução dos
respectivos programas.
Na primeira fase, deverão envolver-se parceiros, mecenas e patrocinadores, cujo contributo permitirá criar
um ambiente social favorável ao alargamento de hábitos culturais na área do livro e da leitura.
6. THEKA11
O THEKA, Projecto Gulbenkian de Formação de Professores para o Desenvolvimento de Bibliotecas
Escolares (2004-2008) foi uma iniciativa da Fundação para a formação de professores responsáveis pela
criação, organização e animação de bibliotecas escolares / centros de recursos. É totalmente financiado pela
Fundação Gulbenkian, que desenvolve ainda, posteriormente, mais dois projectos no domínio da Leitura: 12
serviço de referência, e a Casa da Leitura13
Pretende-se que os formandos desenvolvam competências para a promoção de aprendizagens,
nomeadamente de leitura e literacias, em articulação com a gestão local do currículo e os projectos
educativos das escolas, bem como para a intervenção em processos contextualizados de formação de agentes
educativos. Trata-se de contribuir para a sustentabilidade deste trabalho em Rede e para a valorização do
papel cultural, social e educativo das bibliotecas escolares em todos os níveis de ensino, com maior relevo
para os primeiros anos de escolaridade de todas as crianças e todos os jovens.
Em 2008/2009, o THEKA termina, e será objecto de avaliação externa, tal como todos os Projectos de
iniciativa da Fundação.
11
THEKA www.theka.org
12
Leitur@Gulbenkian http://www.leitura.gulbenkian.pt
13
Casa da Leitura www.casadaleitura.org/
9. Objectivos THEKA 2004-2008
Formar docentes dos primeiros níveis do sistema educativo (educação pré-escolar e ensino básico – 1º e
2º ciclos), de diferentes regiões do país, para serem promotores de leitura e responsáveis por bibliotecas
escolares, capazes de as desenvolver e gerir, trabalhando com todos os elementos da comunidade
educativa (15 docentes, por turma, num mínimo de 4 turmas e um máximo de 7, isto é, 60 a 105
formandos, em 4 anos de cursos de formação)
Intervir em escolas, pela criação, transformação e dinamização de bibliotecas escolares, através dos
projectos desenvolvidos de acordo com a missão da Biblioteca Escolar preconizada pela RBE (Portugal) e
pelos padrões internacionais (Unesco, IFLA, IASL)
- Aplicar estratégias activas de formação contínua de agentes educativos, envolvidos no projecto, com
relevo para a modalidade de projecto autónomo
Produzir recursos para a auto-formação, a investigação, e o desenvolvimento (I&D), através da recolha,
organização e produção de informação (fontes relacionadas com os temas a tratar). 14
A Rede de Bibliotecas Escolares (1996- ), o THEKA projecto Gulbenkian de Formação de
Professores para o Desenvolvimento de Bibliotecas Escolares (2004- ) , o Plano Nacional de Leitura
(2006- ) já contam com histórias reais suficientes para alimentar a reflexão sobre estes temas.
As parcerias entre instituições, a autonomia e a formação contínua dos profissionais, a consistência das
políticas públicas, necessariamente sustentadas com financiamentos públicos, e não só, acompanham uma
necessidade crescente de produção, edição e acessibilidade a conteúdos e investigação nestes domínios e
valorizam estratégias que envolvam cada vez mais actores sociais e comunitários em redes leitoras e
promotoras de leitura. Em cada nó axial destas redes, em cada laço que lhes garante a fluência, encontramos
sempre a escola e a biblioteca.15
7. Próximos Futuros
Para que servem as escolas e as bibliotecas, em particular as bibliotecas escolares? Para que deveriam servir?
Para que queremos que sirvam?
Para muitos de nós, e sobretudo depois da difusão dos Manifestos da Unesco, existe uma Missão partilhada,
e que se destina a todos os cidadãos. No coração deste compromisso, nunca deixa de estar o livro, e a leitura,
que é uma dimensão central nas bibliotecas, em 4 objectivos complementares :
mediar a leitura
promover as leituras, diversificadas e seleccionadas
desenvolver competências
construir ambientes onde os leitores cresçam e se formem, para toda a vida o serem, com todos os
suportes, em papel ou na web.
Que queremos nós das bibliotecas e da escola, e, em particular, das bibliotecas escolares?
Vivemos em sociedades que se pretendem democráticas e plurais. Quantos desejos diferentes,
quantas visões e interesses diferentes coexistem nas nossas sociedades sobre a leitura e sobre o papel
da escola e da biblioteca? São convergentes ou impossíveis de articular numa estratégia comum?
Quais é que predominam? Com que consequências?
Antigas questões, todas estas. Poderíamos encontrá-las em documentos com milhares de anos. A Sociedade
de Informação, a Brecha Digital, a Crise Energética, as Tecnologias, trazem-nos outros desafios, ou serão os
mesmos em roupa nova?
Primeiro, vamos ver como se está transformando a escola, ou como se terá de transformar, se quiser ser um
lugar de aprendizagem para o futuro da gente. Os desafios que enfrentamos não têm a ver apenas com a
mobilidade social, mas também com os novos paradigmas culturais e do conhecimento que cada dia nos
14
Apresentação Vitorino (2008) School libraries staff competencies: cooperation and researchcentered tools
15
Apresentação de Martins (2008) Inspiring connections: learning, libraries & literacy
10. colocam não apenas outras perguntas, como, também, formas completamente diferentes de as pensar.
A Vision of Students Today (Welsch, USA, 2007)
http://www.youtube.com/watch?v=dGCJ46vyR9o
I did not create the problems, but they are my problems
Ser leitor desenvolve-se com o crescimento, e por isso escola e biblioteca, nas sociedades em que a primeira
é cada vez mais universal – toda gente vai a escola, ou pelo menos tendemos a isso, e cada vez passa mais
tempo na escola – e a segunda corresponde a uma conquista das sociedades que valorizam a solidariedade, o
conhecimento e o direito universal a este conhecimento – princípio básico da própria noção de biblioteca,
recurso partilhado de uma comunidade.
Nada é verdadeiramente grátis, li um destes dias, e mesmo os maiores consensos aparentes encontram
sempre quem neles veja perigos e riscos. A História da Leitura está cheia de atribulações, e mesmo de
mortes, guerras, perseguições. Ler é perigoso?
Deixem-me partilhar convosco um texto cheio de humor sobre isto, e, depois, a forma de o ler que alguns
jovens estudantes universitários encontraram, escrevendo, não um discurso, mas um produto audiovisual.
LER DEVIA SER PROIBIDO16
Guiomar de Grammon
A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os
incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem
do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e
Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se
pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre
Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em
delírios sobre bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os
problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve
um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos
grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao
trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles:
o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens?
Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem,
necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser
humano além do que lhe é devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos,
nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um
punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas
por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos
impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse
gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear
de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição,
violência. Professores, não contem histórias, pode estimular um curiosidade indesejável em seres que a vida
destinou para a repetição e para o trabalho duro.
16
In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999. pp.71-3.
11. Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um
mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível
controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem
a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de
conquista de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para
compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos
pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente
transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a
máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais
subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio
concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em
metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a
palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é
obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os
indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e
aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.
Ler devia ser proibido (Brasil, 2003)
http://www.youtube.com/watch?v=iRDoRN8wJ_w&NR=1
Em Setembro de 2007, a Fundação Calouste Gulbenkian organizou em Lisboa um Seminário com centenas
de profissionais sobre as Bibliotecas Escolares, onde Alberto Manguel nos encantou num texto inspirado
precisamente em dois autores europeus muito diferentes: Goethe17, e Collodi e o seu Pinóquio.
Gostaria de terminar precisamente com umas palavras de Alberto Manguel, que dispensa apresentações.
Quase tudo o que nos rodeia nos anima a não pensar, a nos contentarmos com lugares comuns, com uma
linguagem dogmática que divide o mundo claramente em preto e branco, bom e mau, nós e os outros. É a
linguagem do extremismo, que por estes dias aparece em toda a parte, para nos lembrar que não desapareceu.
Às dificuldades de reflectir sobre os paradoxos e as perguntas sem resposta, sobre as contradições e a ordem
caótica, respondemos com o antiquíssimo grito de Catão o Censor no Senado romano: “Cartago delenda
est!”, “É preciso destruir Cartago!”; não se deve tolerar a outra civilização, o diálogo deve ser evitado, a
liderança deve ser imposta através da exclusão ou da aniquilação. Este é o grito de dezenas de políticos
contemporâneos. É uma linguagem que finge comunicar mas que, com vários disfarces, não faz mais que
intimidar; não espera qualquer resposta, excepto um silêncio obediente.
“Sê sensato e bom – diz a Fada Azul a Pinóquio no fim do livro – e serás feliz.” Muitos slogans políticos
poderiam ser reduzidos a este conselho falaz e perigoso. Sair do estreito vocabulário daquilo que a sociedade
considera “sensato e bom”para entrar num outro mais amplo, mais abundante e, sobretudo, mais ambíguo, é
aterrador, porque esse outro reino de palavras não tem limites e é um equivalente perfeito do pensamento, da
emoção e da intuição. Esse vocabulário infinito está aberto para nós se lhe dedicarmos tempo e fizermos um
esforço para o explorar, e durante os nossos muitos séculos forjou palavras com a experiência para nos
devolver o reflexo dessa experiência, para nos permitir entender o nosso universo. É maior e mais duradouro
que a biblioteca sonhada de Pinóquio, cheia de doces, porque metaforicamente a inclui e concretamente pode
levar-nos a ela deixando-nos imaginar as maneiras como podemos mudar uma sociedade em que Pinóquio
passa fome, sofre golpes, é explorado, e se lhe recusa a infância, se lhe pede que seja obediente e feliz na sua
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“As pessoas não sabem o tempo e o esforço que são necessários para aprender a ler. Eu venho tentando há oitenta
anos, e ainda não posso afirmar que o consegui.” Goethe, Conversas com Eckerman
12. obediência.
Imaginar é dissolver as barreiras, não fazer caso dos limites, subverter a visão do mundo que nos impuseram.
Apesar de Collodi ter sido incapaz de conceder ao seu boneco esse estado final de autodescoberta, intuía,
creio, as possibilidades das suas faculdades imaginativas. E mesmo no momento em que afirmava a
importância do pão acima das palavras, sabia muito bem que cada crise da sociedade é,afinal, uma crise da
imaginação.18
Muito obrigada.
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Ter ou Não Ter Bibliotecário Escolar : valor e impacto dos recursos humanos nas bibliotecas escolares (2007)
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 33-34