1. Joseph Rykwert (Varsóvia, 1926) é um historiador de arte britânico de origem
polonesa que em 1939 - aos catorze anos de idade - seguiu para a Inglaterra para realizar
seus estudos de arquitetura na Bartlett School e na Architectural Association School.
Joseph Rykwert foi professor do Royal College of Art de Londres, obtendo seu título de
doutor em 1970, e lecionou nas universidades de Essex e Cambridge. Em 1988
estabeleceu-se nos Estados Unidos e atualmente leciona História da Arte na
Universidade da Pensilvânia (com o título honorífico de “Paul Philippe Cret Professor
of Architecture”). É o autor do Livro “A casa de Adão no Paraíso”, a partir do qual essa
resenha foi elaborada.
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O texto de Joseph Rykwert, é iniciado com uma discussão acerca do inicio da
arquitetura, com o que poderia ter sido a primeira manifestação da construção
arquitetônica, iniciada através de uma cabana primitiva, e se esse primeiro modelo teria
sido seguido como um “padrão” para as futuras gerações. O texto prossegue com as
polêmicas, controvérsias e os embasamentos teóricos e especulativos, elaborados por
estudiosos de arquitetura, a respeito do assunto.
O primeiro grande estudioso citado no texto é o Abade Laugier, Marc-Antoine
Laugier, um ex-jesuíta, que se havia ocupado com temas arquitetônicos. Em 1753,
Laugier publica seu primeiro Essai sur´l architecture (Ensaio sobre a Arquitetura) e
anos mais tarde, 1765, ele publicava um segundo texto sobre o mesmo tema,
Observations sur´l architecture (Observações sobre a Arquitetura).
Em seu primeiro Essai, Laugier relata como o homem em suas origens
primitivas, sem qualquer ajuda, se guia e segue seus instintos para manter-se abrigado e
acomodado. Ele conta:
“...ele (o homem) deseja um lugar para acomodar-se. Ao lado de um córrego
tranquilo, ele avista um prado; a relva fresca agrada seus olhos, a maciez o convida.
Ele se aproxima, e reclinando sobre as cores radiantes desse tapete, pensa somente em
desfrutar na paz, as dádivas da natureza; nada lhe falta e ele nada deseja; mas logo, o
calor do sol começa a crestá-lo, forçando-o a procurar abrigo. A floresta vizinha
oferece frescura de suas sombras, ele corre para se esconder em seu interior,
novamente satisfeito. Nesse interim, milhares de vapores que se haviam elevado em
vários pontos se encontram e se agrupam; nuvens espessas escurecem o ar e temíveis
chuvas escorrem em torrentes abaixo na deliciosa floresta. O homem, mal abrigado
pelas folhas, não sabe como se defender à sua frente: ele escorrega pra dentro,
sentindo-se protegido da chuva e encantado com sua descoberta. Mas novas
inconveniências tornam essa moradia do mesmo modo desagradável; ele vive no
escuro, obrigado a respirar o ar insalubre. Ele deixa a caverna, decidindo a compensar
com sua indústria as omissões e negligencias da natureza. O homem deseja uma
moradia que o abrigue sem enterrá-lo. Alguns galhos quebrados da floresta serão
material para seu propósito. Ele escolhe quatro dos mais fortes, erguendo-os
perpendicularmente ao chão e formando um quadrado. Sobre esses quatro, ele apoia
quatro outros, dispostos de través e, acima desses, outros ainda, inclinados para ambos
os lados e que se encontram num ponto no centro. Esse tipo de telhado é coberto com
folhas espessas o suficiente para proteger tanto o sol como da chuva; e assim o homem
se encontra alojado.”
Para Laugier a cabana como fora descrita é o tipo sobre o qual são elaboradas
todas as magnificências da arquitetura. Que é pela aproximação à sua simplicidade de
execução que os defeitos fundamentais são evitados e a verdadeira perfeição alcançada.
As peças verticais de madeira sugerem a idéia das colunas, e as peças horizontais nelas
apoiadas, os entablamentos. Finalmente, os elementos inclinados que formam o telhado
resultam na idéia do frontão.
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Mas analisando mais minuciosamente o texto, nos atentamos ao fato de que
talvez essa cabana primitiva pudesse não ter sido a primeira, pois para um homem
primitivo, não dotado de experiências construtivas, uma construção com tamanha
técnica e maestria digna de conhecimentos um pouco arquitetônicos poderia ter sido
inviável para a época.
Outras tentativas certamente poderiam ter sido utilizadas antes da “cabana
primitiva de Laugier”, até que essa forma arquitetônica tivesse sido alcançada.
Autores como “Chambers” adotavam a idéia de que as cabanas primitivas teriam
sido concebidas de outra forma. Chamber até escreve um texto parecido como o de
Laugier para o que teria sido a primeira cabana primitiva:
“...no principio – ele afirma, referindo-se aos primeiros homens – o mais
provável é que se retiram em cavernas formadas pela natureza na rocha, em troncos de
arvores, ocos, ou covas que eles mesmos cavaram na terra. Porém, logo, descontentes
com a umidade e a escuridão dessas habitações, eles começaram a buscar moradias
mais salubres e confortáveis. A criação de animais indicou tanto os materiais como
métodos construtivos: andorinhas, gralhas, abelhas e cegonhas foram os primeiros
construtores. O homem observou suas operações instintivas, admirando e imitando-as,
e por ser dotado das faculdades do raciocínio, e de uma estrutura apropriada aos
propósitos mecânicos, ele logo superou seus mestres na arte da construção.
Toscas e inconvenientes, sem duvida, foram suas primeiras tentativas: sem
experiência ou ferramentas, o construtor recolhia uns poucos galhos de arvores,
estendendo-os de forma cônica, e cobrindo-os com juncos, ou uma mistura de folhas e
argila, formando assim sua cabana; suficiente para abrigar o audacioso morador
durante as noites e estações de mau tempo. Contudo, com o decorrer do tempo, os
homens tornaram-se mais hábeis, inventaram instrumentos para diminuir e aperfeiçoar
suas tarefas: adotaram modos de construção mais engenhosos mais engenhosos e
duradouros e formar mais adaptadas que o cone para os propósitos, aos quais eram
destinadas suas cabanas. A hipótese de que a cabana primitiva apresentasse uma forma
cônica é razoável, pois das formas solidas, está é a mais simples e fácil de ser
construída...”
Observamos claramente que apesar das semelhanças entre as teorias de Laugier
e a de Chamber, existe uma diferença na maneira com que as construções poderiam ter
sido concebidas. Laugier talvez tenha pecado em afirmar que a primeira construção
primitiva já tinha sido mais audaciosa, com um homem dotado de um conhecimento
maior, ao contrario do que observamos na teoria de Chamber que supôs que as
primeiras construções foram simples e que só com o passar do tempo, após ter adquirido
maiores habilidades, o homem foi evoluindo e construiu algo melhorado para uma
construção “arquitetônica”.
Laugier cita também em seu texto que a pequena cabana seria do tipo sobre a
qual são elaboradas todas as magnificências da arquitetura. Um grande estudioso da
época de Laugier, Durant, argumentou a respeito da hipótese de que as ordens fossem
uma imitação da cabana primitiva.
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Observando os índios com exemplo, uma civilização que em alguns países já
existe há muitos anos. Se a cabana primitiva proposta por Laugier supostamente teria
sido o “molde para as futuras gerações da arquitetura”, porque então não teriam os
índios adotado a mesma forma de construção , diferente das ocas que eles elaboram com
perfeição. Ou os Egípcios que ao invés de madeira e da forma quadrada da construção,
utilizavam pedras gigantes sobrepostas umas nas outras, formando uma enorme
estrutura piramidal.
Estudiosos da arquitetura como o Padre Lodoli já afirmavam que não seria
possível, considerando-se a verdadeira historia da arquitetura, afirmar com toda a
segurança, e em relação a todas as suas manifestações, que esta fosse uma arte imitativa.
O que desmitifica um pouco a versão de Laudier a respeito do modelo da
arquitetura primitiva como base para as outras. Se Laudier possuísse na época uma
visão mais inteligente e ampla, e entendesse que para compor uma historia arquitetônica
teria sido essencial entender que era preciso deixar seu refugio e fosse visitado a antiga
Etruria, os reinos de Napoles e Sicilia, tanto quanto o Egito e a Grécia, talvez tivesse
descoberto outros critérios que pudessem guiar alguns homens sábios por caminhos
inexplorados, fazendo-os compreender que aqueles que começaram utilizando a pedra e
o tijolo como materiais de construção, jamais se preocuparam em imitar as cabanas.
Talvez a madeira possa não ter sido o primeiro material usado na construção,
visto que nos países orientais a pedra foi o primeiro material utilizado na construção. O
que mais uma vez iria contra as teorias de Laudier e também de Chamber a respeito da
primeira manifestação da arquitetura.
O fato é, que se nos prendêssemos a essas teorias, ficaríamos um tanto confusos,
uma vez que todas não passam de meras especulações sem uma experiência cientifica a
respeito do assunto. Se pensarmos que a arquitetura é resultante de um determinado
conjunto de elementos necessários para sua concepção, como por exemplo: o material
utilizado na região, material disponível na região, finalidade e objetivo da construção e
até a habilidade manual empregada na construção, habilidade essa baseada no raciocínio
e aprendizado dos construtores, observaríamos que antigamente, assim como hoje,
existiam todos esses elementos da arquitetura presentes em variados locais, e que eles
foram cruciais para os tipos variados de construções de cada época. Não podemos
afirmar certamente qual teria sido o início da arquitetura e se o primeiro
necessariamente teria sido modelo para os demais.
Podemos afirmar sim, com a absoluta certeza, que para os dias de hoje, todas as
manifestações da arquitetura nos deixaram belos exemplos a serem seguidos, cada um
de sua maneira.
Vale a pena colocar aqui também em questão o que alguns autores citam como
beleza positiva e beleza arbitraria. Um estudioso nomeado Perrault afirmava que as
belezas positivas, convincentes e racionais são de uma natureza diversa:
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“A riqueza de material, a grandeza e a magnificência do edifício, a execução
adequada e cuidadosa e a symmétrie que significa (em francês) o tipo de proporção que
produz uma beleza evidente e notável, pois existem duas classes de proporção, uma das
quais é difícil perceber constituindo em uma relação racional das partes proporcionais,
tal qual a das dimensões das diferentes partes entre si ou com o todo.
A outra classe de proporção, denominada symmetrie, e que consiste na relação
que as partes mantêm em conjunto em função da igualdade e paridade de seu numero,
tamanho e sua posição, é uma questão evidente, cujas deficiências não se pode deixar de
notar.”
Perrault deixa bastante claro aqui que as belezas “positivas e convincentes”
requerem para a sua realização somente o bom senso, enquanto que as demais,
arbitrárias, requerem a habilidade de um arquiteto treinado.
Aqui, notamos que embora houvesse uma utilização das ordens, existia também
a criatividade do arquiteto. Muitas vezes na historia da arquitetura o que era novo
causava uma certa aversão aos olhos do observador. Como foi o caso da arquitetura
barroca, que embora utilizasse elementos da arquitetura clássica, foi audaciosa o
bastante a ponto de não seguir mais os padrões impostos pelo clássico, reinventando, se
é que podemos assim utilizar o termo, uma nova arquitetura, que fora chamada até de
grotesca no tempo de sua concepção.
Vale aqui então reafirmar que a arquitetura é resultante de um determinado
conjunto de elementos necessários para sua concepção, e principalmente que a
criatividade do arquiteto deve ser aqui inserida. Só dessa forma podemos tentar
compreender que cada historia, cada época, possuiu seus determinados propósitos e
objetivos. Técnicas e modelos foram adquiridos ao longo do tempo, mas não podemos
pensar como a arquitetura como uma arte imitativa, uma vez que ela se renova e que
novas idéias cada vez mais criativas dos arquitetos estão sempre surgindo. A arquitetura
deve ser pensada como o produto de um ponto de partida e a resultante dos elementos
acima citados.