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                                                                                                                                                                                                                                       Editor: José Carlos Vieira
                                                                                                                                                                                                                                     josecarlos.df@dabr.com.br
                                                                                                                                                                                                                             cultura.df@dabr.com.br
                                                                                                                                                                                                                                        3214-1178 • 3214-1179



                                                                                                                                                                                                                                   CORREIO BRAZILIENSE
                                                                                                                                                                                                                   Brasília, sexta-feira, 15 de março de 2013




                                                                                                                                                                                                                                  O PERFIL DA
                                                                                                                                                                                                                                  LITERATURA
                                                                                                                                                                                                                                  2005-1990

                                                                                                                                                                                                                                  OS PERSONAGENS

                                                                                                                                                                                                                                  79,8%
                                                                                                                                                                                                                                  são brancos

                                                                                                                                                                                                                                  56,6%
                                                                                                                                                                                                                                  são de classe média

                                                                                                                                                                                                                                  81%
                                                                                                                                                                                                                                  são heterossexuais

                                                                                                                                                                                                                                  71,1%
                                                                                                                                                                                                                                  dos protagonistas são
                                                                                                                                                                                                                                  homens

                                                                                                                                                                                                                                  82,6%
                                                                                                                                                                                                                                  dos romances
                                                                                                                                                                                                                                  acontecem nas
                                                                                                                                                                                                                                  metrópoles

                                                                                                                                                                                                                                  56,3%
                                                                                                                                                                                                                                  dos adolescentes
                                                                                                                                                                                                                                  negros retrataddos nos
                                                                                                                                                                                                                                  romances atuais são
                                                                                                                                                                                                                                  dependentes químicos
                                                                                                                                                                                                                                  contra

                                                                                                                                                                                                                                  7,5%
                                                                                                                                                                                                                                  de adolescentes
                                                                                                                                                                                                                                  brancos na mesma
                                                                                                                                                                                                                                  situação

                                                                                                                                                                                                                                  OS AUTORES

                                                                                                                                                                                                                                  72,7%
                                                                                                                                                                                                                                  são homens

                                                                                                                                                                                                                                  93,9%
                                                                                                                                                                                                                                  são brancos

                                                                                                                                                                                                                                  78,8%
                                                                                                                                                                                                                                  possuem ensino
                                                                                                                                                                                                                                  superior

                                                                                                                                                                                                                                  36,4%
                                                                                                                                                                                                                                  são jornalistas
Kleber Sales/CB/D.A Press




                                                                                                                                                                                                                                  O PERFIL
                                                                                                                                                                                                                                  NO CINEMA
                                                                                                                                                                                                                                  1996-2006




                                       NEGRO E POBRE
                                                                                                                                                                                                                                  OS PERSONAGENS

                                                                                                                                                                                                                                  59% dos que
                                                                                                                                                                                                                                  ocupam papéis




                                        NÃOVIRAM
                                                                                                                                                                                                                                  de protagonistas
                                                                                                                                                                                                                                  são homens


                                                                                                                                                                                                                                  41%
                                                                                                                                                                                                                                  são mulheres
                                                                                                                                                                                                                                  Entre os narradores,




                                        ROMANCE
                                                                                                                                                                                                                                  20%
                                                                                                                                                                                                                                  são mulheres


                                                                                                                                                                                                                                  82,5%
                                                                                                                                                                                                                                  dos personagens são
                                                                                                                                                                                                                                  heterossexuais,
                                   POUCOS SÃO OS ESCRITORES QUE INVESTEM EM TEMÁTICAS LIGADAS AOS                                                                                      No cinema
                                EXCLUÍDOS, É O QUE REVELA PESQUISA SOBRE A LITERATURA CONTEMPORÂNEA                                                                                    O curioso é que os dados da                5%
                                                                                                                                                                                       pesquisa se repetem no
                                                                                                                                                                                                                                  são homossexuais
                                                                                                                                                                                       cinema. A pesquisadora Paula
                            » NAHIMA MACIEL                                      gonistas são homens e, em 56,6%, represen-       nomes como Sérgio Vaz e Ferrez começa-               Lins seguiu a mesma
                                                                                 tam a classe média. É uma realidade bem          ram a emergir de uma periferia nem sempre                                                       1%

                            N
                                                                                                                                                                                       metodologia utilizada pelo
                                       os últimos 10 anos, o número de es-       diferente das décadas de 1960 e 1970. Para       valorizada. No meio acadêmico, os olhares            grupo de literatura para
                                       critores mulheres e negros pode até       estabelecer parâmetros e um mapa comple-         também se voltaram para expressões como              analisar 211 filmes nacionais e            tem sexualidade
                                       ter aumentado na literatura brasi-        to, Regina voltou a pesquisa para o período      o hip-hop e o rap.                                   841 personagens criados por                indefinida
                                       leira, mas não será tão significativo     entre 1965 e 1979. Na época, escritoras do                                                            139 diretores. Desses, 82%
                            quanto o foi nos anos 1970. Os personagens           sexo feminino não passavam de 17%, hoje          Resistência                                          eram homens e apenas 18%,
                            de pele escura podem deixar de aparecer              são 27,3%. Agora, ela se prepara visando à                                                            mulheres. No protagonismo                  82,3%
                            como bandidos ou empregados domésti-                 terceira e última etapa do trabalho. Dessa           No período em que os primeiros números           diante das telas, os números               são brancos
                            cos, mas a cor dos autores dificilmente será         vez, serão analisados os romances publica-       da pesquisa foram divulgados, muitos escri-          até que se equilibram — 59%
                            equilibrada. Enquanto a educação não mu-             dos entre 2005 e 2014. A lista de 300 livros     tores torceram o nariz para os números e de-         dos personagens principais
                            dar o mapa da classe média brasileira, a lite-       está pronta e os colaboradores já deram iní-     fenderam que a cor ou o sexo do autor pouca          são do sexo masculino —, mas               17,5%
                            ratura permanecerá confinada a um qua-               cio às leituras. Será uma análise detalhada      ou nenhuma importância tinha para a quali-           no quesito origem social e                 são negros, indígenas e
                            drado que reflete a organização social do            da geração 2000, na qual Regina já observa       dade e a legitimidade do fazer literário, assim      etnia, refletem o panorama
                            país em que pouco fala sobre a periferia             algumas particularidades.                        como a classe social, cor ou sexo dos perso-         literário com 82,3% dos                    mestiços
                            desprivilegiada. O tema é um dos capítulos               A pesquisadora acredita que os dados         nagens. A representação só é possível se o au-       personagens brancos e 70% de
                            do livro Literatura brasileira contemporâ-           podem vir mais animadores. “Acho que o           tor tiver total liberdade para se apropriar das
                            nea: um território contestado, que a pesqui-         número de mulheres vai aumentar, mas não         histórias, independente de suas origens so-
                                                                                                                                                                                       classe média.
                                                                                                                                                                                                                                  70%
                            sadora Regina Dalcastagnè acaba de lançar            será tão significativo quanto as pessoas es-     ciais ou raciais. Mas o que preocupava Regi-                                                    integram
                            pela Editora da Universidade Estadual do             tão pensando. Tenho a expectativa de que         na não era o discurso, e sim a falta de instru-                                                 a classe média
                            Rio de Janeiro (Uerj).                               tenha aumentado um pouco em relação aos          mentos que possibilitassem a boa parte da
                                Em 2004, Regina, que é professora da Uni-        27,3%, mas não muito”, avalia. Ela também        população brasileira se apropriar de suas                                                       ou elite econômica
                            versidade de Brasília (UnB) e coordenadora           acredita que haverá uma pequena mudança          próprias histórias e auto representar-se.
                            do Grupo de Estudos de Literatura Brasileira         na quantidade de autores negros e isso se            Os números, a pesquisadora lembra, são
                            Contemporânea, deu início a um mapea-                deve, em parte, ao sistema de cotas implan-      apenas um levantamento. Eles não podem e                                                        27,5%
                            mento quantitativo dos personagens e auto-           tado nas universidades brasileiras. “Tenho       não devem ser considerados como definiti-                                                       são pobres ou
                            res na produção literária nacional. Na época,        esperança de que vem aumentando, só que          vos. A leitura do livro pode ser fundamental                                                    miseráveis
                            os números confirmavam uma suspeita: ha-             mais lentamente que a situação das mulhe-        para a compreensão dos números.“O proble-
                            via poucos negros e pobres na narrativa bra-         res. É um longo processo. As mulheres vêm        ma desse levantamento é que todos os inte-        www.correiobraziliense.com.br
                            sileira. E isso valia para o universo fictício das   brigando para participar desse universo da       resses se chocam. O perfil é abrangente e é                                                     OS DIRETORES
                            histórias e para a cena real na qual circulam        construção de discursos desde os anos            sempre muito mais interessante fazer uma
                            diariamente os autores. O grupo leu 258 ro-          1970, enquanto os negros vêm lutando para        leitura mais aprofundada de um romance.             Leia entrevista com Regina
                            mances escritos por 165 autores entre 1990 e         ter educação básica. Tem uma distância ain-      “Minha mirada na literatura é sempre um                    Dalcastagnè.                         82%
                            2004. Com o auxílio de fichas preenchidas            da dentro dessas lutas”, explica.                pouco mais aberta, mais panorâmica, tentan-                                                     dos diretores são
                            com rigor acadêmico, a equipe chegou à con-              Ela acredita que o cenário começou a         do entender esses jogos de poderes de quem                                                      homens
                            clusão de que 78,8% dos escritores brasileiros       mudar em 1997, quando Paulo Lins publi-          tem legitimidade para produzir e quem não
                            são brancos, e 72,7%, homens.                        cou Cidade de Deus. Na época, o mercado          tem, assim como a dificuldade que determi-                                                      18%
                                O cenário se repete nas narrativas. Em           editorial atentou para o fato de que histórias   nadas classes sociais têm de escrever e de os                                                   são mulheres
                            71,1% dos romances pesquisados, os prota-            da periferia podiam dar lucro. Na esteira,       livros serem aceitos como literatura.”            » Leia mais na página 3




                                                                                                    CMYK
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                                                                                                                                                                                                     Diversão&arte • Brasília, sexta-feira, 15 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 3



                            CONTINUAÇÃO DA CAPA / Autores encaram a pesquisa sobre o romance brasileiro contemporâneo como retrato da nossa realidade


                            Declassemédiaparaclassemédia
                            » MAÍRA BRITO                                                                                                                                                                                                                          Por que não há tantos              da poesia e do experimenta-




                                                                                                                                                                                                                    QUATRO PERGUNTAS//NEI LOPES
                                                                   Iano Andrade/CB/D.A Press - 09/12/10




                            »NAHIMA MACIEL                                                                                                                                                                                                                         escritores negros?                 lismo cito os poetas Salgado
                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Maranhão, já bem conhecido,



                            V
                                                                                                                                                                                                                                                                       O universo do livro, no Bra-
                                     encedor de prêmios co-                                                                                                                                                                                                        sil, tornou-se extremamente        e Ricardo Aleixo, de Belo Ho-
                                     mo o Jabuti, APCA e Casa                                                                                                                                                                                                      excludente. E digo “tornou-        rizonte.
                                     de las Américas e organi-                                                                                                                                                                                                     se” porque desde o século 18
                                     zador de importantes co-                                                                                                                                                                                                      até a primeira metade do sé-       Dos 258 livros estudados,
                            letâneas de contos de autores gays                                                                                                                                                                                                     culo 20, houve até um certo        apenas três protagonistas
                            e de mulheres, o escritor Luiz Ru-                                                                                                                                                                                                     protagonismo de escritores         eram negras e mulheres.
                            ffato não ficou surpreso com os                                                                                                                                                                                                        negros (pretos e mulatos),         Quarto de despejo, de
                            resultados da pesquisa. “Esse le-                                                                                                                                                                                                      quase nunca mencionados            Carolina Maria de Jesus,
                            vantamento só vem confirmar o                                                                                                                                                                                                          como tal, por ser, naquele         é uma das raras obras
                            que vejo: quem escreve no Brasil                                                                                                                                                                                                       tempo, infamante esse tipo         escritas por uma mulher
                            são homens heterossexuais de                                                                                                                                                                                                           de menção. A ausência do es-       negra. O livro foi traduzido
                            classe média e brancos. Não é por                                                                                                                                                                                                      critor negro na literatura bra-    para 13 línguas, mas
                            outro motivo, por exemplo, que os                                                                                                                                                                                                      sileira, hoje, é fruto dos mes-    continua esquecido no país.
                            personagens são escritores. É gen-                                                                                                                                                                                                     mos mecanismos de exclusão         A qual fato o senhor
                            te de classe média escrevendo pa-                                                                                                                                                                                                      que operam nos círculos da         atribuiu isso?
                            ra classe média”, aponta Ruffato. O                                                                                                                                                                                                    cultura, em geral. Nesses cír-         Carolina Maria de Jesus te-
                            que preocupa o autor de Mamma,                                                                                                                                                                                                         culos, legitimadores e difuso-     ve inclusive posta em dúvida
                            son tanto felice é o caminho que                                                                                                                                                                                                       res, as relações estabelecidas     sua legitimidade como auto-
                            leva aos resultados compilados                                                                                                                                                                                                         desde os bancos escolares, e       ra; e isso deve ter contribuído
                            por Regina Dalcastagnè. “A litera-                                                                                                                                                                                                     até mesmo de vizinhança,           para o seu apagamento da
                            tura que se faz hoje (no Brasil) é                                                                                                                                                                                                     são fundamentais: o editor, o      memória literária brasileira.
                            um reflexo transparente do que é                                                                                                                                                                                                       crítico literário, o dono de li-   Mas é antologizada e estuda-
                            nosso país: existe uma classe mé-                                                                                                                                                                                                      vraria etc. muito raramente        da nos meios acadêmicos lá
                            dia que não tem nenhuma relação                                                                                                                                                                                                        são negros ou moradores dos        fora. Talvez se tivesse lançado
                            com o resto do país”, lamenta.                                                                                                                                                                                                         subúrbios e periferias, onde       seu romance na década de
                                Ruffato lembra que tanto Eu-                                                                                                                                                                                                       se concentram as massa afro-       2000 teria “arrebentado a bo-
                            ropa quanto Estados Unidos têm                                                                                                                                                                                                         descendentes. Daí, a dificul-      ca do balão”, com direito a fil-
                            hoje uma literatura feita por des-                                                                                                                                                                                                     dade das trocas; e até mesmo       me, minissérie de tevê e tudo
                            cendentes de imigrantes, negros                                                                                                                                                                                                        o caráter estereotipado dos        o mais.
                            ou representantes de minorias                                                                                                                                                                                                          personagens criados pelos
                            cuja representatividade é consis-                                                                                                                                                                                                      escritores reconhecidos.           Existem meios para driblar
                            tente graças ao acesso à educa-                                                                                                                                                                                                                                           a exclusão da literatura
                            ção. No Brasil, a realidade é outra.                                                                                                                                                                                                   A quantidade de                    brasileira?
                            “São filhos de operários ou de                                                                                                                                                                                                         escritores negros do país              A saída para os escritores
                            classe média baixa que conquis-                                                                                                                                                                                                        é inexpressiva ou está             afro-brasileiros, e que fazem
                            taram um nível de educação sufi-                                                                                                                                                                                                       aumentando? Existe hoje            literatura comprometida com
                            ciente para se tornarem escrito-                                                                                                                                                                                                       algum nome que apontaria           sua circunstância étnica, co-
                            res. Aqui isso é impossível. A edu-                                                                                                                                                                                                    como destaque na literatura?       mo é o meu caso, têm sido as
                            cação no Brasil é absolutamente                                                                                                                                                                                                            Dizer que o número de es-      edições em regime de coope-
                            excludente. Dificilmente um fi-                                                                                                                                                                                                        critores está aumentando ou        rativa ou as editoras “étni-
                            lho de classe média baixa vai as-                                                                                                                                                                                                      não seria leviano. O que pos-      cas”; ou ainda aquelas com
                            cender socialmente em uma uni-                                                                                                                                                                                                         so dizer é que cada vez mais       segmentos especializados.
                            versidade boa para ter um reper-                                                                                                                                                                                                       se torna invisível a produção      Da minha parte, em 2006 pu-
                            tório suficiente para se tornar es-                                                                                                                                                                                                    dos literatos afro-brasileiros.    bliquei por uma grande edi-
                            critor. Logo, 90% do que é Brasil                                        LuizRuffato:“EducaçãonoBrasiléexcludente.Dificilmenteumfilhodeclassemédiabaixavaiascendersocialmente”                                                         Digo também que há uma no-         tora um livro de contos den-
                            não aparece na literatura brasi-                                                                                                                                                                                                       va geração de intelectuais ne-     sos, ambientados no mundo
                            leira porque não tem quem re-                                            que fala de favela, violência. Te-    preocupação do professor e es-      quando se trata de elaborar um                                                      gros forjada nos meios acadê-      do samba (Vinte contos e uns
                            presente essa paisagem”, consta-                                         mos o Ferrez, o Paulo Lins e isso     critor Daniel Munduruku. “Li-       pensamento crítico sobre a pro-                                                     micos, na qual conheço gente       trocados, Record), do qual eu
                            ta o escritor.                                                           democratiza mais, tem mais per-       cenças poéticas são permitidas,     dução. “Os números são mais                                                         que tem lugar garantido entre      gosto muito e que foi bem re-
                                                                                                     fis de pessoas fazendo literatura.”   mas é muito importante que          interessantes para o Ministério                                                     os literatos. Cito um, como        cebido pela crítica, mas não
                            Mulheres                                                                     Já o escritor Nei Lopes, autor    quem escreve tenha a preocu-        da Cultura ou instituições que                                                      exemplo: o historiador Flávio      aconteceu. Apesar disso tudo,
                                                                                                     da Enciclopédia brasileira da         pação em não ficar reafirmando      distribuem bolsas. Isso serve                                                       dos Santos Gomes, dono de          vou em frente. Se depender
                                Para André Sant’Anna, criador                                        diáspora africana, acredita que       estereótipos ou reforçando ima-     para o MinC começar a dar bol-                                                      um rol de obras publicadas         de mim, existe, sim, literatura
                            do jogador de futebol negro que                                          cada vez mais se torna invisível a    gens distorcidas. Infelizmente,     sas aos desprivilegiados”, avalia,                                                  capaz de fazer inveja a muito      negra no Brasil. Eu faço a mi-
                            narra o celebrado O paraíso é bem                                        produção dos literatos afro-bra-      ainda se usa de forma caricatu-     lembrando que uma das maio-                                                         membro da ABL. No campo            nha parte.
                            bacana, a cena literária experi-                                         sileiros, e alerta para os males de   ral muito das imagens indíge-       res personagens do romance do
                            mentou mudanças nessa primei-                                            uma literatura tão segmentada.        nas. A literatura pode ajudar a     século 19, Madame Bovary, era
                            ra década do século 21. Como ju-                                         “O perigo é a consolidação da es-     diminuir essa estereotipia na       uma mulher criada por um ho-
                                                                                                                                                                                                                            Márcia Moreira/Divulgação - 04/01/12




                            rado de concursos literários, ele                                        tereotipação, que reserva aos         medida em que apresentar per-       mem. “Esse lado de diretiva me
                            conta que tem recebido muitas                                            mulatos e pretos (mais ainda a        sonagens mais condizentes com       incomoda. O outro nem tanto,
                            narrativas baseadas na vida dos                                          esses) determinados lugares e         a realidade”, afirma o autor de     porque é sempre bom que se di-
                            próprios autores. Sant’Anna tam-                                         papéis na sociedade brasileira e      Coisas de índio e Contos indíge-    ga o óbvio uluante.” Santiago
                            bém vem observando uma pre-                                              na economia da cultura em parti-      nas brasileiros.                    também acredita que o cenário
                            sença maior de autoras no merca-                                         cular, como os do entretenimen-           De acordo com Munduruku,        mudou na última década. Ele
                            do. “Acho que, nesse ponto, a lite-                                      to e do esporte”.                     cerca de 10 títulos de autores      relembra, por exemplo, as anto-
                            ratura acompanha a sociedade. A                                                                                indígenas são lançados por          logias de contos gays e de mu-
                            partir de agora vai haver mais                                           Clichê                                ano. “Isso não é pouca coisa.       lheres escritoras organizados
                            mulheres, cada vez mais vejo no-                                                                               Parte dessa demanda é fruto         por Luiz Ruffato.
                            vas escritoras nos eventos de que                                           A pesquisa aponta que somen-       das mudanças no sistema edu-            A resistência à pesquisa no
                            participo e também nesses con-                                           te 7,9% dos personagens são ne-       cacional brasileiro. Entre os       meio literário é grande e muitos
                            cursos”, destaca.                                                        gros, sendo que 75% desses per-       que se destacam estão Yaguarê       autores se recusam, inclusive, a
                               Ele encara a geração dos anos                                         sonagens são pobres e 20,4%,          Yamã, do Amazonas; Wasiry           falar sobre o trabalho. “Incomo-
                            2000 como mais equilibrada em                                            bandidos. “O clichê, o estereóti-     Guará, do Amazonas; Cristino        da as pessoas essa ideia de fazer
                            relação aos autores dos anos 1990,                                       po, chega até o personagem. Se-       Wapichana, de Roraima; Olívio       parte de um conjunto. Elas sem-
                            cuja criação ainda trazia resquí-                                        gundo as leis de mercado vigen-       Jekupé, de São Paulo”.              pre se acham muito diferentes,
                            cios da vida sob uma ditadura.                                           tes, o que vende é o negro visto                                          individuais. E é normal. Mas
                            “Na geração do meu pai, as mu-                                           (voyeuristicamente), sob o pris-      Óbvio ululante                      considero importante ter essa
                            lheres casavam virgens, agora elas                                       ma da marginalidade e da misé-                                            ideia de que, no conjunto, as coi-
                            têm mais espaço. E a geração 1990                                        ria. E, dentro daquela lógica do         O crítico e escritor Silviano    sas estão aparecendo assim. Isso
                            tem resquícios daquilo. Essa de                                          ‘compre que todo mundo está           Santiago, autor de Uma litera-      não quer dizer que um autor que
                            agora, a partir da coisa dos blogs,                                      comprando’ e ‘é verdade porque        tura nos trópicos, entende a pes-   só trate de classe média não es-
                            não só as mulheres, mas os ho-                                           ‘deu’ na televisão’, o publico lê e   quisa como uma maneira de or-       teja fazendo um livro muito in-
                            mossexuais e as pessoas mais po-                                         acha que é só isso mesmo”.            ganizar a literatura, mas não       teressante e até crítico”, explica
                            bres, apareceram com literatura                                              Os clichês também são uma         acha os números interessantes       Regina Dalcastagnè.



                           MÚSICA

                                                                                                                                                                               Pauleira de Sampa
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             ão
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      ivulgaç
Midiamix/Divulgação - 28/02/13




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                Lady/D
                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Mad Old



                                                                                                                                                                                   Eduardo Fagundes tem 46            em seu som, atitude e até identi-
                                                                                                                                                                               anos e desde os 12 está no mun-        dade — o nome se refere ao in-
                                                                                                                                                                               do da música. Ele e o irmão, “fu-      consciente, às coisas “doidas”
                                                                                                                                                                               çadores e autodidatas”, mexiam         que fazemos, sem conseguirmos
                                                                                                                                                                               no piano que a mãe tinha em ca-        explicar. A “loucura” de Eduardo                                                VIKING SOUL
                                                                                                                                                                               sa e aprenderam a compor. Toca-        se traduziu na junção de instru-                                                Primeiro CD da banda Mad Old
                                                                                                                                                                               vam juntos, formaram banda,            mentos clássicos do heavy-me-                                                   Lady. Produção e distribuição in-
                                                                                                                                                                               ouviram Black Sabbath,                 tal, como guitarra, baixo e bate-                                               dependente. 10 faixas. Preço
                                                                                                                                                                               Guns’N’Roses e Bon Jovi em vinis       ria, a uma formação de três voca-                                               médio: R$ 10.
                                                                                                                                                                               que o amigo Maurício Quaresma,         listas — uma mulher (Flávia Tun-
                                                                                                                                                                               filho de portugueses, enviava da       chel) e dois homens (Marcelo de
                                                                                                                                                                               Europa meses antes de chegar ao        Paula e o próprio Eduardo) — e                                              logo na primeira leva veio surpre-
                                                                                                                                                                               Brasil. “Uma influência induzida       tempero de piano, gaita, harpa e                                            sa: o baterista Guga Bento e a bai-
                                                                                                                                                                               de artistas aos quais meu irmão e      flauta. A vontade de inovar resul-                                          xista Gabi Moraes começaram no
                                                                                                                                                                               eu tínhamos acesso antes em            tou no álbum de 10 faixas Viking                                            gospel. Depois, foi a vez de Eduar-
                                                                                                                                                                               uma época em que as músicas            soul : “Me inspiro na atitude do                                            do ver a performance de Marcelo
                                                                                                                                                                               não chegavam instantaneamen-           povo viking, nômade e desbrava-                                             de Paula, então garçom do Brook-
                                                                                                                                                                               te”, diz Eduardo. Ao lançar o gru-     dor”, diz o paulistano.                                                     lyn, bar em São Paulo onde os
                                                                                                                                                                               po Mad Old Lady, contudo, os ir-           Desde o início, o grupo se for-                                         funcionários cantam. Os guitar-
                                                                                                                                                                               mãos se separaram, e o paulista-       mou de maneira inesperada. O                                                ristas vieram de diferentes estilos
                                                                                                                                                                               no teve de contatar e contratar        “típico paulistano descendente                                              musicais — dois do próprio hea-
                                                                                                                                                                               novos músicos.                         de italianos, morador da Mooca,                                             vy metal e um do jazz. “O heavy
                                                                                                                                                                                   A “velha dama doida” já nas-       palmeirense, católico e com forte                                           metal está morto, precisa de re-
                                                                                                                                                                               ceu, portanto, de uma ruptura. E,      sotaque da capital” chamou mú-                                              novação e é isso que tentamos fa-
                            No som e na atitude, a banda se propõe a expressar as coisas loucas que fazemos e não sabemos explicar                                             assim, a banda se propõe a ser         sicos para ajudá-lo no projeto e                                            zer”, diz o líder da Mad Old Lady.




                                                                                                                                           CMYK

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Pesquisa Personagens da Narrativa Brasileira Contemporânea - Correio Braziliense 15 março 2013

  • 1. CMYK Editor: José Carlos Vieira josecarlos.df@dabr.com.br cultura.df@dabr.com.br 3214-1178 • 3214-1179 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, sexta-feira, 15 de março de 2013 O PERFIL DA LITERATURA 2005-1990 OS PERSONAGENS 79,8% são brancos 56,6% são de classe média 81% são heterossexuais 71,1% dos protagonistas são homens 82,6% dos romances acontecem nas metrópoles 56,3% dos adolescentes negros retrataddos nos romances atuais são dependentes químicos contra 7,5% de adolescentes brancos na mesma situação OS AUTORES 72,7% são homens 93,9% são brancos 78,8% possuem ensino superior 36,4% são jornalistas Kleber Sales/CB/D.A Press O PERFIL NO CINEMA 1996-2006 NEGRO E POBRE OS PERSONAGENS 59% dos que ocupam papéis NÃOVIRAM de protagonistas são homens 41% são mulheres Entre os narradores, ROMANCE 20% são mulheres 82,5% dos personagens são heterossexuais, POUCOS SÃO OS ESCRITORES QUE INVESTEM EM TEMÁTICAS LIGADAS AOS No cinema EXCLUÍDOS, É O QUE REVELA PESQUISA SOBRE A LITERATURA CONTEMPORÂNEA O curioso é que os dados da 5% pesquisa se repetem no são homossexuais cinema. A pesquisadora Paula » NAHIMA MACIEL gonistas são homens e, em 56,6%, represen- nomes como Sérgio Vaz e Ferrez começa- Lins seguiu a mesma tam a classe média. É uma realidade bem ram a emergir de uma periferia nem sempre 1% N metodologia utilizada pelo os últimos 10 anos, o número de es- diferente das décadas de 1960 e 1970. Para valorizada. No meio acadêmico, os olhares grupo de literatura para critores mulheres e negros pode até estabelecer parâmetros e um mapa comple- também se voltaram para expressões como analisar 211 filmes nacionais e tem sexualidade ter aumentado na literatura brasi- to, Regina voltou a pesquisa para o período o hip-hop e o rap. 841 personagens criados por indefinida leira, mas não será tão significativo entre 1965 e 1979. Na época, escritoras do 139 diretores. Desses, 82% quanto o foi nos anos 1970. Os personagens sexo feminino não passavam de 17%, hoje Resistência eram homens e apenas 18%, de pele escura podem deixar de aparecer são 27,3%. Agora, ela se prepara visando à mulheres. No protagonismo 82,3% como bandidos ou empregados domésti- terceira e última etapa do trabalho. Dessa No período em que os primeiros números diante das telas, os números são brancos cos, mas a cor dos autores dificilmente será vez, serão analisados os romances publica- da pesquisa foram divulgados, muitos escri- até que se equilibram — 59% equilibrada. Enquanto a educação não mu- dos entre 2005 e 2014. A lista de 300 livros tores torceram o nariz para os números e de- dos personagens principais dar o mapa da classe média brasileira, a lite- está pronta e os colaboradores já deram iní- fenderam que a cor ou o sexo do autor pouca são do sexo masculino —, mas 17,5% ratura permanecerá confinada a um qua- cio às leituras. Será uma análise detalhada ou nenhuma importância tinha para a quali- no quesito origem social e são negros, indígenas e drado que reflete a organização social do da geração 2000, na qual Regina já observa dade e a legitimidade do fazer literário, assim etnia, refletem o panorama país em que pouco fala sobre a periferia algumas particularidades. como a classe social, cor ou sexo dos perso- literário com 82,3% dos mestiços desprivilegiada. O tema é um dos capítulos A pesquisadora acredita que os dados nagens. A representação só é possível se o au- personagens brancos e 70% de do livro Literatura brasileira contemporâ- podem vir mais animadores. “Acho que o tor tiver total liberdade para se apropriar das nea: um território contestado, que a pesqui- número de mulheres vai aumentar, mas não histórias, independente de suas origens so- classe média. 70% sadora Regina Dalcastagnè acaba de lançar será tão significativo quanto as pessoas es- ciais ou raciais. Mas o que preocupava Regi- integram pela Editora da Universidade Estadual do tão pensando. Tenho a expectativa de que na não era o discurso, e sim a falta de instru- a classe média Rio de Janeiro (Uerj). tenha aumentado um pouco em relação aos mentos que possibilitassem a boa parte da Em 2004, Regina, que é professora da Uni- 27,3%, mas não muito”, avalia. Ela também população brasileira se apropriar de suas ou elite econômica versidade de Brasília (UnB) e coordenadora acredita que haverá uma pequena mudança próprias histórias e auto representar-se. do Grupo de Estudos de Literatura Brasileira na quantidade de autores negros e isso se Os números, a pesquisadora lembra, são Contemporânea, deu início a um mapea- deve, em parte, ao sistema de cotas implan- apenas um levantamento. Eles não podem e 27,5% mento quantitativo dos personagens e auto- tado nas universidades brasileiras. “Tenho não devem ser considerados como definiti- são pobres ou res na produção literária nacional. Na época, esperança de que vem aumentando, só que vos. A leitura do livro pode ser fundamental miseráveis os números confirmavam uma suspeita: ha- mais lentamente que a situação das mulhe- para a compreensão dos números.“O proble- via poucos negros e pobres na narrativa bra- res. É um longo processo. As mulheres vêm ma desse levantamento é que todos os inte- www.correiobraziliense.com.br sileira. E isso valia para o universo fictício das brigando para participar desse universo da resses se chocam. O perfil é abrangente e é OS DIRETORES histórias e para a cena real na qual circulam construção de discursos desde os anos sempre muito mais interessante fazer uma diariamente os autores. O grupo leu 258 ro- 1970, enquanto os negros vêm lutando para leitura mais aprofundada de um romance. Leia entrevista com Regina mances escritos por 165 autores entre 1990 e ter educação básica. Tem uma distância ain- “Minha mirada na literatura é sempre um Dalcastagnè. 82% 2004. Com o auxílio de fichas preenchidas da dentro dessas lutas”, explica. pouco mais aberta, mais panorâmica, tentan- dos diretores são com rigor acadêmico, a equipe chegou à con- Ela acredita que o cenário começou a do entender esses jogos de poderes de quem homens clusão de que 78,8% dos escritores brasileiros mudar em 1997, quando Paulo Lins publi- tem legitimidade para produzir e quem não são brancos, e 72,7%, homens. cou Cidade de Deus. Na época, o mercado tem, assim como a dificuldade que determi- 18% O cenário se repete nas narrativas. Em editorial atentou para o fato de que histórias nadas classes sociais têm de escrever e de os são mulheres 71,1% dos romances pesquisados, os prota- da periferia podiam dar lucro. Na esteira, livros serem aceitos como literatura.” » Leia mais na página 3 CMYK
  • 2. CMYK Diversão&arte • Brasília, sexta-feira, 15 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 3 CONTINUAÇÃO DA CAPA / Autores encaram a pesquisa sobre o romance brasileiro contemporâneo como retrato da nossa realidade Declassemédiaparaclassemédia » MAÍRA BRITO Por que não há tantos da poesia e do experimenta- QUATRO PERGUNTAS//NEI LOPES Iano Andrade/CB/D.A Press - 09/12/10 »NAHIMA MACIEL escritores negros? lismo cito os poetas Salgado Maranhão, já bem conhecido, V O universo do livro, no Bra- encedor de prêmios co- sil, tornou-se extremamente e Ricardo Aleixo, de Belo Ho- mo o Jabuti, APCA e Casa excludente. E digo “tornou- rizonte. de las Américas e organi- se” porque desde o século 18 zador de importantes co- até a primeira metade do sé- Dos 258 livros estudados, letâneas de contos de autores gays culo 20, houve até um certo apenas três protagonistas e de mulheres, o escritor Luiz Ru- protagonismo de escritores eram negras e mulheres. ffato não ficou surpreso com os negros (pretos e mulatos), Quarto de despejo, de resultados da pesquisa. “Esse le- quase nunca mencionados Carolina Maria de Jesus, vantamento só vem confirmar o como tal, por ser, naquele é uma das raras obras que vejo: quem escreve no Brasil tempo, infamante esse tipo escritas por uma mulher são homens heterossexuais de de menção. A ausência do es- negra. O livro foi traduzido classe média e brancos. Não é por critor negro na literatura bra- para 13 línguas, mas outro motivo, por exemplo, que os sileira, hoje, é fruto dos mes- continua esquecido no país. personagens são escritores. É gen- mos mecanismos de exclusão A qual fato o senhor te de classe média escrevendo pa- que operam nos círculos da atribuiu isso? ra classe média”, aponta Ruffato. O cultura, em geral. Nesses cír- Carolina Maria de Jesus te- que preocupa o autor de Mamma, culos, legitimadores e difuso- ve inclusive posta em dúvida son tanto felice é o caminho que res, as relações estabelecidas sua legitimidade como auto- leva aos resultados compilados desde os bancos escolares, e ra; e isso deve ter contribuído por Regina Dalcastagnè. “A litera- até mesmo de vizinhança, para o seu apagamento da tura que se faz hoje (no Brasil) é são fundamentais: o editor, o memória literária brasileira. um reflexo transparente do que é crítico literário, o dono de li- Mas é antologizada e estuda- nosso país: existe uma classe mé- vraria etc. muito raramente da nos meios acadêmicos lá dia que não tem nenhuma relação são negros ou moradores dos fora. Talvez se tivesse lançado com o resto do país”, lamenta. subúrbios e periferias, onde seu romance na década de Ruffato lembra que tanto Eu- se concentram as massa afro- 2000 teria “arrebentado a bo- ropa quanto Estados Unidos têm descendentes. Daí, a dificul- ca do balão”, com direito a fil- hoje uma literatura feita por des- dade das trocas; e até mesmo me, minissérie de tevê e tudo cendentes de imigrantes, negros o caráter estereotipado dos o mais. ou representantes de minorias personagens criados pelos cuja representatividade é consis- escritores reconhecidos. Existem meios para driblar tente graças ao acesso à educa- a exclusão da literatura ção. No Brasil, a realidade é outra. A quantidade de brasileira? “São filhos de operários ou de escritores negros do país A saída para os escritores classe média baixa que conquis- é inexpressiva ou está afro-brasileiros, e que fazem taram um nível de educação sufi- aumentando? Existe hoje literatura comprometida com ciente para se tornarem escrito- algum nome que apontaria sua circunstância étnica, co- res. Aqui isso é impossível. A edu- como destaque na literatura? mo é o meu caso, têm sido as cação no Brasil é absolutamente Dizer que o número de es- edições em regime de coope- excludente. Dificilmente um fi- critores está aumentando ou rativa ou as editoras “étni- lho de classe média baixa vai as- não seria leviano. O que pos- cas”; ou ainda aquelas com cender socialmente em uma uni- so dizer é que cada vez mais segmentos especializados. versidade boa para ter um reper- se torna invisível a produção Da minha parte, em 2006 pu- tório suficiente para se tornar es- dos literatos afro-brasileiros. bliquei por uma grande edi- critor. Logo, 90% do que é Brasil LuizRuffato:“EducaçãonoBrasiléexcludente.Dificilmenteumfilhodeclassemédiabaixavaiascendersocialmente” Digo também que há uma no- tora um livro de contos den- não aparece na literatura brasi- va geração de intelectuais ne- sos, ambientados no mundo leira porque não tem quem re- que fala de favela, violência. Te- preocupação do professor e es- quando se trata de elaborar um gros forjada nos meios acadê- do samba (Vinte contos e uns presente essa paisagem”, consta- mos o Ferrez, o Paulo Lins e isso critor Daniel Munduruku. “Li- pensamento crítico sobre a pro- micos, na qual conheço gente trocados, Record), do qual eu ta o escritor. democratiza mais, tem mais per- cenças poéticas são permitidas, dução. “Os números são mais que tem lugar garantido entre gosto muito e que foi bem re- fis de pessoas fazendo literatura.” mas é muito importante que interessantes para o Ministério os literatos. Cito um, como cebido pela crítica, mas não Mulheres Já o escritor Nei Lopes, autor quem escreve tenha a preocu- da Cultura ou instituições que exemplo: o historiador Flávio aconteceu. Apesar disso tudo, da Enciclopédia brasileira da pação em não ficar reafirmando distribuem bolsas. Isso serve dos Santos Gomes, dono de vou em frente. Se depender Para André Sant’Anna, criador diáspora africana, acredita que estereótipos ou reforçando ima- para o MinC começar a dar bol- um rol de obras publicadas de mim, existe, sim, literatura do jogador de futebol negro que cada vez mais se torna invisível a gens distorcidas. Infelizmente, sas aos desprivilegiados”, avalia, capaz de fazer inveja a muito negra no Brasil. Eu faço a mi- narra o celebrado O paraíso é bem produção dos literatos afro-bra- ainda se usa de forma caricatu- lembrando que uma das maio- membro da ABL. No campo nha parte. bacana, a cena literária experi- sileiros, e alerta para os males de ral muito das imagens indíge- res personagens do romance do mentou mudanças nessa primei- uma literatura tão segmentada. nas. A literatura pode ajudar a século 19, Madame Bovary, era ra década do século 21. Como ju- “O perigo é a consolidação da es- diminuir essa estereotipia na uma mulher criada por um ho- Márcia Moreira/Divulgação - 04/01/12 rado de concursos literários, ele tereotipação, que reserva aos medida em que apresentar per- mem. “Esse lado de diretiva me conta que tem recebido muitas mulatos e pretos (mais ainda a sonagens mais condizentes com incomoda. O outro nem tanto, narrativas baseadas na vida dos esses) determinados lugares e a realidade”, afirma o autor de porque é sempre bom que se di- próprios autores. Sant’Anna tam- papéis na sociedade brasileira e Coisas de índio e Contos indíge- ga o óbvio uluante.” Santiago bém vem observando uma pre- na economia da cultura em parti- nas brasileiros. também acredita que o cenário sença maior de autoras no merca- cular, como os do entretenimen- De acordo com Munduruku, mudou na última década. Ele do. “Acho que, nesse ponto, a lite- to e do esporte”. cerca de 10 títulos de autores relembra, por exemplo, as anto- ratura acompanha a sociedade. A indígenas são lançados por logias de contos gays e de mu- partir de agora vai haver mais Clichê ano. “Isso não é pouca coisa. lheres escritoras organizados mulheres, cada vez mais vejo no- Parte dessa demanda é fruto por Luiz Ruffato. vas escritoras nos eventos de que A pesquisa aponta que somen- das mudanças no sistema edu- A resistência à pesquisa no participo e também nesses con- te 7,9% dos personagens são ne- cacional brasileiro. Entre os meio literário é grande e muitos cursos”, destaca. gros, sendo que 75% desses per- que se destacam estão Yaguarê autores se recusam, inclusive, a Ele encara a geração dos anos sonagens são pobres e 20,4%, Yamã, do Amazonas; Wasiry falar sobre o trabalho. “Incomo- 2000 como mais equilibrada em bandidos. “O clichê, o estereóti- Guará, do Amazonas; Cristino da as pessoas essa ideia de fazer relação aos autores dos anos 1990, po, chega até o personagem. Se- Wapichana, de Roraima; Olívio parte de um conjunto. Elas sem- cuja criação ainda trazia resquí- gundo as leis de mercado vigen- Jekupé, de São Paulo”. pre se acham muito diferentes, cios da vida sob uma ditadura. tes, o que vende é o negro visto individuais. E é normal. Mas “Na geração do meu pai, as mu- (voyeuristicamente), sob o pris- Óbvio ululante considero importante ter essa lheres casavam virgens, agora elas ma da marginalidade e da misé- ideia de que, no conjunto, as coi- têm mais espaço. E a geração 1990 ria. E, dentro daquela lógica do O crítico e escritor Silviano sas estão aparecendo assim. Isso tem resquícios daquilo. Essa de ‘compre que todo mundo está Santiago, autor de Uma litera- não quer dizer que um autor que agora, a partir da coisa dos blogs, comprando’ e ‘é verdade porque tura nos trópicos, entende a pes- só trate de classe média não es- não só as mulheres, mas os ho- ‘deu’ na televisão’, o publico lê e quisa como uma maneira de or- teja fazendo um livro muito in- mossexuais e as pessoas mais po- acha que é só isso mesmo”. ganizar a literatura, mas não teressante e até crítico”, explica bres, apareceram com literatura Os clichês também são uma acha os números interessantes Regina Dalcastagnè. MÚSICA Pauleira de Sampa ão ivulgaç Midiamix/Divulgação - 28/02/13 Lady/D Mad Old Eduardo Fagundes tem 46 em seu som, atitude e até identi- anos e desde os 12 está no mun- dade — o nome se refere ao in- do da música. Ele e o irmão, “fu- consciente, às coisas “doidas” çadores e autodidatas”, mexiam que fazemos, sem conseguirmos no piano que a mãe tinha em ca- explicar. A “loucura” de Eduardo VIKING SOUL sa e aprenderam a compor. Toca- se traduziu na junção de instru- Primeiro CD da banda Mad Old vam juntos, formaram banda, mentos clássicos do heavy-me- Lady. Produção e distribuição in- ouviram Black Sabbath, tal, como guitarra, baixo e bate- dependente. 10 faixas. Preço Guns’N’Roses e Bon Jovi em vinis ria, a uma formação de três voca- médio: R$ 10. que o amigo Maurício Quaresma, listas — uma mulher (Flávia Tun- filho de portugueses, enviava da chel) e dois homens (Marcelo de Europa meses antes de chegar ao Paula e o próprio Eduardo) — e logo na primeira leva veio surpre- Brasil. “Uma influência induzida tempero de piano, gaita, harpa e sa: o baterista Guga Bento e a bai- de artistas aos quais meu irmão e flauta. A vontade de inovar resul- xista Gabi Moraes começaram no eu tínhamos acesso antes em tou no álbum de 10 faixas Viking gospel. Depois, foi a vez de Eduar- uma época em que as músicas soul : “Me inspiro na atitude do do ver a performance de Marcelo não chegavam instantaneamen- povo viking, nômade e desbrava- de Paula, então garçom do Brook- te”, diz Eduardo. Ao lançar o gru- dor”, diz o paulistano. lyn, bar em São Paulo onde os po Mad Old Lady, contudo, os ir- Desde o início, o grupo se for- funcionários cantam. Os guitar- mãos se separaram, e o paulista- mou de maneira inesperada. O ristas vieram de diferentes estilos no teve de contatar e contratar “típico paulistano descendente musicais — dois do próprio hea- novos músicos. de italianos, morador da Mooca, vy metal e um do jazz. “O heavy A “velha dama doida” já nas- palmeirense, católico e com forte metal está morto, precisa de re- ceu, portanto, de uma ruptura. E, sotaque da capital” chamou mú- novação e é isso que tentamos fa- No som e na atitude, a banda se propõe a expressar as coisas loucas que fazemos e não sabemos explicar assim, a banda se propõe a ser sicos para ajudá-lo no projeto e zer”, diz o líder da Mad Old Lady. CMYK