1. Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio
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(Corresponde ao primeiro tópico do Capítulo 10,
intitulado Mundos-bebês em gestação)
Não global, glocal swarming
Um mundo mais-fluzz quer dizer muitos mundos-fluzz
Não haverá aquela grande transformação capaz de lhe dar um novo mundo
de presente. Se você está aguardando essa mudança global apocalíptica,
escatológica, é melhor esperar sentado. Simplesmente não vai acontecer. É
inútil apostar no parto de um novo mundo como um evento épico de
magníficas proporções. No plano global não vem nada por aí – no curto
prazo, vamos dizer assim, no próximo milhão de anos – capaz de gerar um
novo mundo (2).
2. É claro que podem acontecer catástrofes de dimensões planetárias, pode
até irromper uma terceira guerra mundial (conquanto isso não seja muito
provável). Mas apostar que uma tragédia de proporções planetárias possa
criar condições para uma revolução internacional ou para uma batalha
cósmica entre as forças do bem e as forças do mal capaz de produzir um
mundo radicalmente novo em termos sociais é não entender o que se
chama de sociedade humana ou ser humano.
Como escreveu Paulo Brabo (2007), em Microsalvamentos: “o mundo não
pode ser salvo de uma só vez. Não há como se varrer a miséria da
existência em grandes e eficientes vassouradas... Salvar o mundo é um
serviço sujo que só você pode fazer, ao ritmo de um ínfimo passo de cada
vez... redimindo-se um momento de cada vez. Um remédio de cada vez.
Uma refeição de cada vez. Uma conversa de cada vez. Um abraço de cada
vez. Uma caminhada de cada vez” (3).
Catástrofes não trarão nada de novo. Combates, batalhas, guerras e
revoluções, só produzirão repetição de mundo velho. Só um sociopata pode
acreditar que a violência é a parteira da história (e só alguém muito
intoxicado das crenças do mundo único pode acreditar que exista uma
história).
O plano global é uma construção, uma abstração. Nenhuma mudança
concreta pode acontecer nesse terreno abstrato. As mudanças nos padrões
de relação societários ocorrem sempre em sociosferas. Por isso a queda dos
muros não poderá ser uma (única) queda, de um (único) muro. Serão
muitas quedas, provavelmente em cascata ou swarming, de muitos muros.
Do ponto de vista dos movimentos invisíveis que se processam no espaço-
tempo dos fluxos, 'muro' significa centralização, obstrução de fluxo. Onde
quer que existam "muros" impedindo o livre curso de fluições, “muros”
estes que caracterizam organizações mais centralizadas do que distribuídas,
poderá haver uma "queda". Não será um global swarming, mas um glocal
swarming.
Cada mundo altamente conectado que emergirá será o mundo todo, como
se fosse uma imagem holográfica de uma nova matriz de mundo mais
distribuído. Não um mundo interligado – pois que isso já se materializou
desde que a conexão global-local tornou-se uma possibilidade – e sim um
mundo-gerador intermitente de novos, inéditos, mundos altamente
tramados, para fora e para dentro, que emergirão a cada instante. Um
mundo mais-fluzz, quer dizer, muitos mundos-fluzz. Esta será,
propriamente falando, a primavera das redes.
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3. A livre interação de múltiplos mundos altamente conectados, estruturados
com outras topologias e regidos por outras dinâmicas, vai substituir
processualmente as remanescências deste mundo aprisionado, sob o influxo
de velhas narrativas ideológicas totalizantes, em grandes ou pequenas
estruturas hierárquicas unificadoras top down.
Mundos-bebês começam a ser gerados na medida em que tais estruturas
vão sendo desmontadas. E elas estão sendo desmontadas cada vez que
você desobedece, inova, sai do seu quadrado e inicia a transição da
organização hierárquica em que você vive e convive para uma organização
em rede.
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4. Notas
(2) No final de 2010 as pessoas fingiam que não viam, mas a situação do mundo
único – baseado no equilíbrio competitivo internacional, uma estrutura
descentralizada de menos de duas centenas de Estados – já estava ficando muito
complicada: expansão do capitalismo autoritário na China e em outros continentes,
inclusive com uma espécie de neocolonização econômica da África, domínio
crescente do fundamentalismo islâmico em todos os países árabes, no Oriente
Médio e alhures, perpetuação de governos de assassinos da KGB (FSB) na Rússia
com pretensões expansionistas, avanço do parasitismo democrático via
neopopulismo na América Latina, democracia nos Estados-nações claramente em
recuo, restando apenas 26 países (menos de 13% da população mundial) em que o
regime democrático representativo vigorava em plenitude.
(3) BRABO, Paulo (2007): Op. cit.
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