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A Revista Cidadania & Meio Ambiente não se 
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Editado e impresso no Brasil. 
E D I T O R I A L 
Caros Amigos, 
A ausência de políticas públicas capazes de equacionar desenvolvi-mento 
sustentável e preservações ambiental e humana tem garantido 
a nós, brasileiros, tanto no plano interno quanto no internacional, a 
pecha de “irresponsáveis e incapazes” de gerir a diversidade de bio-mas 
– em especial o complexo acervo concentrado na Floresta Ama-zônica. 
Como a irresponsabilidade está a um passo da tutela, nada a 
estranhar que surjam – como agora, após a ruidosa demissão da em-blemática 
Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente – vozes a 
clamar contra a soberania do Brasil sobre a Amazônia. 
Claro que a Amazônia é nossa. Mas não podemos negar que patrocina-mos 
sua destruição ao aceitarmos os irreversíveis impactos ambientais 
programados, a expansão desmesurada das monoculturas pelo agrone-gócio, 
a predação dos recursos naturais renováveis e não-renováveis, o 
aniquilamento das comunidades indígenas e a fixação não-planejada 
de colonos em busca de sobrevivência. Ademais, ao nos rendermos ao 
modelo de desenvolvimento insustentável gerador de fome, de iniqüi-dades 
e de desintegração do sentimento de nacionalidade. 
É tempo de articularmos projetos regionais – na Amazônia e em 
todo o território nacional – que integrem as populações locais a 
ações construtivas, participativas e consolidadoras do exercício da 
cidadania plena e da responsabilidade coletiva. Sem inclusão soci-al, 
a pura e simples repressão, como vimos experimentando desde 
os tempos coloniais, é passaporte para o pernicioso e individualista 
‘salve-se-quem-puder’. 
Ou construímos uma sociedade solidária alicerçada em projetos de 
amplitude nacional ou manteremos a histórica relação de maus tra-tos 
e de desprezo pelo meio ambiente e por nós mesmos, como 
espelham as observações do naturalista Johannes Pohl ao descrever 
o comportamento do brasileiro – colonizador e colonizado – do 
século 19. E para exorcizarmos tal comportamento, esta Cidadania 
& Meio Ambiente oferece elementos de reflexão sobre a situação 
atual do Brasil e do mundo. 
Hélio Carneiro 
Editor 
Colaboraram nesta edição 
Marijane Vieira Lisboa 
Miguel A. Altieri 
Nelson Batista Tembra 
Marcos Sá Correa 
Informe Ensp/Agência Fiocruz de Notícias 
Stéphane Foucart 
João Suassuna 
Leonardo Boff 
Flávia Dourado 
Rogério Grasseto Teixeira da Cunha
Nº 15 – 2008 
Capa: Earth Observatory Nasa - Amazon 
4 
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22 
24 
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28 
30 
Transgênicos no governo Lula: liberdade para contaminar 
As medidas provisórias visando a legalização do plantio clandestino de soja transgênica, 
a promulgação de uma nova lei de biossegurança e a política de estímulo ao agronegócio 
exportador representam retrocesso em nossa legislação ambiental. Por Marijane Vieira Lisboa 
Agricultura sustentável: soberania alimentar 
Somente desafiando o controle que as multinacionais exercem sobre o sistema de produção de 
alimentos e o modelo agroexportador patrocinado pelos governos neoliberais é que se poderá 
deter pobreza, fome, migração e degradação ambiental. Por Miguel A. Altieri 
Amazônia: o combate ao desmatamento 
Além do esgotamento da Mata Atlântica e das florestas da Ásia, a devastação da cobertura 
vegetal da Amazônia também é conseqüência do desemprego de milhares de famílias de 
agricultores que para lá migram em busca de sobrevivência. Por Nelson B. Tembra 
Amazônia: 17% já desmatada 
O sistema de monitoramento DETER, do Inpe, revela que apenas em abril último a Amazônia 
Legal sofreu desmatamento em 1.123 km2. Dos 4 milhões de km2 de floresta amazônica, cerca 
de 700 mil km2 já foram derrubados, situação que só tende a se agravar. 
A Mata Atlântica virou souvenir 
Em seus últimos 97,5 mil km2, incluindo os retalhos de 100 hectares, pequenos demais para 
ter futuro, a Mata Atlântica continua sendo desmatada em SC, MG, GO e BA, embora sua 
relevância venha alavancando a economia do setor hoteleiro. Por Marcos Sá Correa 
Saúde pública e mudanças climáticas 
Marcelo Firpo e Bruno Milanez discorrem acerca da saúde pública ante os efeitos das mudanças 
climáticas, do mercado de carbono e do modelo de desenvolvimento econômico que gera 
desigualdades entre países ricos e pobres. Por Informe Ensp/Agência Fiocruz de Notícias 
CO2: a Terra já ultrapassou o limiar do perigo? 
O limiar do perigo de CO2 estaria fixado num nível muito elevado, conforme indicam novos 
estudos de climatologistas, para quem o nível tolerável deveria ser de 350ppm e não de 550. 
Se assim fosse, ele já teria sido atingido essa situação crítica em 1990. Por Stéphane Foucart 
Sobradinho: reservatório estratégico e desconhecido 
Sem essa represa seria muito difícil equacionar os problemas de geração de energia elétrica no 
Nordeste. Também fundamental para o projeto de transposição, a represa vem passando por 
situações volumétricas críticas. Por João Suassuna 
A fome sempre existiu, mas hoje resulta do consumo 
A fome é uma constante em todas as sociedades históricas. Mas hoje, suas dimensões vergo-nhosas 
e cruéis revelam uma humanidade que perdeu a compaixão e a piedade. Erradicar a 
fome configura-se como imperativos humanístico, ético, social e ambiental. Por Leonardo Boff 
Raposa Serra do Sol – divisor de águas na política indigenista 
Demarcar as terras indígenas sem incorporar espaços indispensáveis aos povos que nelas 
vivem significa condenar os indivíduos e as identidades socioculturais à extinção – fato que 
configura etnocídio. Por Flávia Dourado 
Nada mudou desde Pohl 
Relato de um naturalista do século 19 revela nossa histórica relação de maus tratos e de 
desprezo pelo meio ambiente. Por Rogério Grasseto Teixeira da Cunha
4 
LIBERDADE PARA 
por Marijane Vieira Lisboa 
Entre as diversas decepções que o governo Lula reservou ao seu eleitora 
do, a política ambiental foi uma das mais notáveis. Capitaneado por uma 
figura emblemática como Marina Silva, fortemente apoiada por organizações ambientalistas e 
pelos movimentos sociais como o MST e a CUT, tudo indicava que o Ministério do Meio Ambiente 
assumiria um papel destacado no conjunto das políticas públicas dessa administração 
Surpreendentemente, não só a atuação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi medíocre 
e apagada, como em algumas questões o governo Lula significou um real retrocesso frente ao 
governo FHC. Uma dessas foi o fato de ter retirado da gaveta o projeto de transposição do rio 
São Francisco que, no governo FHC contou com a forte oposição do Secretário Executivo do 
Ministro Sarney Filho, Dr. José Carlos de Oliveira, mais tarde, Ministro do Meio Ambiente. 
B I O S S E G U R A N Ç A 
TRANSGÊNICOS 
NO GOVERNO LULA: 
CONTAMINAR 
As Medidas Provisórias 
visando “legalizar” 
o plantio clandestino de 
soja transgênica, 
a promulgação 
de uma nova lei 
de biossegurança, 
e a política de estímulo 
ao agronegócio 
exportador representam 
inaceitável retrocesso em 
nossa legislação 
ambiental. 
foto: oskaline
Cidadania&MeioAmbiente 5 
Mas o retrocesso mais notável foi na área 
de biossegurança, ao se editarem Medi-das 
Provisórias para “legalizar” o plantio 
clandestino de soja transgênica e promul-gar 
uma nova lei de biossegurança com o 
intuito explícito de retirar do IBAMA seus 
poderes constitucionais para avaliar es-tudos 
de impacto ambiental e conceder 
licença ambiental. Em seu tempo de Mi-nistro, 
Sarney Filho refutara energicamen-te 
propostas nesse sentido, pois consi-derava 
que tal medida significaria um re-trocesso 
inaceitável para à legislação am-biental 
do país. 
O objetivo desse artigo, portanto, é anali-sar 
as razões pelas quais tal tour-de-force 
aconteceu e dele extrair algumas conclu-sões 
a respeito da cultura política do PT e 
do governo Lula. Comecemos por uma 
recapitulação dos fatos relativos à ques-tão 
da política sobre transgênicos no Bra-sil, 
até o momento da posse de Lula após 
a sua primeira eleição. 
TRANSGÊNICOS: 
POLÍTICA NADA TRANSPARENTE 
As problemáticas da biotecnologia e da 
biossegurança já vinham merecendo aten-ção 
de setores do governo federal desde 
o começo dos anos 1990. Em 1995 foi apro-vada 
uma lei de biossegurança – de nº. 
8974 –, que estabeleceu normas para o 
uso de técnicas de engenharia genética e 
para a liberação no meio ambiente de or-ganismos 
geneticamente modificados. 
Apesar de diversos problemas técnicos e 
de passagens confusas, a lei mantinha as 
atribuições constitucionais do IBAMA e da 
Agência Nacional de Vigilância Sanitária 
(ANVISA), para concederem licenciamen-to 
ambiental e registros de saúde. No en-tanto, 
o fato de a comissão constituída para 
avaliar a biossegurança de transgênicos – 
composta por funcionários de governo e 
cientistas – estar sob a égide do Ministério 
da Ciência e Tecnologia mostrava que a pre-ocupação 
central era de ordem tecnológica, 
e não de biossegurança. E isso se refletia 
no fato de que a maioria dos cientistas es-colhidos 
pelos sucessivos ministros de Ci-ência 
e Tecnologia era especialistas em bio-tecnologia, 
e pouco ou nada entendia de 
biossegurança ambiental e de saúde. 
O investimento do país em pesquisa com 
transgênicos datava do começo da década 
de 1990, quando a EMBRAPA assinara pro-tocolos 
de cooperação com a empresa Mon-santo 
para desenvolver plantas transgêni-cas, 
em particular variedades de soja, que 
seriam mais tarde as variedades de soja trans-gênica 
Roundup Ready, liberadas no Brasil. 
Tais espécies tinham sido desenvolvidas pela 
EMBRAPA, enquanto a técnica da transge-nia 
pertencia e continuava sendo segredo 
industrial da Monsanto, segundo regia o con-trato 
entre as duas empresas. Mas foi so-mente 
em 1998, quando a Comissão Técnica 
Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) deci-diu 
liberar o cultivo e o consumo da soja 
transgênica no Brasil, que a questão dos 
transgênicos veio atrair a atenção do públi-co. 
O Instituto de Defesa do Consumidor 
(IDEC) e o Greenpeace entraram na justiça 
com uma ação cautelar. Obtiveram liminar, 
mais tarde seguida de sentença judicial, proi-bindo 
a Monsanto e a União de liberarem o 
plantio e o consumo de soja transgênica no 
país antes que fossem feitos os necessários 
estudos de impacto ambiental e de seguran-ça 
dos alimentos. 
AS BATALHAS JURÍDICAS 
A batalha jurídica que daí se seguiu ainda 
não terminou. Mantida a cautelar pelo 
TRF, em 2001, em 2002 a Monsanto e a 
União obtêm uma vitória no TRF, cuja re-latora 
lhes concede razão, mas cujo voto 
não será unânime, permitindo que o IDEC 
e a Greenpeace recorram da decisão. 
Enquanto se desenrolava essa batalha jurí-dica, 
outra luta acontecia no Conselho Na-cional 
de Meio Ambiente (CONAMA), ór-gão 
máximo do Ministério do Meio Ambi-ente 
para políticas ambientais. Ali se trata-va 
de elaborar uma resolução que regula-mentasse 
a forma como se faria o licencia-mento 
ambiental de transgênicos. Formara-se 
um Grupo de Trabalho aberto, com am-pla 
participação de representantes de di-versos 
ministérios, empresas e organizações 
não-governamentais, cujos trabalhos de-senvolveram- 
se com lentidão. Razão: os re-presentantes 
do Ministério da Ciência e Tec-nologia, 
do Ministério da Agricultura e da 
Indústria e Comércio, bem como os repre-sentantes 
das empresas de biotecnologia, 
fazerem questão de retirarem do IBAMA e 
da ANVISA as atribuições para a avaliação 
de impacto no meio ambiente e na saúde. 
Era freqüente os representantes dos di-versos 
ministérios serem chamados à Casa 
Civil de modo a pressionarem o Ministé-rio 
do Meio Ambiente a apoiar as posi-ções 
pró-transgênicos nas questões po-lêmicas 
do Grupo de Trabalho. Um dos 
inquestionáveis méritos do mandato do 
ex-ministro Sarney Filho foi o de ter finca-do 
pé na defesa das atribuições do 
IBAMA em realizar o licenciamento ambi-ental. 
A resolução 305, aprovada já no 
mandato do ministro José Carlos Carva-lho, 
que sucedeu Sarney Filho nos últi-mos 
seis meses do governo FHC, mante-ve, 
portanto, a prerrogativa do IBAMA 
para o licenciamento, fornecendo uma re-gulamentação 
detalhada de como deveri-am 
ser realizados os estudos de impacto 
ambiental para transgênicos. 
COMPROMISSO 
DE CAMPANHA ESQUECIDO 
O fato de o programa político da campa-nha 
Lula à presidência insistir explicita-mente 
que não se permitiria a liberação de 
transgênicos caso não se pudesse afas-tar 
a preocupação com possíveis danos 
ao meio ambiente e à saúde, e o apoio 
amplo que sua candidatura recebeu dos 
movimentos sociais e das organizações 
ambientalistas, levavam a supor que a 
questão dos transgênicos mereceria um 
tratamento transparente e consciencioso 
por parte do Executivo. Esperava-se que 
em vez da insuperável luta interna entre 
os Ministérios do Meio Ambiente e os 
demais, o governo Lula fosse capaz de 
adotar uma posição de governo, clara e 
coerente com seus princípios e compro-missos 
assumidos. 
A nova lei de 
Biossegurança 
retira do IBAMA 
seus poderes 
constitucionais 
para avaliar 
estudos de impacto 
ambiental e 
conceder licença 
ambiental.” 
“
Ainda antes de Lula receber a faixa presi-dencial 
6 
na Praça dos Três Poderes, em Bra-sília, 
um fato insólito chamou a atenção 
das organizações que integravam a Rede 
Brasil Livre de Transgênicos. Vários de-putados 
do PT haviam aceitado um convi-te 
da Monsanto para visitarem sua sede 
no Mississipi e também as plantações de 
transgênicos na Índia e na África do Sul. 
Embora mais tarde e convenientemente o 
convite da Monsanto tenha se transfor-mado 
em convite da Embaixada dos Esta-dos 
Unidos, o resultado do tour foi a mu-dança 
de opinião de vários deputados pe-tistas; 
eles passaram a defender aberta-mente 
os transgênicos, como o Deputado 
Paulo Pimenta, do Rio Grande do Sul. Com 
isso, houve a conseqüente racha da ban-cada 
petista em torno do tema. 
O TORNIQUETE DA PRESSÃO POLÍTICA 
Os fatos que se seguiram permitem enten-der 
o tal tour como a manobra inicial de 
uma estratégia montada para justificar uma 
drástica mudança de posição do PT e do 
governo Lula na questão dos transgêni-cos. 
A criação de uma facção pró-transgê-nicos 
no PT punha o Presidente na cômo-da 
posição de respeitar o debate interno, 
da mesma maneira como urgia a seus mi-nistros 
chegarem a uma posição conjunta. 
Isso, matematicamente, significava a su-jeição 
do Ministério do Meio Ambiente de 
Marina Silva, e do Ministério de Desen-volvimento 
Agrário, de Miguel Rossetto, 
à maioria dos ministérios pró-transgênicos: 
o de Ciência e Tecnologia, o da Agricultu-ra 
e, por fim o da Indústria e Comércio. 
Aliados iniciais como o Ministério da Saú-de 
e da Justiça discretamente afastaram-se 
do debate, deixando Marina Silva iso-lada. 
A Casa Civil, embora adotando pos-tura 
aparentemente neutra, tomava todas 
as medidas para que o torniquete das pres-sões 
políticas dobrasse a resistência do 
Ministério do Meio Ambiente. Essa estra-tégia 
manifestou-se claramente na publi-cação 
de uma Medida Provisória que veio 
a permitir a colheita e o consumo da soja 
transgênica plantada ilegalmente no Rio 
Grande do Sul. 
Todos os esforços para buscar uma solu-ção 
que não legalizasse a posteriori o plan-tio 
ilegal frustraram-se frente aos argumen-tos 
políticos do Presidente da República 
e do então Ministro da Casa Civil, José 
Dirceu. A alegação foi não se declarar 
guerra aos agricultores sublevados do Rio 
Grande do Sul e a seu Governador – do 
PMDB –, partido cortejado para ingressar 
na base de sustentação do governo. 
Basta recordar um chocante episódio: 
enquanto a Ministra Marina Silva não 
pôde participar das negociações finais 
em torno daquela Medida Provisória por 
se encontrar em visita ao Xingu, a Casa 
Civil enviou um jatinho a Porto Alegre 
para buscar o Governador peemedebis-ta. 
Nos acontecimentos que se segui-ram, 
como a outra Medida Provisória 
autorizando que os agricultores plantem 
soja transgênica ou, mais tarde, a nego-ciação 
e o encaminhamento pelo Execu-tivo 
de um projeto de lei para uma nova 
lei de biossegurança, a rigor, as mesmas 
manobras repetiram-se. 
Procura-se sempre poupar o Presidente da 
República e a Ministra do Meio Ambiente 
do constrangimento de um embate públi-co, 
ao qual forçosamente deveria se se-guir 
a renúncia da Ministra ao cargo. Em 
vez disso, provoca-se uma situação em 
que se torna politicamente justificável e 
recomendável – em nome da democracia 
interna e da governabilidade – que Lula 
ceda às tendências majoritárias, tanto 
dentro do seu ministério como no PT e na 
base parlamentar do governo. 
Para tal, é importante cuidar da composi-ção 
dos grupos de trabalho internos, de 
modo que a facção pró-transgênicos te-nha 
sempre a maioria. É importante tam-bém 
afastar aqueles funcionários dos mi-nistérios 
que resolvam levar a sério as 
questões de biossegurança e não os in-teresses 
partidários, para o quê basta uma 
reclamação junto aos ministros em ques-tão. 
Fundamental, sobretudo, é garantir 
que a relatoria das Medidas Provisórias e 
os projetos de lei caiam em mãos de de-putados 
e de senadores pró-transgêni-cos 
do PT: vendo-se dessa forma dividi-do, 
o partido não tem condições de fe-char 
posição de bancada. 
Finalmente, enquanto os ministros da 
Agricultura e da Ciência e Tecnologia 
saem a público criticando os ambienta-listas 
“fanáticos e obscurantistas”, Ma-rina 
Silva fecha-se em um silêncio obse-quioso. 
Talvez por acreditar que seu 
comportamento leal a Lula seja-lhe de al-gum 
valor, Marina Silva contenta-se em 
inserir nos textos negociados, dispositi-vos 
que não serão jamais obedecidos – 
como foi o caso da necessidade de rotu-lagem 
de alimentos transgênicos, na pri-meira 
Medida Provisória. 
foto: pxlsnfr 
A administração Lula foi incapaz de adotar uma posição 
de governo clara e coerente com os princípios e compromissos 
assumidos durante a campanha presidencial.” 
“
Cidadania&MeioAmbiente 7 
A defesa 
de uma agricultura 
ambientalmente 
sustentável está 
estreitamente 
relacionada 
à preservação da 
biodiversidade, 
à busca da 
soberania alimentar, 
à proteção da 
agricultura familiar, 
à geração de renda 
para populações 
rurais e a uma 
política de reforma 
agrária 
conseqüente. 
TRANSGÊNICOS 
E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO 
A recente aprovação pelo Congresso de uma 
Medida Provisória que regulamentava a plan-tação 
de transgênicos nas proximidades de 
Unidades de Conservação, na qual a ban-cada 
ruralista inseriu duas emendas, seguiu 
o mesmo roteiro bem conhecido. Uma per-mitia 
a comercialização de algodão, ilegal-mente 
plantado; a outra reduzia o quorum 
da CTN-Bio, necessário à liberação comer-cial 
de cultivos transgênicos. 
Primeiramente, a Ministra do Meio Ambiente 
enviou ao Executivo um texto original, com a 
promessa de que o presidente Lula vetaria 
todas as emendas oriundas da bancada rura-lista, 
caso estas fossem aprovadas pela duas 
casas. Como era de se esperar, a bancada rura-lista 
introduziu as duas emendas acima co-mentadas 
e a relatoria – que surpresa! – foi 
dada ao Deputado do PT, Paulo Pimenta, o 
grande defensor dos transgênicos. Levada à 
votação, a bancada do PT rachou, embora o 
líder do partido na Câmara tenha se manifes-tado 
contra a emenda. Rachada, e sem que o 
governo fizesse quaisquer esforços para ob-ter 
apoio de outros partidos – as emendas 
foram aprovadas. 
No Senado, a farsa repetiu-se. O Senador 
Delcídio Amaral, muito sensível ao agro-negócio 
em seu estado do Mato Grosso 
do Sul, foi designado como relator e mani-festou- 
se favorável a apoiar as emendas. 
A liderança de governo instruiu os parti-dos 
da base aliada a votarem da mesma 
Essa resumida descrição das estratégias 
adotadas pelo governo Lula para aprovar 
a liberação de transgênicos – sem ter que, 
publicamente, renegar suas posições an-teriores 
nem incompatibilizar-se frontal-mente 
com os movimentos sociais de sua 
base de apoio ou expor sua Ministra do 
Meio Ambiente à humilhação política –, 
permite-nos agora analisar as razões pe-las 
quais o PT teve de empreender tama-nha 
mudança de rumos. 
MMA: SEM FORÇA FRENTE AO PT 
E À BANCADA RURALISTA 
Em primeiro lugar, é evidente que o go-verno 
Lula, mais ainda do que o de seu 
antecessor, FHC, enfrenta dificuldades 
para reunir e garantir uma ampla base de 
apoio tanto partidária, quanto social. En-quanto 
o apoio da bancada ruralista a FHC 
era um fato inconteste, o governo Lula 
necessita cortejá-la a todo tempo, sem 
nunca alcançar a graça de conquistá-la 
definitivamente. 
Extremamente forte na Câmara e no Con-gresso 
– com representantes distribuí-dos 
entre o oscilante PMDB e todos os 
demais partidos de oposição –, a banca-da 
ruralista soube utilizar-se dessa mai-or 
vulnerabilidade política do governo 
Lula para cobrar, a preço de ouro, seu 
apoio, senão mesmo sua neutralidade. 
Um exemplo extraordinário desse rega-teio 
foi o fato de o Governador eleito do 
Mato Grosso, Blairo Maggi, em troca de 
seu apoio a Lula no 2ª turno da eleição 
” 
“ 
forma. Assim, a Senadora Ideli Sal-vati, 
líder do partido no Senado, sen-tiu- 
se “forçada” a liberar a bancada 
para votar como quisesse, o que re-sultou 
na folgada aprovação do texto 
com as emendas. 
Uma carta assinada por mais 
de 80 entidades e por movimen-tos 
da sociedade civil, e por 
quase 80 deputados federais e 
sete senadores, pediu então ao 
presidente da República que 
vetasse os dois artigos emen-dados. 
No dia 22 de março, 
Lula sancionou a lei, vetando 
apenas o artigo que legalizava 
o plantio ilegal de algodão. O 
quorum necessário para apro-var 
a introdução de um trans-gênico 
no meio ambiente redu-ziu- 
se a 14 conselheiros. 
presidencial, ter negociado “a li-beração 
de algodão e dos milhos 
transgênicos”, como se tais libe-rações 
fossem prerrogativas da 
presidência da República e não 
atribuições da CTNBio, especi-almente 
constituída para tal. 
O ex-Ministro do Meio Ambien-te 
do governo FHC, Sarney Fi-lho, 
encontrava-se em uma situ-ação 
muito mais confortável, pois 
não pertencendo ao partido do 
Presidente e sim ao PFL e sendo 
filho do Senador Sarney, do 
PMDB, desfrutava de uma liber-dade 
e também de uma conside-ração 
muito maior por parte da 
presidência. Foram muitas as 
ocasiões nas quais Sarney Filho 
recorreu e obteve de FHC apoio 
foto:yoshiko314 para às suas políticas.
Talvez o mais marcante desses episódios 
tenha sido o momento em que uma comis-são 
8 
mista de deputados e senadores apro-vou 
uma Medida Provisória que reformava 
o Código Florestal e reduzia a extensão de 
matas nativas a serem preservadas em pro-priedades 
particulares. A comissão mista era 
composta majoritariamente por ruralistas de 
amplo espectro partidário, o que fez com 
que a o mecanismo legal fosse aprovado 
com apenas dois votos contrários – o do 
Deputado Federal Fernando Gabeira e o da 
então Senadora Marina Silva. 
Sarney Filho, que fora achincalhado pelos 
parlamentares em visita que lhes fizera na 
semana anterior, pediu e obteve o apoio de 
FHC: logo após a votação, o líder do gover-no, 
o Deputado Federal Artur Virgílio, comu-nicou 
a seus correligionários e aos membros 
dos partidos aliados que o Presidente não 
enviaria a MP ao Congresso enquanto ela 
não fosse modificada. No governo Lula, não 
só as posições defendidas por Marina Silva 
em assuntos ambientais vêm sendo sistema-ticamente 
desprezadas em favor daquelas ad-vogadas 
por ministros de outras pastas, como 
são freqüentes os ataques públicos à sua 
pessoa e a seu ministério, sem que o Presi-dente 
erga a voz em sua defesa. 
Em suma, é perfeitamente lógico afirmar que 
a principal razão pela qual o governo Lula 
legalizou o cultivo comercial da soja planta-da 
ilegalmente no país foi, estritamente, o 
oportunismo político. Com o mesmo intuito 
foram dispensados os devidos estudos ci-entíficos 
sobre biossegurança e, mais tar-de, 
modificada sua legislação de biossegu-rança, 
de modo a facilitar liberações futuras 
de outros cultivos. É bem provável que a 
maioria dos deputados, senadores e minis-tros 
que teve de se manifestar ou votar a 
respeito não tenha despendido mais que 
alguns minutos para tentar entender a ques-tão. 
De fato, em assuntos considerados se-cundários, 
o colégio de líderes negocia e 
suas bancadas seguem a orientação dos 
líderes, sem questioná-la. 
POLÍTICA AGRÁRIA: 
DECEPÇÃO E PERPLEXIDADE 
Para os movimentos sociais que constituem 
a base do governo Lula, no entanto, foi ex-tremamente 
decepcionante o fato de o PT 
considerar esse tema tão irrelevante a ponto 
de negociá-lo com a bancada ruralista, com o 
PMDB e com outros setores políticos como 
moeda de troca para outros assuntos. 
“ 
A defesa de uma agricultura ambientalmen-te 
sustentável está estreitamente relacio-nada 
à preservação da biodiversidade, à 
busca da soberania alimentar, à proteção 
da agricultura familiar, à geração de renda 
para populações rurais e a uma política de 
Reforma Agrária consequente. Soma-se a 
esse complexo de temas interligados a vi-são 
das seguranças dos alimentos e ali-mentar 
como direitos humanos, defendi-dos 
por entidades de consumidores e por 
movimentos ligados à área da saúde. 
Assim, a temática dos transgênicos tem a 
capacidade de aglutinar segmentos dife-renciados 
da Sociedade Civil, o que se 
pode constatar facilmente no amplo es-pectro 
de movimentos e de organizações 
reunidas na Rede Brasil Livre de Trans-gênicos. 
Tratando-se de um governo for-temente 
comprometido com bandeiras 
políticas como a luta contra a fome, a Re-forma 
Agrária e o combate à miséria, era 
de se esperar que tal administração per-cebesse 
a extrema importância de promo-ver 
uma agricultura sustentável, ecológi-ca 
e socialmente justa, apoiada nos mo-vimentos 
de pequenos agricultores. 
Os primeiros meses do governo Lula dei-xaram 
claro, no entanto, que suas prefe-rências 
e preocupações no que tangem à 
sua política agrária voltavam-se antes de 
tudo para o agronegócio de exportação: 
soja, carne, açúcar. Isso não deve ser atri-buído 
apenas à necessidade de compor 
sua base de sustentação parlamentar e 
conquistar apoio político de setores in-fluentes 
da sociedade, mas corresponde 
também à concepção de desenvolvimen-to 
predominante nesse governo. 
Embora o PT e o programa político da 
candidatura Lula afirmassem estarem 
comprometidos com políticas de sobe-rania 
alimentar, com o desenvolvimento 
sustentável e com a Reforma Agrária, tais 
questões nunca foram encaradas como 
elementos centrais, estruturantes de um 
novo paradigma de sociedade. Eram vis-tos, 
no máximo, como políticas subsidiá-rias 
a serem adotadas na medida em que 
não prejudicassem aquilo que se consi-dera 
como essencial ao desenvolvimen-to: 
o crescimento econômico. 
E, tratando-se de crescimento econômico, 
o PT abraçava o que havia de mais tradici-onal 
no país: o estímulo ao agronegócio 
exportador. Isso significava ignorar os im-pactos 
ambientais negativos de uma agri-cultura 
baseada na monocultura, no uso 
intensivo de agrotóxicos, fertilizantes e 
água, o que leva forçosamente ao empo-brecimento 
da biodiversidade, à perda da 
fertilidade dos solos e ao esgotamento dos 
recursos hídricos. Também significa optar 
por uma agricultura cuja mecanização cres-cente 
conduz a um aumento do desempre-go 
rural, arruína o pequeno agricultor e, 
conseqüentemente, fomenta a expansão da 
fronteira agrícola em terras do Cerrado e 
da Floresta Amazônica. 
A INCONSISTÊNCIA DO DISCURSO 
DESENVOLVIMENTISTA 
Nada mais ilustrativo dessa concepção 
desenvolvimentista do PT do que o infe-liz 
improviso do Presidente da República 
ao visitar Blairo Maggi, o Governador so-jeiro 
de Mato Grosso, e declarar que “ín-dios, 
quilombolas e a legislação ambien-tal 
eram os maiores obstáculos ao desen-volvimento 
do país”. O caráter de impro-viso 
da fala presidencial é testemunha de 
sua sinceridade. É assim que pensa a am-pla 
maioria dos quadros do PT. E quanto 
mais alta a posição na hierarquia, mais 
O governo Lula 
necessita cortejar 
a bancada ruralista 
o tempo todo, 
sem nunca alcançar 
a graça de 
conquistá-la 
definitivamente.”
Cidadania&MeioAmbiente 9 
esses quadros interiorizaram o discurso e 
a prática “desenvolvimentista”, identifi-cando 
desenvolvimento social com cres-cimento 
econômico. Em nome deste, jus-tifica- 
se sacrificar o meio ambiente e a jus-tiça 
social em prol dos ganhos econômi-cos 
de curto prazo para uma reduzida eli-te 
de brasileiros. 
Dos propósitos socialistas do passado 
restam “as políticas compensatórias”, em 
que o Estado tenta corrigir os piores ex-cessos 
advindos desse crescimento eco-nômico 
logicamente excludente do ponto 
de vista social. O mérito de Lula é deixar 
escapar o que pensa, enquanto a lideran-ça 
do PT aprendeu a esconder de suas 
bases o que realmente pensava. Não po-dendo 
sustentar-se sem o apoio dos mo-vimentos 
sociais, o PT e o governo Lula, 
portanto, sustentam um discurso que não 
corresponde à sua prática; assim, tentam 
esquivar-se às críticas que se avolumam 
em sua base social e garantindo que as 
lideranças de entidades e os movimentos 
sociais continuem prestando-lhes apoio. 
É óbvio que não se trata de um fenômeno 
recente essa mudança de mentalidade no 
seio da elite dirigente do PT, de que é pro-va 
o desligamento de figuras históricas 
desse partido já em meados dos anos 1990. 
Portanto, tanto o governo de FHC quanto 
o de Lula são muito próximos no que tan-ge 
à concepção do que seja “desenvolvi-mento”: 
crescimento do PIB, balança co-mercial 
positiva graças às exportações, 
política de favorecimento de produtos de 
pouco valor agregado e externalização dos 
custos ambientais e sociais, como é o caso 
da soja, da carne, do minério de ferro e de 
outros. Visa-se angariar divisas em curto 
prazo; investimento público em infra-es-trutura 
como vetor de crescimento econô-mico 
e financiamento público do investi-mento 
privado; crenças essas em que as 
benesses do crescimento econômico aca-bam 
por mitigar a miséria social, gerando 
emprego, renda e receita para o Estado. 
Não importa que a realidade desminta es-sas 
crenças, nem que a desigualdade social 
permaneça ou sofra ridículas reduções, ou 
desmatamento da Floresta Amazônica siga 
impávido – ainda que em ritmo menor, tal-vez 
devido ao momentâneo despencar do 
preço da soja no mercado externo. Também 
não interessa que o Cerrado esteja se tor-nando 
um mar de soja, que terras agricultá-veis 
“ 
tornem-se imprestáveis, que novas 
vagas de trabalhadores sem terra venham a 
engrossar as fileiras do MST, que a miséria 
nas cidades aumente e, junto a ela, as maze-las 
da criminalidade e da insegurança. 
A força das ideologias está em sua expli-cação 
simples e confortante da realida-de, 
e não em sua lógica ou veracidade. O 
PT que chegou ao poder já havia sido 
ganho para essa concepção desenvol-vimentista, 
que substituiu seus ideais so-cialistas 
insustentáveis após a queda do 
Muro de Berlim. 
O lamentável desempenho do governo 
Lula, na questão dos transgênicos, bem 
como em outros temas ligados à questão 
ambiental e de política agrícola deve-se 
antes de tudo à sua vulnerabilidade polí-tica, 
a qual lhe exigiu fazer grandes con-cessões 
à bancada ruralista e a partidos 
da base aliada, como o PMDB. E o que 
tentei argumentar aqui é que tais conces-sões 
não contrariam nem os princípios 
nem as concepções de desenvolvimento 
dos seus quadros dirigentes. Opõem-se 
apenas àqueles dos movimentos popula-res 
que constituíam a sua base social mais 
aguerrida e que ainda lhe garantiram um 
segundo mandato. 
Até quando o governo Lula continuará 
enganando suas bases, e estas se deixa-rão 
enganar, é uma questão a ser elucida-da 
nos próximos anos. De definitivo para 
a História fica o fato de que foi no “go-verno 
popular” de Lula e no ministério de 
Marina Silva que a resistência da Socie-dade 
Civil foi vencida; assim, fez-se a von-tade 
do agronegócio e das multinacionais 
da biotecnologia, autorizando o cultivo e 
o consumo de soja transgênica por meio 
de Medidas Provisórias, e “flexibilizando-se” 
a legislação de biossegurança, já por 
si bastante permissiva, de modo a permi-tir 
que outros transgênicos (como o mi-lho 
e o algodão) venham a ser liberados 
em um futuro próximo. 
Com isso, o governo Lula desmontou todo 
um arcabouço legal em biossegurança que 
fora sendo paulatinamente construído na 
última década pelo governo e por movi-mentos 
sociais.Formou-se um perigoso 
precedente para que novas tecnologias 
possam igualmente vir a se furtarem do 
licenciamento ambiental e da adoção do 
Princípio da Precaução e, com isso, da vi-gilância 
e do controle social. ■ 
Marijane Vieira Lisboa - Doutora em 
ciências sociais, professora da Fac. de 
Ciências Sociais da PUC-SP e ex-Secretária 
de Qualidade Ambiental do Ministério do 
Meio Ambiente entre 2003 e 2004. 
E-mail: marijane.lisboa@terra.com.br 
Este artigo foi originalmente publicado pela 
Revista PUCviva, ano 8, nº 29, jan./março 2007 
As posições 
defendidas por 
Marina Silva em 
assuntos ambientais 
vêm sendo 
sistematicamente 
desprezadas 
em favor das 
advogadas 
por ministros de 
outras pastas.” 
foto: Marcelo Casal Jr/ ABr
AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: 
SOBERANIA ALIMENTAR 
10 
S E G U R A N Ç A A L I M E N T A R 
Somente desafiando 
o controle que as 
multinacionais exercem 
sobre o sistema de 
produção de alimentos 
e o modelo 
agroexportador 
patrocinado pelos 
governos neoliberais 
poder-se-á deter a 
espiral de pobreza, 
fome, migração rural e 
degradação ambiental. 
Por Miguel A. Altieri 
AGRICULTURA INDUSTRIAL: 
MODELO NÃO-SUSTENTÁVEL 
A agricultura mundial está numa encruzi-lhada. 
A economia global impõe deman-das 
conflitantes sobre os 1.500 milhões 
de hectares cultivados. Não apenas se 
exige que a terra agricultável produza ali-mento 
suficiente para uma população em 
crescimento, como também que forneça 
biocombustíveis, e que o faça de modo 
ambientalmente correto, preservando a bi-odiversidade, 
diminuindo a emissão de 
gases de efeito estufa e ao mesmo tempo 
garantindo aos agricultores uma ativida-de 
economicamente viável. 
Essas pressões desencadeiam uma crise 
no sistema de produção de alimento em 
escala planetária sem precedentes: a cri-se 
já se manifesta nos protestos contra a 
escassez de alimentos em muitos países 
da Ásia e da África. Afinal, 33 deles estão 
à mercê da instabilidade social devido à 
carência e ao preço dos alimentos. Tal cri- 
se, que ameaça a segurança alimentar de 
milhões de indivíduos, resulta diretamen-te 
de um modelo de agricultura industrial, 
que não só depende perigosamente dos 
hidrocarbonetos como também se conver-teu 
numa das maiores forças entrópicas 
da biosfera. As crescentes pressões sobre 
a área agrícola em retração estão solapan-do 
a capacidade de a natureza suprir as 
demandas de alimentos, de fibras e de ener-gia 
para a humanidade. E o impasse decor-re 
do fato de o contingente humano de-pender 
dos serviços ecológicos (ciclos de 
água, agentes polinizadores, solos férteis, 
clima local benevolente etc.) que a agricul-tura 
intensiva continuamente empurra para 
além de seus limites. 
Antes mesmo do final da primeira década 
do século 21, a humanidade conscientiza-se 
de que o modelo industrial capitalista 
de agricultura dependente do petróleo já 
não é capaz de garantir o suprimento de 
alimentos. O desafio imediato de nossa ge- 
foto: Luc Legay
Miguel A. Altieri – Professor da University 
of California, Berkeley e da Sociedad Científi-ca 
Latinoamericana de Agroecología (SOCLA). 
Artigo publicado originalmente em 
www.cadtm.org e nos sítios EcoPortal.net, 
http://ecoportal.net/content/view/full/78323 e 
EcoDebate (12 Maio 2008). 
Cidadania&MeioAmbiente 11 
ração é iniciar a transição nos sistemas de 
produção de alimentos para que eles não 
dependam mais do petróleo. 
SEGURANÇA ALIMENTAR 
Os preços inflacionários do petróleo ine-vitavelmente 
incrementam os custos de 
produção; os preços dos alimentos che-garam 
a tal ponto que um dólar hoje com-pra 
30% menos produtos que há um ano. 
Na Nigéria, uma pessoa gasta 73% de seus 
rendimentos em alimentos; no Vietnã, 
65%; e na Indonésia, 50%. Essa situação 
agudiza-se rapidamente na medida em que 
a terra agrícola é destinada à produção de 
biocombustíveis e que as alterações cli-máticas 
reduzem a produtividade agríco-la 
via secas ou inundações. Expandir o 
contingente de terras agricultáveis aos bi-ocombustíveis 
ou aos transgênicos – que 
já alcançam mais de 120 milhões de hecta-res 
– exacerbará os impactos ecológicos 
das monoculturas, que continuamente 
degradam os ciclos da natureza. 
Além disso, a agricultura industrial atual-mente 
contribui com mais de 1/3 das emis-sões 
globais dos gases de efeito estufa, em 
especial o metano e os óxidos nitrosos. 
Continuar com esse processo degradante 
promovido pelo sistema econômico neoli-beral 
não é uma opção viável nem ecologi-camente 
honesta, pois não reflete as exter-nalidades 
ambientais. O desafio imediato de 
nossa geração é iniciar a transição nos sis-temas 
de produção de alimentos para que 
eles não dependam mais do petróleo 
AGRICULTURA SUSTENTÁVEL 
E SOBERANIA ALIMENTAR 
Necessitamos de um paradigma alternati-vo 
de desenvolvimento agrícola que pro-picie 
formas de agricultura ecológica, sus-tentável 
e socialmente justa. Redesenhar 
o sistema de produção de alimentos a for-mas 
mais equitativas e viáveis para os 
agricultores e consumidores requererá 
mudanças radicais nas forças políticas e 
econômicas que determinam o que pro-duzir, 
como, onde e para quem. O livre 
comércio sem controle social é o princi-pal 
mecanismo que desaloja os agriculto-res 
de suas terras e vem a ser o principal 
obstáculo à garantia do desenvolvimen-to 
e da segurança alimentar regionais. So-mente 
desafiando o controle que as em-presas 
multinacionais exercem sobre o sis-tema 
de produção de alimentos e o mode-lo 
agro-exportador patrocinado pelos go-vernos 
foto:Gustavo Ferri 
neoliberais é que se poderá deter 
a espiral de pobreza, fome, migração rural 
e degradação ambiental. 
O conceito de soberania alimentar – como 
o promovido pelo movimento mundial de 
pequenos agricultores, a Via Campesina – 
constitui a única alternativa viável ao sis-tema 
alimentar em colapso, totalmente fa-lho 
ao postular que o comércio livre inter-nacional 
seria a chave para solucionar o 
problema alimentar em escala mundial. A 
soberania alimentar enfatiza os circuitos 
locais de produção-consumo e as ações 
organizadas para se ter aceso à terra, à 
água, à agrobiodiversidade etc., recursos-chave 
que as comunidades rurais devem 
controlar para poderem produzir alimentos 
com métodos agroecológicos. 
AGRICULTORES E CONSUMIDORES: 
ALIANÇA ESTRATÉGICA 
Não há dúvida de que uma aliança entre agri-cultores 
e consumidores é de importância 
estratégica. Ao mesmo tempo em que os con-sumidores 
devem interferir na cadeia alimen-tar 
ao consumirem menos proteína animal, 
também precisam se conscientizar de que sua 
qualidade de vida está intimamente associa-da 
ao tipo de agricultura praticada nos cintu-rões 
verdes que circundam povoados e ci-dades. 
E isso não ocorre apenas pelo tipo e 
pela qualidade dos cultivos ali produzidos, 
mas igualmente pelos serviços ambientais, 
como a qualidade da água, o microclima e a 
conservação da biodiversidade etc. que essa 
agricultura multifuncional gera. 
Porém, a multifuncionalidade somente trans-parece 
quando a paisagem é dominada por 
centenas de pequenas propriedades biodi-versas 
que, como demonstram os estudos, 
podem produzir entre duas a dez vezes mais 
por unidade de área que as propriedades 
em escala industrial. Nos Estados Unidos, 
a agricultura sustentável – em sua maioria 
garantida por pequenos e por médios agri-cultores 
– gera uma produção total maior 
que os monocultivos extensivos, ainda sen-do 
capaz de reduzir a erosão e conservando 
mais a biodiversidade. As comunidades no 
entorno das pequenas propriedades apre-sentam 
menos problemas sociais (alcoolis-mo, 
dependência de drogas, violência fami-liar, 
etc.) e exibem economias mais fortes que 
aquelas cercadas por propriedades grandes 
e mecanizadas. 
No estado de São Paulo, as cidades cerca-das 
por grandes plantações de cana-de-açú-car 
são mais quentes que as rodeadas por 
propriedades agrícolas médias e diversifica-das. 
Portanto, deveria ser óbvio para um con-sumidor 
urbano que comer constitui a um só 
tempo um ato ecológico e político. Ao com-prar 
alimentos em mercados locais ou em fei-ras 
de agricultores vota-se por um modelo 
de agricultura adequada à era pós-petróleo. 
Por outro lado, ao comprar em grandes ca-deias 
de supermercados perpetua-se o mo-delo 
agrícola não-sustentável. 
A escala e a urgência do desafio que a hu-manidade 
enfrenta são sem precedentes, e 
as providências a serem tomadas são de 
ordens ambiental e social, politicamente 
exeqüíveis. Erradicar a pobreza e a fome 
mundiais exige um investimento anual de, 
aproximadamente, 50 bilhões de dólares – 
uma migalha se comparado ao orçamento 
militar mundial que abocanha mais de um 
trilhão de dólares por ano. A velocidade com 
que se deve implementar a mudança deve 
ser urgente. No entanto, será que existe von-tade 
política para transformar radical e ve-lozmente 
o sistema nutricional, antes que a 
fome e a insegurança alimentar alcancem 
proporções planetárias e irreversíveis? ■ 
Um dólar compra 
hoje 30% menos 
alimentos do que 
há um ano.” 
“
O COMBATE AO 
O aumento do desmatamento na 
12 
região amazônica resultou, 
inicialmente, da exaustão das 
florestas da Mata Atlântica e do esgota-mento 
progressivo das florestas tropicais 
da Ásia. Além disso, o desequilíbrio es-trutural 
nas outras regiões do país contri-buiu 
e continua corroborando, direta ou 
indiretamente, para que milhares de famíli-as 
de agricultores e de desempregados mi-grem 
para o Pará e outros estados da Ama-zônia. 
Piorando a situação dessas pesso-as, 
há que se mencionari ainda a implan-tação 
de grandes empreendimentos – aber-tura 
de estradas, construção de usinas hi-drelétricas, 
implantação de grandes proje-tos 
de mineração e de assentamento e a 
reforma agrária do governo. 
Não podemos confundir os impactos pri-mários 
– qualquer que seja o tipo de ex-ploração 
– com os secundários da colo-nização 
espontânea e o desmatamento 
total associados à agricultura de corte e 
à queima. Esses são problemas seculares 
de origem socioeconômica, agravados 
com a inoperância e, até mesmo, pela omis-são 
do Estado com relação à exigência de 
compensações no processo de licencia-mento 
ambiental de grandes empreendi-mentos. 
AS CAUSAS DO DESMATAMENTO 
As causas do desmatamento são conhe-cidas 
há bastante tempo. Em 1990, por 
exemplo, a revista Forest publicou um ar-tigo 
emblemático de Christopher Uhl et 
alii, sob o título Impactos Sociais, Econô-mico 
e Ecológico da Exploração Seletiva 
de Madeiras, numa Região de Fronteira 
na Amazônia Oriental: O caso de Tailân-dia 
(PA). O estudo cita o exemplo da cons-trução 
da Rodovia PA-150, aberta na dé-cada 
de 70, asfaltada em 1986, com objeti-vo 
de servir de ligação entre a cidade por-tuária 
de Belém e a rica província mineral 
do sul do Pará. 
Para compreender a importância da ma-deira 
na vida de quem fugiu da miséria, 
atraído pela esperança de melhores dias, 
Uhl afirma que é necessário entender o 
contexto em que as pessoas são inseri-das. 
Urge considerar as dessas corres-pondentes 
à cesta básica e às necessida-des 
sociais, incluindo roupa, calçado, 
saúde, transporte etc. 
Estimemos que o custo anual mínimo da 
cesta básica requerida a uma família de oito 
pessoas – tamanho médio na região – seja 
de R$3.500,00. Essa estimativa não inclui o 
consumo de arroz e de farinha de mandioca 
produzidos na roça para a alimentação da 
própria família. Considerando gastos soci-ais 
correspondentes a 40% do valor da ces-ta 
básica, ou seja, R$1.400,00, a despesa 
anual de uma família de oito pessoas ficaria 
em torno de R$ 4.900,00. 
Cada hectare recém-desbravado de mata 
produz, em média, no sistema primitivo 
convencional, R$1.400,00 de produtos agrí-colas 
de subsistência – milho, arroz, feijão 
e mandioca – antes de ser abandonado. 
Isso significa que uma família, depois de 
vender as árvores de tamanho e de valor 
comercial por preço de banana, precisa 
por Nelson Batista Tembra 
Além do 
esgotamento 
da Mata Atlântica 
e das florestas 
tropicais da Ásia, 
a devastação da 
cobertura vegetal 
da Amazônia 
também 
é conseqüência 
do desemprego de 
milhares de famílias 
de agricultores 
que para lá migram 
em busca de 
sobrevivência. 
foto: ©Greenpeace/Rodrigo Baleia 
AMAZÔNIA 
DESMATAMENTO 
C R I S E A M B I E N T A L
Frente à inevitável ocupação e à exploração econômica da Amazônia, no últi-mo 
8 de maio foi lançado o PAS. Trata-se de uma política de desenvolvimento 
regional baseada no uso sustentável dos recursos naturais com estratégias vol-tadas 
à geração de emprego e renda e à redução das desigualdades sociais. 
Assinado pelo Presidente Lula, em conjunto com governadores de oito estados 
amazônicos, o documento estabelece compromissos com a Amazônia, a saber: 
1. Promover o desenvolvimento sustentável com valorização das diversidades sócio-cultu-ral 
Cidadania&MeioAmbiente 13 
e ecológica e a redução das desigualdades regionais. 
2. Ampliar a presença democrática do Estado, com integração das ações dos três níveis de 
governo, da sociedade civil e dos setores empresariais. 
3. Fortalecer os fóruns de diálogo intergovernamentais e esferas de governos estaduais a 
fim de contribuir para uma maior integração regional, criando o Fórum dos Governadores 
da Amazônia Legal. 
4. Garantir a soberania nacional, a integridade territorial e os interesses nacionais. 
5. Fortalecer a integração do Brasil com os países sul-americanos amazônicos, fortalecen-do 
a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e o Foro Consultivo de 
Municípios, Estados, Províncias e Departamentos do Mercosul. 
6. Combater o desmatamento ilegal, garantir a conservação da biodiversidade, dos recur-sos 
hídricos e mitigar as mudanças climáticas. 
7. Promover a recuperação das áreas já desmatadas, com o aumento da produtividade e 
com a recuperação florestal. 
8. Implementar o Zoneamento Ecológico-Econômico e acelerar a regularização fundiária. 
9. Assegurar os direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e 
promover a eqüidade social, considerando gênero, geração, raça, classe social e etnia. 
10. Aprimorar e ampliar o crédito e o apoio para atividades e cadeias produtivas sustentáveis. 
11. Incentivar e apoiar a pesquisa científica e a inovação tecnológica. 
12. Reestruturar, ampliar e modernizar o sistema multimodal de transportes, o sistema de 
comunicação e a estrutura de abastecimento. 
13. Promover a utilização sustentável das potencialidades energéticas e a expansão da 
infra-estrutura de transmissão e de distribuição com ênfase em energias alternativas lim-pas 
e garantindo o acesso das populações locais. 
14. Assegurar que as obras de infra-estrutura provoquem impactos socioambientais míni-mos 
e promovam a melhoria das condições de governabilidade e da qualidade de vida das 
populações humanas nas respectivas áreas de influência. 
15. Melhorar a qualidade e ampliar o acesso aos serviços públicos nas áreas urbanas e rurais. 
16. Garantir políticas públicas de suporte ao desenvolvimento rural com enfoque nas dimen-sões 
das sustentabilidades econômica, social, política, cultural, ambiental e territorial. 
Fonte: Daniela Mendes, MMA 
derrubar aproximadamente quatro hecta-res 
de floresta por ano. Destrói, assim, um 
enorme volume de biodiversidade com 
valor potencial, tanto no presente quanto 
no futuro, somente para atender às suas 
necessidades básicas de subsistência. 
Quando esgotados o solo e os recursos 
florestais, resta ao colono trilhar o cami-nho 
inverso ao da reforma agrária, ven-dendo 
a terra de volta ao grande proprie-tário, 
ou abandonando sua área, seguin-do 
para novas regiões de fronteira a fim 
de repetir o ciclo vicioso. 
Todo o processo também abre espaço à 
marginalização, à grilagem, à invasão de 
terras, à exploração ilegal de madeira e à 
biopirataria. O Brasil possui uma das le-gislações 
ambientais mais completas do 
planeta. No entanto, embora os impac-tos 
primários da exploração seletiva de 
madeiras sejam pequenos, a presença da 
economia madeireira nas regiões de fron-teira 
– atraída pela abertura das estradas 
e pela implantação dos grandes proje-tos 
– continua a contribuir para o des-florestamento. 
Mas são os impactos secundários da co-lonização 
espontânea associados à au-sência 
de políticas públicas ou a políti-cas 
públicas deficientes ou mal aplicadas 
que comprometem a ecologia da região 
no presente e no futuro. 
A ação do Exército e da Polícia Federal é 
necessária enquanto medida curativa ao 
crescente desmatamento. Mas o combate 
vai além da fiscalização: é preciso acima de 
tudo agir pela prevenção e separar o joio 
do trigo. Estudos demonstram que o go-verno 
brasileiro, agora sob o comando do 
PT, deve ser adequadamente estruturado 
para enfrentar os sérios problemas histó-ricos 
que se arrastam desde a invenção do 
Brasil. Afinsl, não é de hoje que dados 
estatísticos demonstram o aumento da 
taxa de desmatamento anual e a degrada-ção 
do ambiente, apontando historicamen-te 
para uma relação direta com o desequi-líbrio 
socioeconômico e com as desigual-dades 
sociais. ■ 
Nelson Batista Tembra – 
Engenheiro agrônomo e Consultor 
ambiental. Tem 27 de experiência na 
profissão. É colaborador e articulista do 
EcoDebate. 
Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante o lançamento 
do Plano Amazônia Sustentável . Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
17%JÁ 
Mesmo antes de terminar o perío 
14 
do de observação da cobertura 
florestal da Amazônia Legal – 
que vai até julho –, dados do sistema de 
monitoramento por satélite DETER (Detec-ção 
do Desmatamento em Tempo Real) apon-tam 
forte aumento do processo de desflo-restação. 
O desmatamento passou de 4.974 
km2, entre 2006 e 2007, para 5.850 km2 de agos-to 
de 2007 até abril deste ano. Uma consta-tação 
alarmante já que nos últimos três anos 
o ritmo de desmatamento na região vinha 
diminuindo. Segundo dados apresentados 
pelo diretor do Inpe, Gilberto Câmara, dos 
700 mil km2 devastados, 300 mil ocorreram 
nos últimos 20 anos. E no atual passo de 
desflorestamento, a cada dez segundos é 
desmatada na Amazônia uma área equiva-lente 
a um campo de futebol. 
O Ministro do Meio 
Ambiente Carlos 
Minc comprova nas 
imagens do sistema 
de monitoramento 
espacial DETER 
que em abril último 
foram desflorestados 
1.123 km2 – área 
equivalente a 
da cidade do 
Rio de Janeiro. 
Dos 4 milhões 
de km2 de floresta 
amazônica, 
700 mil km2 já 
foram desmatados. 
foto:Wilson Dias/ABr 
AMAZÔNIA 
Do total dos 5.850 km2 de área em que se 
verificou corte raso ou degradação pro-gressiva, 
Mato Grosso foi – como já ha-via 
antecipado Carlos Minc, ministro do 
Meio Ambiente – o campeão em desma-tamento 
no período, com 794,1 km2, ou 
70,7%. Com 284,8 km² de área desmata-da, 
Roraima ocupa o nada honroso se-gundo 
lugar. Embora Rondônia, com 
34,6 km2, tenha sido o terceiro coloca-do, 
este estado é, proporcionalmente, o 
mais degradado, enquanto o Amazonas 
é o mais preservado. 
O DESMATAMENTO VIA SATÉLITE 
Em operação desde maio de 2004, o DE-TER 
foi concebido como um sistema de 
levantamento de alerta para suporte à fis-calização 
e controle de desmatamento. 
As imagens obtidas são processadas di-gitalmente 
pela Metodologia PRODES, e 
o conjunto de dados são apresentados 
por município, estado, base operativa e 
unidades de conservação, buscando fa-cilitar 
as operações de fiscalização. 
O Sistema DETER, no entanto, detecta 
apenas polígonos de desmatamento com 
área maior que 25 hectares por conta da 
resolução dos sensores espaciais de que 
se vale, a saber: dados do sensor MODIS 
(satélite Terra/Aqua) e do sensor WFI (sa-télite 
sino-brasileiro CBERS), com resolu-ção 
espacial de 250 metros. Mas devido à 
cobertura de nuvens que podem obstruir 
os olhos dos satélites na varredura realiza-da, 
nem todos os desmatamentos são ime-diatamente 
identificados pelo sistema. 
DESMATADA 
14
dos através de imagens de satélites e traba-lho 
de campo realizado por cerca de 20 fun-cionários 
do IBGE. Eles foram a 2.500 pon-tos 
de inventários florestais, regiões de um 
hectare quadrado, onde coletaram a vege-tação 
local e fizeram a medição das árvores 
com potencial comercial – aquelas com mais 
de 30 centímetros de diâmetro. Isso permite 
precisar com bastante credibilidade a ocor-rência 
de determinada espécie de árvore. 
“Quanto mais conhecimento o governo e a 
sociedade tiverem dos biomas, maiores as 
condições políticas para adotar medidas 
coerentes com o desenvolvimento susten-tável”, 
infoma Roberto Ricardo Vizentin, di- 
A CANA DE AÇÚCAR 
SE EXPANDE NA AMAZÔNIA 
A menos de dois meses do prazo previsto para o Ministério da Agricultura con-cluir 
proposta de zoneamento agrícola que bloquearia o avanço da cana-de-açúcar 
na Amazônia, documento oficial aponta crescimento da cultura dentro do 
bioma amazônico nos Estados do Acre, de Roraima e do Pará. 
Até 2012, um único município do Acre deve multiplicar quase dez vezes a área 
plantada, alcançando o equivalente a 30% da cidade de São Paulo, aponta 
documento produzido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuá-ria), 
vinculada ao Ministério da Agricultura, e cujos estudos têm pesado nas 
análises do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Amazônia. 
O documento desautoriza as declarações de Lula em fóruns internacionais. O 
presidente insiste que a Amazônia não é propícia ao cultivo da cana, e que as 
áreas plantadas estão “muito distantes” da floresta. O documento é um subsídio 
ao PAS (Plano Amazônia Sustentável). 
Segundo a Embrapa, projeto que conta com financiamento do governo do Acre – 
comandado pelo PT – já teria plantado 45 km2 de cana no município de Capixa-ba, 
Cidadania&MeioAmbiente a apenas 60 km da capital Rio Branco. 
Em Roraima, dois empreendimentos implantados em 2007 planejam ocupar 
90 km2 com a cultura da cana até 2009. O destino da produção, indica docu-mento 
da Embrapa, seriam os mercados da Amazônia e da Venezuela, que 
introduziriam o álcool como aditivo à gasolina. 
Ao deixar o governo, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva voltou a 
defender que as culturas de cana se mantivessem distantes da Amazônia, como 
forma de viabilizar o selo ambiental ao álcool brasileiro. Marina descartava até o 
uso de áreas já desmatadas e preferia acreditar que as culturas existentes eram 
“projetos senis”. 
Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) registraram o au-mento 
em 9,6% na última safra de cana na Amazônia Legal – de 17,6 para 19,3 
milhões de toneladas –, com crescimento da área plantada em Mato Grosso, 
Tocantins e Amazonas. 
Embora eficiente na detecção de ocorrência 
de desmatamento por corte raso, o sistema 
não é o mais adequado para mapear o pro-cesso 
de degradação florestal, pois subes-tima 
e detecta, em geral, processos já nos 
estados finais de degradação. Mesmo as-sim, 
o Inpe prova que o sistema DETER é 
eficiente e confiável, já que a proporção de 
alertas não confirmados como desmatamen-to 
é menor do que 6%. A partir de 2011 no-vos 
satélites serão incorporados ao siste-ma. 
Para otimizar o monitoramento atual, o 
Inpe já pensa em recorrer, de forma comple-mentar, 
aos dados do satélite japonês Alos, 
que não sofre influência das nuvens. 
BANCO DE DADOS VEGETAL: NOVO 
ALIADO CONTRA O DESMATAMENTO 
A Amazônia Legal ganhou em 2 de junho 
último um banco de dados que servirá de 
subsídio à formulação de políticas públi-cas 
para a região (Acre, Amapá, Amazo-nas, 
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Rorai-ma, 
Tocantins e parte do Maranhão). Com 
nível de detalhamento inédito, o sistema 
mostra que as áreas modificadas pelo ho-mem, 
de 748.698 km2, já correspondem a 
17% do total da região –, as pastagens res-pondendo 
por 7,8%. Com 3.016.363 km2, a 
floresta ocupa 61,07% da área total. 
“Essa é uma ferramenta poderosa para 
que se conheça um pouco mais dessa re-gião 
e para orientar as políticas públicas”, 
diz Ricardo Braga, gerente de Recursos 
Naturais do IBGE, responsável pelo ban-co 
de dados. Segundo Braga, a escala de 
1:250.000 (1 cm no mapa corresponde a 
2,5 km de território) permite uma aborda-gem 
com baixo nível de generalização. 
Os dados começaram a ser coletados na 
década de 70 e foram revisados e atualiza- 
Marta Salomon – Publicado no jornal Folha de S. Paulo (02/6/2008) e pelo 
portal EcoDebate em 03/5/2008). 
Mosaico das imagens MODIS do mês de 
Abril/2008 usadas no DETER, para visuali-zação 
da cobertura de nuvens e áreas de aler-ta. 
Foto: Inpe 
retor de zoneamento territorial do Ministé-rio 
do Meio Ambiente. 
Apesar de não ser atualizado constante-mente, 
o banco de dados permite acom-panhar 
a evolução do desmatamento na 
região e apontar a vegetação mais afeta-da 
no processo. O sistema pode ser aces-sado 
gratuitamente no site do IBGE (http:/ 
/www.ibge.gov.br). Os arquivos estão no 
formato shape, que demanda programas 
específicos para ser lido. ■ 
Fontes: Inpe, IBGE, Comunicação Social 
e Agência Brasil. 
Cidadania&MeioAmbiente 15
A MATA ATLÂNTICA 
por Marcos Sá Corrêa 
O novo Atlas dos Remanescen 
16 
tes Florestais da Mata Atlânti 
ca deve estar enganado. Como 
esses fragmentos poderiam estar reduzi-dos 
a 7,26% de seu território original e con-tinuar 
diminuindo rapidamente em Santa Ca-tarina, 
na Bahia e em Minas Gerais se eles 
crescem como nunca ao redor dos hotéis, 
das pousadas e das agências de turismo, 
que deram para enxergá-los em toda parte? 
Desde o Descobrimento, quando o arvore-do 
“tanto, tamanho e tão variado” do litoral 
baiano não deixou Pero Vaz de Caminha en-xergar 
a terra propriamente dita do novo 
mundo português, o Brasil não tinha, como 
tem agora, tanta mata atlântica para dar e 
vender. Ao menos na internet. 
Aí está o Google, que não deixa ninguém 
mentir. Ponha-se na janela de busca as 
palavras “mata atlântica” e “hotel”. E ele 
devolve nada menos de 145 mil respos-tas. 
Parece muito, mas, substituindo “ho-tel” 
por um sinônimo mais bucólico, como 
“pousada”, o Google duplica a oferta de 
endereços com vista para o cenário pri-mordial 
da natureza brasileira. Vêm mais 
de 300 mil registros de hospedagem com 
floresta tropical. 
PARA TODOS OS GOSTOS 
Perde-se a conta na internet dos estabele-cimentos 
turísticos chamados Pousada 
Mata Atlântica, da Bahia a Santa Catarina. 
No Estado do Rio de Janeiro, há Pousada 
Mata Atlântica para todos os gostos, na 
serra fluminense e à beira-mar. Existe ainda 
uma Pousada Mata Atlântica que fica a 
poucos quilômetros de um hotel tipicamen-te 
alpino de nome Chamonix, “um pedaço 
da Europa a seu alcance!” E um “Espaço 
Mata Atlântica” plantado numa rua que 
liga duas favelas, dividindo dez mil metros 
quadrados com a piscina, a sauna, o cam-po 
de futebol, a churrasqueira e uma sala 
de convenções para 2 mil pessoas. 
E um hotel pleonástico, que se declara no 
“meio de uma floresta de mata atlântica”. 
Tem até chalé “situado no Bosque dos 
Eucaliptos, um pequeno santuário de mata 
atlântica”. O Bosque dos Eucaliptos deve 
estar na floresta que, segundo o historia-dor 
Cid Prado Valle, sempre cobriu o país 
de norte a sul com uma “espessa camada 
verde-escura”, na vastidão abstrata do ufa-nismo 
brasileiro. Se for assim, a mata atlân-tica, 
em si, pode sumir à vontade. Brotará 
de suas cinzas com mais força a mata atlân-tica 
imaginária, que tem sobre a original a 
vantagem de caber em qualquer lugar. 
Cabe, de sobra, nas menores encostas da 
zona sul do Rio de Janeiro, onde mata 
atlântica está virando ultimamente tudo o 
que ainda não é favela. Ali viceja até nas 
placas do Jardim Botânico, indicando, na 
borda do arboreto, com manchas compac-tas 
de verde-bandeira, as trilhas de uma 
frondosa mata atlântica de jaqueiras asiá-ticas, 
descendentes de mudas trazidas 
para a colônia por portugueses nostálgi-cos 
de outros trópicos. 
Espremida atualmente nos últimos 97,5 mil 
quilômetros quadrados, incluindo nesse 
cálculo retalhos de 100 hectares, peque-nos 
demais para ter futuro, a mata atlânti-ca 
está entrando na moda tarde demais 
para salvar a si mesma. Sua popularidade 
inspira na hotelaria nacional as mais deli-rantes 
homenagens póstumas. 
Segundo o historiador Warren Dean, de-veria 
servir pelo menos para ensinar os 
brasileiros como se pode perder também 
a Amazônia. Mas não serve nem para lem-brar 
ao presidente Lula que, como os pa-íses 
ricos, o Brasil tem uma longa histó-ria 
de desmatamento. ■ 
Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor 
do site O Eco (www.oeco.com.br). 
Artigo originalmente publicado pelo 
O Estado de S.Paulo, 04/06/2008, 
e no Portal EcoDebate em 05/06/2008. 
VIROU SOUVENIR 
MATA ATLÂNTICA 
DESMATAMENTO PONTUAL 
A Mata Atlântica está preservada em 
234.106 polígonos, dos quais 25 mil são 
menores do que 5 hectares. O bioma 
abrange 61% dos municípios brasileiros, 
onde vivem 120 milhões de pessoas, de 
acordo com dados do Instituto Brasileiro 
de Geografia e Estatística (IBGE). 
Embora o ritmo de desmatamento deste 
bioma tenha diminuído em 69%, segun-do 
estudo da ONG SOS Mata Atlânti-ca, 
que comparou dados do Inpe para 
os períodos de 1995 a 2000 e de 2000 
a 2005, os remanescentes 7,26% da co-bertura 
florestal original continuam a so-frer 
depredação. 
A pesquisa divulgada neste 27 de maio 
avaliou 13 estados. Abaixo, os campe-ões 
do desmatamento (em hectare): 
■ Santa Catarina – 45.530 ha (au-mento 
de 7% no nível de desmate). 
■ Goiás – 4 mil ha (crescimento de 20% 
no nível de desmate). 
■ Minas Gerais – 41.349 ha (dimi-nuição 
de 66% no nível de desmate). 
■ Bahia – 36.040 ha. 
Outra ameaça apontada pelo estudo é 
a fragmentação do bioma. Para o coor-denador 
do estudo Flávio Ponzoni, do 
Inpe, o fato “pode provocar o colapso 
da biodiversidade, pois quanto mais frag-mentada 
a paisagem, maiores as dificul-dade 
de sobrevivência das espécies”. 
Fonte: Agência Brasil 
foto: Pete Harvey 
C R I S E A M B I E N T A L
Cidadania&MeioAmbiente 17 
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todos, pois sabe que compromisso, respeito e boas iniciativas são fundamentais para uniões estáveis e duradouras.
18 
SAÚDE PÚBLICA 
E MUDANÇAS CLIMÁTICAS 
Informe Ensp/ Agência Fiocruz de Notícias 
EM 2008, O DIA MUNDIAL DA 
SAÚDE APONTOU PARA A NECES-SIDADE 
DE PROTEGER A SAÚDE 
DOS EFEITOS ADVERSOS DAS MU-DANÇAS 
CLIMÁTICAS. O TEMA PÕE 
A SAÚDE NO CENTRO DO DIÁLO-GO 
GLOBAL SOBRE AS MUDANÇAS 
CLIMÁTICAS. COMO A SAÚDE 
PODE ATUAR NESSE CENÁRIO? 
Bruno Milanez – Entre os 
vários cenários desenhados 
como conseqüência do pro-cesso 
de mudanças climáticas 
são esperadas alterações no 
padrão das chuvas e aumen-to 
da incidência de eventos 
extremos, como inundações, 
furacões e secas. Porém, ain-da 
existem muitas incertezas 
sobre o que realmente pode-rá 
vir a acontecer, particular-mente 
em relação à extensão 
e à velocidade dessas trans-formações. 
Certamente, a área 
das políticas públicas (inclusive políticas em saúde) precisa se 
preparar para atuar em um ambiente mais dinâmico, no qual os 
padrões serão menos estáveis. 
No caso específico das ameaças à saúde, nos locais onde ocorrer 
intensificação das chuvas e das enchentes poderá haver maior inci-dência 
de doenças de veiculação hídrica. Se esse processo for acom-panhado 
de aumento de temperatura, deverá haver também cresci-mento 
de casos de doenças como malária e dengue. Entretanto, as 
mudanças climáticas não significam apenas mais chuva e calor; em 
alguns locais poderá ocorrer redução de quantidade de chuva, afe- 
J U S T I Ç A C L I M Á T I C A 
Os pesquisadores Marcelo Firpo e Bruno Milanez discorrem acerca da saúde 
pública ante os efeitos das mudanças climáticas, do mercado de carbono e do 
modelo de desenvolvimento econômico que gera e estimula desigualdades 
entre países ricos e pobres. 
tando a produção agrícola e a 
qualidade dos alimentos. Re-giões 
que dependem de águas 
oriundas de áreas montanho-sas 
também poderão ser gra-vemente 
afetadas pelo degelo 
decorrente do aquecimento. 
Portanto, um aspecto central 
para à saúde pública é que de-terminados 
grupos populacio-nais 
e regiões do planeta são 
mais vulneráveis e precisam ser 
vistos com mais atenção, tor-nando 
o problema mais com-plexo. 
Em outras palavras, dife-rentes 
grupos sociais têm ca-pacidades 
distintas de se pre-caverem 
ou de remediarem tais 
impactos. Esse é o cerne da dis-cussão 
sobre vulnerabilidade 
quando falamos de mudanças 
climáticas. Populações que vi-vem 
em ilhas, ou aquelas que 
foto: Katakanadian 
dependem da água dos Andes, serão mais atingidas se não houver 
recursos e políticas públicas específicas. A área da saúde deve se 
colocar em defesa dos grupos mais vulneráveis, pois estes serão os 
primeiros a sofrerem as conseqüências dessas alterações. Na verdade, 
a vulnerabilidade é um fato, mas não é enfrentada de forma eficiente. 
Em boa parte, o destaque das mudanças globais passou a ocorrer na 
mídia quando os países ricos descobriram que poderão ser bem afeta-dos; 
assim, a situação tornou-se um risco para todos. 
Marcelo Firpo – Em 2004, representantes de movimentos so-ciais 
reuniram-se em Durban, na África do Sul, para discutirem a
É questão central 
para as sociedades 
e a saúde coletiva 
afirmar o valor 
ético da vida e lutar 
contra a sua 
mercantilização 
e a da natureza 
como um todo. 
Marcelo Firpo 
Cidadania&MeioAmbiente 19 
“ 
” 
questão do aquecimento global a partir da ótica das 
organizações populares. Nesse encontro, consolidou-se 
o conceito de justiça climática, que assume a visão 
de que alguns grupos sociais e territórios sofrerão 
maior impacto com as mudanças climáticas. Um exem-plo 
desses grupos são as populações das pequenas 
ilhas da Polinésia, como Tuvalu (um arquipélago cujo 
ponto mais alto fica dez centímetros acima do nível 
do mar) que negociou com a Nova Zelândia o direito 
de migração de toda a sua população caso suas ilhas 
fiquem inabitáveis (o que poderá acontecer em me-nos 
de 50 anos). 
NOS ÚLTIMOS 50 ANOS, A QUEIMA DE COMBUSTÍVEIS FÓS-SEIS 
TEM LIBERADO DIÓXIDO DE CARBONO E OUTROS GASES 
QUE AFETAM, DE FORMA IRREFUTÁVEL O CLIMA GLOBAL. A 
CONCENTRAÇÃO ATMOSFÉRICA AUMENTOU EM MAIS DE 30% 
DESDE O INÍCIO DO SÉCULO 20. O RESULTADO DISSO É O 
AUMENTO DO RISCO DE DOENÇAS E DE MORTES, ALTERANDO 
O PADRÃO DE DISSEMINAÇÃO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS. 
UMA DAS SOLUÇÕES APRESENTADAS PARA MELHORAR ESSE QUA-DRO 
É O MERCADO DE CARBONO, UTILIZADO NA EUROPA E NOS EUA. 
COMO ESTÁ ESSA DISCUSSÃO NO BRASIL? 
Milanez – O mercado de carbono não chega a ser uma solução para os 
impactos das mudanças climáticas, mas uma tentativa de ação paliativa. 
O Brasil participa do mercado de carbono por meio da implantação dos 
mecanismos de desenvolvimento limpo (MDLs), que permitem que pro-jetos 
de baixo carbono em países em desenvolvimento gerem “créditos 
de carbono” para serem comprados por países industrializados e usados 
como compensação no cálculo de suas emissões, conforme estabeleci-do 
pelo Protocolo de Quioto. Dessa forma, há uma transferência de 
recursos financeiros de países industrializados para países em desen-volvimento, 
que são direcionados para atividades específicas ligadas ao 
setor energético, a processos industriais, à agricultura, à gestão de resí-duos 
urbanos e ao reflorestamento. 
Entretanto, diversas críticas vêm sendo feitas a esse sistema. Em 
primeiro lugar, porque não reduz a iniqüidade entre países, permitin-do 
que os mais ricos e industrializados continuem a manter seu mo-delo 
de desenvolvimento, intensivo em energia (não-renovável) e 
recursos naturais à custa da degradação socioambiental dos países 
do Sul e, dessa forma, diminuem a pressão por mudanças culturais e 
tecnológicas mais profundas. Outro problema refere-se às práticas 
de seqüestro de carbono por florestamento e reflorestamento, já que 
a quantidade de créditos computados não considera, por exemplo, 
os possíveis ganhos ou perdas em biodiversidade ao se optar por 
monoculturas ou espécies nativas. Ou seja, florestas de eucalipto, 
também chamadas criticamente de “desertos verdes”, podem valer 
tanto quanto as florestas de verdade. 
O Brasil tem posição de destaque no mercado de carbono, sen-do 
o terceiro maior receptor de projetos de MDL. Entretanto, em 
termos efetivos, a participação do país ainda é tímida. Até março 
de 2008, o Brasil tinha sido responsável por apenas 6% da redu-ção 
das emissões enquanto que China participou com 49% e a 
Índia, com 23% das reduções. No Brasil, 63% dos projetos de 
MDL ocorrem no setor energia, que responde por 48% da redu-ção 
de emissões. Nesse setor, quase metade dos projetos diz 
respeito à produção de energia por biomassa, aproximadamente 
1/4 por hidrelétricas e 1/5 por pequenas centrais hidrelétricas. 
Outros setores que vêm recebendo recursos de MDL são o de 
captação e tratamento de gases gerados por aterros sanitários 
(24% da redução) e o de suinocultura (6%). 
Firpo – Os movimentos sociais apresentam uma série de críticas 
à forma como os governos vêm lidando com as mudanças climáti-cas. 
Na sua visão, o mercado de carbono apresenta-se como uma 
iniciativa de transformar a atmosfera, por definição um bem co-mum, 
em uma mercadoria que pode ser negociada como outra 
qualquer. Seguindo essa linha de raciocínio, o mercado de carbo-no 
legitima o “direito de poluir”, uma vez que empresas ou países 
adquirem o direito de manter atividades de alto impacto, desde 
que paguem por isso. Como posto por um economista do gover-no 
da Austrália em 2001, é mais “eficiente” evacuar as populações 
das pequenas ilhas do que exigir que as indústrias australianas 
reduzam sua emissão de carbono. Portanto, uma questão de fun-do 
central às sociedades e à saúde coletiva é afirmar o valor ético 
da vida e lutar contra a sua mercantilização e da natureza como um 
todo, revertendo os níveis insustentáveis e indignos que já acon-tecem 
em várias áreas, inclusive nas biotecnologias. 
O AUMENTO DO NÍVEL DO MAR JÁ NÃO É AMEAÇA, POIS TEM DESALOJADO 
POPULAÇÕES RIBEIRINHAS. MAIS DA METADE DA POPULAÇÃO MUNDIAL VIVE A 
MENOS DE 60 QUILÔMETROS DO LITORAL. AS INUNDAÇÕES AUMENTAM O 
RISCO DE INFECÇÕES CAUSADAS PELA ÁGUA CONTAMINADA. O BRASIL É UM 
DOS PAÍSES AFETADOS POR CONSTANTES ENCHENTES. COMO A SAÚDE PÚBLICA 
E A ENSP (ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA), ESPECI-ALMENTE, 
PODEM AJUDAR NA PREVENÇÃO E NA BUSCA DE ALTERNATIVAS? 
Milanez – As mudanças climáticas vão modificar padrões de cli-ma 
e de chuvas. Nesse sentido, as enchentes vão aumentar de 
intensidade em algumas regiões, independentemente da proximida-de 
com o litoral e do aumento do nível do mar. Atualmente, já vemos 
grande quantidade de pessoas sofrendo com enchentes e inunda-ções, 
principalmente entre os grupos mais vulneráveis. 
As enchentes são causadas por fenômenos naturais, mas seus 
impactos são intensificados por ações antrópicas, relacionadas ao
20 
O mercado 
de carbono não 
chega a ser uma 
solução para 
os impactos 
das mudanças 
climáticas, mas 
uma tentativa de 
ação paliativa. 
Bruno Milanez 
Marcelo Firpo – Pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Tra-balhador 
e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) 
da Fiocruz. 
Bruno Milanez – Doutor em Política ambiental pela Lincoln University, 
atualmente atua na Ensp como bolsista. 
Fonte: Informe Ensp/ Agência Fiocruz de Notícias – 
www.ensp.fiocruz.br/informe Publicado no portal EcoDebate em 07/5/08 
Fotos dos entrevistados: Virginia Damas – CCI/Ensp/Fiocruz 
“ 
” 
modelo de desenvolvimento e às iniqüidades que marcam a vulne-rabilidade 
de territórios e populações. No campo, há problemas 
com o desmatamento de matas ciliares, ou pelo uso inadequado do 
solo, o que aumenta a erosão e contribui para o assoreamento dos 
rios, podendo impactar cidades. Nas áreas urbanas, a ocupação 
inadequada do solo e a precariedade (ou inexistência) de sistemas 
de macro e de micro drenagem são fatores que ampliam os impactos 
negativos das chuvas intensas. Por exemplo, a Fiocruz (Fundação 
Oswaldo Cruz) ocupa uma área de mangue que possui maior pre-disposição 
a inundações, como já é conhecido de muitos morado-res 
do bairro de Manguinhos (Rio de Janeiro, RJ). 
Considerando que parte significativa das enchentes é resultado de 
problemas de infra-estrutura urbana, a margem de manobra da saúde 
pública é limitada e seu papel fundamental concentra-se na promo-ção 
da saúde e no estímulo às políticas intersetoriais, combinando 
ações locais e globais. Em primeiro lugar, podemos trabalhar junto à 
população, alertando-a sobre pequenas ações que busquem dimi-nuir 
a pressão sobre os sistemas de drenagem, como a disposição 
adequada do lixo doméstico. Posterirmente, é preciso orientar sobre 
como agir em casos de enchentes, seja no momento da inundação 
para evitar acidentes, seja nos dias posteriores para evitar a contami-nação 
por doenças de veiculação hídrica. 
Não menos importante, existe a possibilidade de o campo de promoção 
da saúde assumir a liderança do questionamento sobre a precariedade 
do saneamento ambiental no país e liderar a pressão por melhorias na 
infra-estrutura urbana, como um requisito à garantia da saúde da popu-lação. 
Além disso, a Ensp certamente assumirá um papel importante 
nas ações já iniciadas pelo governo brasileiro, capitaneadas pelo Mi-nistério 
da Saúde, no sentido de aprofundar o papel do setor no en-frentamento 
desse problema. 
COMO A DISCUSSÃO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS SE DÁ NO ÂMBITO 
DO MOVIMENTO DE JUSTIÇA AMBIENTAL, DO QUAL VOCÊ É UM DOS PAR-TICIPANTES 
E COORDENADOR DE PROJETO NA ENSP? 
Firpo – No âmbito do Brasil, o movimento por justiça ambiental vem 
alertando que a discussão sobre aquecimento global está 
sendo usada como justificativa para a manutenção de di-nâmicas 
injustas, dos pontos de vista social e ambiental. 
Em nosso país, a “preocupação” com as mudanças climá-ticas 
é usada como justificativa para a ampliação de mo-noculturas 
em grandes áreas, seja para produzir celulose 
ou substituir o carvão mineral, como no caso do eucalip-to, 
seja para produzir agrocombustíveis, como a soja ou a 
cana. A expansão desse modelo de negócio é, então, acom-panhada 
pela intensificação da degradação de ecossiste-mas, 
da concentração rural, do uso de agrotóxicos e, em 
alguns casos, de condições degradantes de trabalho. Além 
disso, ela cria situações altamente contraditórias, como 
foi o caso da valorização da terra no Centro-oeste, que 
empurrou o gado para o Norte, aumentando a pressão 
sobre áreas de floresta nativa. Uma das ações da Rede 
Alerta contra o Deserto Verde, em conjunto com à Rede 
Brasileira de Justiça Ambiental, tem sido denunciar a ten-tativa 
perversa de transformar monoculturas de árvores 
em “florestas” que seqüestram carbono. Em verdade, sua 
expansão afeta diversas populações indígenas e rurais. 
Outra discussão importante dentro do movimento de justiça am-biental 
é a competição entre o uso energético e alimentar dos 
produtos agrícolas. Por exemplo, em 2007, o aumento da demanda 
por milho nos Estados Unidos, para a produção de etanol levou à 
elevação em mais de 10% da tradicional tortilha no México, pro-duto 
essencial á alimentação popular. Fenômeno semelhante em 
escala global ocorreu neste ano, quando o Programa de Alimen-tos 
da ONU anunciou um aumento geral dos preços dos alimen-tos 
no mercado internacional. Segundo o órgão, a produção de 
agrocombustíveis era um dos fatores por trás dessa elevação de 
preços. Mesmo quando os produtos não são desviados da mesa 
das pessoas para os tanques de combustível dos carros, práticas 
agrícolas para a produção de energia passam a competir por insu-mos 
(terra, agrotóxicos, adubo e financiamento) com os produtos 
alimentares. O resultado direto disso, ao menos no curto prazo, é 
um aumento geral dos preços dos alimentos. 
Esse debate diz respeito não somente às mudanças climáticas 
globais, como também ao modelo de desenvolvimento que vem 
sendo adotado pelo Brasil e por boa parte do mundo num cenário 
de globalização injusta e insustentável. Esse modelo está basea-do 
na perpetuação da divisão do trabalho entre países ricos e os 
demais, que são forçados a pensar no desenvolvimento a partir 
da produção de commodities agrícolas e metálicas (aço e alumí-nio), 
com um metabolismo social ambientalmente insustentável e 
socialmente injusto. O desafio é encontrarmos outra forma de 
globalização, mais solidária, justa e sustentável. ■
Cidadania&MeioAmbiente 21
O limiar de perigo 
do dióxido de carbono 
(CO2) estaria fixado 
num nível muito 
elevado, conforme 
indicam novos estudos 
de climatologistas. 
Para os seus autores, 
o nível tolerável 
deveria ser de 
350 ppm e não 550. 
Se assim fosse, 
já teria sido atingido 
em 1990, o que 
nos colocaria numa 
situação crítica. ?“Se o CO2 for mantido durante um longo 
CO 2 
CO2: O VILÃO DO CLIMA 
Como avaliar o limite a não ser ultrapassa-do? 
22 
Para evitar uma “interferência humana 
perigosa” no sistema climático, o limiar de 
dióxido de carbono (CO2) atmosférico é 
geralmente fixado em 550 partes por mi-lhão 
(ppm). Esse é, por exemplo, o objeti-vo 
– ambicioso – fixado pela União Euro-péia. 
Para James Hansen, um dos pesqui-sadores 
mais influentes da comunidade 
dos climatologistas, tal limiar foi estimado 
com muito, muitíssimo, otimismo. 
Em trabalhos disponibilizados na Inter-net, 
em 7 de abril último, no servidor 
ArXiv, o diretor do Goddard Institute for 
Space Studies, da Nasa, e seus co-auto-res 
avaliam o limiar de perigo em torno de 
350 ppm. Ora, esse nível foi atingido em 
1990. Ele situa-se hoje em 385. E aumenta 
à razão de uma a duas unidades por ano. 
A ultrapassagem do limiar de 350 ppm não 
é, evidentemente, de extremo perigo. Se-gundo 
os autores, ele o é em longo prazo. 
período num nível superior a este limite, 
há um risco de nos situar numa trajetória 
que leva a uma desregulação climática pe-rigosa 
e irreversível”, descreve a climato-logista 
Valérie Masson-Delmotte (Comis-sariado 
para a Energia Atômica, CEA), co-autora 
desses trabalhos. “É possível re-tornar 
a uma taxa de 350 ppm”, assegura 
Hansen. “Faz-se necessária uma morató-ria 
sobre as centrais nucleares movidas a 
carvão e, em seguida, suprimir progressi-vamente 
todos os usos de carvão até 
2020-2030. Também se faz necessário re-ver 
nossas práticas agrícolas e florestais 
de maneira a seqüestrar carbono”. 
QUAL O LIMIAR LIMITE DE CO2? 
Para chegar a essas conclusões, os ci-entistas 
analisaram as séries de dados 
que refazem as grandes evoluções cli-máticas 
do planeta em mais de 50 milhões 
de anos. Para determinar um limiar limite, 
“nós examinamos a velocidade do des-locamento 
dos isotermos, a retração dos 
glaciares – que são muito importantes 
para a alimentação na água –, a veloci-dade 
da elevação do nível dos mares, a 
desestabilização das calotas polares e a 
reação dos recifes de corais”, precisa 
Valérie Masson-Delmotte. 
Os pesquisadores também recalcularam a 
“sensibilidade do clima” ao gás carbôni-co. 
Essa se traduz pelo aquecimento mé-dio 
que provocará o dobro de CO2 em rela-ção 
ao seu nível pré-industrial (entre 270 e 
280 ppm). Os modelos utilizados pelo Gru-po 
Intergovernamental de Peritos sobre a 
Evolução do Clima (GIEC) situam-na em 
torno de 3ºC. Mas esses cálculos não le-vam 
em conta o que os climatologistas 
chamam de “retroações lentas”. 
Um exemplo de retroação lenta é a redu-ção 
progressiva das calotas polares. 
Quando o efeito estufa aumenta, maximiza 
a temperatura: as calotas polares diminu-em. 
A Terra perde, pois, progressivamen-te 
uma parte dessa capacidade de refletir 
Stéphane Foucart 
foto:Phloodpants 
G E S T Ã O A M B I E N T A L 
A TERRA 
JÁ ULTRAPASSOU 
O LIMIAR DO PERIGO
Cordilheira Blanca 
foto: Señor Hans 
AQUECIMENTO GLOBAL DERRETE GELEIRA BROGGI 
Cidadania&MeioAmbiente 23 
os raios do sol, e ela absorve mais ener-gia 
luminosa. As temperaturas sobem mais 
rapidamente, e isso acelera a redução das 
calotas polares etc. 
“Ao levar em conta esse tipo de retroa-ções, 
a sensibilidade climática não é mais 
de 3ºC, como nos modelos utilizados pelo 
GIEC: ela é, na verdade, de 6 ºC”, diz 
Hansen. “Mas a questão de saber quan-to 
tempo essas retroações levarão para 
entrar em ação permanece aberta”. Para 
ver esses “círculos viciosos” colocarem-se 
em ação e embalarem a máquina climá-tica, 
será preciso esperar até o fim deste 
século? Ou o fim do próximo? 
A INCERTEZA 
DOS MODELOS DE PREVISÃO 
As incertezas dos modelos são grandes. 
Assim, recentes análises sedimentares 
publicadas por uma equipe alemã mostra-ram 
que uma grande calota polar antárti-ca 
(estimada em torno de 60% da atual 
calota) sobreviveu, ainda que brevemen-te, 
ao longo do cretáceo, a um período 
muito quente em que a temperatura do 
oceano tropical era mais de 10 ºC superior 
à temperatura atual. 
James Hansen, 67 anos, gosta de con-trovérsias. 
Ele é o primeiro cientista a 
ter chamado a atenção, em 1988, dos 
meios de comunicação e dos políticos 
para a questão do clima. Muito compro-metido, 
ele lançou em 2007 uma campa-nha 
para solicitar aos governos da Ale-manha 
e da Grã-Bretanha a interrupção 
de todos os programas de construção 
de usinas a carvão. 
Para além dessas questões, seus traba-lhos 
abrem uma discussão profunda sem 
relação com a ciência ou com a política: 
até quando os homens do século XXI de-vem 
buscar prever as conseqüências de 
suas ações? Evocar o futuro do planeta 
bem depois de 2100, como o faz Hansen e 
seus co-autores, é imaginar o que o cli-matologista 
Stephen Pacala chamou de 
“os monstros atrás da porta”. ■ 
Stéphane Foucart - jornalista francês, 
encarregado da cobertura de ciência do 
jornal “Le Monde”. Publicado pelo “Le 
Monde” em11/04/2008, (com tradução do 
Cepat); pelo “IHU On-line” (10/05/2008) e 
pelo “EcoDebate” (12/05/2008) 
Em 2005, o aquecimento global foi o responsável pelo desaparecimento da 
geleira Broggi, situada na Cordilheira Blanca, segundo Marco Zapata, diretor 
da Unidade de Glaciologia do Instituto Nacional de Recursos Naturais (Inrena) 
do Peru. A leste da cidade de Yungay, na província de Huaraz, a aproximada-mente 
400 quilômetros ao nordeste de Lima, a geleira Broggi apresentava uma 
superfície superior a 1,8 km2 em 1995. 
Além da Broggi, Zapata informa que a geleira Pastoruri também está retrocedendo 
rapidamente e já não é considerada um nevado (montanha com neves permanen-tes), 
mas uma simples cobertura de gelo devido à perda de 700 km2 de sua 
superfície. “O que era apenas uma massa única de gelo dividiu-se em duas, num 
processo contínuo de retrocesso e de diminuição da geleira”, informa o cientista. 
A Cordilheira Blanca – cadeia montanhosa coberta de gelo que atravessa o 
centro do Peru – tem hoje apenas 535 km2. Ou seja, já sofreu uma diminuição de 
25% em relação à massa de gelo que apresentava em 1970. 
O cientista lembrou que entre 1948 e 1977, a média de retrocesso anual das 
geleiras na cordilheira era de entre oito e nove metros por ano; contudo, a partir 
de 1977 o retrocesso aumentou para cerca de 20 metros/ano. 
“Há 30 anos começou o retrocesso acelerado das geleiras. Evento indubitavelmente 
conseqüência do aumento de temperatura ambiente global. São muitos os fatores que 
geram o problema, mas todos são conseqüência da mudança climática”, declarou. 
Infelizmente, informa Zapata, não há medidas ou técnicas para a recuperação 
das geleiras. A única providência para salvar o que ainda resta é a adoção de 
ações urgentes que permitam reduzir os fatores geradores do aumento da tempe-ratura 
global via mudança climática. E isso exige o comprometimento e esforço 
de todos os países do mundo. Fonte: Agência EFE 
O ÁRTICO TAMBÉM DERRETE 
A área congelada do Oceano Ártico vem encolhendo e está cada vez mais vulnerá-vel 
aos raios do sol no verão, segundo estudo publicado no Geophysical Research 
Letters pelos pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas (NCAR), 
dos EUA e da Universidade Estadual de Colorado. 
A perda de gelo no Ártico em 2007 bateu o recorde dos tempos modernos, com a 
extensão gelada encolheu para um mínimo de 4,1 milhões km2 em setembro. Essa 
cobertura foi 43% menor que em 1979, quando começaram as medições confiáveis 
por satélite. “Em um mundo mais quente, o gelo mais fino sobre o mar torna-se cada 
vez mais sensível às variações climáticas e das nuvens de um ano para o outro. Um 
único verão mais ensolarado pode, agora, ter um impacto dramático, sentencia a 
pesquisadora Jennifer Kay, do NCAR. Fonte: Geophysical Research Letters
RESERVATÓRIO ESTRATÉGICO E DESCONHECIDO 
fotos:João Zinclar 
Também fundamental para o projeto de transposição, 
a represa vem passando por situações volumétricas críticas. 
O Alto São Francisco é o principal 
24 
responsável pela formação das 
enchentes no rio. Esse fato é ex-plicado 
pelas características edáficas e 
pluviométricas da região (solos sedimen-tares 
e regularidade nas precipitações plu-viométricas), 
aspectos esses contrasta-dos 
com a vasta área de clima semi-árido 
no restante da bacia – principalmente em 
boa parte do Médio e em todo o Sub-mé-dio 
– na qual a geologia é cristalina. Esse 
ocasiona poucas chuvas, mal distribuí-das 
no tempo e no espaço. 
O período chuvoso do Alto São Francis-co 
ocorre entre os meses de novembro e 
abril, intervalo que não costuma coincidir 
com a fase das águas das outras regiões, 
principalmente as de clima semi-árido, 
onde estão localizadas as usinas da Com-panhia 
Hidro Elétrica do São Francisco 
(Chesf). Esse fato resultava, até há pou-co 
tempo, em deficiências volumétricas 
V E L H O C H I C O 
SOBRADINHO 
por João Suassuna 
Sem essa obra 
seria muito 
difícil 
equacionar 
os problemas 
de geração 
de energia 
elétrica no 
Nordeste. 
significativas, quando da ocorrência de 
secas prolongadas, com prejuízo para o 
setor elétrico. 
Em decorrência desse fato, a Chesf foi obri-gada 
a construir a Represa de Sobradinho, 
no Médio São Francisco, com capacidade 
de 34 bilhões de metros cúbicos – o equi-valente 
a 14 vezes o volume da Baía da 
Guanabara, no Rio de Janeiro. O objetivo 
foi acumular as águas provenientes de sua 
região alta para, em seguida, assegurar, em 
patamares satisfatórios, o funcionamento 
do sistema gerador de energia sob sua res-ponsabilidade. 
BARRAGEM: 
VITAL À GERAÇÃO DE ENERGIA 
A idéia era fazer com que o volume acumula-do 
nessa represa fosse sendo liberado aos 
poucos, de forma equilibrada. Assim, regula-rizava- 
se a vazão do Rio São Francisco e ga-rantindo 
a geração de energia no complexo 
de Paulo Afonso e em Xingó, hidrelétricas 
localizadas na parte submédia da bacia. 
A medida proporcionou uma vazão regula-rizada 
de cerca de 2.060 m³/s no trecho en-tre 
Sobradinho e o delta, principalmente de 
maio a outubro. Nesse período, o rio cos-tuma 
apresentar vazões reduzidas, conse-qüência 
direta de uma época com chuvas 
irregulares e de baixa contribuição volumé-trica 
de seus tributários. Atualmente a va-zão 
regularizada na foz é de 1.850 m³/s. 
Não fosse a construção dessa represa, se-ria 
muito difícil o equacionamento dos pro-blemas 
de geração de energia no Nordeste. 
Para se ter uma idéia, em outubro de 1955 – 
ano considerado seco –, o São Francisco 
registrou sua menor vazão: 595 m³/s, em 
Juazeiro/Petrolina. Por outro lado, registra-ram- 
se enchentes monumentais, como a 
ocorrida em 1979, atingindo uma vazão de 
18 mil m³/s, causando o vertimento de So-
Cidadania&MeioAmbiente bradinho, fato que assustou boa parte da 
população local. 
O REGIME HIDROLÓGICO 
DE SOBRADINHO 
Ao se analisar o regime hidrológico da re-presa 
de Sobradinho desde a época de sua 
inauguração, principalmente no tocante à 
sua acumulação volumétrica (volumes 
máximos e mínimos anuais), pode-se cons-tatar 
que, no período compreendido entre 
1978 e 1986, os anos foram hidrologica-mente 
satisfatórios em termos de precipi-tações. 
Houve acumulações significativas 
e, em várias delas, a represa veio a sangrar. 
Igual característica foi observada nos pe-ríodos 
subseqüentes de 1990 a 1994; de 
1997 a 1998 e de 2004 a 2007. 
Períodos críticos de secas também são re-correntes 
em Sobradinho. Eles ocorreram 
de forma marcante entre 1987 e 1989, entre 
1995 e 1996 e entre 1999 e 2003. Nesses 
casos, a represa acumulou apenas metade 
de sua capacidade útil. Em 2001, atingiu 
apenas 5% desse limite. Este foi conside-rado 
o ano mais seco da história do São 
Francisco, tendo resultado nos raciona-mentos 
e na pior crise energética vivenci-ada 
até então. Tudo indica que 2008, da-das 
as características climáticas em curso 
(choveu abaixo da média na região), tam-bém 
será seco. 
Ao se analisar globalmente o comporta-mento 
volumétrico de Sobradinho, con-siderando- 
se principalmente os períodos 
favoráveis e os desfavoráveis da pluvio-metria, 
chega-se à conclusão de que a re-presa 
enche em 40% dos casos. Dessa 
forma, em 10 anos ela atinge a cota de 
sangramento em apenas quatro. 
OS SINAIS DE ALERTA 
No momento atual, o que preocupa é 
que no mês de janeiro a represa de So-bradinho 
estava com apenas 15% de sua 
capacidade útil, motivada pelo uso vo-lumétrico 
na geração e na distribuição 
de energia do sistema da Chesf para ou-tras 
regiões do país. A partir de feverei-ro, 
período no qual a represa deveria 
estar com sua afluência volumétrica em 
estado crescente (volumes que chegam 
à represa), o que se observou foi um 
quadro inverso do esperado: sua aflu-ência 
mostrou-se em estado decrescen-te, 
o que poderia agravar ainda mais o 
quadro crítico apresentado. 
RIO SÃO FRANCISCO 
Nascente: Serra da Canastra em Minas Gerais, estado responsável pela 
formação de cerca de 70% de suas águas. 
Extensão: 2,8 mil km (entre seu nascedouro e sua foz, no pontal do Peba/AL). 
Vazão média: 2,85 mil m³/s. 
Característica: períodos de abundância de chuvas entremeados por períodos 
de secas sucessivas. 
Bacia hidrográfica: área aproximada de 640 mil km², subdividida em Alto 
São Francisco (Serra da Canastra a Pirapora), Médio (Pirapora a Remanso), 
Submédio (Remanso a Paulo Afonso) e Baixo (Paulo Afonso ao Oceano Atlântico). 
População residente: estimada em 14 milhões de pessoas. 
No portal da Chesf é possível observar 
esse fato com muita clareza. No dia 22 de 
fevereiro, por exemplo, a afluência da re-presa 
era de 3.170 m³/s. No dia 27 havia 
caído para 2.160 m³/s, numa diminuição de 
cerca de 200 m³/s a cada dia. O fato sugeriu 
uma falta de entendimento entre os res-ponsáveis 
pela represa de Três Marias 
(Furnas) e os de Sobradinho (Chesf). Por 
razões que desconhecemos, os volumes 
das intensas precipitações ocorridas no 
Sul de Minas, naquele período, foram reti-dos 
em Três Marias. Dessa forma, a libera-ção 
para Sobradinho, em quantidades ade-quadas 
ao atendimento dos múltiplos 
usos, não foi cumprida satisfatoriamente. 
A situação criada acendeu uma luz de aler-ta 
na Chesf, que agiu com rapidez para mi-nimizar 
as possibilidades de exaustão que 
poderiam existir em Sobradinho, caso nada 
fosse feito a respeito. A companhia conse-guiu 
autorização da Agência Nacional das 
Águas (ANA) para liberar da represa cer-ca 
1,1 mil m³/s para todo o Submédio e ao 
Baixo São Francisco. Esse volume deflu-ente 
(que sai da represa) possibilitou a re-cuperação 
volumétrica de Sobradinho 
(hoje, a represa apresenta cerca de 72% de 
seu volume preenchido), por tratar-se de 
um valor menor do que aquele registrado 
em sua afluência, estimado em cerca de 2,6 
mil m³/s. No entanto, a multiplicidade de 
uso das águas do São Francisco com es-ses 
baixos volumes defluentes tem ocasi-onado 
grandes transtornos à população 
residente na bacia, principalmente àquela 
que sobrevive do rio. 
PISCICULTURA E IRRIGAÇÃO 
PREJUDICADAS 
No dia 26 de janeiro, por exemplo, um ci-dadão 
em Propriá (SE) havia conseguido 
atravessar o Rio São Francisco numa 
moto. A piscicultura é outra atividade que 
tem sido seriamente afetada. A retenção 
de sedimentos no interior das represas 
geradoras de energia tem interferido so-bremaneira 
na turbidez de suas águas, 
confundindo a fisiologia dos peixes e abor-tando 
suas desovas. A redução da tem-peratura 
das águas é outro fator preocu-pante, 
principalmente nos locais mais pro-fundos 
das represas; e isso tem trazido 
sérios transtornos à reprodução e 
aodesenvolvimento de algumas espéci-es. 
A falta de escadas ou de canais, que 
possibilitem a subida do peixe do rio para 
o interior das represas, na época da pira-cema, 
igualmente tem causado o desapa-recimento 
do pescado no São Francisco. 
O caso do surubim é um exemplo disso. 
A geração de energia elétrica pelo sis-tema 
da Chesf e sua transmissão para 
outras localidades do país (o sistema 
Cidadania&MeioAmbiente 25
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  • 3. Nº 15 – 2008 Capa: Earth Observatory Nasa - Amazon 4 10 12 14 16 18 22 24 27 28 30 Transgênicos no governo Lula: liberdade para contaminar As medidas provisórias visando a legalização do plantio clandestino de soja transgênica, a promulgação de uma nova lei de biossegurança e a política de estímulo ao agronegócio exportador representam retrocesso em nossa legislação ambiental. Por Marijane Vieira Lisboa Agricultura sustentável: soberania alimentar Somente desafiando o controle que as multinacionais exercem sobre o sistema de produção de alimentos e o modelo agroexportador patrocinado pelos governos neoliberais é que se poderá deter pobreza, fome, migração e degradação ambiental. Por Miguel A. Altieri Amazônia: o combate ao desmatamento Além do esgotamento da Mata Atlântica e das florestas da Ásia, a devastação da cobertura vegetal da Amazônia também é conseqüência do desemprego de milhares de famílias de agricultores que para lá migram em busca de sobrevivência. Por Nelson B. Tembra Amazônia: 17% já desmatada O sistema de monitoramento DETER, do Inpe, revela que apenas em abril último a Amazônia Legal sofreu desmatamento em 1.123 km2. Dos 4 milhões de km2 de floresta amazônica, cerca de 700 mil km2 já foram derrubados, situação que só tende a se agravar. A Mata Atlântica virou souvenir Em seus últimos 97,5 mil km2, incluindo os retalhos de 100 hectares, pequenos demais para ter futuro, a Mata Atlântica continua sendo desmatada em SC, MG, GO e BA, embora sua relevância venha alavancando a economia do setor hoteleiro. Por Marcos Sá Correa Saúde pública e mudanças climáticas Marcelo Firpo e Bruno Milanez discorrem acerca da saúde pública ante os efeitos das mudanças climáticas, do mercado de carbono e do modelo de desenvolvimento econômico que gera desigualdades entre países ricos e pobres. Por Informe Ensp/Agência Fiocruz de Notícias CO2: a Terra já ultrapassou o limiar do perigo? O limiar do perigo de CO2 estaria fixado num nível muito elevado, conforme indicam novos estudos de climatologistas, para quem o nível tolerável deveria ser de 350ppm e não de 550. Se assim fosse, ele já teria sido atingido essa situação crítica em 1990. Por Stéphane Foucart Sobradinho: reservatório estratégico e desconhecido Sem essa represa seria muito difícil equacionar os problemas de geração de energia elétrica no Nordeste. Também fundamental para o projeto de transposição, a represa vem passando por situações volumétricas críticas. Por João Suassuna A fome sempre existiu, mas hoje resulta do consumo A fome é uma constante em todas as sociedades históricas. Mas hoje, suas dimensões vergo-nhosas e cruéis revelam uma humanidade que perdeu a compaixão e a piedade. Erradicar a fome configura-se como imperativos humanístico, ético, social e ambiental. Por Leonardo Boff Raposa Serra do Sol – divisor de águas na política indigenista Demarcar as terras indígenas sem incorporar espaços indispensáveis aos povos que nelas vivem significa condenar os indivíduos e as identidades socioculturais à extinção – fato que configura etnocídio. Por Flávia Dourado Nada mudou desde Pohl Relato de um naturalista do século 19 revela nossa histórica relação de maus tratos e de desprezo pelo meio ambiente. Por Rogério Grasseto Teixeira da Cunha
  • 4. 4 LIBERDADE PARA por Marijane Vieira Lisboa Entre as diversas decepções que o governo Lula reservou ao seu eleitora do, a política ambiental foi uma das mais notáveis. Capitaneado por uma figura emblemática como Marina Silva, fortemente apoiada por organizações ambientalistas e pelos movimentos sociais como o MST e a CUT, tudo indicava que o Ministério do Meio Ambiente assumiria um papel destacado no conjunto das políticas públicas dessa administração Surpreendentemente, não só a atuação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi medíocre e apagada, como em algumas questões o governo Lula significou um real retrocesso frente ao governo FHC. Uma dessas foi o fato de ter retirado da gaveta o projeto de transposição do rio São Francisco que, no governo FHC contou com a forte oposição do Secretário Executivo do Ministro Sarney Filho, Dr. José Carlos de Oliveira, mais tarde, Ministro do Meio Ambiente. B I O S S E G U R A N Ç A TRANSGÊNICOS NO GOVERNO LULA: CONTAMINAR As Medidas Provisórias visando “legalizar” o plantio clandestino de soja transgênica, a promulgação de uma nova lei de biossegurança, e a política de estímulo ao agronegócio exportador representam inaceitável retrocesso em nossa legislação ambiental. foto: oskaline
  • 5. Cidadania&MeioAmbiente 5 Mas o retrocesso mais notável foi na área de biossegurança, ao se editarem Medi-das Provisórias para “legalizar” o plantio clandestino de soja transgênica e promul-gar uma nova lei de biossegurança com o intuito explícito de retirar do IBAMA seus poderes constitucionais para avaliar es-tudos de impacto ambiental e conceder licença ambiental. Em seu tempo de Mi-nistro, Sarney Filho refutara energicamen-te propostas nesse sentido, pois consi-derava que tal medida significaria um re-trocesso inaceitável para à legislação am-biental do país. O objetivo desse artigo, portanto, é anali-sar as razões pelas quais tal tour-de-force aconteceu e dele extrair algumas conclu-sões a respeito da cultura política do PT e do governo Lula. Comecemos por uma recapitulação dos fatos relativos à ques-tão da política sobre transgênicos no Bra-sil, até o momento da posse de Lula após a sua primeira eleição. TRANSGÊNICOS: POLÍTICA NADA TRANSPARENTE As problemáticas da biotecnologia e da biossegurança já vinham merecendo aten-ção de setores do governo federal desde o começo dos anos 1990. Em 1995 foi apro-vada uma lei de biossegurança – de nº. 8974 –, que estabeleceu normas para o uso de técnicas de engenharia genética e para a liberação no meio ambiente de or-ganismos geneticamente modificados. Apesar de diversos problemas técnicos e de passagens confusas, a lei mantinha as atribuições constitucionais do IBAMA e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), para concederem licenciamen-to ambiental e registros de saúde. No en-tanto, o fato de a comissão constituída para avaliar a biossegurança de transgênicos – composta por funcionários de governo e cientistas – estar sob a égide do Ministério da Ciência e Tecnologia mostrava que a pre-ocupação central era de ordem tecnológica, e não de biossegurança. E isso se refletia no fato de que a maioria dos cientistas es-colhidos pelos sucessivos ministros de Ci-ência e Tecnologia era especialistas em bio-tecnologia, e pouco ou nada entendia de biossegurança ambiental e de saúde. O investimento do país em pesquisa com transgênicos datava do começo da década de 1990, quando a EMBRAPA assinara pro-tocolos de cooperação com a empresa Mon-santo para desenvolver plantas transgêni-cas, em particular variedades de soja, que seriam mais tarde as variedades de soja trans-gênica Roundup Ready, liberadas no Brasil. Tais espécies tinham sido desenvolvidas pela EMBRAPA, enquanto a técnica da transge-nia pertencia e continuava sendo segredo industrial da Monsanto, segundo regia o con-trato entre as duas empresas. Mas foi so-mente em 1998, quando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) deci-diu liberar o cultivo e o consumo da soja transgênica no Brasil, que a questão dos transgênicos veio atrair a atenção do públi-co. O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Greenpeace entraram na justiça com uma ação cautelar. Obtiveram liminar, mais tarde seguida de sentença judicial, proi-bindo a Monsanto e a União de liberarem o plantio e o consumo de soja transgênica no país antes que fossem feitos os necessários estudos de impacto ambiental e de seguran-ça dos alimentos. AS BATALHAS JURÍDICAS A batalha jurídica que daí se seguiu ainda não terminou. Mantida a cautelar pelo TRF, em 2001, em 2002 a Monsanto e a União obtêm uma vitória no TRF, cuja re-latora lhes concede razão, mas cujo voto não será unânime, permitindo que o IDEC e a Greenpeace recorram da decisão. Enquanto se desenrolava essa batalha jurí-dica, outra luta acontecia no Conselho Na-cional de Meio Ambiente (CONAMA), ór-gão máximo do Ministério do Meio Ambi-ente para políticas ambientais. Ali se trata-va de elaborar uma resolução que regula-mentasse a forma como se faria o licencia-mento ambiental de transgênicos. Formara-se um Grupo de Trabalho aberto, com am-pla participação de representantes de di-versos ministérios, empresas e organizações não-governamentais, cujos trabalhos de-senvolveram- se com lentidão. Razão: os re-presentantes do Ministério da Ciência e Tec-nologia, do Ministério da Agricultura e da Indústria e Comércio, bem como os repre-sentantes das empresas de biotecnologia, fazerem questão de retirarem do IBAMA e da ANVISA as atribuições para a avaliação de impacto no meio ambiente e na saúde. Era freqüente os representantes dos di-versos ministérios serem chamados à Casa Civil de modo a pressionarem o Ministé-rio do Meio Ambiente a apoiar as posi-ções pró-transgênicos nas questões po-lêmicas do Grupo de Trabalho. Um dos inquestionáveis méritos do mandato do ex-ministro Sarney Filho foi o de ter finca-do pé na defesa das atribuições do IBAMA em realizar o licenciamento ambi-ental. A resolução 305, aprovada já no mandato do ministro José Carlos Carva-lho, que sucedeu Sarney Filho nos últi-mos seis meses do governo FHC, mante-ve, portanto, a prerrogativa do IBAMA para o licenciamento, fornecendo uma re-gulamentação detalhada de como deveri-am ser realizados os estudos de impacto ambiental para transgênicos. COMPROMISSO DE CAMPANHA ESQUECIDO O fato de o programa político da campa-nha Lula à presidência insistir explicita-mente que não se permitiria a liberação de transgênicos caso não se pudesse afas-tar a preocupação com possíveis danos ao meio ambiente e à saúde, e o apoio amplo que sua candidatura recebeu dos movimentos sociais e das organizações ambientalistas, levavam a supor que a questão dos transgênicos mereceria um tratamento transparente e consciencioso por parte do Executivo. Esperava-se que em vez da insuperável luta interna entre os Ministérios do Meio Ambiente e os demais, o governo Lula fosse capaz de adotar uma posição de governo, clara e coerente com seus princípios e compro-missos assumidos. A nova lei de Biossegurança retira do IBAMA seus poderes constitucionais para avaliar estudos de impacto ambiental e conceder licença ambiental.” “
  • 6. Ainda antes de Lula receber a faixa presi-dencial 6 na Praça dos Três Poderes, em Bra-sília, um fato insólito chamou a atenção das organizações que integravam a Rede Brasil Livre de Transgênicos. Vários de-putados do PT haviam aceitado um convi-te da Monsanto para visitarem sua sede no Mississipi e também as plantações de transgênicos na Índia e na África do Sul. Embora mais tarde e convenientemente o convite da Monsanto tenha se transfor-mado em convite da Embaixada dos Esta-dos Unidos, o resultado do tour foi a mu-dança de opinião de vários deputados pe-tistas; eles passaram a defender aberta-mente os transgênicos, como o Deputado Paulo Pimenta, do Rio Grande do Sul. Com isso, houve a conseqüente racha da ban-cada petista em torno do tema. O TORNIQUETE DA PRESSÃO POLÍTICA Os fatos que se seguiram permitem enten-der o tal tour como a manobra inicial de uma estratégia montada para justificar uma drástica mudança de posição do PT e do governo Lula na questão dos transgêni-cos. A criação de uma facção pró-transgê-nicos no PT punha o Presidente na cômo-da posição de respeitar o debate interno, da mesma maneira como urgia a seus mi-nistros chegarem a uma posição conjunta. Isso, matematicamente, significava a su-jeição do Ministério do Meio Ambiente de Marina Silva, e do Ministério de Desen-volvimento Agrário, de Miguel Rossetto, à maioria dos ministérios pró-transgênicos: o de Ciência e Tecnologia, o da Agricultu-ra e, por fim o da Indústria e Comércio. Aliados iniciais como o Ministério da Saú-de e da Justiça discretamente afastaram-se do debate, deixando Marina Silva iso-lada. A Casa Civil, embora adotando pos-tura aparentemente neutra, tomava todas as medidas para que o torniquete das pres-sões políticas dobrasse a resistência do Ministério do Meio Ambiente. Essa estra-tégia manifestou-se claramente na publi-cação de uma Medida Provisória que veio a permitir a colheita e o consumo da soja transgênica plantada ilegalmente no Rio Grande do Sul. Todos os esforços para buscar uma solu-ção que não legalizasse a posteriori o plan-tio ilegal frustraram-se frente aos argumen-tos políticos do Presidente da República e do então Ministro da Casa Civil, José Dirceu. A alegação foi não se declarar guerra aos agricultores sublevados do Rio Grande do Sul e a seu Governador – do PMDB –, partido cortejado para ingressar na base de sustentação do governo. Basta recordar um chocante episódio: enquanto a Ministra Marina Silva não pôde participar das negociações finais em torno daquela Medida Provisória por se encontrar em visita ao Xingu, a Casa Civil enviou um jatinho a Porto Alegre para buscar o Governador peemedebis-ta. Nos acontecimentos que se segui-ram, como a outra Medida Provisória autorizando que os agricultores plantem soja transgênica ou, mais tarde, a nego-ciação e o encaminhamento pelo Execu-tivo de um projeto de lei para uma nova lei de biossegurança, a rigor, as mesmas manobras repetiram-se. Procura-se sempre poupar o Presidente da República e a Ministra do Meio Ambiente do constrangimento de um embate públi-co, ao qual forçosamente deveria se se-guir a renúncia da Ministra ao cargo. Em vez disso, provoca-se uma situação em que se torna politicamente justificável e recomendável – em nome da democracia interna e da governabilidade – que Lula ceda às tendências majoritárias, tanto dentro do seu ministério como no PT e na base parlamentar do governo. Para tal, é importante cuidar da composi-ção dos grupos de trabalho internos, de modo que a facção pró-transgênicos te-nha sempre a maioria. É importante tam-bém afastar aqueles funcionários dos mi-nistérios que resolvam levar a sério as questões de biossegurança e não os in-teresses partidários, para o quê basta uma reclamação junto aos ministros em ques-tão. Fundamental, sobretudo, é garantir que a relatoria das Medidas Provisórias e os projetos de lei caiam em mãos de de-putados e de senadores pró-transgêni-cos do PT: vendo-se dessa forma dividi-do, o partido não tem condições de fe-char posição de bancada. Finalmente, enquanto os ministros da Agricultura e da Ciência e Tecnologia saem a público criticando os ambienta-listas “fanáticos e obscurantistas”, Ma-rina Silva fecha-se em um silêncio obse-quioso. Talvez por acreditar que seu comportamento leal a Lula seja-lhe de al-gum valor, Marina Silva contenta-se em inserir nos textos negociados, dispositi-vos que não serão jamais obedecidos – como foi o caso da necessidade de rotu-lagem de alimentos transgênicos, na pri-meira Medida Provisória. foto: pxlsnfr A administração Lula foi incapaz de adotar uma posição de governo clara e coerente com os princípios e compromissos assumidos durante a campanha presidencial.” “
  • 7. Cidadania&MeioAmbiente 7 A defesa de uma agricultura ambientalmente sustentável está estreitamente relacionada à preservação da biodiversidade, à busca da soberania alimentar, à proteção da agricultura familiar, à geração de renda para populações rurais e a uma política de reforma agrária conseqüente. TRANSGÊNICOS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO A recente aprovação pelo Congresso de uma Medida Provisória que regulamentava a plan-tação de transgênicos nas proximidades de Unidades de Conservação, na qual a ban-cada ruralista inseriu duas emendas, seguiu o mesmo roteiro bem conhecido. Uma per-mitia a comercialização de algodão, ilegal-mente plantado; a outra reduzia o quorum da CTN-Bio, necessário à liberação comer-cial de cultivos transgênicos. Primeiramente, a Ministra do Meio Ambiente enviou ao Executivo um texto original, com a promessa de que o presidente Lula vetaria todas as emendas oriundas da bancada rura-lista, caso estas fossem aprovadas pela duas casas. Como era de se esperar, a bancada rura-lista introduziu as duas emendas acima co-mentadas e a relatoria – que surpresa! – foi dada ao Deputado do PT, Paulo Pimenta, o grande defensor dos transgênicos. Levada à votação, a bancada do PT rachou, embora o líder do partido na Câmara tenha se manifes-tado contra a emenda. Rachada, e sem que o governo fizesse quaisquer esforços para ob-ter apoio de outros partidos – as emendas foram aprovadas. No Senado, a farsa repetiu-se. O Senador Delcídio Amaral, muito sensível ao agro-negócio em seu estado do Mato Grosso do Sul, foi designado como relator e mani-festou- se favorável a apoiar as emendas. A liderança de governo instruiu os parti-dos da base aliada a votarem da mesma Essa resumida descrição das estratégias adotadas pelo governo Lula para aprovar a liberação de transgênicos – sem ter que, publicamente, renegar suas posições an-teriores nem incompatibilizar-se frontal-mente com os movimentos sociais de sua base de apoio ou expor sua Ministra do Meio Ambiente à humilhação política –, permite-nos agora analisar as razões pe-las quais o PT teve de empreender tama-nha mudança de rumos. MMA: SEM FORÇA FRENTE AO PT E À BANCADA RURALISTA Em primeiro lugar, é evidente que o go-verno Lula, mais ainda do que o de seu antecessor, FHC, enfrenta dificuldades para reunir e garantir uma ampla base de apoio tanto partidária, quanto social. En-quanto o apoio da bancada ruralista a FHC era um fato inconteste, o governo Lula necessita cortejá-la a todo tempo, sem nunca alcançar a graça de conquistá-la definitivamente. Extremamente forte na Câmara e no Con-gresso – com representantes distribuí-dos entre o oscilante PMDB e todos os demais partidos de oposição –, a banca-da ruralista soube utilizar-se dessa mai-or vulnerabilidade política do governo Lula para cobrar, a preço de ouro, seu apoio, senão mesmo sua neutralidade. Um exemplo extraordinário desse rega-teio foi o fato de o Governador eleito do Mato Grosso, Blairo Maggi, em troca de seu apoio a Lula no 2ª turno da eleição ” “ forma. Assim, a Senadora Ideli Sal-vati, líder do partido no Senado, sen-tiu- se “forçada” a liberar a bancada para votar como quisesse, o que re-sultou na folgada aprovação do texto com as emendas. Uma carta assinada por mais de 80 entidades e por movimen-tos da sociedade civil, e por quase 80 deputados federais e sete senadores, pediu então ao presidente da República que vetasse os dois artigos emen-dados. No dia 22 de março, Lula sancionou a lei, vetando apenas o artigo que legalizava o plantio ilegal de algodão. O quorum necessário para apro-var a introdução de um trans-gênico no meio ambiente redu-ziu- se a 14 conselheiros. presidencial, ter negociado “a li-beração de algodão e dos milhos transgênicos”, como se tais libe-rações fossem prerrogativas da presidência da República e não atribuições da CTNBio, especi-almente constituída para tal. O ex-Ministro do Meio Ambien-te do governo FHC, Sarney Fi-lho, encontrava-se em uma situ-ação muito mais confortável, pois não pertencendo ao partido do Presidente e sim ao PFL e sendo filho do Senador Sarney, do PMDB, desfrutava de uma liber-dade e também de uma conside-ração muito maior por parte da presidência. Foram muitas as ocasiões nas quais Sarney Filho recorreu e obteve de FHC apoio foto:yoshiko314 para às suas políticas.
  • 8. Talvez o mais marcante desses episódios tenha sido o momento em que uma comis-são 8 mista de deputados e senadores apro-vou uma Medida Provisória que reformava o Código Florestal e reduzia a extensão de matas nativas a serem preservadas em pro-priedades particulares. A comissão mista era composta majoritariamente por ruralistas de amplo espectro partidário, o que fez com que a o mecanismo legal fosse aprovado com apenas dois votos contrários – o do Deputado Federal Fernando Gabeira e o da então Senadora Marina Silva. Sarney Filho, que fora achincalhado pelos parlamentares em visita que lhes fizera na semana anterior, pediu e obteve o apoio de FHC: logo após a votação, o líder do gover-no, o Deputado Federal Artur Virgílio, comu-nicou a seus correligionários e aos membros dos partidos aliados que o Presidente não enviaria a MP ao Congresso enquanto ela não fosse modificada. No governo Lula, não só as posições defendidas por Marina Silva em assuntos ambientais vêm sendo sistema-ticamente desprezadas em favor daquelas ad-vogadas por ministros de outras pastas, como são freqüentes os ataques públicos à sua pessoa e a seu ministério, sem que o Presi-dente erga a voz em sua defesa. Em suma, é perfeitamente lógico afirmar que a principal razão pela qual o governo Lula legalizou o cultivo comercial da soja planta-da ilegalmente no país foi, estritamente, o oportunismo político. Com o mesmo intuito foram dispensados os devidos estudos ci-entíficos sobre biossegurança e, mais tar-de, modificada sua legislação de biossegu-rança, de modo a facilitar liberações futuras de outros cultivos. É bem provável que a maioria dos deputados, senadores e minis-tros que teve de se manifestar ou votar a respeito não tenha despendido mais que alguns minutos para tentar entender a ques-tão. De fato, em assuntos considerados se-cundários, o colégio de líderes negocia e suas bancadas seguem a orientação dos líderes, sem questioná-la. POLÍTICA AGRÁRIA: DECEPÇÃO E PERPLEXIDADE Para os movimentos sociais que constituem a base do governo Lula, no entanto, foi ex-tremamente decepcionante o fato de o PT considerar esse tema tão irrelevante a ponto de negociá-lo com a bancada ruralista, com o PMDB e com outros setores políticos como moeda de troca para outros assuntos. “ A defesa de uma agricultura ambientalmen-te sustentável está estreitamente relacio-nada à preservação da biodiversidade, à busca da soberania alimentar, à proteção da agricultura familiar, à geração de renda para populações rurais e a uma política de Reforma Agrária consequente. Soma-se a esse complexo de temas interligados a vi-são das seguranças dos alimentos e ali-mentar como direitos humanos, defendi-dos por entidades de consumidores e por movimentos ligados à área da saúde. Assim, a temática dos transgênicos tem a capacidade de aglutinar segmentos dife-renciados da Sociedade Civil, o que se pode constatar facilmente no amplo es-pectro de movimentos e de organizações reunidas na Rede Brasil Livre de Trans-gênicos. Tratando-se de um governo for-temente comprometido com bandeiras políticas como a luta contra a fome, a Re-forma Agrária e o combate à miséria, era de se esperar que tal administração per-cebesse a extrema importância de promo-ver uma agricultura sustentável, ecológi-ca e socialmente justa, apoiada nos mo-vimentos de pequenos agricultores. Os primeiros meses do governo Lula dei-xaram claro, no entanto, que suas prefe-rências e preocupações no que tangem à sua política agrária voltavam-se antes de tudo para o agronegócio de exportação: soja, carne, açúcar. Isso não deve ser atri-buído apenas à necessidade de compor sua base de sustentação parlamentar e conquistar apoio político de setores in-fluentes da sociedade, mas corresponde também à concepção de desenvolvimen-to predominante nesse governo. Embora o PT e o programa político da candidatura Lula afirmassem estarem comprometidos com políticas de sobe-rania alimentar, com o desenvolvimento sustentável e com a Reforma Agrária, tais questões nunca foram encaradas como elementos centrais, estruturantes de um novo paradigma de sociedade. Eram vis-tos, no máximo, como políticas subsidiá-rias a serem adotadas na medida em que não prejudicassem aquilo que se consi-dera como essencial ao desenvolvimen-to: o crescimento econômico. E, tratando-se de crescimento econômico, o PT abraçava o que havia de mais tradici-onal no país: o estímulo ao agronegócio exportador. Isso significava ignorar os im-pactos ambientais negativos de uma agri-cultura baseada na monocultura, no uso intensivo de agrotóxicos, fertilizantes e água, o que leva forçosamente ao empo-brecimento da biodiversidade, à perda da fertilidade dos solos e ao esgotamento dos recursos hídricos. Também significa optar por uma agricultura cuja mecanização cres-cente conduz a um aumento do desempre-go rural, arruína o pequeno agricultor e, conseqüentemente, fomenta a expansão da fronteira agrícola em terras do Cerrado e da Floresta Amazônica. A INCONSISTÊNCIA DO DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA Nada mais ilustrativo dessa concepção desenvolvimentista do PT do que o infe-liz improviso do Presidente da República ao visitar Blairo Maggi, o Governador so-jeiro de Mato Grosso, e declarar que “ín-dios, quilombolas e a legislação ambien-tal eram os maiores obstáculos ao desen-volvimento do país”. O caráter de impro-viso da fala presidencial é testemunha de sua sinceridade. É assim que pensa a am-pla maioria dos quadros do PT. E quanto mais alta a posição na hierarquia, mais O governo Lula necessita cortejar a bancada ruralista o tempo todo, sem nunca alcançar a graça de conquistá-la definitivamente.”
  • 9. Cidadania&MeioAmbiente 9 esses quadros interiorizaram o discurso e a prática “desenvolvimentista”, identifi-cando desenvolvimento social com cres-cimento econômico. Em nome deste, jus-tifica- se sacrificar o meio ambiente e a jus-tiça social em prol dos ganhos econômi-cos de curto prazo para uma reduzida eli-te de brasileiros. Dos propósitos socialistas do passado restam “as políticas compensatórias”, em que o Estado tenta corrigir os piores ex-cessos advindos desse crescimento eco-nômico logicamente excludente do ponto de vista social. O mérito de Lula é deixar escapar o que pensa, enquanto a lideran-ça do PT aprendeu a esconder de suas bases o que realmente pensava. Não po-dendo sustentar-se sem o apoio dos mo-vimentos sociais, o PT e o governo Lula, portanto, sustentam um discurso que não corresponde à sua prática; assim, tentam esquivar-se às críticas que se avolumam em sua base social e garantindo que as lideranças de entidades e os movimentos sociais continuem prestando-lhes apoio. É óbvio que não se trata de um fenômeno recente essa mudança de mentalidade no seio da elite dirigente do PT, de que é pro-va o desligamento de figuras históricas desse partido já em meados dos anos 1990. Portanto, tanto o governo de FHC quanto o de Lula são muito próximos no que tan-ge à concepção do que seja “desenvolvi-mento”: crescimento do PIB, balança co-mercial positiva graças às exportações, política de favorecimento de produtos de pouco valor agregado e externalização dos custos ambientais e sociais, como é o caso da soja, da carne, do minério de ferro e de outros. Visa-se angariar divisas em curto prazo; investimento público em infra-es-trutura como vetor de crescimento econô-mico e financiamento público do investi-mento privado; crenças essas em que as benesses do crescimento econômico aca-bam por mitigar a miséria social, gerando emprego, renda e receita para o Estado. Não importa que a realidade desminta es-sas crenças, nem que a desigualdade social permaneça ou sofra ridículas reduções, ou desmatamento da Floresta Amazônica siga impávido – ainda que em ritmo menor, tal-vez devido ao momentâneo despencar do preço da soja no mercado externo. Também não interessa que o Cerrado esteja se tor-nando um mar de soja, que terras agricultá-veis “ tornem-se imprestáveis, que novas vagas de trabalhadores sem terra venham a engrossar as fileiras do MST, que a miséria nas cidades aumente e, junto a ela, as maze-las da criminalidade e da insegurança. A força das ideologias está em sua expli-cação simples e confortante da realida-de, e não em sua lógica ou veracidade. O PT que chegou ao poder já havia sido ganho para essa concepção desenvol-vimentista, que substituiu seus ideais so-cialistas insustentáveis após a queda do Muro de Berlim. O lamentável desempenho do governo Lula, na questão dos transgênicos, bem como em outros temas ligados à questão ambiental e de política agrícola deve-se antes de tudo à sua vulnerabilidade polí-tica, a qual lhe exigiu fazer grandes con-cessões à bancada ruralista e a partidos da base aliada, como o PMDB. E o que tentei argumentar aqui é que tais conces-sões não contrariam nem os princípios nem as concepções de desenvolvimento dos seus quadros dirigentes. Opõem-se apenas àqueles dos movimentos popula-res que constituíam a sua base social mais aguerrida e que ainda lhe garantiram um segundo mandato. Até quando o governo Lula continuará enganando suas bases, e estas se deixa-rão enganar, é uma questão a ser elucida-da nos próximos anos. De definitivo para a História fica o fato de que foi no “go-verno popular” de Lula e no ministério de Marina Silva que a resistência da Socie-dade Civil foi vencida; assim, fez-se a von-tade do agronegócio e das multinacionais da biotecnologia, autorizando o cultivo e o consumo de soja transgênica por meio de Medidas Provisórias, e “flexibilizando-se” a legislação de biossegurança, já por si bastante permissiva, de modo a permi-tir que outros transgênicos (como o mi-lho e o algodão) venham a ser liberados em um futuro próximo. Com isso, o governo Lula desmontou todo um arcabouço legal em biossegurança que fora sendo paulatinamente construído na última década pelo governo e por movi-mentos sociais.Formou-se um perigoso precedente para que novas tecnologias possam igualmente vir a se furtarem do licenciamento ambiental e da adoção do Princípio da Precaução e, com isso, da vi-gilância e do controle social. ■ Marijane Vieira Lisboa - Doutora em ciências sociais, professora da Fac. de Ciências Sociais da PUC-SP e ex-Secretária de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente entre 2003 e 2004. E-mail: marijane.lisboa@terra.com.br Este artigo foi originalmente publicado pela Revista PUCviva, ano 8, nº 29, jan./março 2007 As posições defendidas por Marina Silva em assuntos ambientais vêm sendo sistematicamente desprezadas em favor das advogadas por ministros de outras pastas.” foto: Marcelo Casal Jr/ ABr
  • 10. AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: SOBERANIA ALIMENTAR 10 S E G U R A N Ç A A L I M E N T A R Somente desafiando o controle que as multinacionais exercem sobre o sistema de produção de alimentos e o modelo agroexportador patrocinado pelos governos neoliberais poder-se-á deter a espiral de pobreza, fome, migração rural e degradação ambiental. Por Miguel A. Altieri AGRICULTURA INDUSTRIAL: MODELO NÃO-SUSTENTÁVEL A agricultura mundial está numa encruzi-lhada. A economia global impõe deman-das conflitantes sobre os 1.500 milhões de hectares cultivados. Não apenas se exige que a terra agricultável produza ali-mento suficiente para uma população em crescimento, como também que forneça biocombustíveis, e que o faça de modo ambientalmente correto, preservando a bi-odiversidade, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa e ao mesmo tempo garantindo aos agricultores uma ativida-de economicamente viável. Essas pressões desencadeiam uma crise no sistema de produção de alimento em escala planetária sem precedentes: a cri-se já se manifesta nos protestos contra a escassez de alimentos em muitos países da Ásia e da África. Afinal, 33 deles estão à mercê da instabilidade social devido à carência e ao preço dos alimentos. Tal cri- se, que ameaça a segurança alimentar de milhões de indivíduos, resulta diretamen-te de um modelo de agricultura industrial, que não só depende perigosamente dos hidrocarbonetos como também se conver-teu numa das maiores forças entrópicas da biosfera. As crescentes pressões sobre a área agrícola em retração estão solapan-do a capacidade de a natureza suprir as demandas de alimentos, de fibras e de ener-gia para a humanidade. E o impasse decor-re do fato de o contingente humano de-pender dos serviços ecológicos (ciclos de água, agentes polinizadores, solos férteis, clima local benevolente etc.) que a agricul-tura intensiva continuamente empurra para além de seus limites. Antes mesmo do final da primeira década do século 21, a humanidade conscientiza-se de que o modelo industrial capitalista de agricultura dependente do petróleo já não é capaz de garantir o suprimento de alimentos. O desafio imediato de nossa ge- foto: Luc Legay
  • 11. Miguel A. Altieri – Professor da University of California, Berkeley e da Sociedad Científi-ca Latinoamericana de Agroecología (SOCLA). Artigo publicado originalmente em www.cadtm.org e nos sítios EcoPortal.net, http://ecoportal.net/content/view/full/78323 e EcoDebate (12 Maio 2008). Cidadania&MeioAmbiente 11 ração é iniciar a transição nos sistemas de produção de alimentos para que eles não dependam mais do petróleo. SEGURANÇA ALIMENTAR Os preços inflacionários do petróleo ine-vitavelmente incrementam os custos de produção; os preços dos alimentos che-garam a tal ponto que um dólar hoje com-pra 30% menos produtos que há um ano. Na Nigéria, uma pessoa gasta 73% de seus rendimentos em alimentos; no Vietnã, 65%; e na Indonésia, 50%. Essa situação agudiza-se rapidamente na medida em que a terra agrícola é destinada à produção de biocombustíveis e que as alterações cli-máticas reduzem a produtividade agríco-la via secas ou inundações. Expandir o contingente de terras agricultáveis aos bi-ocombustíveis ou aos transgênicos – que já alcançam mais de 120 milhões de hecta-res – exacerbará os impactos ecológicos das monoculturas, que continuamente degradam os ciclos da natureza. Além disso, a agricultura industrial atual-mente contribui com mais de 1/3 das emis-sões globais dos gases de efeito estufa, em especial o metano e os óxidos nitrosos. Continuar com esse processo degradante promovido pelo sistema econômico neoli-beral não é uma opção viável nem ecologi-camente honesta, pois não reflete as exter-nalidades ambientais. O desafio imediato de nossa geração é iniciar a transição nos sis-temas de produção de alimentos para que eles não dependam mais do petróleo AGRICULTURA SUSTENTÁVEL E SOBERANIA ALIMENTAR Necessitamos de um paradigma alternati-vo de desenvolvimento agrícola que pro-picie formas de agricultura ecológica, sus-tentável e socialmente justa. Redesenhar o sistema de produção de alimentos a for-mas mais equitativas e viáveis para os agricultores e consumidores requererá mudanças radicais nas forças políticas e econômicas que determinam o que pro-duzir, como, onde e para quem. O livre comércio sem controle social é o princi-pal mecanismo que desaloja os agriculto-res de suas terras e vem a ser o principal obstáculo à garantia do desenvolvimen-to e da segurança alimentar regionais. So-mente desafiando o controle que as em-presas multinacionais exercem sobre o sis-tema de produção de alimentos e o mode-lo agro-exportador patrocinado pelos go-vernos foto:Gustavo Ferri neoliberais é que se poderá deter a espiral de pobreza, fome, migração rural e degradação ambiental. O conceito de soberania alimentar – como o promovido pelo movimento mundial de pequenos agricultores, a Via Campesina – constitui a única alternativa viável ao sis-tema alimentar em colapso, totalmente fa-lho ao postular que o comércio livre inter-nacional seria a chave para solucionar o problema alimentar em escala mundial. A soberania alimentar enfatiza os circuitos locais de produção-consumo e as ações organizadas para se ter aceso à terra, à água, à agrobiodiversidade etc., recursos-chave que as comunidades rurais devem controlar para poderem produzir alimentos com métodos agroecológicos. AGRICULTORES E CONSUMIDORES: ALIANÇA ESTRATÉGICA Não há dúvida de que uma aliança entre agri-cultores e consumidores é de importância estratégica. Ao mesmo tempo em que os con-sumidores devem interferir na cadeia alimen-tar ao consumirem menos proteína animal, também precisam se conscientizar de que sua qualidade de vida está intimamente associa-da ao tipo de agricultura praticada nos cintu-rões verdes que circundam povoados e ci-dades. E isso não ocorre apenas pelo tipo e pela qualidade dos cultivos ali produzidos, mas igualmente pelos serviços ambientais, como a qualidade da água, o microclima e a conservação da biodiversidade etc. que essa agricultura multifuncional gera. Porém, a multifuncionalidade somente trans-parece quando a paisagem é dominada por centenas de pequenas propriedades biodi-versas que, como demonstram os estudos, podem produzir entre duas a dez vezes mais por unidade de área que as propriedades em escala industrial. Nos Estados Unidos, a agricultura sustentável – em sua maioria garantida por pequenos e por médios agri-cultores – gera uma produção total maior que os monocultivos extensivos, ainda sen-do capaz de reduzir a erosão e conservando mais a biodiversidade. As comunidades no entorno das pequenas propriedades apre-sentam menos problemas sociais (alcoolis-mo, dependência de drogas, violência fami-liar, etc.) e exibem economias mais fortes que aquelas cercadas por propriedades grandes e mecanizadas. No estado de São Paulo, as cidades cerca-das por grandes plantações de cana-de-açú-car são mais quentes que as rodeadas por propriedades agrícolas médias e diversifica-das. Portanto, deveria ser óbvio para um con-sumidor urbano que comer constitui a um só tempo um ato ecológico e político. Ao com-prar alimentos em mercados locais ou em fei-ras de agricultores vota-se por um modelo de agricultura adequada à era pós-petróleo. Por outro lado, ao comprar em grandes ca-deias de supermercados perpetua-se o mo-delo agrícola não-sustentável. A escala e a urgência do desafio que a hu-manidade enfrenta são sem precedentes, e as providências a serem tomadas são de ordens ambiental e social, politicamente exeqüíveis. Erradicar a pobreza e a fome mundiais exige um investimento anual de, aproximadamente, 50 bilhões de dólares – uma migalha se comparado ao orçamento militar mundial que abocanha mais de um trilhão de dólares por ano. A velocidade com que se deve implementar a mudança deve ser urgente. No entanto, será que existe von-tade política para transformar radical e ve-lozmente o sistema nutricional, antes que a fome e a insegurança alimentar alcancem proporções planetárias e irreversíveis? ■ Um dólar compra hoje 30% menos alimentos do que há um ano.” “
  • 12. O COMBATE AO O aumento do desmatamento na 12 região amazônica resultou, inicialmente, da exaustão das florestas da Mata Atlântica e do esgota-mento progressivo das florestas tropicais da Ásia. Além disso, o desequilíbrio es-trutural nas outras regiões do país contri-buiu e continua corroborando, direta ou indiretamente, para que milhares de famíli-as de agricultores e de desempregados mi-grem para o Pará e outros estados da Ama-zônia. Piorando a situação dessas pesso-as, há que se mencionari ainda a implan-tação de grandes empreendimentos – aber-tura de estradas, construção de usinas hi-drelétricas, implantação de grandes proje-tos de mineração e de assentamento e a reforma agrária do governo. Não podemos confundir os impactos pri-mários – qualquer que seja o tipo de ex-ploração – com os secundários da colo-nização espontânea e o desmatamento total associados à agricultura de corte e à queima. Esses são problemas seculares de origem socioeconômica, agravados com a inoperância e, até mesmo, pela omis-são do Estado com relação à exigência de compensações no processo de licencia-mento ambiental de grandes empreendi-mentos. AS CAUSAS DO DESMATAMENTO As causas do desmatamento são conhe-cidas há bastante tempo. Em 1990, por exemplo, a revista Forest publicou um ar-tigo emblemático de Christopher Uhl et alii, sob o título Impactos Sociais, Econô-mico e Ecológico da Exploração Seletiva de Madeiras, numa Região de Fronteira na Amazônia Oriental: O caso de Tailân-dia (PA). O estudo cita o exemplo da cons-trução da Rodovia PA-150, aberta na dé-cada de 70, asfaltada em 1986, com objeti-vo de servir de ligação entre a cidade por-tuária de Belém e a rica província mineral do sul do Pará. Para compreender a importância da ma-deira na vida de quem fugiu da miséria, atraído pela esperança de melhores dias, Uhl afirma que é necessário entender o contexto em que as pessoas são inseri-das. Urge considerar as dessas corres-pondentes à cesta básica e às necessida-des sociais, incluindo roupa, calçado, saúde, transporte etc. Estimemos que o custo anual mínimo da cesta básica requerida a uma família de oito pessoas – tamanho médio na região – seja de R$3.500,00. Essa estimativa não inclui o consumo de arroz e de farinha de mandioca produzidos na roça para a alimentação da própria família. Considerando gastos soci-ais correspondentes a 40% do valor da ces-ta básica, ou seja, R$1.400,00, a despesa anual de uma família de oito pessoas ficaria em torno de R$ 4.900,00. Cada hectare recém-desbravado de mata produz, em média, no sistema primitivo convencional, R$1.400,00 de produtos agrí-colas de subsistência – milho, arroz, feijão e mandioca – antes de ser abandonado. Isso significa que uma família, depois de vender as árvores de tamanho e de valor comercial por preço de banana, precisa por Nelson Batista Tembra Além do esgotamento da Mata Atlântica e das florestas tropicais da Ásia, a devastação da cobertura vegetal da Amazônia também é conseqüência do desemprego de milhares de famílias de agricultores que para lá migram em busca de sobrevivência. foto: ©Greenpeace/Rodrigo Baleia AMAZÔNIA DESMATAMENTO C R I S E A M B I E N T A L
  • 13. Frente à inevitável ocupação e à exploração econômica da Amazônia, no últi-mo 8 de maio foi lançado o PAS. Trata-se de uma política de desenvolvimento regional baseada no uso sustentável dos recursos naturais com estratégias vol-tadas à geração de emprego e renda e à redução das desigualdades sociais. Assinado pelo Presidente Lula, em conjunto com governadores de oito estados amazônicos, o documento estabelece compromissos com a Amazônia, a saber: 1. Promover o desenvolvimento sustentável com valorização das diversidades sócio-cultu-ral Cidadania&MeioAmbiente 13 e ecológica e a redução das desigualdades regionais. 2. Ampliar a presença democrática do Estado, com integração das ações dos três níveis de governo, da sociedade civil e dos setores empresariais. 3. Fortalecer os fóruns de diálogo intergovernamentais e esferas de governos estaduais a fim de contribuir para uma maior integração regional, criando o Fórum dos Governadores da Amazônia Legal. 4. Garantir a soberania nacional, a integridade territorial e os interesses nacionais. 5. Fortalecer a integração do Brasil com os países sul-americanos amazônicos, fortalecen-do a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e o Foro Consultivo de Municípios, Estados, Províncias e Departamentos do Mercosul. 6. Combater o desmatamento ilegal, garantir a conservação da biodiversidade, dos recur-sos hídricos e mitigar as mudanças climáticas. 7. Promover a recuperação das áreas já desmatadas, com o aumento da produtividade e com a recuperação florestal. 8. Implementar o Zoneamento Ecológico-Econômico e acelerar a regularização fundiária. 9. Assegurar os direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e promover a eqüidade social, considerando gênero, geração, raça, classe social e etnia. 10. Aprimorar e ampliar o crédito e o apoio para atividades e cadeias produtivas sustentáveis. 11. Incentivar e apoiar a pesquisa científica e a inovação tecnológica. 12. Reestruturar, ampliar e modernizar o sistema multimodal de transportes, o sistema de comunicação e a estrutura de abastecimento. 13. Promover a utilização sustentável das potencialidades energéticas e a expansão da infra-estrutura de transmissão e de distribuição com ênfase em energias alternativas lim-pas e garantindo o acesso das populações locais. 14. Assegurar que as obras de infra-estrutura provoquem impactos socioambientais míni-mos e promovam a melhoria das condições de governabilidade e da qualidade de vida das populações humanas nas respectivas áreas de influência. 15. Melhorar a qualidade e ampliar o acesso aos serviços públicos nas áreas urbanas e rurais. 16. Garantir políticas públicas de suporte ao desenvolvimento rural com enfoque nas dimen-sões das sustentabilidades econômica, social, política, cultural, ambiental e territorial. Fonte: Daniela Mendes, MMA derrubar aproximadamente quatro hecta-res de floresta por ano. Destrói, assim, um enorme volume de biodiversidade com valor potencial, tanto no presente quanto no futuro, somente para atender às suas necessidades básicas de subsistência. Quando esgotados o solo e os recursos florestais, resta ao colono trilhar o cami-nho inverso ao da reforma agrária, ven-dendo a terra de volta ao grande proprie-tário, ou abandonando sua área, seguin-do para novas regiões de fronteira a fim de repetir o ciclo vicioso. Todo o processo também abre espaço à marginalização, à grilagem, à invasão de terras, à exploração ilegal de madeira e à biopirataria. O Brasil possui uma das le-gislações ambientais mais completas do planeta. No entanto, embora os impac-tos primários da exploração seletiva de madeiras sejam pequenos, a presença da economia madeireira nas regiões de fron-teira – atraída pela abertura das estradas e pela implantação dos grandes proje-tos – continua a contribuir para o des-florestamento. Mas são os impactos secundários da co-lonização espontânea associados à au-sência de políticas públicas ou a políti-cas públicas deficientes ou mal aplicadas que comprometem a ecologia da região no presente e no futuro. A ação do Exército e da Polícia Federal é necessária enquanto medida curativa ao crescente desmatamento. Mas o combate vai além da fiscalização: é preciso acima de tudo agir pela prevenção e separar o joio do trigo. Estudos demonstram que o go-verno brasileiro, agora sob o comando do PT, deve ser adequadamente estruturado para enfrentar os sérios problemas histó-ricos que se arrastam desde a invenção do Brasil. Afinsl, não é de hoje que dados estatísticos demonstram o aumento da taxa de desmatamento anual e a degrada-ção do ambiente, apontando historicamen-te para uma relação direta com o desequi-líbrio socioeconômico e com as desigual-dades sociais. ■ Nelson Batista Tembra – Engenheiro agrônomo e Consultor ambiental. Tem 27 de experiência na profissão. É colaborador e articulista do EcoDebate. Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante o lançamento do Plano Amazônia Sustentável . Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
  • 14. 17%JÁ Mesmo antes de terminar o perío 14 do de observação da cobertura florestal da Amazônia Legal – que vai até julho –, dados do sistema de monitoramento por satélite DETER (Detec-ção do Desmatamento em Tempo Real) apon-tam forte aumento do processo de desflo-restação. O desmatamento passou de 4.974 km2, entre 2006 e 2007, para 5.850 km2 de agos-to de 2007 até abril deste ano. Uma consta-tação alarmante já que nos últimos três anos o ritmo de desmatamento na região vinha diminuindo. Segundo dados apresentados pelo diretor do Inpe, Gilberto Câmara, dos 700 mil km2 devastados, 300 mil ocorreram nos últimos 20 anos. E no atual passo de desflorestamento, a cada dez segundos é desmatada na Amazônia uma área equiva-lente a um campo de futebol. O Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc comprova nas imagens do sistema de monitoramento espacial DETER que em abril último foram desflorestados 1.123 km2 – área equivalente a da cidade do Rio de Janeiro. Dos 4 milhões de km2 de floresta amazônica, 700 mil km2 já foram desmatados. foto:Wilson Dias/ABr AMAZÔNIA Do total dos 5.850 km2 de área em que se verificou corte raso ou degradação pro-gressiva, Mato Grosso foi – como já ha-via antecipado Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente – o campeão em desma-tamento no período, com 794,1 km2, ou 70,7%. Com 284,8 km² de área desmata-da, Roraima ocupa o nada honroso se-gundo lugar. Embora Rondônia, com 34,6 km2, tenha sido o terceiro coloca-do, este estado é, proporcionalmente, o mais degradado, enquanto o Amazonas é o mais preservado. O DESMATAMENTO VIA SATÉLITE Em operação desde maio de 2004, o DE-TER foi concebido como um sistema de levantamento de alerta para suporte à fis-calização e controle de desmatamento. As imagens obtidas são processadas di-gitalmente pela Metodologia PRODES, e o conjunto de dados são apresentados por município, estado, base operativa e unidades de conservação, buscando fa-cilitar as operações de fiscalização. O Sistema DETER, no entanto, detecta apenas polígonos de desmatamento com área maior que 25 hectares por conta da resolução dos sensores espaciais de que se vale, a saber: dados do sensor MODIS (satélite Terra/Aqua) e do sensor WFI (sa-télite sino-brasileiro CBERS), com resolu-ção espacial de 250 metros. Mas devido à cobertura de nuvens que podem obstruir os olhos dos satélites na varredura realiza-da, nem todos os desmatamentos são ime-diatamente identificados pelo sistema. DESMATADA 14
  • 15. dos através de imagens de satélites e traba-lho de campo realizado por cerca de 20 fun-cionários do IBGE. Eles foram a 2.500 pon-tos de inventários florestais, regiões de um hectare quadrado, onde coletaram a vege-tação local e fizeram a medição das árvores com potencial comercial – aquelas com mais de 30 centímetros de diâmetro. Isso permite precisar com bastante credibilidade a ocor-rência de determinada espécie de árvore. “Quanto mais conhecimento o governo e a sociedade tiverem dos biomas, maiores as condições políticas para adotar medidas coerentes com o desenvolvimento susten-tável”, infoma Roberto Ricardo Vizentin, di- A CANA DE AÇÚCAR SE EXPANDE NA AMAZÔNIA A menos de dois meses do prazo previsto para o Ministério da Agricultura con-cluir proposta de zoneamento agrícola que bloquearia o avanço da cana-de-açúcar na Amazônia, documento oficial aponta crescimento da cultura dentro do bioma amazônico nos Estados do Acre, de Roraima e do Pará. Até 2012, um único município do Acre deve multiplicar quase dez vezes a área plantada, alcançando o equivalente a 30% da cidade de São Paulo, aponta documento produzido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuá-ria), vinculada ao Ministério da Agricultura, e cujos estudos têm pesado nas análises do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Amazônia. O documento desautoriza as declarações de Lula em fóruns internacionais. O presidente insiste que a Amazônia não é propícia ao cultivo da cana, e que as áreas plantadas estão “muito distantes” da floresta. O documento é um subsídio ao PAS (Plano Amazônia Sustentável). Segundo a Embrapa, projeto que conta com financiamento do governo do Acre – comandado pelo PT – já teria plantado 45 km2 de cana no município de Capixa-ba, Cidadania&MeioAmbiente a apenas 60 km da capital Rio Branco. Em Roraima, dois empreendimentos implantados em 2007 planejam ocupar 90 km2 com a cultura da cana até 2009. O destino da produção, indica docu-mento da Embrapa, seriam os mercados da Amazônia e da Venezuela, que introduziriam o álcool como aditivo à gasolina. Ao deixar o governo, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva voltou a defender que as culturas de cana se mantivessem distantes da Amazônia, como forma de viabilizar o selo ambiental ao álcool brasileiro. Marina descartava até o uso de áreas já desmatadas e preferia acreditar que as culturas existentes eram “projetos senis”. Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) registraram o au-mento em 9,6% na última safra de cana na Amazônia Legal – de 17,6 para 19,3 milhões de toneladas –, com crescimento da área plantada em Mato Grosso, Tocantins e Amazonas. Embora eficiente na detecção de ocorrência de desmatamento por corte raso, o sistema não é o mais adequado para mapear o pro-cesso de degradação florestal, pois subes-tima e detecta, em geral, processos já nos estados finais de degradação. Mesmo as-sim, o Inpe prova que o sistema DETER é eficiente e confiável, já que a proporção de alertas não confirmados como desmatamen-to é menor do que 6%. A partir de 2011 no-vos satélites serão incorporados ao siste-ma. Para otimizar o monitoramento atual, o Inpe já pensa em recorrer, de forma comple-mentar, aos dados do satélite japonês Alos, que não sofre influência das nuvens. BANCO DE DADOS VEGETAL: NOVO ALIADO CONTRA O DESMATAMENTO A Amazônia Legal ganhou em 2 de junho último um banco de dados que servirá de subsídio à formulação de políticas públi-cas para a região (Acre, Amapá, Amazo-nas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Rorai-ma, Tocantins e parte do Maranhão). Com nível de detalhamento inédito, o sistema mostra que as áreas modificadas pelo ho-mem, de 748.698 km2, já correspondem a 17% do total da região –, as pastagens res-pondendo por 7,8%. Com 3.016.363 km2, a floresta ocupa 61,07% da área total. “Essa é uma ferramenta poderosa para que se conheça um pouco mais dessa re-gião e para orientar as políticas públicas”, diz Ricardo Braga, gerente de Recursos Naturais do IBGE, responsável pelo ban-co de dados. Segundo Braga, a escala de 1:250.000 (1 cm no mapa corresponde a 2,5 km de território) permite uma aborda-gem com baixo nível de generalização. Os dados começaram a ser coletados na década de 70 e foram revisados e atualiza- Marta Salomon – Publicado no jornal Folha de S. Paulo (02/6/2008) e pelo portal EcoDebate em 03/5/2008). Mosaico das imagens MODIS do mês de Abril/2008 usadas no DETER, para visuali-zação da cobertura de nuvens e áreas de aler-ta. Foto: Inpe retor de zoneamento territorial do Ministé-rio do Meio Ambiente. Apesar de não ser atualizado constante-mente, o banco de dados permite acom-panhar a evolução do desmatamento na região e apontar a vegetação mais afeta-da no processo. O sistema pode ser aces-sado gratuitamente no site do IBGE (http:/ /www.ibge.gov.br). Os arquivos estão no formato shape, que demanda programas específicos para ser lido. ■ Fontes: Inpe, IBGE, Comunicação Social e Agência Brasil. Cidadania&MeioAmbiente 15
  • 16. A MATA ATLÂNTICA por Marcos Sá Corrêa O novo Atlas dos Remanescen 16 tes Florestais da Mata Atlânti ca deve estar enganado. Como esses fragmentos poderiam estar reduzi-dos a 7,26% de seu território original e con-tinuar diminuindo rapidamente em Santa Ca-tarina, na Bahia e em Minas Gerais se eles crescem como nunca ao redor dos hotéis, das pousadas e das agências de turismo, que deram para enxergá-los em toda parte? Desde o Descobrimento, quando o arvore-do “tanto, tamanho e tão variado” do litoral baiano não deixou Pero Vaz de Caminha en-xergar a terra propriamente dita do novo mundo português, o Brasil não tinha, como tem agora, tanta mata atlântica para dar e vender. Ao menos na internet. Aí está o Google, que não deixa ninguém mentir. Ponha-se na janela de busca as palavras “mata atlântica” e “hotel”. E ele devolve nada menos de 145 mil respos-tas. Parece muito, mas, substituindo “ho-tel” por um sinônimo mais bucólico, como “pousada”, o Google duplica a oferta de endereços com vista para o cenário pri-mordial da natureza brasileira. Vêm mais de 300 mil registros de hospedagem com floresta tropical. PARA TODOS OS GOSTOS Perde-se a conta na internet dos estabele-cimentos turísticos chamados Pousada Mata Atlântica, da Bahia a Santa Catarina. No Estado do Rio de Janeiro, há Pousada Mata Atlântica para todos os gostos, na serra fluminense e à beira-mar. Existe ainda uma Pousada Mata Atlântica que fica a poucos quilômetros de um hotel tipicamen-te alpino de nome Chamonix, “um pedaço da Europa a seu alcance!” E um “Espaço Mata Atlântica” plantado numa rua que liga duas favelas, dividindo dez mil metros quadrados com a piscina, a sauna, o cam-po de futebol, a churrasqueira e uma sala de convenções para 2 mil pessoas. E um hotel pleonástico, que se declara no “meio de uma floresta de mata atlântica”. Tem até chalé “situado no Bosque dos Eucaliptos, um pequeno santuário de mata atlântica”. O Bosque dos Eucaliptos deve estar na floresta que, segundo o historia-dor Cid Prado Valle, sempre cobriu o país de norte a sul com uma “espessa camada verde-escura”, na vastidão abstrata do ufa-nismo brasileiro. Se for assim, a mata atlân-tica, em si, pode sumir à vontade. Brotará de suas cinzas com mais força a mata atlân-tica imaginária, que tem sobre a original a vantagem de caber em qualquer lugar. Cabe, de sobra, nas menores encostas da zona sul do Rio de Janeiro, onde mata atlântica está virando ultimamente tudo o que ainda não é favela. Ali viceja até nas placas do Jardim Botânico, indicando, na borda do arboreto, com manchas compac-tas de verde-bandeira, as trilhas de uma frondosa mata atlântica de jaqueiras asiá-ticas, descendentes de mudas trazidas para a colônia por portugueses nostálgi-cos de outros trópicos. Espremida atualmente nos últimos 97,5 mil quilômetros quadrados, incluindo nesse cálculo retalhos de 100 hectares, peque-nos demais para ter futuro, a mata atlânti-ca está entrando na moda tarde demais para salvar a si mesma. Sua popularidade inspira na hotelaria nacional as mais deli-rantes homenagens póstumas. Segundo o historiador Warren Dean, de-veria servir pelo menos para ensinar os brasileiros como se pode perder também a Amazônia. Mas não serve nem para lem-brar ao presidente Lula que, como os pa-íses ricos, o Brasil tem uma longa histó-ria de desmatamento. ■ Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br). Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 04/06/2008, e no Portal EcoDebate em 05/06/2008. VIROU SOUVENIR MATA ATLÂNTICA DESMATAMENTO PONTUAL A Mata Atlântica está preservada em 234.106 polígonos, dos quais 25 mil são menores do que 5 hectares. O bioma abrange 61% dos municípios brasileiros, onde vivem 120 milhões de pessoas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora o ritmo de desmatamento deste bioma tenha diminuído em 69%, segun-do estudo da ONG SOS Mata Atlânti-ca, que comparou dados do Inpe para os períodos de 1995 a 2000 e de 2000 a 2005, os remanescentes 7,26% da co-bertura florestal original continuam a so-frer depredação. A pesquisa divulgada neste 27 de maio avaliou 13 estados. Abaixo, os campe-ões do desmatamento (em hectare): ■ Santa Catarina – 45.530 ha (au-mento de 7% no nível de desmate). ■ Goiás – 4 mil ha (crescimento de 20% no nível de desmate). ■ Minas Gerais – 41.349 ha (dimi-nuição de 66% no nível de desmate). ■ Bahia – 36.040 ha. Outra ameaça apontada pelo estudo é a fragmentação do bioma. Para o coor-denador do estudo Flávio Ponzoni, do Inpe, o fato “pode provocar o colapso da biodiversidade, pois quanto mais frag-mentada a paisagem, maiores as dificul-dade de sobrevivência das espécies”. Fonte: Agência Brasil foto: Pete Harvey C R I S E A M B I E N T A L
  • 17. Cidadania&MeioAmbiente 17 É POSSÍVEL TRANSFORMAR MINÉRIO EM UNIÃO? S I M , É P O S S Í V E L . www.vale.com A Vale é uma mineradora que está presente nos cinco continentes e que transforma recursos minerais em elementos essenciais para o nosso dia-a-dia. A Vale tem forte compromisso com as comunidades onde atua, respeita a diversidade cultural, cria parcerias e implementa iniciativas sociais que contribuem para o desenvolvimento de todos, pois sabe que compromisso, respeito e boas iniciativas são fundamentais para uniões estáveis e duradouras.
  • 18. 18 SAÚDE PÚBLICA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS Informe Ensp/ Agência Fiocruz de Notícias EM 2008, O DIA MUNDIAL DA SAÚDE APONTOU PARA A NECES-SIDADE DE PROTEGER A SAÚDE DOS EFEITOS ADVERSOS DAS MU-DANÇAS CLIMÁTICAS. O TEMA PÕE A SAÚDE NO CENTRO DO DIÁLO-GO GLOBAL SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. COMO A SAÚDE PODE ATUAR NESSE CENÁRIO? Bruno Milanez – Entre os vários cenários desenhados como conseqüência do pro-cesso de mudanças climáticas são esperadas alterações no padrão das chuvas e aumen-to da incidência de eventos extremos, como inundações, furacões e secas. Porém, ain-da existem muitas incertezas sobre o que realmente pode-rá vir a acontecer, particular-mente em relação à extensão e à velocidade dessas trans-formações. Certamente, a área das políticas públicas (inclusive políticas em saúde) precisa se preparar para atuar em um ambiente mais dinâmico, no qual os padrões serão menos estáveis. No caso específico das ameaças à saúde, nos locais onde ocorrer intensificação das chuvas e das enchentes poderá haver maior inci-dência de doenças de veiculação hídrica. Se esse processo for acom-panhado de aumento de temperatura, deverá haver também cresci-mento de casos de doenças como malária e dengue. Entretanto, as mudanças climáticas não significam apenas mais chuva e calor; em alguns locais poderá ocorrer redução de quantidade de chuva, afe- J U S T I Ç A C L I M Á T I C A Os pesquisadores Marcelo Firpo e Bruno Milanez discorrem acerca da saúde pública ante os efeitos das mudanças climáticas, do mercado de carbono e do modelo de desenvolvimento econômico que gera e estimula desigualdades entre países ricos e pobres. tando a produção agrícola e a qualidade dos alimentos. Re-giões que dependem de águas oriundas de áreas montanho-sas também poderão ser gra-vemente afetadas pelo degelo decorrente do aquecimento. Portanto, um aspecto central para à saúde pública é que de-terminados grupos populacio-nais e regiões do planeta são mais vulneráveis e precisam ser vistos com mais atenção, tor-nando o problema mais com-plexo. Em outras palavras, dife-rentes grupos sociais têm ca-pacidades distintas de se pre-caverem ou de remediarem tais impactos. Esse é o cerne da dis-cussão sobre vulnerabilidade quando falamos de mudanças climáticas. Populações que vi-vem em ilhas, ou aquelas que foto: Katakanadian dependem da água dos Andes, serão mais atingidas se não houver recursos e políticas públicas específicas. A área da saúde deve se colocar em defesa dos grupos mais vulneráveis, pois estes serão os primeiros a sofrerem as conseqüências dessas alterações. Na verdade, a vulnerabilidade é um fato, mas não é enfrentada de forma eficiente. Em boa parte, o destaque das mudanças globais passou a ocorrer na mídia quando os países ricos descobriram que poderão ser bem afeta-dos; assim, a situação tornou-se um risco para todos. Marcelo Firpo – Em 2004, representantes de movimentos so-ciais reuniram-se em Durban, na África do Sul, para discutirem a
  • 19. É questão central para as sociedades e a saúde coletiva afirmar o valor ético da vida e lutar contra a sua mercantilização e a da natureza como um todo. Marcelo Firpo Cidadania&MeioAmbiente 19 “ ” questão do aquecimento global a partir da ótica das organizações populares. Nesse encontro, consolidou-se o conceito de justiça climática, que assume a visão de que alguns grupos sociais e territórios sofrerão maior impacto com as mudanças climáticas. Um exem-plo desses grupos são as populações das pequenas ilhas da Polinésia, como Tuvalu (um arquipélago cujo ponto mais alto fica dez centímetros acima do nível do mar) que negociou com a Nova Zelândia o direito de migração de toda a sua população caso suas ilhas fiquem inabitáveis (o que poderá acontecer em me-nos de 50 anos). NOS ÚLTIMOS 50 ANOS, A QUEIMA DE COMBUSTÍVEIS FÓS-SEIS TEM LIBERADO DIÓXIDO DE CARBONO E OUTROS GASES QUE AFETAM, DE FORMA IRREFUTÁVEL O CLIMA GLOBAL. A CONCENTRAÇÃO ATMOSFÉRICA AUMENTOU EM MAIS DE 30% DESDE O INÍCIO DO SÉCULO 20. O RESULTADO DISSO É O AUMENTO DO RISCO DE DOENÇAS E DE MORTES, ALTERANDO O PADRÃO DE DISSEMINAÇÃO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS. UMA DAS SOLUÇÕES APRESENTADAS PARA MELHORAR ESSE QUA-DRO É O MERCADO DE CARBONO, UTILIZADO NA EUROPA E NOS EUA. COMO ESTÁ ESSA DISCUSSÃO NO BRASIL? Milanez – O mercado de carbono não chega a ser uma solução para os impactos das mudanças climáticas, mas uma tentativa de ação paliativa. O Brasil participa do mercado de carbono por meio da implantação dos mecanismos de desenvolvimento limpo (MDLs), que permitem que pro-jetos de baixo carbono em países em desenvolvimento gerem “créditos de carbono” para serem comprados por países industrializados e usados como compensação no cálculo de suas emissões, conforme estabeleci-do pelo Protocolo de Quioto. Dessa forma, há uma transferência de recursos financeiros de países industrializados para países em desen-volvimento, que são direcionados para atividades específicas ligadas ao setor energético, a processos industriais, à agricultura, à gestão de resí-duos urbanos e ao reflorestamento. Entretanto, diversas críticas vêm sendo feitas a esse sistema. Em primeiro lugar, porque não reduz a iniqüidade entre países, permitin-do que os mais ricos e industrializados continuem a manter seu mo-delo de desenvolvimento, intensivo em energia (não-renovável) e recursos naturais à custa da degradação socioambiental dos países do Sul e, dessa forma, diminuem a pressão por mudanças culturais e tecnológicas mais profundas. Outro problema refere-se às práticas de seqüestro de carbono por florestamento e reflorestamento, já que a quantidade de créditos computados não considera, por exemplo, os possíveis ganhos ou perdas em biodiversidade ao se optar por monoculturas ou espécies nativas. Ou seja, florestas de eucalipto, também chamadas criticamente de “desertos verdes”, podem valer tanto quanto as florestas de verdade. O Brasil tem posição de destaque no mercado de carbono, sen-do o terceiro maior receptor de projetos de MDL. Entretanto, em termos efetivos, a participação do país ainda é tímida. Até março de 2008, o Brasil tinha sido responsável por apenas 6% da redu-ção das emissões enquanto que China participou com 49% e a Índia, com 23% das reduções. No Brasil, 63% dos projetos de MDL ocorrem no setor energia, que responde por 48% da redu-ção de emissões. Nesse setor, quase metade dos projetos diz respeito à produção de energia por biomassa, aproximadamente 1/4 por hidrelétricas e 1/5 por pequenas centrais hidrelétricas. Outros setores que vêm recebendo recursos de MDL são o de captação e tratamento de gases gerados por aterros sanitários (24% da redução) e o de suinocultura (6%). Firpo – Os movimentos sociais apresentam uma série de críticas à forma como os governos vêm lidando com as mudanças climáti-cas. Na sua visão, o mercado de carbono apresenta-se como uma iniciativa de transformar a atmosfera, por definição um bem co-mum, em uma mercadoria que pode ser negociada como outra qualquer. Seguindo essa linha de raciocínio, o mercado de carbo-no legitima o “direito de poluir”, uma vez que empresas ou países adquirem o direito de manter atividades de alto impacto, desde que paguem por isso. Como posto por um economista do gover-no da Austrália em 2001, é mais “eficiente” evacuar as populações das pequenas ilhas do que exigir que as indústrias australianas reduzam sua emissão de carbono. Portanto, uma questão de fun-do central às sociedades e à saúde coletiva é afirmar o valor ético da vida e lutar contra a sua mercantilização e da natureza como um todo, revertendo os níveis insustentáveis e indignos que já acon-tecem em várias áreas, inclusive nas biotecnologias. O AUMENTO DO NÍVEL DO MAR JÁ NÃO É AMEAÇA, POIS TEM DESALOJADO POPULAÇÕES RIBEIRINHAS. MAIS DA METADE DA POPULAÇÃO MUNDIAL VIVE A MENOS DE 60 QUILÔMETROS DO LITORAL. AS INUNDAÇÕES AUMENTAM O RISCO DE INFECÇÕES CAUSADAS PELA ÁGUA CONTAMINADA. O BRASIL É UM DOS PAÍSES AFETADOS POR CONSTANTES ENCHENTES. COMO A SAÚDE PÚBLICA E A ENSP (ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA), ESPECI-ALMENTE, PODEM AJUDAR NA PREVENÇÃO E NA BUSCA DE ALTERNATIVAS? Milanez – As mudanças climáticas vão modificar padrões de cli-ma e de chuvas. Nesse sentido, as enchentes vão aumentar de intensidade em algumas regiões, independentemente da proximida-de com o litoral e do aumento do nível do mar. Atualmente, já vemos grande quantidade de pessoas sofrendo com enchentes e inunda-ções, principalmente entre os grupos mais vulneráveis. As enchentes são causadas por fenômenos naturais, mas seus impactos são intensificados por ações antrópicas, relacionadas ao
  • 20. 20 O mercado de carbono não chega a ser uma solução para os impactos das mudanças climáticas, mas uma tentativa de ação paliativa. Bruno Milanez Marcelo Firpo – Pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Tra-balhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. Bruno Milanez – Doutor em Política ambiental pela Lincoln University, atualmente atua na Ensp como bolsista. Fonte: Informe Ensp/ Agência Fiocruz de Notícias – www.ensp.fiocruz.br/informe Publicado no portal EcoDebate em 07/5/08 Fotos dos entrevistados: Virginia Damas – CCI/Ensp/Fiocruz “ ” modelo de desenvolvimento e às iniqüidades que marcam a vulne-rabilidade de territórios e populações. No campo, há problemas com o desmatamento de matas ciliares, ou pelo uso inadequado do solo, o que aumenta a erosão e contribui para o assoreamento dos rios, podendo impactar cidades. Nas áreas urbanas, a ocupação inadequada do solo e a precariedade (ou inexistência) de sistemas de macro e de micro drenagem são fatores que ampliam os impactos negativos das chuvas intensas. Por exemplo, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) ocupa uma área de mangue que possui maior pre-disposição a inundações, como já é conhecido de muitos morado-res do bairro de Manguinhos (Rio de Janeiro, RJ). Considerando que parte significativa das enchentes é resultado de problemas de infra-estrutura urbana, a margem de manobra da saúde pública é limitada e seu papel fundamental concentra-se na promo-ção da saúde e no estímulo às políticas intersetoriais, combinando ações locais e globais. Em primeiro lugar, podemos trabalhar junto à população, alertando-a sobre pequenas ações que busquem dimi-nuir a pressão sobre os sistemas de drenagem, como a disposição adequada do lixo doméstico. Posterirmente, é preciso orientar sobre como agir em casos de enchentes, seja no momento da inundação para evitar acidentes, seja nos dias posteriores para evitar a contami-nação por doenças de veiculação hídrica. Não menos importante, existe a possibilidade de o campo de promoção da saúde assumir a liderança do questionamento sobre a precariedade do saneamento ambiental no país e liderar a pressão por melhorias na infra-estrutura urbana, como um requisito à garantia da saúde da popu-lação. Além disso, a Ensp certamente assumirá um papel importante nas ações já iniciadas pelo governo brasileiro, capitaneadas pelo Mi-nistério da Saúde, no sentido de aprofundar o papel do setor no en-frentamento desse problema. COMO A DISCUSSÃO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS SE DÁ NO ÂMBITO DO MOVIMENTO DE JUSTIÇA AMBIENTAL, DO QUAL VOCÊ É UM DOS PAR-TICIPANTES E COORDENADOR DE PROJETO NA ENSP? Firpo – No âmbito do Brasil, o movimento por justiça ambiental vem alertando que a discussão sobre aquecimento global está sendo usada como justificativa para a manutenção de di-nâmicas injustas, dos pontos de vista social e ambiental. Em nosso país, a “preocupação” com as mudanças climá-ticas é usada como justificativa para a ampliação de mo-noculturas em grandes áreas, seja para produzir celulose ou substituir o carvão mineral, como no caso do eucalip-to, seja para produzir agrocombustíveis, como a soja ou a cana. A expansão desse modelo de negócio é, então, acom-panhada pela intensificação da degradação de ecossiste-mas, da concentração rural, do uso de agrotóxicos e, em alguns casos, de condições degradantes de trabalho. Além disso, ela cria situações altamente contraditórias, como foi o caso da valorização da terra no Centro-oeste, que empurrou o gado para o Norte, aumentando a pressão sobre áreas de floresta nativa. Uma das ações da Rede Alerta contra o Deserto Verde, em conjunto com à Rede Brasileira de Justiça Ambiental, tem sido denunciar a ten-tativa perversa de transformar monoculturas de árvores em “florestas” que seqüestram carbono. Em verdade, sua expansão afeta diversas populações indígenas e rurais. Outra discussão importante dentro do movimento de justiça am-biental é a competição entre o uso energético e alimentar dos produtos agrícolas. Por exemplo, em 2007, o aumento da demanda por milho nos Estados Unidos, para a produção de etanol levou à elevação em mais de 10% da tradicional tortilha no México, pro-duto essencial á alimentação popular. Fenômeno semelhante em escala global ocorreu neste ano, quando o Programa de Alimen-tos da ONU anunciou um aumento geral dos preços dos alimen-tos no mercado internacional. Segundo o órgão, a produção de agrocombustíveis era um dos fatores por trás dessa elevação de preços. Mesmo quando os produtos não são desviados da mesa das pessoas para os tanques de combustível dos carros, práticas agrícolas para a produção de energia passam a competir por insu-mos (terra, agrotóxicos, adubo e financiamento) com os produtos alimentares. O resultado direto disso, ao menos no curto prazo, é um aumento geral dos preços dos alimentos. Esse debate diz respeito não somente às mudanças climáticas globais, como também ao modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado pelo Brasil e por boa parte do mundo num cenário de globalização injusta e insustentável. Esse modelo está basea-do na perpetuação da divisão do trabalho entre países ricos e os demais, que são forçados a pensar no desenvolvimento a partir da produção de commodities agrícolas e metálicas (aço e alumí-nio), com um metabolismo social ambientalmente insustentável e socialmente injusto. O desafio é encontrarmos outra forma de globalização, mais solidária, justa e sustentável. ■
  • 22. O limiar de perigo do dióxido de carbono (CO2) estaria fixado num nível muito elevado, conforme indicam novos estudos de climatologistas. Para os seus autores, o nível tolerável deveria ser de 350 ppm e não 550. Se assim fosse, já teria sido atingido em 1990, o que nos colocaria numa situação crítica. ?“Se o CO2 for mantido durante um longo CO 2 CO2: O VILÃO DO CLIMA Como avaliar o limite a não ser ultrapassa-do? 22 Para evitar uma “interferência humana perigosa” no sistema climático, o limiar de dióxido de carbono (CO2) atmosférico é geralmente fixado em 550 partes por mi-lhão (ppm). Esse é, por exemplo, o objeti-vo – ambicioso – fixado pela União Euro-péia. Para James Hansen, um dos pesqui-sadores mais influentes da comunidade dos climatologistas, tal limiar foi estimado com muito, muitíssimo, otimismo. Em trabalhos disponibilizados na Inter-net, em 7 de abril último, no servidor ArXiv, o diretor do Goddard Institute for Space Studies, da Nasa, e seus co-auto-res avaliam o limiar de perigo em torno de 350 ppm. Ora, esse nível foi atingido em 1990. Ele situa-se hoje em 385. E aumenta à razão de uma a duas unidades por ano. A ultrapassagem do limiar de 350 ppm não é, evidentemente, de extremo perigo. Se-gundo os autores, ele o é em longo prazo. período num nível superior a este limite, há um risco de nos situar numa trajetória que leva a uma desregulação climática pe-rigosa e irreversível”, descreve a climato-logista Valérie Masson-Delmotte (Comis-sariado para a Energia Atômica, CEA), co-autora desses trabalhos. “É possível re-tornar a uma taxa de 350 ppm”, assegura Hansen. “Faz-se necessária uma morató-ria sobre as centrais nucleares movidas a carvão e, em seguida, suprimir progressi-vamente todos os usos de carvão até 2020-2030. Também se faz necessário re-ver nossas práticas agrícolas e florestais de maneira a seqüestrar carbono”. QUAL O LIMIAR LIMITE DE CO2? Para chegar a essas conclusões, os ci-entistas analisaram as séries de dados que refazem as grandes evoluções cli-máticas do planeta em mais de 50 milhões de anos. Para determinar um limiar limite, “nós examinamos a velocidade do des-locamento dos isotermos, a retração dos glaciares – que são muito importantes para a alimentação na água –, a veloci-dade da elevação do nível dos mares, a desestabilização das calotas polares e a reação dos recifes de corais”, precisa Valérie Masson-Delmotte. Os pesquisadores também recalcularam a “sensibilidade do clima” ao gás carbôni-co. Essa se traduz pelo aquecimento mé-dio que provocará o dobro de CO2 em rela-ção ao seu nível pré-industrial (entre 270 e 280 ppm). Os modelos utilizados pelo Gru-po Intergovernamental de Peritos sobre a Evolução do Clima (GIEC) situam-na em torno de 3ºC. Mas esses cálculos não le-vam em conta o que os climatologistas chamam de “retroações lentas”. Um exemplo de retroação lenta é a redu-ção progressiva das calotas polares. Quando o efeito estufa aumenta, maximiza a temperatura: as calotas polares diminu-em. A Terra perde, pois, progressivamen-te uma parte dessa capacidade de refletir Stéphane Foucart foto:Phloodpants G E S T Ã O A M B I E N T A L A TERRA JÁ ULTRAPASSOU O LIMIAR DO PERIGO
  • 23. Cordilheira Blanca foto: Señor Hans AQUECIMENTO GLOBAL DERRETE GELEIRA BROGGI Cidadania&MeioAmbiente 23 os raios do sol, e ela absorve mais ener-gia luminosa. As temperaturas sobem mais rapidamente, e isso acelera a redução das calotas polares etc. “Ao levar em conta esse tipo de retroa-ções, a sensibilidade climática não é mais de 3ºC, como nos modelos utilizados pelo GIEC: ela é, na verdade, de 6 ºC”, diz Hansen. “Mas a questão de saber quan-to tempo essas retroações levarão para entrar em ação permanece aberta”. Para ver esses “círculos viciosos” colocarem-se em ação e embalarem a máquina climá-tica, será preciso esperar até o fim deste século? Ou o fim do próximo? A INCERTEZA DOS MODELOS DE PREVISÃO As incertezas dos modelos são grandes. Assim, recentes análises sedimentares publicadas por uma equipe alemã mostra-ram que uma grande calota polar antárti-ca (estimada em torno de 60% da atual calota) sobreviveu, ainda que brevemen-te, ao longo do cretáceo, a um período muito quente em que a temperatura do oceano tropical era mais de 10 ºC superior à temperatura atual. James Hansen, 67 anos, gosta de con-trovérsias. Ele é o primeiro cientista a ter chamado a atenção, em 1988, dos meios de comunicação e dos políticos para a questão do clima. Muito compro-metido, ele lançou em 2007 uma campa-nha para solicitar aos governos da Ale-manha e da Grã-Bretanha a interrupção de todos os programas de construção de usinas a carvão. Para além dessas questões, seus traba-lhos abrem uma discussão profunda sem relação com a ciência ou com a política: até quando os homens do século XXI de-vem buscar prever as conseqüências de suas ações? Evocar o futuro do planeta bem depois de 2100, como o faz Hansen e seus co-autores, é imaginar o que o cli-matologista Stephen Pacala chamou de “os monstros atrás da porta”. ■ Stéphane Foucart - jornalista francês, encarregado da cobertura de ciência do jornal “Le Monde”. Publicado pelo “Le Monde” em11/04/2008, (com tradução do Cepat); pelo “IHU On-line” (10/05/2008) e pelo “EcoDebate” (12/05/2008) Em 2005, o aquecimento global foi o responsável pelo desaparecimento da geleira Broggi, situada na Cordilheira Blanca, segundo Marco Zapata, diretor da Unidade de Glaciologia do Instituto Nacional de Recursos Naturais (Inrena) do Peru. A leste da cidade de Yungay, na província de Huaraz, a aproximada-mente 400 quilômetros ao nordeste de Lima, a geleira Broggi apresentava uma superfície superior a 1,8 km2 em 1995. Além da Broggi, Zapata informa que a geleira Pastoruri também está retrocedendo rapidamente e já não é considerada um nevado (montanha com neves permanen-tes), mas uma simples cobertura de gelo devido à perda de 700 km2 de sua superfície. “O que era apenas uma massa única de gelo dividiu-se em duas, num processo contínuo de retrocesso e de diminuição da geleira”, informa o cientista. A Cordilheira Blanca – cadeia montanhosa coberta de gelo que atravessa o centro do Peru – tem hoje apenas 535 km2. Ou seja, já sofreu uma diminuição de 25% em relação à massa de gelo que apresentava em 1970. O cientista lembrou que entre 1948 e 1977, a média de retrocesso anual das geleiras na cordilheira era de entre oito e nove metros por ano; contudo, a partir de 1977 o retrocesso aumentou para cerca de 20 metros/ano. “Há 30 anos começou o retrocesso acelerado das geleiras. Evento indubitavelmente conseqüência do aumento de temperatura ambiente global. São muitos os fatores que geram o problema, mas todos são conseqüência da mudança climática”, declarou. Infelizmente, informa Zapata, não há medidas ou técnicas para a recuperação das geleiras. A única providência para salvar o que ainda resta é a adoção de ações urgentes que permitam reduzir os fatores geradores do aumento da tempe-ratura global via mudança climática. E isso exige o comprometimento e esforço de todos os países do mundo. Fonte: Agência EFE O ÁRTICO TAMBÉM DERRETE A área congelada do Oceano Ártico vem encolhendo e está cada vez mais vulnerá-vel aos raios do sol no verão, segundo estudo publicado no Geophysical Research Letters pelos pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas (NCAR), dos EUA e da Universidade Estadual de Colorado. A perda de gelo no Ártico em 2007 bateu o recorde dos tempos modernos, com a extensão gelada encolheu para um mínimo de 4,1 milhões km2 em setembro. Essa cobertura foi 43% menor que em 1979, quando começaram as medições confiáveis por satélite. “Em um mundo mais quente, o gelo mais fino sobre o mar torna-se cada vez mais sensível às variações climáticas e das nuvens de um ano para o outro. Um único verão mais ensolarado pode, agora, ter um impacto dramático, sentencia a pesquisadora Jennifer Kay, do NCAR. Fonte: Geophysical Research Letters
  • 24. RESERVATÓRIO ESTRATÉGICO E DESCONHECIDO fotos:João Zinclar Também fundamental para o projeto de transposição, a represa vem passando por situações volumétricas críticas. O Alto São Francisco é o principal 24 responsável pela formação das enchentes no rio. Esse fato é ex-plicado pelas características edáficas e pluviométricas da região (solos sedimen-tares e regularidade nas precipitações plu-viométricas), aspectos esses contrasta-dos com a vasta área de clima semi-árido no restante da bacia – principalmente em boa parte do Médio e em todo o Sub-mé-dio – na qual a geologia é cristalina. Esse ocasiona poucas chuvas, mal distribuí-das no tempo e no espaço. O período chuvoso do Alto São Francis-co ocorre entre os meses de novembro e abril, intervalo que não costuma coincidir com a fase das águas das outras regiões, principalmente as de clima semi-árido, onde estão localizadas as usinas da Com-panhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). Esse fato resultava, até há pou-co tempo, em deficiências volumétricas V E L H O C H I C O SOBRADINHO por João Suassuna Sem essa obra seria muito difícil equacionar os problemas de geração de energia elétrica no Nordeste. significativas, quando da ocorrência de secas prolongadas, com prejuízo para o setor elétrico. Em decorrência desse fato, a Chesf foi obri-gada a construir a Represa de Sobradinho, no Médio São Francisco, com capacidade de 34 bilhões de metros cúbicos – o equi-valente a 14 vezes o volume da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. O objetivo foi acumular as águas provenientes de sua região alta para, em seguida, assegurar, em patamares satisfatórios, o funcionamento do sistema gerador de energia sob sua res-ponsabilidade. BARRAGEM: VITAL À GERAÇÃO DE ENERGIA A idéia era fazer com que o volume acumula-do nessa represa fosse sendo liberado aos poucos, de forma equilibrada. Assim, regula-rizava- se a vazão do Rio São Francisco e ga-rantindo a geração de energia no complexo de Paulo Afonso e em Xingó, hidrelétricas localizadas na parte submédia da bacia. A medida proporcionou uma vazão regula-rizada de cerca de 2.060 m³/s no trecho en-tre Sobradinho e o delta, principalmente de maio a outubro. Nesse período, o rio cos-tuma apresentar vazões reduzidas, conse-qüência direta de uma época com chuvas irregulares e de baixa contribuição volumé-trica de seus tributários. Atualmente a va-zão regularizada na foz é de 1.850 m³/s. Não fosse a construção dessa represa, se-ria muito difícil o equacionamento dos pro-blemas de geração de energia no Nordeste. Para se ter uma idéia, em outubro de 1955 – ano considerado seco –, o São Francisco registrou sua menor vazão: 595 m³/s, em Juazeiro/Petrolina. Por outro lado, registra-ram- se enchentes monumentais, como a ocorrida em 1979, atingindo uma vazão de 18 mil m³/s, causando o vertimento de So-
  • 25. Cidadania&MeioAmbiente bradinho, fato que assustou boa parte da população local. O REGIME HIDROLÓGICO DE SOBRADINHO Ao se analisar o regime hidrológico da re-presa de Sobradinho desde a época de sua inauguração, principalmente no tocante à sua acumulação volumétrica (volumes máximos e mínimos anuais), pode-se cons-tatar que, no período compreendido entre 1978 e 1986, os anos foram hidrologica-mente satisfatórios em termos de precipi-tações. Houve acumulações significativas e, em várias delas, a represa veio a sangrar. Igual característica foi observada nos pe-ríodos subseqüentes de 1990 a 1994; de 1997 a 1998 e de 2004 a 2007. Períodos críticos de secas também são re-correntes em Sobradinho. Eles ocorreram de forma marcante entre 1987 e 1989, entre 1995 e 1996 e entre 1999 e 2003. Nesses casos, a represa acumulou apenas metade de sua capacidade útil. Em 2001, atingiu apenas 5% desse limite. Este foi conside-rado o ano mais seco da história do São Francisco, tendo resultado nos raciona-mentos e na pior crise energética vivenci-ada até então. Tudo indica que 2008, da-das as características climáticas em curso (choveu abaixo da média na região), tam-bém será seco. Ao se analisar globalmente o comporta-mento volumétrico de Sobradinho, con-siderando- se principalmente os períodos favoráveis e os desfavoráveis da pluvio-metria, chega-se à conclusão de que a re-presa enche em 40% dos casos. Dessa forma, em 10 anos ela atinge a cota de sangramento em apenas quatro. OS SINAIS DE ALERTA No momento atual, o que preocupa é que no mês de janeiro a represa de So-bradinho estava com apenas 15% de sua capacidade útil, motivada pelo uso vo-lumétrico na geração e na distribuição de energia do sistema da Chesf para ou-tras regiões do país. A partir de feverei-ro, período no qual a represa deveria estar com sua afluência volumétrica em estado crescente (volumes que chegam à represa), o que se observou foi um quadro inverso do esperado: sua aflu-ência mostrou-se em estado decrescen-te, o que poderia agravar ainda mais o quadro crítico apresentado. RIO SÃO FRANCISCO Nascente: Serra da Canastra em Minas Gerais, estado responsável pela formação de cerca de 70% de suas águas. Extensão: 2,8 mil km (entre seu nascedouro e sua foz, no pontal do Peba/AL). Vazão média: 2,85 mil m³/s. Característica: períodos de abundância de chuvas entremeados por períodos de secas sucessivas. Bacia hidrográfica: área aproximada de 640 mil km², subdividida em Alto São Francisco (Serra da Canastra a Pirapora), Médio (Pirapora a Remanso), Submédio (Remanso a Paulo Afonso) e Baixo (Paulo Afonso ao Oceano Atlântico). População residente: estimada em 14 milhões de pessoas. No portal da Chesf é possível observar esse fato com muita clareza. No dia 22 de fevereiro, por exemplo, a afluência da re-presa era de 3.170 m³/s. No dia 27 havia caído para 2.160 m³/s, numa diminuição de cerca de 200 m³/s a cada dia. O fato sugeriu uma falta de entendimento entre os res-ponsáveis pela represa de Três Marias (Furnas) e os de Sobradinho (Chesf). Por razões que desconhecemos, os volumes das intensas precipitações ocorridas no Sul de Minas, naquele período, foram reti-dos em Três Marias. Dessa forma, a libera-ção para Sobradinho, em quantidades ade-quadas ao atendimento dos múltiplos usos, não foi cumprida satisfatoriamente. A situação criada acendeu uma luz de aler-ta na Chesf, que agiu com rapidez para mi-nimizar as possibilidades de exaustão que poderiam existir em Sobradinho, caso nada fosse feito a respeito. A companhia conse-guiu autorização da Agência Nacional das Águas (ANA) para liberar da represa cer-ca 1,1 mil m³/s para todo o Submédio e ao Baixo São Francisco. Esse volume deflu-ente (que sai da represa) possibilitou a re-cuperação volumétrica de Sobradinho (hoje, a represa apresenta cerca de 72% de seu volume preenchido), por tratar-se de um valor menor do que aquele registrado em sua afluência, estimado em cerca de 2,6 mil m³/s. No entanto, a multiplicidade de uso das águas do São Francisco com es-ses baixos volumes defluentes tem ocasi-onado grandes transtornos à população residente na bacia, principalmente àquela que sobrevive do rio. PISCICULTURA E IRRIGAÇÃO PREJUDICADAS No dia 26 de janeiro, por exemplo, um ci-dadão em Propriá (SE) havia conseguido atravessar o Rio São Francisco numa moto. A piscicultura é outra atividade que tem sido seriamente afetada. A retenção de sedimentos no interior das represas geradoras de energia tem interferido so-bremaneira na turbidez de suas águas, confundindo a fisiologia dos peixes e abor-tando suas desovas. A redução da tem-peratura das águas é outro fator preocu-pante, principalmente nos locais mais pro-fundos das represas; e isso tem trazido sérios transtornos à reprodução e aodesenvolvimento de algumas espéci-es. A falta de escadas ou de canais, que possibilitem a subida do peixe do rio para o interior das represas, na época da pira-cema, igualmente tem causado o desapa-recimento do pescado no São Francisco. O caso do surubim é um exemplo disso. A geração de energia elétrica pelo sis-tema da Chesf e sua transmissão para outras localidades do país (o sistema Cidadania&MeioAmbiente 25