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Santana do Bujaru: lugar de memória ou não-lugar?
  Claudia Helena Campos Nascimento (1), Fernando Luiz Tavares Marques (2); Cybelle
                              Salvador Miranda (3)
 (1) Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU, UFPA; Técnica
em Gestão Cultural/Arquiteta da Secretaria de Estado de Cultura do Pará – SECULT, Belém, PA. E-mail:
                                  crodianascimento@yahoo.com.br
       (2) Orientador; Professor do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo –
  PPGAU/ITEC/UFPA, Belém, PA; Dr. em Arqueologia; Arqueólogo - MCT/Museu Paraense Emílio
                       Goeldi, Belém, PA. E-mail: fernando@museu-goeldi.br
      (3) Orientadora; Professora do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo –
PPGAU/ITEC/UFPA, Belém, /PA; Dra. em Ciências Sociais; Coordenadora do Laboraratório Memória e
             Patrimônio Cultural -LAMEMO/FAU/ITEC/UFPA. E-mail: cybelle@ufpa.br

Resumo: Através do exercício de etnografia, entender as tramas que se controem com o isolamento físico
da comunidade de Santana (Bujaru/PA) e a valorização local da Igreja de Santana, como bem cultural.
Subsidiando a interpretação, partir de signos que surgem durante as viagens de campo (materiais ou
imateriais) e inerentes ao imóvel. Para entender a relação espacial desta comunidade, foram usados
meios comuns de locomoção atuais para a localidade, a fim de caracterizar o lugar geográfico e o
isolamento físico da comunidade de Santana, as referências espaciais e temporais a ela associadas
dentro do município, referendando a intenção de inscrição de sua igreja como bem cultural do Estado do
Pará (Lei 5.625/90). Paralelamente, ao identificar algumas localidades do município (e o próprio
município) como, simultaneamente, Lugares de Memória e Não-Lugares, visar entender o papel e
relevância que qualificariam a Igreja de Santana do Bujaru como bem cultural. Por fim, discutir o
tombamento de um bem cultural como estratégia de proteção e entender como o esquecimento pode ser
benéfico para a preservação, levantando como discussão estratégias políticas para a sustentabilidade
destes bens.

Palavras-chave: Etnografia; Lugares de Memória/Pierre Nora; Não-Lugares/Marc Augé; Patrimônio
Cultural; Bujaru/PA.

1. Caminhos que levam à Santana

                                  “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui,
                                  o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos.
                                  Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das
                                  pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de
                                  percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem
                                  contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é
                                  inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”
                                                                               Cidades Invisíveis, Ítalo Calvino


         Para entendermos o significado do tema, temos que contextualizar o campo e o objeto
da pesquisa para, em sequencia, podermos trabalhar os meios para esta análise. Os caminhos que
levam à Santana não são apenas vias físicas, mas também metodológicas que vão descortinar um
conhecimento sobre esta comunidade invisível, cuja visibilidade pode oferecer, por sua vez, o
risco de uma escolha entre ser um não-lugar ou um lugar de memória, conceitos que estarão
sempre sendo articulados, a fim de buscar estabelecer novas estratégias e abordagens para a
pesquisa de campo, para que não haja a sacralização simbólica da Igreja de Santana do Bujaru.




                                                                                                               1
2. Descrição de um lugar


           A Igreja de Santana está localizada no distrito de mesmo nome, no município de Bujaru, estado
do Pará.

          O acesso a esta comunidade se faz por um ramal de terra localizado no quilômetro 25 da estrada
PA-140, distando 108 km por via rodoviária de Belém, e a Igreja se localiza às margens do rio Bujaru. Há
a possibilidade também de acesso por via fluvial, subindo o rio Bujaru desde a sua foz no rio Guamá.

          O distrito de Santana do Bujaru localiza-se na margem esquerda do rio Bujaru, possui
associações agrícolas e é identificada como uma comunidade remanescente de quilombos; como marco
arquitetônico, a igreja de Santana. A comunidade de Santana é eminentemente rural, porém foi, outrora, a
sede do município e a sua igreja uma das quinze freguesias existentes no final do século XIX.

               Sobre esta igreja tem-se poucas informações documentais disponíveis. Uma delas é o
relato de Dom Antônio de Almeida Lustosa, que em 1935 diz que “A matriz de Bujaru é uma boa igreja
de pedra, dedicada à Sant’Ana. Consta que foi construída em 1847 e que o vigário da época da
inauguração ainda era vivo em 1880.” (LUSTOSA, 1976, p.251) Da mesma fonte temos em 1935 a
descrição de uma “localidade próxima de Belém, pertencente hoje ao município de São Domingos do
Capim e à paróquia de Sant’Anna de Bujaru. Outrora, ao que consta, era sede da Fazenda de Santa
Tereza, do Convento do Carmo” (LUSTOSA, 1976, p.253). No “Rol dos Confessados” do ano de 1765
(RODRIGUES, 2008, p.165) temos a referência à Igreja de Santana do Bujaru e de São José do Acará
entre outras.

          Algumas ações públicas por parte do Estado têm sido deflagradas para este sítio em atenção a
solicitações da comunidade, o que dá foco ainda maior para a carência de dados, exigindo outras
estratégias para estudo do objeto, que levará inevitavelmente à pesquisa de campo mais aprofundada.

         Algumas visitas ao sítio e seus arredores foram feitas em várias condições, o que permitiu uma
compreensão das fronteiras simbólicas que Santana do Bujaru faz com a vivência da comunidade. O
relato destas experiências servem para buscar entender as entrelinhas desta pesquisa no seu sentido
macro, revelando a complexidade física e sígnica de aproximação com a Igreja de Santana do Bujaru.

3. Etnografia do caminho para o invisível

    3.1 Havia uma igreja no (des)caminho...

          A caminho de uma visita técnica, de levantamento e inventário preliminar no município de
Acará, recebemos a solicitação do então diretor do DPHAC que aproveitássemos para fazer um registro
preliminar de reconhecimento da igreja de Bujaru, visto possuir processo de tombamento e estarmos no
caminho. Como técnicos, quatro curiosos, tentamos convencer o motorista que nos levava a buscar a
igreja, mas este, sem a mesma curiosidade científica, nos levou com a máxima eficiência a Acará,
comprometendo-se, no retorno, a buscar a referida igreja.
          Um processo sobre uma igreja de Bujaru, com fotos distorcidas, já havia passado pela minha
mão: para quem tem uma visão belemcentrista do patrimônio cultural arquitetônico não causou grande
interesse. Ademais, o processo visava o apoio para o projeto e obras na referida igreja, questão que não
era atribuição técnica, e sim administrativa e política.

         Ao chegarmos a Acará, nossos olhares de estrangeiros foram provocados por vários elementos.
A igreja de São José do Acará era uma igreja desproporcionalmente grande para a cidade [FOTO 1],
assim como o seu cemitério anexo. Sua estrutura em pedra argamassada, exposta na fachada posterior,


                                                                                                      2
nos dava vários indícios de intervenções posteriores à sua conclusão, além de uma inscrição “26 de
N[novembro?] de 1775” [FOTO 2] e outros dados que se somaram durante esta visita técnica, como um
cemitério anexo à igreja, bastante grande e com elementos que acenavam para um conjunto de referências
estéticas invisíveis na arquitetura da cidade, e outros dados trazidos pela equipe que foi buscar
informações sobre os sítios e fazendas, os quais teriam sido refúgio dos Cabanos, como qualidade técnica
de alguns elementos das ruínas, como calhas de drenagem e imaginárias.

          O estudo da documentação sobre o município do Acará nos dizia que este havia sido fundado
em 1833 por imigrantes nordestinos, como os dados oficiais sobre Bujaru. Esta incongruência nos
indicava duas hipóteses: ou a data inscrita na parede posterior da igreja não significava informação
relevante ou, ao contrário, traria à luz um equívoco histórico.

               Na viagem de retorno, ao passar novamente por Bujaru, a única igreja que nos havia
chamado atenção havia sido a localizada na cidade, a qual registramos sem, contudo, encontrar quem nos
desse o nome de seu orago. Era a matriz de São Joaquim: igreja errada.

4   No mesmo caminho, outra igreja


                Nova viagem técnica e, agora sabendo qual igreja procurávamos, tendo novamente
Bujaru como caminho e passagem, após longa negociação com o motorista que nos levava, conseguimos
convencê-lo a encontrar a igreja de Santana do Bujaru na ida, para registrarmos. Haveria um desvio na
rota: entrar num ramal por volta do quilômetro 25 da rodovia PA-140 e seguir até o final. Não nos
disseram que, apesar do ramal estar em excelentes condições, a distância entre a estrada e a localidade era
de cerca de doze quilômetros, o que irritou bastante o motorista que queria otimizar a diária recebida, nos
levando o quanto antes ao nosso destino final, que seria a comunidade de Quatro-Bocas, em Tomé-Açu,
para cedo retornar à Belém. Agora, ao menos, sabíamos que se tratava da igreja de Santana e estávamos
no caminho certo.

          Após passar por longas extensões de áreas rurais, chegamos a um ponto em que o caminho se
abre, e vemos os fundos de uma edificação. Sua fachada está voltada para o rio Bujaru e, embora bem
menor que a igreja do Acará, esta também se destaca pela desproporcionalidade em relação às demais
edificações que delimitam a lateral do largo, agora entendido como um terreiro, que se estende entre
cinqüenta e cem metros da margem do rio em relação à fachada principal da igreja.

          A chegada de um automóvel com identificação de carro oficial chamou atenção da comunidade,
que foi muito solícita em facultar-nos o acesso à igreja. Enquanto isso, fomos registrando externamente,
olhando detalhes como a fechadura antiga [FOTO 4] e os dois sinos [FOTO 5] de bronze em torreão
deslocado; desta vez, como única arquiteta do grupo, o foco foi não perder os detalhes. Os demais
colegas, turismólogos, fizeram observações do sítio: o trapiche, o rio e a pessoa que tivesse a chave.
Embora não houvesse um grande primor artístico na fachada principal, havia uma riqueza de detalhes e
uma proporção próxima ao retângulo áureo, o que denotava intencionalidade plástica na construção.

          Entrar na igreja proporcionou nova surpresa: a riqueza dos detalhes arquitetônicos dos altares e
das imaginárias denotavam claramente que não estávamos frente a um bem com valores técnicos e
históricos irrelevantes. Elementos típicos do repertório landiano estavam ali, embora a desproporção e o
acabamento não fossem à altura de sua assinatura. Um brasão sobre o arco-cruzeiro remetia ao Império.
Sem saber, ou com uma consciência de um valor não-técnico, mas essencialmente cultural, a solicitação
da Paróquia de Bujaru para a SECULT revelou um não-lugar de nossas referências culturais.




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5   Todos os caminhos levam a Santana


          Quase de forma obsessiva, a Igreja de Santana do Bujaru tornou-se tema recorrente. As
provocações que foram levantadas em Acará, ganharam força material em Bujaru. Tantas perguntas não
poderiam ser respondidas sem um aprofundamento de pesquisa, coisa nem sempre possível quando a
rotina de análises de processos demanda rapidez nos resultados.

          Outras frentes foram construídas para trazer respostas à demanda da comunidade de Santana:
um escritório de arquitetura desenvolvia o projeto de “restauração” e uma conservadora elaborava o
relatório para a recuperação do acervo de imaginárias. No dia da apresentação destes resultados à
comunidade, no salão paroquial da igreja de São Joaquim, também houve a fala sobre as potencialidades
(vistas sobre o prisma da economia da cultura) para o bem em questão. A paixão da comunidade,
acrescida da apreensão sobre os resultados que estavam sendo apresentados gerava uma responsabilidade
de envolvimento com o tema. Percebi então que não poderia ser feito daquela forma: nós, técnicos,
“doutores do assunto” trazendo as “verdades” de forma quase burocrática. Quem seria Landi para aquela
comunidade e o que ele traria de bom? Ele iria fazer a igreja ficar nova?

         Uma destas “verdades” foi a constatação de que a imagem que a comunidade apresentou como
“Nossa Senhora do Carmo” era, de acordo com os atributos que possuía, Santa Bárbara. Um de seus
elementos - a palma - estava erroneamente na mão do São José. Desfeito o equivoco “científico”, foi
criado outro, identitário.

          A concepção do projeto arquitetônico não apresentava consistência técnica no que se refere à
pesquisa, gerando dúvidas sobre algumas intervenções que estavam sendo propostas.

          Compreendermos a arquitetura para além dos elementos físicos e aparatos tecnológicos e aceitar
as relações humanas que nela se estabelece são aproximar a arquitetura da antropologia, sendo esta uma
busca científica de descrição do fato cultural. Se ainda entendemos como signo capaz de estabelecer
comunicação, as intervenções, mesmo que repletas de acertos técnicos (desconsideremos os equívocos),
podem gerar ruídos no meio em que o bem, no caso a igreja de Santana do Bujaru, se estabelece com
mais força, isto é, com a sua comunidade, através de um fluxo cultural legítimo.

          Ainda que a arquitetura seja vista como um meio de comunicação simbólico e espacial, sem
mergulharmos na questão do contexto onde ela se insere, temos uma relação de familiaridade se fizermos
a justa analogia entre as estruturas de arranjo que se estabelecem no espaço doméstico, como nos
apresenta Baudrillard, aos espaços familiares embora coletivos, como a igreja de Santana, fazendo com
que a aproximação e incorporação deste bem pela comunidade garanta a permanência do bem
arquitetônico, fazendo com que esta esteja em pé por todos estes séculos, tornando-a em lugar onde a
memória é viva e rica. Em poucas situações podemos contemplar tamanha complexidade simbólica que
nos ligue a um contexto histórico de mais de duzentos anos. Esta presença física e simbólica reafirma a
afirmação de Baudrillard, onde

                               “aquilo que faz a profundidade das casas de infância, sua
                               pregnância na lembrança, é evidentemente esta estrutura complexa
                               de interioridade onde os objetos despenteiam diante de nossos
                               olhos limites de uma configuração simbólica chamada residência.
                               (...) Seres e objetos estão, aliás, ligados, extraindo os objetos de tal
                               conluio [real e moral] uma densidade, um valor afetivo que se
                               convencionou chamar de presença (BAUDRILLARD, p. 22)




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6   Considerações preliminares sobre o Lugar


          Existe um envolvimento de fato da comunidade, tanto de Santana quanto de Bujaru como um
todo, com a igreja do distrito de Santana. Eles reconhecem-na como marco histórico de fundação do
município, embora atribuam que a igreja tenha sido construída no final do século XIX. Existe um
envolvimento social que faz da festividade de Santana, ao lado da Festividade de São Joaquim e de Santa
Maria em Guajará-Açu, uma das principais datas do calendário, juntamente com algumas ações
recentemente transformadas em eventos, como o Festival do Jet-Ski e o Festival Gastronômico. O que
diferencia esses dois grupos de acontecimentos é o que Teixeira Coelho sublinhou como a diferença entre
uma ação cultural legítima e uma “fabricação cultural”: o sentimento de uma continuidade firmada na
cultura, em detrimento da objetividade do acontecimento. Estas impressões puderam ser reafirmadas
quando de uma experiência etnográfica: chegar a Santana sem automóvel.

        Assim, de acordo com a visão local, isto é, os habitantes de Bujaru, Santana é um lugar de
memória no sentido pleno, isto é, um local de referência cultural e histórica legítima e referendada pela
comunidade como sendo de grande importância, sendo a igreja de Santana a sua principal referência.

          Outras observações foram registradas que, embora não sejam objetivamente ligadas à
arquitetura, dizem sobre a localidade. No dia da apresentação da proposta, outra visita foi feita ao sítio e à
igreja, na qual se revelaram questões incisivas quanto à saúde daquela comunidade, como a presença de
morcegos e carrapatos em abundância. Este fato revelou que a comunidade apresenta problemas
relevantes de saúde pública, o que denota um certo grau de abandono institucional desta comunidade.

7   Etnografia do caminho conhecido


          A perspectiva do flaneur sempre foi, a meu ver, a melhor forma de estudo para a arte e a
arquitetura. Ser uma pessoa que caminha pelo espaço da cidade moderna a fim de experimentá-la, como
Charles Baudelaire, para ser afetada de forma indireta, quase involuntária pela experiência urbana, como
propõe Walter Benjamin, como método de pesquisa. Também é este mesmo sentido da etnografia:
aproximação e distanciamento com seu objeto de pesquisa a fim de perceber meandros, detalhes e
“piscadelas” que se estabelecem em princípio como ícones que podem revelar todo o enredar do tecido
cultural, ou a “teia de significados” proposta por Geertz. De forma não prevista, assim vem sendo a
pesquisa sobre a igreja de Santana do Bujaru: sua distância, dificuldades de acesso e outros problemas
inerentes ao momento da pesquisa tem exigido uma observação em detalhes, sobre vários prismas, mas de
forma densa e sistemática. Nem sempre o objeto é o foco, mas é sempre o objetivo.
          Vem sendo produzidos alguns cadernos de anotações de pesquisa, mas o principal é o de
registros de campo. Em princípio buscou-se resgatar as impressões primeiras, que só assumiram
significado ou forma inteligível a posteriori. É difícil fazer a transcrição imediata dos sentires quando o
objeto é repleto de subjetividade. Transcrever todos estes elementos de pesquisa será esforço para outro
momento, mas alguns destes índices se apresentaram de forma mais incisiva, como já exposto.
        Nesse momento a busca foi pelo registro da proposta de chegar a Santana sem o auxílio de um
automóvel.

8   Descaminhos para Bujaru


         Não é difícil o acesso a Bujaru, porém é necessária certa iniciação. Chegar à rodoviária de
Belém, comprar uma simples passagem, por si, já exige um conhecimento prévio das rotas, das rodovias,
dos acessos. Não há uma única placa das empresas de ônibus ou de vans que indiquem Bujaru como
destino [FOTOS 8, 9 e 10]. Tendo ido ou passado por Bujaru em viagens anteriores, sempre de carro,
sabia que o caminho seguiria a BR-316 até o município de Santa Isabel, através do qual poderia chegar à


                                                                                                            5
beira do Rio Guamá, no município de Inhangapi, e atravessá-lo por balsa para, na outra margem
desembarcarmos em Bujaru. “Bujaru não é destino, é passagem”, alguém me afirma na fila do guichê na
rodoviária de Belém, o que era visível e sensível.
      Durante as duas tentativas, pude observar que muitas pessoas tinham, de fato, como destino a cidade
de Bujaru, algumas suas áreas rurais que eram denominadas como “quilômetro tal”, o que significava
que, no referido trecho haveria um ramal que levaria à comunidade. Ninguém se identificava indo para
esta ou aquela localidade, mas para um ponto da estrada onde encontraria um meio (normalmente
familiar) de deslocamento ao seu destino, como uma motocicleta ou bicicleta, senão a pé. Mas fui alertada
que “saltar na estrada é perigoso, tem muito assalto”: era necessário ter um reconhecimento do território
e ser reconhecido por sua população a fim de não sofrer riscos. Melhor seria pegar um moto-taxi no porto
de Bujaru, “mas os da cooperativa porque entre os outros tem muito assaltante“.
          A primeira viagem deu a exata medida da limitação de se chegar à Santana: não existe
transporte regular para o distrito e o deslocamento individual por moto-taxi custaria cerca do dobro do
valor gasto para viajar de Belém a Bujaru. Tendo ido no dia do Recírio, foi grande a surpresa em ver
todos os órgãos públicos com suas portas fechadas, como se fosse feriado. Haveria um ônibus no fim da
tarde a caminho de Santana, o mesmo que retornaria de madrugada trazendo trabalhadores e produtos
agrícolas: única forma de deslocamento coletivo.
          A segunda viagem contou com o apoio de uma fazendeira que, ao chegar em Bujaru, já me
levou para almoçar na casa do prefeito, que disponibilizou um automóvel para os deslocamentos
necessários. Desde a primeira viagem foi sensível o valor cultural de Santana para a população de Bujaru:
eles reconhecem como sítio inicial, atribuem-lhe valor histórico, mas também destacam a igreja de Santa
Maria e o Bom Intento como referenciais históricos.
          Esta segunda viagem foi mais produtiva: tive acesso à legislação municipal, pude conhecer
vários interlocutores, situações e lugares que somaram informações relevantes e, principalmente, não
consegui chegar à Santana. Embora tenha passado dois dias em Bujaru, um fato se destacou: não há como
chegar aos lugares se não houver autonomia sobre os meios.

9   Território de memórias e não-lugares


         Bujaru possui vários lugares onde a comunidade mantém efetivamente uma relação física e
simbólica, traduzido-se em expressões e narrativas que assumem corpo no discurso com sua população.
          Um ponto especial interesse para a pesquisa seria conhecer a igreja de São João Batista em
Guajará-Açu por possuir aspectos arquitetônicos relevantes, observados em fotografia antiga. A surpresa
foi o coro de desconhecimento desta, indicando-me a visita a outra: de Santa Maria. Ao chegarmos em
Santa Maria, eis que identifico a fotografia da igreja de São João Batista: mesmo tendo o santo como
orago, o culto a Santa Maria por aquele povo levou a re-nomeação da igreja e da comunidade.
          Outro lugar para o qual fui convidada a conhecer: as ruínas do Sítio Bom Intento. Antecipada
por um conjunto de narrativas que faziam referência ao mito de riquezas encontradas e segredos a
descobrir, pouco que sabe daquele lugar além do que ele se apresenta: a apreciação do pitoresco de uma
ruína e seus mistérios. Atualmente o local abriga uma comunidade agrícola e possui uma placa indicando
ser um parque ambiental.
         A memória oral é a grande fonte de informação desta comunidade. Um sem-número de pessoas
indicou pessoas idosas que são guardiãs deste ou daquele legado de informação. Neste ponto não há como
não lembrar das palavras iniciais de Nora:
“Aceleração da história. Para além da metáfora, é preciso ter a noção do que a expressão significa: uma
oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção global de qualquer
coisa como desaparecida – uma ruptura de equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou de vívido no
calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição ancestral, sob o impulso de um sentimento



                                                                                                       6
histórico profundo. A ascensão à consciência de si mesmo sob o signo do terminado, o fim de alguma
coisa desde sempre começada. Fala-se tanto de memória porque ela não existe mais.” (Nora, p.7)
          A realidade percebida em Bujaru é que os dados históricos ainda subsistem como tradição e
construção coletiva. As referências documentais se tornam menos relevantes que o dado humano, que as
relações interpessoais que garantem desde o transporte até a informação; da segurança da escolha certa,
da escolha do melhor caminho à invisibilidade daquele que só passa por Bujaru. Neste sentido temos dois
focos: o da memória e da história como oposições e metáforas do legítimo e da construção.
          Não posso me furtar em relembrar o ocorrido em relação à imagem que a comunidade tinha
como “Nossa Senhora do Carmo”, foi identificada, de acordo com seus atributos, como “Santa
Bárbara”. Qual seria a verdade a se preservar: a científica ou a cultural? Como ficariam todas as orações
que foram encaminhadas para a Mãe de Deus, porém para o endereço errado? Os encontros de reza de
terço, as promessas, os milagres, enfim, a fé? E depois de nossa passagem pela comunidade, teria sido
relevante as nossas descobertas, toda a relação de culto à Nossa Senhora seria mudado para outra santa, as
carolas desconsiderariam as nossas “verdades” ou elas virariam piada frente ao seu grupo?
          E em Guajará-Açu, o que importa se a igreja é de Santa Maria ou de São João Batista se, na
verdade de seu povo eles chamam de “nossa pequena Sé”? Até quanto a ruptura com o ciclo de
identidade, mesmo que eivado de “erros” na cientificidade das informações, não pode provocar um hiato
na tradição? Não raras vezes nos defrontamos com situações semelhantes, onde nos orgulhamos por
descobrir o documento inédito e o fato novo que revolucionará o lugar-comum das verdades
estabelecidas. Muitas vezes não temos como escapar do enfrentamento, mas, nas vezes em que,
pessoalmente, optei por manter a capa das verdades sociais, me senti mais afim com o contexto. Como a
manutenção da pátina, do estrato de solo que protege as informações relevantes de fato. “A história é a
reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno
sempre atual...” (Nora, p. 9). Fica a opção entre deixar de lado as afirmações científicas e respeitar a
memória ou de produzir um lugar de verdades-de-ninguém que serão, certamente, ressignificadas.

10 Esquecimento e patrimônio


                                   “Há locais de memória porque não há mais meios de memória.”
                                                                                                 Pierre Nora


        Há uma relação clara entre abandono desta comunidade e a transformação dela em lugar de
memória para a população de Bujaru: Santana é um lugar onde pode-se alimentar a utopia da preservação
da memória, alheia à necessária mercantilização da urbe.

                                “Este ‘lugar sem lugar’ auto-cercado, diferentemente de todos os
                                lugares ocupados ou cruzados diariamente, é também um espaço
                                purificado. Não que tenha sido limpo da variedade e da diferença,
                                que constantemente ameaçam outros lugares com poluição e
                                confusão e deixam a limpeza e a transparência fora do alcance dos
                                que os usam (...) excluído o risco da aventura, o que sobra é
                                divertimento puro, sem mistura ou contaminação.” (Bauman,
                                p.116)

          Santana do Bujaru é um espaço vazio, a margem da construção histórica e modernizadora da
região, que agora só tem significado para as pessoas que vivem naquele lugar. Nos séculos em que o rio
era a grande via de locomoção, Santana localizava-se de forma coerente. Com a construção da rodovia
PA-140, tornou-se um dos



                                                                                                          7
“lugares que ‘sobram’ depois da reestruturação de espaços
                                realmente importantes: devem a sua presença fantasmagórica à
                                falta de superposição entre a elegância da estrutura e a confusão
                                do mundo (qualquer mundo, inclusive o mundo desenhado
                                propositalmente), notório por fugir a classificações cabais. Mas a
                                família dos espaços vazios não se limita às sobras dos projetos
                                arquitetônicos e às margens negligenciadas das visões do
                                urbanista. Muitos espaços vazios são, de fato, não apenas resíduos
                                inevitáveis, mas ingredientes necessários de outro processo: o de
                                mapear o espaço partilhado por muitos usuários diferentes.”
                                (Kociatkiewcz e Kostera, In Bauman, p. 121)

          Santana do Bujaru, expressa materialmente em sua igreja e o acervo que a ela pertence possui
uma dupla (senão tripla) relação: a primeira com a população que habita o distrito que, sendo ou não
católicas, não tem como desconsiderar o lugar físico e simbólico da igreja; a segunda com a população de
Bujaru e aqueles que veem na igreja de Santana o seu potencial histórico, cultural e, porque não dizer,
econômico como atrativo turístico – para estes a igreja é história de Bujaru manifesta neste lugar; para
aqueles que seriam atraídos eventualmente para lá, Santana seria um lugar de história (se fosse
apresentado, traduzido como tal) e um não-lugar, por não estabelecer vínculo identitário legítimo. Poderia
ainda dizer que para os que passam pela PA-140, Santana do Bujaru e sua igreja simplesmente não
existem.
                                “O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas
                                de quem anda. Vazios são os lugares em que não se entra e onde se
                                sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado
                                pela presença de humanos.” (Bauman, p.122)
         Até que ponto dotar Santana do Bujaru de um atributo que lhe é exógeno, como nova
identidade à santa de devoção, o convívio com um bem protegido por uma lei de patrimônio (ou
mesmo o título de patrimônio do Pará), valores históricos que são desconhecidos, mas que serão
atrativos para pessoas que invadirão o território, podendo transformar o ritmo da comunidade,
são valores relevantes? Por sua vez negar a relevância que possui também poderia ser
depreciativo à crença no valor que a igreja de Santana possui.

11 Patrimônio: identidade ou história


          Neste momento há a expectativa por uma ação do poder público. As potencialidades foram
apresentadas e o véu da inocência foi rasgado. Se a igreja de Santana fosse mantida sob os olhos únicos
de sua comunidade, continuaria sendo preservada por mais alguns séculos com a mesma competência,
mas agora o risco sobre este patrimônio foi deflagrado e seria irresponsável fingir não vê-lo. Porém,
atentos a todos os riscos, devemos trabalhar com mais delicadeza.
          Mais do que por um “modismo antropo-sociológico”, precisamos nos preocupar com as
consequências de nossas ações técnicas, que possuem um alcance muito mais profundo que a eficiência
ou precisão. Quando revelamos um fato histórico ou uma informação, essas pesquisas, ao mesmo tempo
em que revelam novas dimensões da vivência de um grupo, falam que eles não são o que eles acreditavam
ser, estanca o ser de sua realidade cotidiana: a igreja invade de pessoas atentas e desconhecidas, que
reviram sua casa e ressignifica suas referências. Esta nova dimensão não pode ser aberta sem a
participação da comunidade. Há a necessidade de sistematização dos testemunhos revelados durante a
pesquisa, e mais que coloca-los a disposição da pesquisa acadêmica ou dos órgãos públicos, devemos
construí-la e disponibiliza-la em conjunto com o meio social em que se insere. Apenas eles têm o
mandato para determinar que informações devem receber relevo em relação a outras.


                                                                                                        8
Não se trata, em Santana do Bujaru em descobrir “sinais visíveis daquilo que foi (...) no
espetáculo dessa diferença o brilho súbito de uma identidade inencontrável [ou] o deciframento de que
estamos à luz do que não somos mais” (Nora, In Augé, p. 28), mas entender que lá não há nada para ser
descoberto ou que seja mais verdadeiro ou relevante que a memória viva e a identidade de um lugar,
fornecer as armas do conhecimento para que possam usá-las como acharem mais adequado.

12 Referências

AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade . Campinas/SP: Papirus,
1994 (Coleção Travessia do Século)
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III – Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
BINDE, João Luis. Não Lugares - Marc Augé. ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 2, Ano 1, Maio
de 2008 (p.121/124)
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Petrópolis: Editora Vozes, 2002
COELHO NETO, José Teixeira . O que é ação cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988 (Coleção Primeiros
Passos, nº 216)
DE CASTRO OLIVEIRA, Domingos Sávio. Capela                          Pombo,    Belém    PA:    interpretação    e
perspectivas. Arquitextos, São Paulo, 10.109, Vitruvius, jun 2009
DE CASTRO OLIVEIRA, Domingos Sávio. Capela Pombo, Belém PA: interpretação e perspectivas.Belém:
UFPA, 2008
DPHAC/SECULT. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO MUNICÍPIO
DO ACARÁ - 2009 (Relatório Técnico nº 033/09)
GEERTZ, Cllifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 1973
LUSTOSA, Antonio de Almeida. No estuário amazônico: à margem da visita pastoral. Belém : Conselho
Estadual de Cultura, 1976.
MARQUES, F. L. T. . Engenhos dos jesuítas no estuário amazônico. In: XI Jornadas Jesuíticas, 2006, Porto
Alegre. Resumos, 2006.
MARQUES, F. L. T. . O Indígena em Engenhos Coloniais no Estuário Amazônico: uma abordagem
arqueológica. In: II Seminário de História do Açúcar: trabalho, população e cotidiano, 2007, Itu. II Seminário de
História do Açúcar: trabalho, população e cotidiano. Itu, 2007. v. 1.
MARQUES, F. L. T. ; CUNHA, Ana Paula Macedo . Empreendimentos Jesuíticos no Estuário Amazônico:
Potencial Histórico e Arqueológico da Fazenda Jaguarari e do Engenho Real Ibirajuba. In: XIII Congresso da
Sociedade de Arqueologia Brasileira, 2005, Campo Grande. Resumos do XIII Congresso da SAB. Campo Grande,
2005.
MEIRA FILHO, Augusto. Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará. Belém: Grafisa, 1976
RODRIGUES, Paula Andréa Caluff. Traços de Antônio Landi (1713 / 1791) nas paroquiais da Amazônia:
estudo imagético, tipológico e estilístico de igrejas da Mesorregião do Nordeste Paraense. Belém: UFPA, 2008.
VÁRIOS. História e Cultura. São Paulo: EDUC/PUC-SP, 1999 (Série “Projeto História”, 10)




                                                                                                               9

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Santana do Bujaru: lugar de memória ou não-lugar?

  • 1. Santana do Bujaru: lugar de memória ou não-lugar? Claudia Helena Campos Nascimento (1), Fernando Luiz Tavares Marques (2); Cybelle Salvador Miranda (3) (1) Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU, UFPA; Técnica em Gestão Cultural/Arquiteta da Secretaria de Estado de Cultura do Pará – SECULT, Belém, PA. E-mail: crodianascimento@yahoo.com.br (2) Orientador; Professor do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU/ITEC/UFPA, Belém, PA; Dr. em Arqueologia; Arqueólogo - MCT/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA. E-mail: fernando@museu-goeldi.br (3) Orientadora; Professora do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU/ITEC/UFPA, Belém, /PA; Dra. em Ciências Sociais; Coordenadora do Laboraratório Memória e Patrimônio Cultural -LAMEMO/FAU/ITEC/UFPA. E-mail: cybelle@ufpa.br Resumo: Através do exercício de etnografia, entender as tramas que se controem com o isolamento físico da comunidade de Santana (Bujaru/PA) e a valorização local da Igreja de Santana, como bem cultural. Subsidiando a interpretação, partir de signos que surgem durante as viagens de campo (materiais ou imateriais) e inerentes ao imóvel. Para entender a relação espacial desta comunidade, foram usados meios comuns de locomoção atuais para a localidade, a fim de caracterizar o lugar geográfico e o isolamento físico da comunidade de Santana, as referências espaciais e temporais a ela associadas dentro do município, referendando a intenção de inscrição de sua igreja como bem cultural do Estado do Pará (Lei 5.625/90). Paralelamente, ao identificar algumas localidades do município (e o próprio município) como, simultaneamente, Lugares de Memória e Não-Lugares, visar entender o papel e relevância que qualificariam a Igreja de Santana do Bujaru como bem cultural. Por fim, discutir o tombamento de um bem cultural como estratégia de proteção e entender como o esquecimento pode ser benéfico para a preservação, levantando como discussão estratégias políticas para a sustentabilidade destes bens. Palavras-chave: Etnografia; Lugares de Memória/Pierre Nora; Não-Lugares/Marc Augé; Patrimônio Cultural; Bujaru/PA. 1. Caminhos que levam à Santana “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.” Cidades Invisíveis, Ítalo Calvino Para entendermos o significado do tema, temos que contextualizar o campo e o objeto da pesquisa para, em sequencia, podermos trabalhar os meios para esta análise. Os caminhos que levam à Santana não são apenas vias físicas, mas também metodológicas que vão descortinar um conhecimento sobre esta comunidade invisível, cuja visibilidade pode oferecer, por sua vez, o risco de uma escolha entre ser um não-lugar ou um lugar de memória, conceitos que estarão sempre sendo articulados, a fim de buscar estabelecer novas estratégias e abordagens para a pesquisa de campo, para que não haja a sacralização simbólica da Igreja de Santana do Bujaru. 1
  • 2. 2. Descrição de um lugar A Igreja de Santana está localizada no distrito de mesmo nome, no município de Bujaru, estado do Pará. O acesso a esta comunidade se faz por um ramal de terra localizado no quilômetro 25 da estrada PA-140, distando 108 km por via rodoviária de Belém, e a Igreja se localiza às margens do rio Bujaru. Há a possibilidade também de acesso por via fluvial, subindo o rio Bujaru desde a sua foz no rio Guamá. O distrito de Santana do Bujaru localiza-se na margem esquerda do rio Bujaru, possui associações agrícolas e é identificada como uma comunidade remanescente de quilombos; como marco arquitetônico, a igreja de Santana. A comunidade de Santana é eminentemente rural, porém foi, outrora, a sede do município e a sua igreja uma das quinze freguesias existentes no final do século XIX. Sobre esta igreja tem-se poucas informações documentais disponíveis. Uma delas é o relato de Dom Antônio de Almeida Lustosa, que em 1935 diz que “A matriz de Bujaru é uma boa igreja de pedra, dedicada à Sant’Ana. Consta que foi construída em 1847 e que o vigário da época da inauguração ainda era vivo em 1880.” (LUSTOSA, 1976, p.251) Da mesma fonte temos em 1935 a descrição de uma “localidade próxima de Belém, pertencente hoje ao município de São Domingos do Capim e à paróquia de Sant’Anna de Bujaru. Outrora, ao que consta, era sede da Fazenda de Santa Tereza, do Convento do Carmo” (LUSTOSA, 1976, p.253). No “Rol dos Confessados” do ano de 1765 (RODRIGUES, 2008, p.165) temos a referência à Igreja de Santana do Bujaru e de São José do Acará entre outras. Algumas ações públicas por parte do Estado têm sido deflagradas para este sítio em atenção a solicitações da comunidade, o que dá foco ainda maior para a carência de dados, exigindo outras estratégias para estudo do objeto, que levará inevitavelmente à pesquisa de campo mais aprofundada. Algumas visitas ao sítio e seus arredores foram feitas em várias condições, o que permitiu uma compreensão das fronteiras simbólicas que Santana do Bujaru faz com a vivência da comunidade. O relato destas experiências servem para buscar entender as entrelinhas desta pesquisa no seu sentido macro, revelando a complexidade física e sígnica de aproximação com a Igreja de Santana do Bujaru. 3. Etnografia do caminho para o invisível 3.1 Havia uma igreja no (des)caminho... A caminho de uma visita técnica, de levantamento e inventário preliminar no município de Acará, recebemos a solicitação do então diretor do DPHAC que aproveitássemos para fazer um registro preliminar de reconhecimento da igreja de Bujaru, visto possuir processo de tombamento e estarmos no caminho. Como técnicos, quatro curiosos, tentamos convencer o motorista que nos levava a buscar a igreja, mas este, sem a mesma curiosidade científica, nos levou com a máxima eficiência a Acará, comprometendo-se, no retorno, a buscar a referida igreja. Um processo sobre uma igreja de Bujaru, com fotos distorcidas, já havia passado pela minha mão: para quem tem uma visão belemcentrista do patrimônio cultural arquitetônico não causou grande interesse. Ademais, o processo visava o apoio para o projeto e obras na referida igreja, questão que não era atribuição técnica, e sim administrativa e política. Ao chegarmos a Acará, nossos olhares de estrangeiros foram provocados por vários elementos. A igreja de São José do Acará era uma igreja desproporcionalmente grande para a cidade [FOTO 1], assim como o seu cemitério anexo. Sua estrutura em pedra argamassada, exposta na fachada posterior, 2
  • 3. nos dava vários indícios de intervenções posteriores à sua conclusão, além de uma inscrição “26 de N[novembro?] de 1775” [FOTO 2] e outros dados que se somaram durante esta visita técnica, como um cemitério anexo à igreja, bastante grande e com elementos que acenavam para um conjunto de referências estéticas invisíveis na arquitetura da cidade, e outros dados trazidos pela equipe que foi buscar informações sobre os sítios e fazendas, os quais teriam sido refúgio dos Cabanos, como qualidade técnica de alguns elementos das ruínas, como calhas de drenagem e imaginárias. O estudo da documentação sobre o município do Acará nos dizia que este havia sido fundado em 1833 por imigrantes nordestinos, como os dados oficiais sobre Bujaru. Esta incongruência nos indicava duas hipóteses: ou a data inscrita na parede posterior da igreja não significava informação relevante ou, ao contrário, traria à luz um equívoco histórico. Na viagem de retorno, ao passar novamente por Bujaru, a única igreja que nos havia chamado atenção havia sido a localizada na cidade, a qual registramos sem, contudo, encontrar quem nos desse o nome de seu orago. Era a matriz de São Joaquim: igreja errada. 4 No mesmo caminho, outra igreja Nova viagem técnica e, agora sabendo qual igreja procurávamos, tendo novamente Bujaru como caminho e passagem, após longa negociação com o motorista que nos levava, conseguimos convencê-lo a encontrar a igreja de Santana do Bujaru na ida, para registrarmos. Haveria um desvio na rota: entrar num ramal por volta do quilômetro 25 da rodovia PA-140 e seguir até o final. Não nos disseram que, apesar do ramal estar em excelentes condições, a distância entre a estrada e a localidade era de cerca de doze quilômetros, o que irritou bastante o motorista que queria otimizar a diária recebida, nos levando o quanto antes ao nosso destino final, que seria a comunidade de Quatro-Bocas, em Tomé-Açu, para cedo retornar à Belém. Agora, ao menos, sabíamos que se tratava da igreja de Santana e estávamos no caminho certo. Após passar por longas extensões de áreas rurais, chegamos a um ponto em que o caminho se abre, e vemos os fundos de uma edificação. Sua fachada está voltada para o rio Bujaru e, embora bem menor que a igreja do Acará, esta também se destaca pela desproporcionalidade em relação às demais edificações que delimitam a lateral do largo, agora entendido como um terreiro, que se estende entre cinqüenta e cem metros da margem do rio em relação à fachada principal da igreja. A chegada de um automóvel com identificação de carro oficial chamou atenção da comunidade, que foi muito solícita em facultar-nos o acesso à igreja. Enquanto isso, fomos registrando externamente, olhando detalhes como a fechadura antiga [FOTO 4] e os dois sinos [FOTO 5] de bronze em torreão deslocado; desta vez, como única arquiteta do grupo, o foco foi não perder os detalhes. Os demais colegas, turismólogos, fizeram observações do sítio: o trapiche, o rio e a pessoa que tivesse a chave. Embora não houvesse um grande primor artístico na fachada principal, havia uma riqueza de detalhes e uma proporção próxima ao retângulo áureo, o que denotava intencionalidade plástica na construção. Entrar na igreja proporcionou nova surpresa: a riqueza dos detalhes arquitetônicos dos altares e das imaginárias denotavam claramente que não estávamos frente a um bem com valores técnicos e históricos irrelevantes. Elementos típicos do repertório landiano estavam ali, embora a desproporção e o acabamento não fossem à altura de sua assinatura. Um brasão sobre o arco-cruzeiro remetia ao Império. Sem saber, ou com uma consciência de um valor não-técnico, mas essencialmente cultural, a solicitação da Paróquia de Bujaru para a SECULT revelou um não-lugar de nossas referências culturais. 3
  • 4. 5 Todos os caminhos levam a Santana Quase de forma obsessiva, a Igreja de Santana do Bujaru tornou-se tema recorrente. As provocações que foram levantadas em Acará, ganharam força material em Bujaru. Tantas perguntas não poderiam ser respondidas sem um aprofundamento de pesquisa, coisa nem sempre possível quando a rotina de análises de processos demanda rapidez nos resultados. Outras frentes foram construídas para trazer respostas à demanda da comunidade de Santana: um escritório de arquitetura desenvolvia o projeto de “restauração” e uma conservadora elaborava o relatório para a recuperação do acervo de imaginárias. No dia da apresentação destes resultados à comunidade, no salão paroquial da igreja de São Joaquim, também houve a fala sobre as potencialidades (vistas sobre o prisma da economia da cultura) para o bem em questão. A paixão da comunidade, acrescida da apreensão sobre os resultados que estavam sendo apresentados gerava uma responsabilidade de envolvimento com o tema. Percebi então que não poderia ser feito daquela forma: nós, técnicos, “doutores do assunto” trazendo as “verdades” de forma quase burocrática. Quem seria Landi para aquela comunidade e o que ele traria de bom? Ele iria fazer a igreja ficar nova? Uma destas “verdades” foi a constatação de que a imagem que a comunidade apresentou como “Nossa Senhora do Carmo” era, de acordo com os atributos que possuía, Santa Bárbara. Um de seus elementos - a palma - estava erroneamente na mão do São José. Desfeito o equivoco “científico”, foi criado outro, identitário. A concepção do projeto arquitetônico não apresentava consistência técnica no que se refere à pesquisa, gerando dúvidas sobre algumas intervenções que estavam sendo propostas. Compreendermos a arquitetura para além dos elementos físicos e aparatos tecnológicos e aceitar as relações humanas que nela se estabelece são aproximar a arquitetura da antropologia, sendo esta uma busca científica de descrição do fato cultural. Se ainda entendemos como signo capaz de estabelecer comunicação, as intervenções, mesmo que repletas de acertos técnicos (desconsideremos os equívocos), podem gerar ruídos no meio em que o bem, no caso a igreja de Santana do Bujaru, se estabelece com mais força, isto é, com a sua comunidade, através de um fluxo cultural legítimo. Ainda que a arquitetura seja vista como um meio de comunicação simbólico e espacial, sem mergulharmos na questão do contexto onde ela se insere, temos uma relação de familiaridade se fizermos a justa analogia entre as estruturas de arranjo que se estabelecem no espaço doméstico, como nos apresenta Baudrillard, aos espaços familiares embora coletivos, como a igreja de Santana, fazendo com que a aproximação e incorporação deste bem pela comunidade garanta a permanência do bem arquitetônico, fazendo com que esta esteja em pé por todos estes séculos, tornando-a em lugar onde a memória é viva e rica. Em poucas situações podemos contemplar tamanha complexidade simbólica que nos ligue a um contexto histórico de mais de duzentos anos. Esta presença física e simbólica reafirma a afirmação de Baudrillard, onde “aquilo que faz a profundidade das casas de infância, sua pregnância na lembrança, é evidentemente esta estrutura complexa de interioridade onde os objetos despenteiam diante de nossos olhos limites de uma configuração simbólica chamada residência. (...) Seres e objetos estão, aliás, ligados, extraindo os objetos de tal conluio [real e moral] uma densidade, um valor afetivo que se convencionou chamar de presença (BAUDRILLARD, p. 22) 4
  • 5. 6 Considerações preliminares sobre o Lugar Existe um envolvimento de fato da comunidade, tanto de Santana quanto de Bujaru como um todo, com a igreja do distrito de Santana. Eles reconhecem-na como marco histórico de fundação do município, embora atribuam que a igreja tenha sido construída no final do século XIX. Existe um envolvimento social que faz da festividade de Santana, ao lado da Festividade de São Joaquim e de Santa Maria em Guajará-Açu, uma das principais datas do calendário, juntamente com algumas ações recentemente transformadas em eventos, como o Festival do Jet-Ski e o Festival Gastronômico. O que diferencia esses dois grupos de acontecimentos é o que Teixeira Coelho sublinhou como a diferença entre uma ação cultural legítima e uma “fabricação cultural”: o sentimento de uma continuidade firmada na cultura, em detrimento da objetividade do acontecimento. Estas impressões puderam ser reafirmadas quando de uma experiência etnográfica: chegar a Santana sem automóvel. Assim, de acordo com a visão local, isto é, os habitantes de Bujaru, Santana é um lugar de memória no sentido pleno, isto é, um local de referência cultural e histórica legítima e referendada pela comunidade como sendo de grande importância, sendo a igreja de Santana a sua principal referência. Outras observações foram registradas que, embora não sejam objetivamente ligadas à arquitetura, dizem sobre a localidade. No dia da apresentação da proposta, outra visita foi feita ao sítio e à igreja, na qual se revelaram questões incisivas quanto à saúde daquela comunidade, como a presença de morcegos e carrapatos em abundância. Este fato revelou que a comunidade apresenta problemas relevantes de saúde pública, o que denota um certo grau de abandono institucional desta comunidade. 7 Etnografia do caminho conhecido A perspectiva do flaneur sempre foi, a meu ver, a melhor forma de estudo para a arte e a arquitetura. Ser uma pessoa que caminha pelo espaço da cidade moderna a fim de experimentá-la, como Charles Baudelaire, para ser afetada de forma indireta, quase involuntária pela experiência urbana, como propõe Walter Benjamin, como método de pesquisa. Também é este mesmo sentido da etnografia: aproximação e distanciamento com seu objeto de pesquisa a fim de perceber meandros, detalhes e “piscadelas” que se estabelecem em princípio como ícones que podem revelar todo o enredar do tecido cultural, ou a “teia de significados” proposta por Geertz. De forma não prevista, assim vem sendo a pesquisa sobre a igreja de Santana do Bujaru: sua distância, dificuldades de acesso e outros problemas inerentes ao momento da pesquisa tem exigido uma observação em detalhes, sobre vários prismas, mas de forma densa e sistemática. Nem sempre o objeto é o foco, mas é sempre o objetivo. Vem sendo produzidos alguns cadernos de anotações de pesquisa, mas o principal é o de registros de campo. Em princípio buscou-se resgatar as impressões primeiras, que só assumiram significado ou forma inteligível a posteriori. É difícil fazer a transcrição imediata dos sentires quando o objeto é repleto de subjetividade. Transcrever todos estes elementos de pesquisa será esforço para outro momento, mas alguns destes índices se apresentaram de forma mais incisiva, como já exposto. Nesse momento a busca foi pelo registro da proposta de chegar a Santana sem o auxílio de um automóvel. 8 Descaminhos para Bujaru Não é difícil o acesso a Bujaru, porém é necessária certa iniciação. Chegar à rodoviária de Belém, comprar uma simples passagem, por si, já exige um conhecimento prévio das rotas, das rodovias, dos acessos. Não há uma única placa das empresas de ônibus ou de vans que indiquem Bujaru como destino [FOTOS 8, 9 e 10]. Tendo ido ou passado por Bujaru em viagens anteriores, sempre de carro, sabia que o caminho seguiria a BR-316 até o município de Santa Isabel, através do qual poderia chegar à 5
  • 6. beira do Rio Guamá, no município de Inhangapi, e atravessá-lo por balsa para, na outra margem desembarcarmos em Bujaru. “Bujaru não é destino, é passagem”, alguém me afirma na fila do guichê na rodoviária de Belém, o que era visível e sensível. Durante as duas tentativas, pude observar que muitas pessoas tinham, de fato, como destino a cidade de Bujaru, algumas suas áreas rurais que eram denominadas como “quilômetro tal”, o que significava que, no referido trecho haveria um ramal que levaria à comunidade. Ninguém se identificava indo para esta ou aquela localidade, mas para um ponto da estrada onde encontraria um meio (normalmente familiar) de deslocamento ao seu destino, como uma motocicleta ou bicicleta, senão a pé. Mas fui alertada que “saltar na estrada é perigoso, tem muito assalto”: era necessário ter um reconhecimento do território e ser reconhecido por sua população a fim de não sofrer riscos. Melhor seria pegar um moto-taxi no porto de Bujaru, “mas os da cooperativa porque entre os outros tem muito assaltante“. A primeira viagem deu a exata medida da limitação de se chegar à Santana: não existe transporte regular para o distrito e o deslocamento individual por moto-taxi custaria cerca do dobro do valor gasto para viajar de Belém a Bujaru. Tendo ido no dia do Recírio, foi grande a surpresa em ver todos os órgãos públicos com suas portas fechadas, como se fosse feriado. Haveria um ônibus no fim da tarde a caminho de Santana, o mesmo que retornaria de madrugada trazendo trabalhadores e produtos agrícolas: única forma de deslocamento coletivo. A segunda viagem contou com o apoio de uma fazendeira que, ao chegar em Bujaru, já me levou para almoçar na casa do prefeito, que disponibilizou um automóvel para os deslocamentos necessários. Desde a primeira viagem foi sensível o valor cultural de Santana para a população de Bujaru: eles reconhecem como sítio inicial, atribuem-lhe valor histórico, mas também destacam a igreja de Santa Maria e o Bom Intento como referenciais históricos. Esta segunda viagem foi mais produtiva: tive acesso à legislação municipal, pude conhecer vários interlocutores, situações e lugares que somaram informações relevantes e, principalmente, não consegui chegar à Santana. Embora tenha passado dois dias em Bujaru, um fato se destacou: não há como chegar aos lugares se não houver autonomia sobre os meios. 9 Território de memórias e não-lugares Bujaru possui vários lugares onde a comunidade mantém efetivamente uma relação física e simbólica, traduzido-se em expressões e narrativas que assumem corpo no discurso com sua população. Um ponto especial interesse para a pesquisa seria conhecer a igreja de São João Batista em Guajará-Açu por possuir aspectos arquitetônicos relevantes, observados em fotografia antiga. A surpresa foi o coro de desconhecimento desta, indicando-me a visita a outra: de Santa Maria. Ao chegarmos em Santa Maria, eis que identifico a fotografia da igreja de São João Batista: mesmo tendo o santo como orago, o culto a Santa Maria por aquele povo levou a re-nomeação da igreja e da comunidade. Outro lugar para o qual fui convidada a conhecer: as ruínas do Sítio Bom Intento. Antecipada por um conjunto de narrativas que faziam referência ao mito de riquezas encontradas e segredos a descobrir, pouco que sabe daquele lugar além do que ele se apresenta: a apreciação do pitoresco de uma ruína e seus mistérios. Atualmente o local abriga uma comunidade agrícola e possui uma placa indicando ser um parque ambiental. A memória oral é a grande fonte de informação desta comunidade. Um sem-número de pessoas indicou pessoas idosas que são guardiãs deste ou daquele legado de informação. Neste ponto não há como não lembrar das palavras iniciais de Nora: “Aceleração da história. Para além da metáfora, é preciso ter a noção do que a expressão significa: uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção global de qualquer coisa como desaparecida – uma ruptura de equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou de vívido no calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição ancestral, sob o impulso de um sentimento 6
  • 7. histórico profundo. A ascensão à consciência de si mesmo sob o signo do terminado, o fim de alguma coisa desde sempre começada. Fala-se tanto de memória porque ela não existe mais.” (Nora, p.7) A realidade percebida em Bujaru é que os dados históricos ainda subsistem como tradição e construção coletiva. As referências documentais se tornam menos relevantes que o dado humano, que as relações interpessoais que garantem desde o transporte até a informação; da segurança da escolha certa, da escolha do melhor caminho à invisibilidade daquele que só passa por Bujaru. Neste sentido temos dois focos: o da memória e da história como oposições e metáforas do legítimo e da construção. Não posso me furtar em relembrar o ocorrido em relação à imagem que a comunidade tinha como “Nossa Senhora do Carmo”, foi identificada, de acordo com seus atributos, como “Santa Bárbara”. Qual seria a verdade a se preservar: a científica ou a cultural? Como ficariam todas as orações que foram encaminhadas para a Mãe de Deus, porém para o endereço errado? Os encontros de reza de terço, as promessas, os milagres, enfim, a fé? E depois de nossa passagem pela comunidade, teria sido relevante as nossas descobertas, toda a relação de culto à Nossa Senhora seria mudado para outra santa, as carolas desconsiderariam as nossas “verdades” ou elas virariam piada frente ao seu grupo? E em Guajará-Açu, o que importa se a igreja é de Santa Maria ou de São João Batista se, na verdade de seu povo eles chamam de “nossa pequena Sé”? Até quanto a ruptura com o ciclo de identidade, mesmo que eivado de “erros” na cientificidade das informações, não pode provocar um hiato na tradição? Não raras vezes nos defrontamos com situações semelhantes, onde nos orgulhamos por descobrir o documento inédito e o fato novo que revolucionará o lugar-comum das verdades estabelecidas. Muitas vezes não temos como escapar do enfrentamento, mas, nas vezes em que, pessoalmente, optei por manter a capa das verdades sociais, me senti mais afim com o contexto. Como a manutenção da pátina, do estrato de solo que protege as informações relevantes de fato. “A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual...” (Nora, p. 9). Fica a opção entre deixar de lado as afirmações científicas e respeitar a memória ou de produzir um lugar de verdades-de-ninguém que serão, certamente, ressignificadas. 10 Esquecimento e patrimônio “Há locais de memória porque não há mais meios de memória.” Pierre Nora Há uma relação clara entre abandono desta comunidade e a transformação dela em lugar de memória para a população de Bujaru: Santana é um lugar onde pode-se alimentar a utopia da preservação da memória, alheia à necessária mercantilização da urbe. “Este ‘lugar sem lugar’ auto-cercado, diferentemente de todos os lugares ocupados ou cruzados diariamente, é também um espaço purificado. Não que tenha sido limpo da variedade e da diferença, que constantemente ameaçam outros lugares com poluição e confusão e deixam a limpeza e a transparência fora do alcance dos que os usam (...) excluído o risco da aventura, o que sobra é divertimento puro, sem mistura ou contaminação.” (Bauman, p.116) Santana do Bujaru é um espaço vazio, a margem da construção histórica e modernizadora da região, que agora só tem significado para as pessoas que vivem naquele lugar. Nos séculos em que o rio era a grande via de locomoção, Santana localizava-se de forma coerente. Com a construção da rodovia PA-140, tornou-se um dos 7
  • 8. “lugares que ‘sobram’ depois da reestruturação de espaços realmente importantes: devem a sua presença fantasmagórica à falta de superposição entre a elegância da estrutura e a confusão do mundo (qualquer mundo, inclusive o mundo desenhado propositalmente), notório por fugir a classificações cabais. Mas a família dos espaços vazios não se limita às sobras dos projetos arquitetônicos e às margens negligenciadas das visões do urbanista. Muitos espaços vazios são, de fato, não apenas resíduos inevitáveis, mas ingredientes necessários de outro processo: o de mapear o espaço partilhado por muitos usuários diferentes.” (Kociatkiewcz e Kostera, In Bauman, p. 121) Santana do Bujaru, expressa materialmente em sua igreja e o acervo que a ela pertence possui uma dupla (senão tripla) relação: a primeira com a população que habita o distrito que, sendo ou não católicas, não tem como desconsiderar o lugar físico e simbólico da igreja; a segunda com a população de Bujaru e aqueles que veem na igreja de Santana o seu potencial histórico, cultural e, porque não dizer, econômico como atrativo turístico – para estes a igreja é história de Bujaru manifesta neste lugar; para aqueles que seriam atraídos eventualmente para lá, Santana seria um lugar de história (se fosse apresentado, traduzido como tal) e um não-lugar, por não estabelecer vínculo identitário legítimo. Poderia ainda dizer que para os que passam pela PA-140, Santana do Bujaru e sua igreja simplesmente não existem. “O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas de quem anda. Vazios são os lugares em que não se entra e onde se sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado pela presença de humanos.” (Bauman, p.122) Até que ponto dotar Santana do Bujaru de um atributo que lhe é exógeno, como nova identidade à santa de devoção, o convívio com um bem protegido por uma lei de patrimônio (ou mesmo o título de patrimônio do Pará), valores históricos que são desconhecidos, mas que serão atrativos para pessoas que invadirão o território, podendo transformar o ritmo da comunidade, são valores relevantes? Por sua vez negar a relevância que possui também poderia ser depreciativo à crença no valor que a igreja de Santana possui. 11 Patrimônio: identidade ou história Neste momento há a expectativa por uma ação do poder público. As potencialidades foram apresentadas e o véu da inocência foi rasgado. Se a igreja de Santana fosse mantida sob os olhos únicos de sua comunidade, continuaria sendo preservada por mais alguns séculos com a mesma competência, mas agora o risco sobre este patrimônio foi deflagrado e seria irresponsável fingir não vê-lo. Porém, atentos a todos os riscos, devemos trabalhar com mais delicadeza. Mais do que por um “modismo antropo-sociológico”, precisamos nos preocupar com as consequências de nossas ações técnicas, que possuem um alcance muito mais profundo que a eficiência ou precisão. Quando revelamos um fato histórico ou uma informação, essas pesquisas, ao mesmo tempo em que revelam novas dimensões da vivência de um grupo, falam que eles não são o que eles acreditavam ser, estanca o ser de sua realidade cotidiana: a igreja invade de pessoas atentas e desconhecidas, que reviram sua casa e ressignifica suas referências. Esta nova dimensão não pode ser aberta sem a participação da comunidade. Há a necessidade de sistematização dos testemunhos revelados durante a pesquisa, e mais que coloca-los a disposição da pesquisa acadêmica ou dos órgãos públicos, devemos construí-la e disponibiliza-la em conjunto com o meio social em que se insere. Apenas eles têm o mandato para determinar que informações devem receber relevo em relação a outras. 8
  • 9. Não se trata, em Santana do Bujaru em descobrir “sinais visíveis daquilo que foi (...) no espetáculo dessa diferença o brilho súbito de uma identidade inencontrável [ou] o deciframento de que estamos à luz do que não somos mais” (Nora, In Augé, p. 28), mas entender que lá não há nada para ser descoberto ou que seja mais verdadeiro ou relevante que a memória viva e a identidade de um lugar, fornecer as armas do conhecimento para que possam usá-las como acharem mais adequado. 12 Referências AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade . Campinas/SP: Papirus, 1994 (Coleção Travessia do Século) BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III – Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1994. BINDE, João Luis. Não Lugares - Marc Augé. ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 2, Ano 1, Maio de 2008 (p.121/124) BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Petrópolis: Editora Vozes, 2002 COELHO NETO, José Teixeira . O que é ação cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988 (Coleção Primeiros Passos, nº 216) DE CASTRO OLIVEIRA, Domingos Sávio. Capela Pombo, Belém PA: interpretação e perspectivas. Arquitextos, São Paulo, 10.109, Vitruvius, jun 2009 DE CASTRO OLIVEIRA, Domingos Sávio. Capela Pombo, Belém PA: interpretação e perspectivas.Belém: UFPA, 2008 DPHAC/SECULT. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO MUNICÍPIO DO ACARÁ - 2009 (Relatório Técnico nº 033/09) GEERTZ, Cllifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 1973 LUSTOSA, Antonio de Almeida. No estuário amazônico: à margem da visita pastoral. Belém : Conselho Estadual de Cultura, 1976. MARQUES, F. L. T. . Engenhos dos jesuítas no estuário amazônico. In: XI Jornadas Jesuíticas, 2006, Porto Alegre. Resumos, 2006. MARQUES, F. L. T. . O Indígena em Engenhos Coloniais no Estuário Amazônico: uma abordagem arqueológica. In: II Seminário de História do Açúcar: trabalho, população e cotidiano, 2007, Itu. II Seminário de História do Açúcar: trabalho, população e cotidiano. Itu, 2007. v. 1. MARQUES, F. L. T. ; CUNHA, Ana Paula Macedo . Empreendimentos Jesuíticos no Estuário Amazônico: Potencial Histórico e Arqueológico da Fazenda Jaguarari e do Engenho Real Ibirajuba. In: XIII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, 2005, Campo Grande. Resumos do XIII Congresso da SAB. Campo Grande, 2005. MEIRA FILHO, Augusto. Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará. Belém: Grafisa, 1976 RODRIGUES, Paula Andréa Caluff. Traços de Antônio Landi (1713 / 1791) nas paroquiais da Amazônia: estudo imagético, tipológico e estilístico de igrejas da Mesorregião do Nordeste Paraense. Belém: UFPA, 2008. VÁRIOS. História e Cultura. São Paulo: EDUC/PUC-SP, 1999 (Série “Projeto História”, 10) 9