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Descargar para leer sin conexión
A história contada
pelos filmes
Câmera na mão,
ideia na cabeça
A história do país narrada pelos
filmes
Os novos métodos que têm mudado o
cinema independente.
Avanços tecnológicos no jeito de
fazer cinema
Como os avanços tecnológicos contribuem para se fazer filmes
e atraem cineastas consagrados como Godard
CLAQUETA L T E R N A T I V A
DEZEMBRO2015
2 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 3
2
Revista produzida por alunos do 6º semestre
do curso de Comunicação Social com
Habilitação em Jornalismo da Universidade
Anhembi Morumbi
Reitor
Oscar Hipólito
Diretor da Escola de
Comunicação e Educação
Prof. Dr. Luis Alberto de Faria
Coordenador do curso de Jornalismo
Prof. Ms. Nivaldo Ferraz
Primeiro-ministro do curso de Jornalismo
Prof. Ms. Alexandre Possendoro
Professores orientadores
Prof. Ms. Rafael Fonseca Santos
Projeto gráfico
Prof. Ms. Rafael Fonseca Santos
Felipe Henrique Lima
Redação e diagramação
Barbara Maria Godoy
Felipe Henrique Lima
Jéssica Parolin
Renata Aloise
Data desta edição
Novembro de 2015
expediente
Foto: Dayane Zanetil
CLAQUETA L T E R N A T I V A
4 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 5
A CLAQUETE ALTERNATIVA tem como mis-
são difundir o cinema alternativo no Brasil
de maneira inovadora, aprofundando os fa-
tos, discutindo, interpretando, analisando e
formando opinião. É uma revista feita para
quem gosta de ler, que quer saber sempre
mais sobre pessoas interessantes que fazem
coisas que fogem aos padrões que normal-
mente vemos na mídia — no caso, filmes.
Queremos que nossas matérias sejam tão
inovadoras quanto os filmes que nos ins-
piram e fazem parte do nosso dia-a-dia.
Porque a CLAQUETE ALTERNATIVA é feita
especialmente para aqueles que respiram
cinema, que acham que um dia sem filme é
um dia menos alegre.
A revista não se prende apenas a fazer uma
análise fria das produções alternativas, ela
quer entrar no universo, se aproximar da
realidade e trazê-la para seus leitores, para
que possam não apenas compreender, mas
interpretar e interagir com o mundo alter-
nativo das produções cinematográficas, au-
mentando ainda mais seu prazer e amor por
esse gênero.
apresentação
RECORDANDO
6. MARCOU VOCÊ
7. ISMOS
8. CINE HISTÓRIA
11. MESTRES
CINE MANIA
12. CINE GOURMET
13. SONORA
14. INDIE
18. VIAJANDO
20. CAPA
24. CINE DE RUA
FIQUE POR DENTRO
28. ESTREIAS E
ANÁLISES
sumário
p. 8
p. 11
p. 18
p. 20
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Foto:Divulgação
Foto:Tate-Vader©
6 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 7
ismos
Neorrealismo Italiano
Por Renata Aloise
Também conhecido como a Era de Ouro do Cinema Ita-
liano, é um movimento caracterizado por histórias focadas
na classe pobre trabalhadora, filmadas fora dos estúdios,
frequentemente estreladas por atores não profissionais.
Distinguiu-se pelo uso de elementos da realidade numa
peça de ficção, aproximando-se até certo ponto, em algu-
mas cenas, das características dos documentários. Ao con-
trário do cinema tradicional de ficção, buscou representar
a realidade social e econômica de uma época.
O termo surgiu quando, em 1943, Umberto Barbaro
chamou de “neorrealístico” o filme Obsessão, de Lunchino
Visconti, no qual havia trabalhado como montador. Mas foi
só dois anos depois que o movimento ganhou notorieda-
de mundial, com o lançamento de Roma, cidade aberta, de
Roberto Rossellini, que ganhou o Prêmio do Júri, no Festi-
val de Cinema de Cannes.
As crianças tem papel fundamental, e sua presença no
final do filme de Rossellini é indicativa de seu papel no
neorrealismo como um todo: observadores das dificulda-
des de hoje, são como uma chave para o futuro. Ladrões
de bicicletas, filme de Vittorio De Sica de 1948, também é
bastante representativo do gênero, com atores não profis-
sionais e uma história que mostra de maneira detalhada as
dificuldades da classe operária do pós-guerra.
CLAQUETE INDICA
1 - A terra treme, 1948, Luchino Visconti
2 - Alemanha, ano zero, 1948, Roberto Rossellini
3 - Arroz amargo, 1949, Giuseppe De Santis
4 - Umberto D., 1952, Vittorio De Sica
Foto:DivulgaçãoFoto:DivulgaçãoFoto:Divulgação
marcou você
Marcou você...
Por Barbara Godoy e Renata Aloise
O Medo Consome a Alma, 1974
“Nesses últimos tempos eu estou muito ligada ao Fassbinder, estou
muito envolvida com o cinema dele, com a figura humana que ele era.
O filme que tem me estimulado muito é O Medo Consome a Alma. É um
filme tão bonito que mostra uma boa parte das relações que a gente
tem com o outro, como os outros definem as nossas relações. Quando
a personagem vence esse medo do outro, ela começa a impor o outro
que tem dentro dela, aquele outro que nos habita. Na juventude ela foi
do grupo nazista, então o amante dela é argelino e ela começa a impor
a cultura alemã para o argelino, e ele, claro, fica possesso. É muito inte-
ressante. O Medo Consome a Alma, até o título é genial.”
Inez Pereira da Luz, professora na Universidade Anhembi Morumbi
Pink Floyd - The Wall, 1982
“Assisti mais de sete vezes [The Wall, do Pink Floyd] aos 18 anos e pedi
as contas do meu primeiro emprego. Eu achava que não me corres-
pondia, eu podia fazer coisa melhor. Todo o filme me inspirou, mas
o principal é a cena final que até hoje está na minha cabeça. Apare-
ce uma parede e então vem a música que diz para você derrubar as
paredes, porque as pessoas que te amam estão atrás delas. O filme
todo é uma metáfora, uma crítica à guerra. Há uma cena de linha de
produção em que as pessoas vão sendo trituradas, moídas, como car-
ne. Assisti num cinema que nem existe mais, mas que tinha uma tela
acústica, você entrava no filme. Chamava-se Comodoro, na Avenida
São João. A tela acústica, a música do Pink...foi bom.”
Rose Naves, professora na Universidade Anhembi Morumbi
Foto:FelipeHenriqueLima
Foto:FelipeHenriqueLima
Ladrões de bicicletas
Alemanha, ano zero
Umberto D.
8 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 9
cine história
As memórias do BrasilComo os recursos audiovisuais do cinema têm contribuído para a reprodução de experiências e fatos através do tempo
Por Barbara Godoy, Felipe Henrique Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise
Um garoto entra no fusca com
os pais, que dizem que vão sair
de férias. Mas no dia seguinte ele
tem aula, como vão sair de férias?
O pai se enerva, isso não é brinca-
deira. O menino então, pega seu
maior tesouro debaixo da mesa
da cozinha. Como vai viajar sem
sua bola de futebol? E será que
Pelé e Tostão podem jogar jun-
tos?
A cena do filme O ano em que
meus pais saíram de férias mos-
tra bem o drama da ditadura no
Brasil. O terror das perseguições
e torturas escondido pela euforia
da Copa do Mundo de 1970, no
México. E assim é contada a his-
tória através do cinema.
Desde a época das pinturas ru-
pestres na pré-história, os huma-
nos registram o que observam,
seus dias, suas experiências, suas
descobertas, entre outros aspec-
tos da vida cotidiana e política.
Os tempos passaram, mas a
necessidade de guardar nossas
memórias, como herança aos
nossos descendentes, não mu-
dou. O que mudou foi a maneira
de fazer isto. As pinturas moder-
nas, os vídeos, o áudio, a fotogra-
fia, a internet, o cinema, a televi-
são. Tudo a favor das histórias de
pessoas, famílias, povos, nações
e do mundo. É como pensou o
teórico francês Jacques Bossuet,
“a história é o grande espelho da
vida; instrui com a experiência e
corrige com o exemplo.”
Uma das ferramentas que se
destacam neste meio e que está
ajudando a contar muitas expe-
riências, é o cinema. Como um
mergulho no tempo, os cineas-
tas tentam reproduzir os luga-
res, pessoas, vestimentas, falas,
feições e cada detalhe, trazendo
maior compromisso com a reali-
dade. De acordo com o historia-
dor francês Marc Ferro, “intriga
autêntica ou pura invenção”, filme
é história.
Pode ser que você nunca te-
nha estudado sobre ou vivido
períodos de guerras, ditaduras,
revoluções, imperialismo, demo-
cracia, fome, doenças, mas os fil-
mes conseguem fazer com que
você entre neste universo e se co-
loque no lugar de pessoas que já
vivenciaram tudo isso.
No Brasil existem alguns filmes
que conseguem transparecer
tudo o que vivemos no país por
ângulos e visões diferentes.
“O Brasil tem seu jeitinho úni-
co e genuíno de fazer cinema,
pois também a história daqui é
única,” comenta Artur Mirov, for-
mado em cinema Digital pela La-
tin America Film Institute. “Acho
que entre muitos erros e acertos,
temos de elogiar.”
Contar histórias de fatos histó-
ricos ocorridos no país tem dado
certo. A trama do sequestro do
embaixador dos Estados Unidos
no Brasil em 1969, virou filme nas
mãos de Bruno Barreto em 1997,
adaptado do livro do jornalista
Fernando Gabeira.
O que é isso, companheiro? foi
indicado para o Oscar de Me-
lhor Filme Estrangeiro no ano
seguinte. Outra produção indi-
cada ao prêmio da Academia foi
O quatrilho, de Fábio Barreto. A
película conta a história de uma
comunidade rural no estado do
Rio Grande do Sul habitada por
imigrantes italianos, e mostra
as dificuldades encontradas por
aqueles que deixaram seu país de
origem para viver no Brasil.
“O cinema sempre foi uma
arte para a comunicação de mas-
sas, um meio em que se podia
explorar o simbólico e assim fu-
gir da censura, explorar a autoria
em prol do total e isso é absolu-
tamente necessário,” afirma Luiz
Felipe Baute, 22, formado em Co-
municação Social e roteirista na
Foto:Divulgação
Coala Filmes.
Essa afirmação pode até expli-
car por que o período da ditadu-
ra é ainda o tema mais abordado
pelas produções cinematográfi-
cas. “Foi a época do veto total. O
horror, a falta de liberdade. Tudo
proibido e o desumano impe-
rava no pais,” completa Arthur
Mirov. “Também há muito o que
desvendar ainda, existem docu-
mentos de desaparecidos que
ainda não foram lidos e pessoas
que desconhecem onde os seus
parentes e presos políticos estão
enterrados.”
Os filmes, de certa forma, são
documentos. Fixam em suas ima-
gens partes de nossas memó-
rias. Por mais que não tenhamos
produzido a película, épocas por
qual passamos nos fazem relem-
brar e nos identificarmos. Por te-
rem essa função, é importante
que os tenhamos em alta conta,
apesar da não podermos depen-
der exclusivamente deles.
“Mesmo o mais documental
dos documentários é sujeito a
montagem. O cinema é a arte da
construção através da descons-
trução,” diz Luiz Felipe Baute. “O
filme buscará aproximar o espec-
tador pela sua narrativa, seja fic-
cional ou não, mas ele não será
realidade, a própria linguagem
do cinema foi construída a partir
dessa percepção e por isso ele
pode adquirir dimensões mui-
to maiores. O papel do cinema é
esse retrato em aproximadamen-
te, e comumente, duas horas e o
seu assunto, será o assunto do fil-
me e não do real.”
Foto:Divulgação
Cena do filme O que é isso companheiro?, 1997, de Bruno Barreto
O ano em que meus pais saíram de férias, 2006, de Cao Hamburguer
10 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 11
As cinebiografias, como por
exemplo o recente Getúlio, de
João Jardim, são retratos interes-
santes que ajudam a entender
fatos passados, uma janela aber-
ta sobre um pedaço de vida. Mas
uma vida é muito mais que duas
horas.
Assim como os filmes podem
contar histórias, também a his-
tória pode se contar através dos
filmes. Muitas produções cine-
matográficas representam sua
época nas telas, podendo se
transformar no futuro em boas
ferramentas para se entender ge-
rações que já passaram.
A geração do Cinema Novo na
década de 60, por exemplo, trans-
pôs o contexto de incerteza da
época com certa precisão, mes-
mo que de forma subjetiva, para
suas produções. Filmes como Ter-
ra em Transe, de Glauber Rocha
e O Bandido da Luz Vermelha, de
Rogério Sganzerla, são clássicos
estudados até hoje.
Dessa forma, por mais distante
que possa parecer, não é comple-
tamente absurdo dizer que o ci-
neasta, ao fazer um filme de teor
histórico, assume a posição de
historiador, apesar de não seguir
à risca o rigor do trabalho histo-
riográfico.
A história do Brasil contada
pelos filmes
Fotos: Divulgação
Arte: Jéssica Parolin
Foto: Divulgação
Michelangelo Antonioni
Por Renata Aloise
mestres
A desilusão que traz o futu-
ro é traduzida por um simples
olhar, que vaga lânguido pelo
espaço vazio de um mundo que
não parece pertencer a ninguém
em particular. O olhar pertence à
musa Monica Vitti. A direção per-
tence ao grande mestre italiano
Michelangelo Antonioni.
Filho de uma rica família de
proprietários de terra, nasceu em
1912, em Ferrara, no norte da Itá-
lia. Desde pequeno se interessou
por desenhos e música, e já aos
nove anos deu seu primeiro con-
certo de violino.
Logo após se formar em eco-
nomia pela Universidade de Bo-
logna, começou a trabalhar como
jornalista de cinema para o jornal
Il Corriere Padano, em 1935.
Em 1940, se mudou para
Roma, onde trabalhou na revis-
ta oficial fascista Cinema, mas foi
despedido alguns meses depois
por desavenças polítcas.
Em 1942, foi contratado para
co-escrever Un pilota ritorna com
Roberto Rossellini, e trabalhou
como diretor assistente em Más-
cara de sangue, de Enrico Fulchig-
noni. No ano seguinte conseguiu
financiamento para Gente do Pó,
documentário sobre a vida dos
pescadores que viviam às mar-
gens do Rio Pó.
Mudou os rumos de sua obra
com o lançamento de seu primei-
ro longa, Crimes da alma, de 1950.
O filme trata da classe média ita-
liana e de alienação social, assim
como seus próximos três filmes.
Em 1960, sua obra-prima es-
treou no Festival de Cinema de
Cannes. A aventura é um estudo
sobre alienação, tédio e isola-
mento espiritual que atravessa
seus 143 minutos lentamente,
sem seguir uma história bem defi-
nida através de seus longos e be-
los planos. Mesmo sua premissa
básica – a busca por uma mulher
perdida – é abandonado antes do
final do filme, o que causou a fú-
ria dos espectadores em Cannes.
A produção ganhou o Prêmio do
Júri e transformou tanto Antonio-
ni, como a estrela da produção,
Monica Vitti, em astros.
A noite – o segundo filme da
trilogia iniciada por A aventura –
estreou em 1969, ainda exploran-
do os temas da alienação, não-co-
municação e a falta de sentido da
vida moderna. O fim da trilogia
veio em 1962, com O eclipse, a
história de uma jovem que aban-
dona o amante e logo se relacio-
na com outro homem.
Em 1966, filmou Blow-up na
Inglaterra, seu maior sucesso co-
mercial. Sua popularidade trouxe
o cineasta italiano aos Estados
Unidos, onde produziu Zabriskie
Point em 1970, sua única produ-
ção americana.
Produziu então Chung Kuo/
Cina, um documentário para a TV
gravado na China, denunciado
pelo governo como “anti-Chinês”
e“anti-comunista”.
Em 1985, sofreu um derrame
que o deixou parcialmente para-
lizado e incapaz de falar. Apenas
dez anos depois voltou a dirigir,
com Além das nuvens, co-dirigido
pelo alemão Wim Wenders.
Nesse mesmo ano, Antonioni
ganhou um Oscar honorário, uma
reverência à sua brilhante carreira
que desafiou a noção básica do
que é apresentar uma história em
forma cinematográfica. Ele fale-
ceu em 2007, aos 94 anos.
Foto:TheRedList
O Bandido da Luz Vermelha, 1968, Rogério Sganzerla
12 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 13
cine gourmet
“...qualquer um pode cozinhar”.
Por Jéssica Parolin
A animação Ratatouille, obra
do diretor Brad Bird, lançado em
2007 pelos estúdios Pixar, faz su-
cesso entre as crianças e adultos.
Mergulhamos na história com o
ratinho francês Remy que sonha
em ser chef de cozinha, porém é
apenas um roedor que rouba co-
mida dos lixos.
Um acidente faz com que
Remy se perca da família e encon-
tre um famoso restaurante. Lá ele
é guiado pelo espírito do grande
chef Gusteau e se une a Linguini,
um faxineiro desajeitado que de-
seja ser cozinheiro.
Após o filme é quase impos-
sível não desejar experimentar o
famoso Ratatouille, prato que dá
nome a obra. Embarque nessa
aventura gastronômica.
Ingredientes
- 1 unidade pequena de berinjela
- 1 unidade pequena de abo-
brinha italiana
- 2 unidades grandes de tomate,
sem sementes
- 1 unidade média de pimentão
verde, sem sementes
- 1 unidade média de cebola
picadinha
- 1 dente de alho picado
- 3 colheres de sopa de azeite de
oliva
- Sal a gosto
- Pimenta-do-reino a gosto
- 1 colher de chá de manjericão
picado
- 1 colher de chá de orégano
picado
- 1 colher de chá de salsinha
picada
Como fazer
Fatie a berinjela em rodelas
finas. Depois de cortada, deixe
descansar por alguns minutos
com sal, sobre um escorredor,
para drenar seu líquido e retirar o
sabor amargo.
Fatie também a abobrinha ita-
liana, o tomate e o pimentão ver-
de. Reserve.
Refogue o alho e a cebola no
azeite, usando uma frigideira
grande. Faça isso até que a cebola
fique transparente.
Em um recipiente, alterne as
rodelas dos legumes, colocando
uma ao lado da outra, de modo
que criem um efeito visual colo-
rido.
Espalhe a cebola e o alho fri-
tos no azeite sobre os legumes,
acrescente sal e pimenta-do-rei-
no a gosto.
Acrescente as ervas e leve ao
forno por cerca de 20 minutos ou
até que os legumes estejam cozi-
dos e o líquido, evaporado total-
mente.
sonora
Olhe para trás, para as recorda-
çõesquepovoamnossamemória,
as formaturas, as conversas com
os pais, quando nossas amizades
pareciam ser eternas ou tudo o
que você queria era dirigir sem
direção, rumo a um lugar onde
seu coração não sentiria a dor de
ser partido. Essas situações pro-
vavelmente foram embaladas por
uma canção.
O compositor francês Michel
Chion disse que um dos mais sig-
nificativos impactos do uso de
som no cinema foi seu efeito no
tempo cinematográfico, tornan-
do-o uma“arte do tempo”.
O filme Boyhood, de Richard
Linklater, é um verdadeiro épico
em quase todos os sentidos. Gra-
vado durante 12 anos, mostra a
trajetória de Mason nesse“tempo
real” cinematográfico, envolven-
do o espectador no mundo cria-
do pelo cineasta americano.
Som e música estruturam o
universo do filme, as descober-
tas e epifanias dos personagens.
Uma menininha canta à plenos
pulmões “Oops! ... I Did it Again”,
de Britney Spears para irritar seu
irmão mais novo, sem entender a
letra direito; A excitação infantil
dá lugar aos resmungos adoles-
centes que quase não entende-
mos.
Por trás de tudo isso há músi-
ca tocando, constantemente. A
trilha sonora de Boyhood foi elo-
giada pela especificidade, pelo
jeito em que as canções traçam
a cronologia da história, desde
“Yellow”, de Coldplay, no início
do filme, até “Summer Noon”, de
Jeff Tweedy, nos créditos finais. E
mesmo assim, o mundo sônico de
Boyhood é mais que uma mixtape
desconexa. Há uma divisão clara
entre as músicas do mundo do
filme – um personagem ouvindo
um CD, ou o rádio – e as músicas
que ocorrem além do quadro da
câmera.
Boyhood mostra a dualidade
da música pop, efêmera e atem-
poral, enquanto oferece um es-
tudo de como a música funciona
em nosso dia-a-dia. “LoveGame”,
de Lady Gaga,“Anthem Part Two”,
de Blink-182,“Good Girls Go Bad”,
de Cobra Starship, refletem o
gosto das pessoas que habitam
o mundo do filme, mais do que o
gosto daqueles que o produziram
(ou daqueles que o assistem).
E é claro, ser jovem é passar
muito tempo ouvindo músicas
que não necessariamente você
irá gostar daqui um, dez ou vin-
te anos. A trilha sonora da nossa
vida é bonita, irritante, embaraço-
sa, necessária. E Boyhood mostra
isso de maneira primorosa, coisa
que poucos filmes conseguem.
A música da minha vida
Por Renata Aloise
Foto:Divulgaçãoo
Foto:Divulgaçãoo
Cena do Filme Ratatouille, 2007, de Brad Bird e Jan Pinkava
Dica: sirva com baguete
ou pão italiano. O prato
também pode ser ser-
vido como acompanha-
mento de carnes e aves.
14 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 15
indie
Câmera na mão, ideia na cabeça
Revolução ou ditadura. Eram
as alternativas que se coloca-
vam à disposição da população
brasileira entre os anos 50 e 70,
a primeira vista. Era necessário
o desenvolvimento do país, seja
para acompanhar um mercado
internacional ou para remediar as
contradições sociais existentes.
Mas esse desenvolvimento não
poderia ser realizado de forma
isolada, num mundo em que o
capitalismo se tornava cada vez
mais mundial. No entanto, esse
desenvolvimento era acompa-
nhado de um processo de urbani-
zação e industrialização que gera-
va uma gradual desintegração da
cultura nacional, dos costumes,
da tradição, que muitas vezes re-
presentavam válvulas de escape
para uma situação de miséria e
sofrimento, e de transgressão e
luta. Era esse o contexto vivido
pelo cineasta Glauber Rocha.
Grande representante do Ci-
nema Novo brasileiro na década
de 60, Rocha já dizia que para se
fazer cinema é necessário ape-
nas “uma câmera na mão e uma
ideia na cabeça”. E até hoje, talvez
mais do que nunca, sua frase tem
um efeito imenso. Sua filosofia
de transformar o país através do
cinema não incluía grandes or-
çamentos, apenas uma ideia re-
volucionária que abriria os olhos
da população para os problemas
sociais que o Brasil enfrentava.
O conceito de “cinema inde-
pendente”, também chamado de
“underground” ou “alternativo” é
aplicado a um filme que foi pro-
duzido sem a interferência de um
grande estúdio cinematográfico
e sem a influência de interesses
comerciais e mercadológicos.
Mas, o significado de cinema
independente não pode ficar
restrito apenas a um filme “não
-hollywoodiano”. Ele vai muito
além disso. Um filme indepen-
dente precisa se desgarrar do
óbvio, tem que ter a audácia para
contar uma história inovadora
com um ponto de vista mais críti-
co, mais abrangente, enfim, deve
apresentar mais do que o clichê
adotado pelo cinema comercial.
O termo “independente” co-
meçou a ser usado na década de
50, quando as películas passa-
ram a ser produzidas no formato
16mm, ampliando o acesso de
mais pessoas no processo de pro-
dução da sétima arte.
Portanto, não é de hoje que
os avanços tecnológicos contri-
buem para o crescimento desse
tipo de cinema, conhecido por
suas técnicas experimentais tan-
to na narração quanto dramatici-
dade, e por histórias que buscam
maior engajamento político.
A facilidade trazida com os
smartphones e suas câmeras de
alta resolução, além de avança-
dos programas de edição de ví-
deo, fazem com que qualquer
um possa se aventurar na produ-
ção de um filme. Antes um sonho
distante para alguns, agora ser
notado numa indústria conhe-
cidamente fechada pode estar
mais fácil.
“A tecnologia tem impacto
positivo na produção de filmes
autorais e de baixo orçamento,
pois promove a democratização
do acesso a equipamentos de
alta qualidade, mas com custos
Como os cineastas brasileiros driblam a falta de recursos e incentivos para levar seus filmes a um público cada vez mais
ansioso por histórias que saem do lugar-comum
menores”, diz Luana Melgaço,
36, produtora. “Mas é preciso ter
o cuidado para saber utilizá-la
como meio ou veículo a favor da
proposta do projeto e não de for-
ma‘aleatória’”.
Luana trabalha no grupo A
Teia, que abriga sua produtora de
cinema, a Anavilhana. Entre suas
produções, estão os premiados
Girimunho, de Clarissa Campolina
e Helvécio Martins Jr., O céu sobre
os ombros, de Sérgio Borges e A
falta que me faz, de Marília Rocha.
“Desde que comecei a me de-
dicar à produção de filmes, tenho
escolhido projetos que têm como
objetivo a sua relevância artística
e pesquisa de linguagem e não
necessariamente com resposta
comercial nas bilheterias”, co-
menta Luana.
Intimidade entre a obra e
seus autores.
Fazer um filme sem o finan-
ciamento dos grandes estúdios
traz grande liberdade para os ci-
neastas trabalharem suas ideias
da maneira que as conceberam
originalmente. Sem a necessida-
de de agradar patrocinadores,
parceiros e sem a pressão de criar
uma obra que alcance a massa e
renda grande retorno financeiro,
os autores podem ousar mais nos
diálogos e no enredo, bem como
no enfoque de suas obras.
“Funcionam melhor na relação
de cinema de autor”, diz Luiz Feli-
pe Baute, 22, formado em Rádio
e TV e roteirista na Coala Filmes.
“Muitas vezes isso representa um
olhar diferenciado e subversivo
às montagens e paradigmas clás-
sicos ou convencionais nos quais
estamos acostumados com os
filmes dito hollywoodianos, uma
profundidade bem particular, é
interessante”.
Por essa maior liberdade, o
cinema independente tem se
Por Barbara Godoy, Felipe Henrique Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise
Foto:Divulgação
“A câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia,
mas a pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil”. Glauber Rocha
Um filme independente
precisa se desgarrar do
óbvio, tem que ter a
audácia para contar uma
história inovadora com
um ponto de vista mais
crítico, mais abrangente,
enfim, deve apresentar
mais do que o clichê
adotado pelo cinema
comercial.
Um filme independente
precisa se desgarrar do
óbvio, tem que ter a
audácia para contar uma
história inovadora com
um ponto de vista mais
crítico, mais abrangente,
enfim, deve apresentar
mais do que o clichê
adotado pelo cinema
comercial.
16 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 17
indie
destacado por histórias que apre-
sentam um grande viés social,
principalmente no que diz res-
peito à política e ao estilo de vida
da sociedade atual. É comum ver-
mos obras com críticas ao gover-
no, à violência, ao capitalismo e
à forma superficial como as pes-
soas do século XXI enxergam o
mundo.
A difícil escolha de voar
com as próprias asas
A independência, no entanto,
traz algumas dificuldades provo-
cadas pelo desprendimento do
apoio dos grandes estúdios. O fi-
nanciamento e a distribuição são
os principais setores que atrasam
a chegada da obra ao público.
O cineasta Maurício Eça lan-
çou seu primeiro longa-metra-
gem Apneia em 2014. Mas entre
escrever e lançar o projeto se pas-
saram cinco anos. “Por ser um fil-
me nada comercial foi mais difícil
conseguir apoiadores e patroci-
nadores que entendessem a cara
que o filme deveria ter”, ele diz.
“Mas graças a algumas empresas
que entenderam a mensagem do
filme e a equipe de atores que
vestiram a camisa e se entrega-
ram de corpo e alma, pudemos
realizá-lo”.
Além do tortuoso caminho
percorrido pelos cineastas na
produção de seus filmes, há ain-
da a difícil chegada às salas de ci-
nema. Com o gradativo aumento
dos locais de exibição nos sho-
ppings, a preferência vai sendo
dada para as películas que têm
seu sucesso praticamente ga-
rantido, geralmente estrelando
atores populares que atraem um
público imenso.
“O Brasil não possui uma in-
dústria cinematográfica, mas sim
grandes conglomerados que aca-
bam tomando conta da produção
audiovisual que, consequente-
mente, tem seu espaço reservado
nas grandes salas de exibição do
país, como a rede internacional
Cinemark”, comenta Alex Bonilha,
22, que trabalha na O2 Filmes e
estuda Rádio e TV. “Hoje, filmes
independentes acabam possuin-
do um pequeno espaço em sa-
las de exibição mais alternativas,
como o CineSesc. Além, é claro,
dos festivais ao redor do mundo.
Se não fossem as inscrições, exi-
bições e premiações em festivais
internacionais, talvez nem no
próprio país de origem os títulos
tivessem a oportunidade de se-
rem exibidos”.
Certamente os festivais de ci-
nema regionais e internacionais
são os maiores responsáveis pela
divulgação dos filmes “under-
grounds”. Em número cada vez
maior e sendo realizados com
mais frequência, esse tipo de
evento evidencia a importância
desses filmes para o cenário do
cinema como um todo. Os filmes
independentes são um contra-
ponto ao cinema de mercado de
massa e sempre questionam seus
valores, dando foco a histórias e
personagens marginalizados pela
sociedade capitalista e revivendo
momentos da história que não
podem simplesmente ser esque-
cidos.
O Brasil no cenário inter-
nacional
Apesar das dificuldades, a pro-
dução independente brasileira
tem recebido certa atenção em
festivais internacionais. A produ-
ção de 2014, Hoje eu quero voltar
sozinho, dirigida por Daniel Ribei-
ro, estreou na seção Panorama do
Festival Internacional de Berlim,
que compreende filmes de no-
vos cineastas e lidam com temas
considerados mais controversos,
não-convencionais. Acabou por
levar o prêmio Fipresci, concedi-
do pela Federação Internacional
de Críticos de Cinema.
Alex Bonilha lembra ainda do
filme Beira-mar, de Filipe Mat-
zembacher e Marcio Reolon,
que também estreou em Berlim,
na edição de 2015. “É um filme
gaúcho que também aborda a
homossexualidade de uma for-
ma sutil e nada vulgar. Tem mo-
bilizado uma grande quantidade
de pessoas nas redes sociais. Ele
está no catálogo do Netflix nos
Estados Unidos, mas pro Brasil,
seu país de origem, só tem sua
estreia marcada para o início de
novembro.”
Girimunho, produzido por Lua-
na Melgaço, estreou em 2011 no
Festival de Cinema deVeneza e al-
guns meses depois foi exibido no
Festival Internacional de Toron-
to. Ganhou o prêmio de melhor
estreia no Festival de Havana. “O
reconhecimento dos filmes reali-
zados também abre portas para
que vários profissionais queiram
trabalhar conosco e estabelecer
trocas artísticas com os nossos
projetos,”diz a produtora.
O futuro na sétima arte
É difícil para os produtores
independentes competir com o
cinema comercial. Cineastas in-
dependentes dispõem de menos
recursos financeiros e tecnológi-
cos que podem gradativamente
apagar a chama, diminuir a von-
tade de se fazer cinema. Mas isso
pode ser visto como um desafio, e
não um problema.
“Hoje vivemos um momento
de um acesso incrível em que é
possível se fazer com câmeras e
equipamentos super acessíveis
numa qualidade boa. Cada um
vai descobrir a sua forma e o seu
jeito de lançar e divulgar o filme,
seja online, seja da forma que for,”
diz Maurício Eça.“Se fosse dar um
conselho, é buscar a ideia mais
criativa, trabalhe ela o máximo
possível, estude as possibilida-
des, os detalhes, ensaie e se pre-
pare muito pra quando chegar a
hora você poder estar seguro e
confiante e a chance de proble-
mas minimizar.”
É preciso fisgar as pessoas, por
isso a importância de uma histó-
ria bem contada. Um enredo for-
te, atuações convincentes e um
bom poder de criatividade são
capazes de driblar todas as difi-
culdades causadas por um orça-
mento limitado e fazer com que
um filme independente alcance
o sucesso. Uma câmera na mão
pode ser o que falta para trazer
várias ideias às cabeças daqueles
que não se assustam com os per-
calços que se apresentam ao lon-
go do caminho.
Cena do filme“Girimunho”, 2011
Foto:Divulgação
“A tecnologia tem
impacto positivo
na produção de
filmes autorais e de
baixo orçamento,
pois promove a
democratização do
acesso a equipamentos
de alta qualidade, mas
com custos menores”
Luana Melgaço
Filme Apneia, 2014, de Maurício Eça Foto: Divulgação Foto: Divulgação
Filme Hoje eu quero voltar sozinho, 2014, de Daniel Ribeiro
18 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 19
viajando
Conhecendo Paris com Celine e Jesse
O poder do diálogo associado ao encanto do cenário parisiense
Por Barbara Godoy
O filme Antes do Pôr do Sol, dirigido pelo diretor Richard Linklater, foi lançado em 2004 e é uma conti-
nuação de Antes do Amanhecer, obra inaugural da trilogia que retrata a relação entre Celine e Jesse, per-
sonagens que se conhecem em um trem e passam a se relacionar através de diálogos arrebatadores que
perduram durante todo o roteiro, envolvendo a complexidade e fragilidade das questões existenciais. É
respeitando esse ritmo que Linklater origina um conjunto de obras coerentes a um cinema que tem muito
a acrescentar.
1 - Livraria Shakespeare and Company
O início desse reencontro, 9 anos depois, acon-
tece na livraria parisiense Shakespeare and
Company, conhecida como a mais charmosa do
mundo. Ela se mantém na região da Rive Gua-
che desde 1951, às margens do Rio Sena e com
vista para a catedral de Notre Dame. É lá que
Jesse, após se tornar um famoso escritor, está
em turnê do lançamento de seu livro, This Time,
e reencontra Celine, que vai até o local ao saber
do evento.
2 - Le Pure Café
É nesse atraente café que os dois resolvem pa-
rar após alguns minutos de caminhada, nele
o casal comenta sobre as mudanças físicas e
psicológicas acarretadas pelo tempo, e desco-
brem, também, que durante os anos perdidos
estiveram ao mesmo tempo em Nova Iorque.
3 - Coulée Verte René Dumont (antigo Pro-
menade Plantée)
Voltando a caminhada, os dois se dirigem ao
jardim suspenso Promenade Plantée, feito em
cima de um viaduto no bairro de Bastille. Ao tra-
tarem de assuntos como infância e morte, Celi-
ne alega: “A memória é uma coisa maravilhosa
se você não tiver de lidar com o passado”.
4 - Quai de La Tournelle (Pont Sully)
Após o passeio no atraente jardim parisiense, os dois
se dirigem até às margens do Rio Sena e embarcam no
bateau mouche, embarcação própria de passeios tu-
rísticos que possui o convés superior aberto para que
as regiões possam ser apreciadas. Mas aqui, o cenário
se torna apenas um plano de fundo em meio a conver-
sa dos dois.“... Não se pode substituir ninguém, porque
todo mundo é uma soma de pequenos e belos deta-
lhes.”Essa cena dá origem à imagem de capa do filme.
5 - Quais Henri IV
É aqui que os dois desembarcam e onde o motorista
de Jesse o aguarda para levá-lo até o aeroporto. Ele,
então, oferece uma carona até o pequeno apartamen-
to de Celine. A sequência de cenas dentro do carro evi-
denciam ainda mais a delicadeza de Linklater, encon-
trada nos diálogos e nas minúcias, como no momento
em que Jesse olha para a janela e Celine tenta, disfar-
çadamente, tocar seu rosto. Instante que também está
presente no primeiro filme, quando os dois acabam de
se conhecer e Jesse tenta tocar, delicadamente, o ca-
belo de Celine.
6 - Court de I’Étoile d’Or
A última parada acontece na Court de l’Étoile d’Or, pe-
quena vila com casinhas localizada na Rue du Fauburg
Saint-Antoine, onde Celine mora. Jesse resolve conhe-
cer seu lar e promete não demorar, porém, no meio
desse desfecho, enquanto Celine resolve finalmente
tocar algo para ele ouvir, a atração entre os dois se
evidencia nos versos musicais “...Uma única noite com
você, pequeno Jesse, vale por milhares com qualquer
outro.” É assim, no meio de uma valsa e de Celine imi-
tando a presença de palco de Nina Simone, que Jesse
se vê encurralado entre a realidade e o caso de amor
que não terminou naquela noite de 95. Aqui, Linklater
nos presenteia com o final mais tentador da história
do cinema.
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Foto:DivulgaçãoFoto:DivulgaçãoFoto:Divulgação
Foto:DivulgaçãoFoto:DivulgaçãoFoto:LucasGodoy
20 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 21
capa
A arte do futuroO jeito de fazer cinema se modificou profundamente com a inclusão das novas tecnologias que vão surgindo a cada dia.
Mas todo esse avanço contribui ou prejudica a arte de contar histórias?
Por Barbara Godoy, Felipe Henrique Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise
Explosões, fogo, prédios que
desabam, o fim do mundo. Ima-
gens que transmitem as emoções
necessárias para se contar um de-
terminado tipo de história. Coisa
que o cinema consegue tão bem,
e não é de hoje. Desde o começo,
a tecnologia anda junto com os
cineastas para que grandes acon-
tecimentos como os relatados
possam ser integrados ao roteiro
dos filmes e, assim, colocados nas
telas.
O avanço tecnológico, porém,
não se limita aos efeitos espe-
ciais — grandes responsáveis por
levar os espectadores às salas —
mas também ajuda a aproximar
os responsáveis pelas produções
ao seu público-alvo, já que as no-
vas tecnologias proporcionam
imensas possibilidades de inte-
ratividade. E é dessa forma que
a tecnologia está assumindo o
controle e mudando o rumo da
indústria cinematográfica.
Diante de tantas artimanhas
para prender a atenção do espec-
tador, como no caso dos estúdios
que ajudam a bancar produções
gigantescas e sua distribuição, há
ainda aquele público mais crítico,
que não se deixa convencer ape-
nas por imagens e efeitos de pon-
ta ou por uma mixagem e efeitos
sonoros de arrepiar, mas que bus-
ca no cinema uma magia que vai
além da era tecnológica que esta-
mos vivendo.
“O que me chama atenção em
um filme é, justamente, a história
e o desenvolvimento da narrati-
va”, é o caso do estudante de Rá-
dio e TV, Victor Hugo de Moura,
22. “Um filme começa por algo a
ser contado e, se bem trabalha-
do, não importam as restrições
e dificuldades técnicas, pois só
se torna um clássico quando seu
público mantém a história viva.”
E manter essa história viva
está cada vez mais fácil, já que a
maneira de se assistir filmes tam-
bém foi modificada com a tecno-
logia. O crescimento da Internet
proporcionou a criação de tec-
nologias de streaming de vídeo
e, consequentemente, o avanço
dos serviços de vídeo sob de-
manda, como o Netflix.
Ter um grande público nas sa-
las de cinema não é mais impres-
cindível como antes. O poder da
Netflix hoje em dia é tão grande,
que além do serviço de vídeo sob
demanda, a empresa também
iniciou o processo de distribuição
de filmes, o primeiro deles sendo
Beasts Of No Nation, do cineasta
Cary Fukunaga. O longa irá estre-
ar simultaneamente nos cinemas
norte-americanos e no Netflix em
âmbito mundial.
O marco do início do cinema
se deu com o filme A chegada do
trem à estação de Ciotat, dos ir-
mãos Lumiere em 1895. Foi uma
novidade tão grande que muitos
telespectadores saíram correndo
das salas por acreditar que o va-
gão entraria naquele local. Desde
então os filmes vêm passado por
inúmeras inovações em suas pro-
duções.
Filmes como The Jazz singer,
de 1927, primeiro filme falado,
causaram revolução assim como
Cidadão Kane, de 1941, dirigido
por Orson Welles, que inovou
não só nos enquadramentos ci-
nematográficos, mas também na
narrativa usada de maneira não
cronológica.
Branca de Neve e os sete anões,
de 1937, é sem dúvida nenhuma
um grande marco para o cinema,
suas técnicas de animação desen-
volvidas para o filme influenciam
até hoje,”afirma Victor Hugo.
As animações talvez sejam
o gênero cinematográfico que
mais ganhou com o crescimento
sem limites das novas tecnolo-
gias. Antigamente, não passavam
de desenhos unidimensionais,
com a limitação de cenários, –
como não se lembrar dos dese-
nhos clássicos em que se repetia
o mesmo cenário como fundo
para uma cena de perseguição
ou na qual um personagem está
correndo, por exemplo – e com
poucas possibilidades visuais a
oferecer ao público. Atualmen-
te, os animadores e estúdios de
animação gastam milhões de dó-
lares em softwares que possibili-
tam criar detalhes antes inimagi-
náveis para o gênero.
A grandiosidade da tecnolo-
gia, aliada à criatividade humana
é tão grande, que os desenhos
impressionam pela proximidade
com a nossa realidade. O nariz
que transformou Nicole Kidman
em Virginia Woolf no filme As Ho-
ras, a agonia de Marion Cotillard
em Ferrugem e Osso ao perder as
pernas, os ângulos das câmeras
que contam com uma maquete
para originar o grandioso Hotel
Budapeste, o cenário futurístico
que compõe a trama de Ela, a
notoriedade dos sons usuais nas
obras de Tarantino, enfim, todo
esse conjunto nunca esteve tão
próximo do real. Chegamos ao
ponto em que, sem o uso des-
ses recursos gráficos de última
geração, muitos filmes como Toy
Story, Wall-E, Avatar, entre outros,
não produziriam o mesmo im-
pacto no grande público.
Vale ressaltar que a simulação
em computador não está presen-
te apenas nas animações. Cená-
rios e até mesmo uma sequência
de ações podem ser produzidas
inteiramente com o uso de pro-
gramas especializados.
Essa alternativa tem sido cada
vez mais utilizada pelos produto-
res, já que reduz os custos de pro-
dução,poisnãoéprecisodeslocar
uma grande equipe para gravar a
ação no local, e também preser-
va a integridade de atores e du-
blês em sequências que possam
representar algum risco. Além, é
claro, de sempre ter a possibilida-
de de acrescentar um elemento
extra de criatividade na cena em
questão, já que o cinema, não é
apenas a representação da rea-
lidade tal como ela é, mas busca
sempre algo extra, para deleitar
o público e aguçar a capacidade
imaginativa dele.
Outro recurso bastante utili-
zado atualmente, o 3D não é no-
vidade das produções do século
21. Já nos anos 50 os americanos
testaram essa técnica. Em 1952
estreou o primeiro filme 3D em
cores Bwana Devil. O resultado
abismou o público que nunca
Cena da animação Branca de Neve, 1937
Arte: Felipe Henrique Lima
Foto:Divulgação
22 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 23
capa
vira nada parecido. As imagens
pareciam emergir da tela e isso
impressionou até mesmo os crí-
ticos de cinema. Adeus à Lingua-
gem, 2014, de Jean-Luc Godard,
abusa do recurso em 3D ao so-
brepor imagens em níveis de pro-
fundidade diferentes.
Para Luiz Felipe, 22, formado
em Comunicação Social e rotei-
rista na Coala Filmes, esse recurso
veio para suprir as necessidades
financeiras de grandes estúdios
e obter mais lucro sobre a bi-
lheteria dos filmes em cartaz. “O
ingresso para um filme em 3D é
mais caro. As salas de cinema de
blockbusters e filmes com maior
destaque tiveram que se adaptar
rapidamente, mais e mais filmes
começaram a ser produzidos com
essa esquemática. A indústria se
transformou e parece querer tri-
lhar esse caminho de inovações.”
Futuras inovações cinema-
tográficas
A evolução da sétima arte não
está envolvida apenas na tecno-
logia técnica que acrescenta qua-
lidade às películas, o modo de
exibição vem se reinventando a
cada ano.
As salas de cinema, inicialmen-
te construídas em cinemas de rua
ou salas de teatro, passaram a to-
mar conta dos shoppings centers,
locais associados à globalização
que se apropriaram dos filmes e
os tornaram mercadorias. Essa
apropriação transformou o ato
de ir ao cinema em puro entrete-
nimento midiático.
“O cinema incorporará diver-
sas novas linguagens por meio
de influências midiáticas, cultu-
rais, sociológicas e mercadológi-
cas,” comenta Luiz Felipe sobre
essa percepção futura. “O estudo
de novas mídias e abertura de
pesquisas e experimentações
em mídia comparada de gran-
des centros possibilitou observar
com maior clareza o impacto das
mídias entre si – em sentido estri-
to ou competitivo.”
As redes distribuidoras usu-
fruem de recursos tecnológicos
sempre buscando o crescimen-
to monetário da instituição. É o
exemplo da nova proposta ex-
posta em Miami durante a feira
ShowEast 2014, que apresentou
um novo conceito de projeção
cinematográfica. O projeto con-
ta com três telas exibidoras, o
que, segundo eles, proporcionará
maior imersão ao espectador e
aumento do número de bilhete-
ria.
“O cinema, assim como qual-
quer outro produto de massa, irá
servir seu propósito mercadoló-
gico e para tal necessita de tais
avanços, porém eu acredito que
a essência de se contar histórias
lhes dá uma outra dimensão,
mais transcendental e o progres-
so tecnológico conecta o cinema
para quem se faz cinema.”, afirma
Luiz.
Assim como os primeiros teles-
pectadores não poderiam imagi-
nar que um dia, frente a uma tela
de cinema, seria possível assistir
uma obra colorida, não podemos
prever quais serão os futuros mé-
todos de exibição.
A arte cinematográfica nasceu
com o simples intuito de incitar
emoções, mas o desempenho das
mudanças técnicas e mercadoló-
gicas que usaram a tecnologia
como alicerce possuem critérios
benéficos e maléficos para a his-
tória. Esse critério básico acres-
cido de intenções humanas e
confrontadoras que levam o es-
pectador a real reflexão encon-
tra-se quase obsoleto perante as
tramas massificadas do cinema
estritamente lucrativo, exercen-
do influência direta no especta-
dor submisso ao sistema.
A tecnologia modificou o
modo de interagir em nossa so-
ciedade, e o cinema, como re-
sultado da produção e esforços
humanos de retratar a realida-
de de outra forma, teve de se
adaptar e modificar seu modo
de ser feito, para atender às ne-
cessidades desse público acos-
tumado com a era digital.
“Eu quero que o filme co-
mece quando você sair da
sala”, disse certa vez Jacques
Tati, grande cineasta francês.
As explosões que vêm da tela
de nada servem se não trans-
passarem o coração do espec-
tador, e assim viverem para
sempre.
“As
salas de
cinema de
blockbusters e
filmes com maior
destaque tiveram que se
adaptar rapidamente - à
tecnologia 3D- [...] mais filmes
começaram a ser produzidos
com essa esquemática. A
indústria se transformou e
parece querer trilhar esse
caminho de inovações.”
Luiz Felipe
“As
salas de
cinema de
blockbusters e
filmes com maior
destaque tiveram que se
adaptar rapidamente - à
tecnologia 3D- [...] mais filmes
começaram a ser produzidos
com essa esquemática. A
indústria se transformou e
parece querer trilhar esse
caminho de inovações.”
Luiz Felipe
Gráfico:JéssicaParolin
Wall-E, 2008, de Andrew Stanton Foto: Tate-Vader ©
Ferrugem e Osso, 2012, de Jacques Audiard Foto: Divulgação
24 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 25
cine de rua
Os Contadores de Histórias
No Belas Artes é assim: entra-
se pela metade do preço para
sair com a cabeça farta. O públi-
co que paga inteira, ali, é mino-
ria. Não é preciso nem entrar no
saguão para notar que os jovens
estudantes fazem daquele lugar
o “point” dos encontros paulista-
nos, como as catracas de metrô.
Logo no único degrau do hall
de entrada, onde antes os ho-
mens de topetes engomados e
jaquetas de couro esperavam por
suas donzelas vestidas com blu-
sas que acentuavam os sutiãs de
bojo e saias longas, encontram-
se os cinéfilos do século XXI, com
suas barbas compridas e camisas
sociais estampadas esperando
por suas donzelas de vestidinhos
curtos.
No saguão espelhado que
agrega a bilheteria e a rampa de
acesso ao café já é possível notar
a grandeza e o ar nostálgico do
local. Sua decoração é toda mo-
derna, mas é um lugar dedicado
ao passado. A maioria das pare-
des carregam pôsters vintages
de Meliès a Hitchcock, e a cafete-
ria (que também ocupa o andar
de cima) é dedicada ao mestre
do cinema italiano, Fellini. Nele,
descobrimos que o público de
idosos também marca presença.
Eles usufruem da meia entrada
e do café, mas o que prevalece é
a sensação insubstituível de ir ao
cinema à moda antiga.
No meio dessa mistura de gos-
tos e idades é perceptível a mu-
dança que o tempo deixou, mas o
cinema ainda continua o mesmo.
Amante das paixões, consolador
dos sofredores, e sempre, conta-
dor de histórias.
Atualmente, na capital pau-
lista encontram-se em funciona-
mento 10 cinemas de rua, entre
eles está o mais conhecido, o Cine
Caixa Belas Artes, localizado na
Consolação, reaberto em 2014. A
programação do local é exclusiva
para filmes clássicos e indepen-
dentes, além dos eventos extras,
como o Noitão, exibição de filmes
ocorrida nas madrugadas de sex-
ta com direito a café da manhã.
Mas esses locais não são os úni-
cos a promoverem a exibição de
clássicos, os Centros Culturais e
Bibliotecas são responsáveis pela
organização de eventos como
as Mostras, período em que são
exibidos filmes derivados de um
tema previamente definido, os Ci-
neclubes, encontros combinados
virtualmente que contam com o
apoio desses lugares físicos para
o “cultuamento” das obras a par-
tir de projeções e debates, e, por
fim, a possibilidade de locação
encontrada em algumas bibliote-
cas, atividade extinta pelas novas
tecnologias que tornaram as lo-
cadoras obsoletas.
Como os cinemas de rua moldam a cultura de um local e transformam a vida das pessoas que se deixam levar por suas fábulas
Por se tratar muitas vezes de
uma realidade paralela, o cine-
ma tem a capacidade de aflorar
nossa imaginação e despertar
um grande interesse nas pesso-
as, que acabam vendo nas obras
uma maneira para escapar do
mundo físico e entrar em um uni-
verso aberto a diferentes inter-
pretações. Sabendo desse poder,
alguns diretores, principalmente
aqueles do chamado “cinema in-
dependente”, utilizam a sétima
arte para introduzir pensamen-
tos, reflexões, críticas e referên-
cias à cultura de nossa sociedade.
Desse modo, os cinemas de rua
podem ser considerados espaços
de influência direta no modo de
agir de seus frequentadores.
O cinema, definindo como
sétima arte, se tornou um dos
principais mediadores culturais
permanentes do século. Os fil-
mes pioneiros, criados a partir de
1895, foram resultados de técni-
cas recém-descobertas na época,
apoiadas pela arte fotográfica.
Apesar da massiva substituição
cronológica dos filmes contem-
porâneos pelos clássicos, esses
filmes ainda permanecem pre-
sentes na vida de muito cinéfilos
e admiradores que defendem
a relevância dessas películas na
atualidade.
A história cinematográfica não
pode ser contada sem menção
aos cinemas de rua, grandes res-
ponsáveis pela exibição de filmes
nosurgimentodasétimaarteelo-
cais que preservam a tradição das
obras mais antigas, os chamados
“medalhões” do cinema. Em São
Por Barbara Godoy, Felipe Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise
Inauguração do Belas Artes reacende a procura pelos cinemas de rua
Foto:Divulgação
RESERVA CULTURAL
Avenida Paulista, 900
CINE SALA
Rua Fradique Coutinho, 361
Outros cinemas de rua que atraem os
amantes da sétima arte em São Paulo
CINE MARABÁ
Avenida Ipiranga, 757
ESPAÇO ITAÚ
Rua Augusta, 1475
Paulo, o primeiro cinema de rua
foi inaugurado em 1907, com o
nome Bijou-Palace. O crescimen-
to desses estabelecimentos foi
contínuo até o ano de 1960, onde
o número de espectadores dimi-
nuiu de 58 mil para 36 mil, queda
atribuída ao avanço da televisão.
26 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 27
cine de rua
O cinema de rua, nos seus pri-
mórdios, teve impacto direto na
formação de um público mais crí-
tico e exigente que acabou pas-
sando seu conhecimento para
gerações futuras. Mesmo em nú-
mero relativamente menor, esses
locais ainda concentram o que
há de melhor em termos de pro-
duções cinematográficas e seu
impacto sociocultural pode ser
traduzido pela quantidade e di-
versidade de temas que são abor-
dados de maneira profunda pelas
películas independentes.
São Paulo, desde o início, aco-
lheu muito bem o cinema. O cres-
cimento desses estabelecimen-
tos foi notável nas décadas de 50
e 60, onde as pessoas incorpora-
prédio aconteceu com a ajuda de
seu irmão Iwao, que era dono de
uma serraria em Uraí, no Paraná, e
o capital veio do comércio de fei-
jão da família Tanaka, que ia tão
bem na época que Yoshikazu era
conhecido como o“Rei do Feijão”.
O investimento foi tão grande,
que o resultado surpreendeu a
todo e orgulhou a grande comu-
nidade japonesa, que necessita-
va de um incentivo para sair da
melancolia advinda da derrota
e destruição de seu país pós-Se-
gunda Guerra. Além da grande
sala de cinema de dois andares,
com 1500 poltronas estofadas, no
térreo, o prédio contava com um
restaurante no primeiro andar;
um hotel nos dois andares se-
guintes, e um salão de festas no
último pavimento.
O primeiro filme exibido foi Os
Amores De Genji, em 1953. Todos
os filmes eram legendados e toda
segunda-feira entrava um novo
filme no projetor. 20 mil pessoas
passavam pelas salas todas as se-
manas.
Algumas sessões tinham fi-
las que dobravam a esquina, e
grandes estrelas vieram ao bairro
para promover seus filmes. Isso
aconteceu várias vezes, e um dos
convidados foi Koji Tsuruta, um
galã na época. Nessas ocasiões, o
convidado se hospedava no hotel
da família Tanaka, e as recepções
aconteciam na ampla sala da casa
de Susumu, irmão de Yoshikazu.
Outros cinemas abriram, an-
siosos para repetir o sucesso do
“Herói do Japão” (o nome vem
junção de Nitto [Japão] e herói),
mas nenhum conseguiu se tornar
o ícone que é o Niterói, o último
cinema japonês da Liberdade.
Seu grande sucesso também
trouxe prosperidade para o bair-
ro, já que muitos comerciantes
se instalaram no bairro graças ao
grande número de pessoas que
circulavam por lá graças ao cine-
ma.
O encerramento das ativida-
des deu-se em 1968, quando o ci-
nema foi desapropriado para dar
origem a ponte Osaka. A unidade
mudou de endereço, passando a
residir na Avenida Liberdade, mas
não resistiu às mudanças do mer-
cado e fechou no ano de 1988.
Os interesses do setor imobili-
ário, que tende a fechar os espa-
ços culturais para faturar em cima
dos imóveis, foram os maiores
responsáveis pela extinção dos
cinemas de rua. Atualmente es-
ses cinemas viraram raridades na
cidade, os poucos sobreviventes
nos envolvem em uma clima nos-
tálgico com a estrutura cheia de
influências da época, programa-
ção voltada a filmes clássicos e
cults, e o famoso pipoqueiro com
seu carrinho, substituinte das pi-
pocas amanteigadas e industria-
lizadas. Os escombros de outras
unidades extintas que ainda não
foram transformadas em pontes,
shoppings, casas, edifícios, carre-
gam o histórico cultural que afe-
tou a vida de cada espectador da
época.
ram a ida ao cinema em sua ro-
tina. Essa expansão da indústria
cinematográfica e o surgimento
de novos empreendimentos mo-
dificou não apenas a forma como
as pessoas obtinham cultura, mas
também foi responsável por mu-
danças importantes no espaço
social da cidade.
Cine Niterói: Exemplo de como
o cinema pode incorporar a cul-
tura de um povo
A importância do cinema na
vida das pessoas pode ser exem-
plificada, no bairro da Liberdade,
por uma construção que existiu
até 1968, o Cine Niterói. Um mar-
co na história da comunidade
japonesa em São Paulo, o cine-
ma tinha sua programação intei-
ramente voltada ao cinema do
Japão, o que contribuiu não só
para uma melhor adaptação dos
imigrantes como também para
difundir essa arte entre os oci-
dentais.
O cinema foi fundado na Rua
Galvão Bueno, localizada na Li-
berdade, bairro de tradição japo-
nesa em São Paulo, por Yoshikazu
Tanaka, um repórter sem experi-
ência alguma em administração.
Ele viajou ao Japão e fez acordo
com a distribuidora Toei para exi-
bir as películas dessa grande em-
presa, no momento em que o Ja-
pão vivia o “boom” de produção
cinematográfica. A construção do
Fachada do Cine Niterói
Filmes japoneses eram a principal atração do Cine Niterói
Foto:Divulgação
Foto:Divulgação
Pu-San, 1953, de Kon Ichikawa, filme japonês exibido durante o período áureo do Cine Niterói Cine Joia, um dos cinemas orientais que abriram após o grande sucesso do Cine Niterói Foto: DivulgaçãoFoto: Divulgação
28 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 29
estreias e análises
Sem “Harry Potter”, A Mulher de Preto
retornaamparadaemumaboahistória
e com ambientação impecável da
Segunda Guerra
Por Felipe Henrique Lima
Por Barbara Godoy
A Mulher de Preto 2 – Anjo da
Morte (2014)
Nota: 3/5
Título Original: The Woman in
Black 2 – Angel of Death
Diretor: Tom Harper
Produzido nos Estados Unidos
A sequência de A Mulher de
Preto provocou algumas dúvidas
e gerou certa expectativa antes
mesmo de seu lançamento. O
novo filme, dessa vez sob direção
de Tom Harper (o primeiro havia
sido dirigido pelo britânico James
Watkins), teve de superar a saída
de Daniel Radcliffe do elenco,
protagonista da primeira película
e mundialmente conhecido por
interpretar Harry Potter.
Assim como seu anterior, A
MulherdePreto2, apresenta o fan-
tasma de uma mulher rancorosa
que atrai crianças indefesas para
uma casa assombrada no meio
de um pântano para lhes dar um
trágico fim.
A história se passa no meio
da Segunda Guerra. A professo-
ra Eve (Phoebe Fox) é convocada
pela diretora de uma escola, Jean
Hogg (Helen McCrory) a se retirar
de Londres que constantemente
era alvo de bombardeios, para se
refugiar em outra cidade no inte-
rior da Inglaterra com um grupo
de crianças, entre eles o pequeno
Edward (Oaklee Pendergast), que
recentemente perdeu os pais e,
por causa do trauma, não conse-
gue pronunciar uma palavra se-
quer.
Eve cria um laço emocional
com Edward em meio a seus pró-
prios traumas pessoais. A moça
também conhece Harry Burns-
tow (Jeremy Irvine), um oficial da
aeronáutica que irá ajudá-la a re-
solver o mistério que ronda a casa
no pântano.
O filme peca justamente pela
semelhança com seu predeces-
sor, sendo considerado uma re-
criação da obra anterior. O diretor
utiliza os típicos clichês do gênero
como a casa abandonada, o chão
que range, a cadeira de balanço
que se move sozinha, um quarto
cheio de brinquedos assustado-
res, e a neblina horripilante.
O lado positivo fica com o foco
que é dado ao terror psicológi-
co, que consegue superar todos
os elementos rotineiros das pe-
lículas de terror e faz com que A
Mulher de Preto 2 se diferencie de
outras obras atuais do gênero.
A história, apesar de previsível,
é muito bem contada e não cria
nenhum nó na cabeça dos espec-
tadores.
Há de se elogiar a preocupa-
ção com a ambientação de épo-
ca. As cenas de Londres devas-
tada pela guerra são dignas de
tal elogio, com atenção especial
para a tomada aérea da capital
inglesa. O ambiente do pântano
também foi pensado cuidadosa-
mente para acrescentar suspense
à história.e o que vemos no longa
é mais do mesmo, por sua vez, o
mesmo vale a pena ser visto para
se ter uma ideia melhor a respei-
to de seu antecessor e é um bom
divertimento para quem curte
o gênero e quer fugir do típico
terror enlatado e ensanguentado
das produções atuais.
Foto:Divulgação
Frances Ha, a musa de uma geração
inquieta
Frances Ha (2012)
Nota: 4/5
Título Original: Frances Ha
Diretor: Noah Baumbach
Produzido no Estados Unidos e
Brasil
A vida deveria vir com um ma-
nual que pudesse auxiliar no des-
conforto das mudanças acarreta-
das pelo crescimento. Mas, como
essa ideia é utópica, está entre as
missões do ser humano aprender
a lidar com as imposições e fases
que vêm junto com a idade, o que
não é nada fácil.
Frances Handley (Greta Ge-
rwig), a personagem principal
dessa história, divide o aparta-
mento com sua amiga Sophie
(Mickey Sumner), até que a mes-
ma resolve ir morar em um lugar
melhor localizado e deixa a ami-
ga para trás. Assim tem início a
odisseia de Frances em relação ao
aceitamento da fase adulta. Com
problemas financeiros, crises exis-
tenciais e à espera de uma chance
de integrar o grupo de bailarinos
que encenará o espetáculo de na-
tal da companhia que faz parte,
nossa protagonista não perde o
bom humor em relação à vida, e
carrega essas situações factuais e
cotidianas em cenas que se apro-
ximam do espectador, através de
questões e diálogos conflituosos,
ou nas entrelinhas da leveza de
uma dança espontânea no meio
da rua, ao som de Modern Love
(referência notória ao filme fran-
cês Mavauis Sang). Além de Greta
e Mickey Symmer, o elenco fica
por conta de Adam Driver, Micha-
el Zegen, Charlotte d’Amboise,
entre outros.
Em determinada parte do fil-
me, um amigo de Frances a defi-
ne como “undateable”, uma pes-
soa que apresenta dificuldades
em relacionamentos amorosos,
mas as adversidades enfrentadas
por ela vão além do amor. É em
qualquer tipo de relacionamento
que Frances encontra dificuldade,
talvez por isso essa obra seja tão
indefinível e adorável. É prazero-
so o caráter de identificação que
o filme traz ao espectador que se
vê, ou já se viu, em situações pa-
recidas durante a juventude.
A atmosfera em preto e bran-
co que Noah Baumbach opta
em usar concilia com o jeito em
que Frances olha para o mundo.
O recurso de cores clássicas nos
remete a simplicidade dos fil-
mes antigos que não precisavam
de enfeites para se tornar boas
obras. As referências também
estão presentes na trilha sonora,
composta por Bach, Mozart, e Ge-
orges Delerue.
Greta Gerwig incorpora nessa
obra uma personagem carismáti-
ca e representativa de toda uma
geração que está em busca de ra-
zões definidoras de personalida-
de e de significados sobre as rela-
ções com o outro, nos mostrando
que, assim como ela, ainda não
somos pessoas de verdade, mas
podemos obter êxito em achar a
felicidade nas brechas efêmeras
da existência.
Foto:Divulgação
30 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 31
estreias e análises
Confira as últimas estreias
Por Renata Aloise
Quatro padres vivem numa casa isolada à beira-mar. Cada um tem um
pecado a ser expiado, e eles estão sob a direção de um guardião. Quan-
do um quinto padre chega, ele desperta os pecados enterrados pelos
quatro anteriores. Quinto filme do chileno Pablo Larraín, mesmo diretor
de No, ganhou o Prêmio do Júri no Festival Internacional de Cinema de
Berlim e foi escolhido para representar o Chile no Oscar.
O Clube
Kate Mercer está planejando a festa de comemoração dos 45 anos de casa-
da. Porém, cinco dias antes do evento, o marido recebe uma carta: o corpo
de seu primeiro amor foi encontrado congelado no meio dos Alpes Suíços.
A estrutura emocional dele é seriamente abalada e Kate já não sabe se vai
ter o que comemorar durante a festa. Charlotte Rampling e Tom Courte-
nay ganharam os prêmios de Melhor Atriz e Melhor Ator no Festival de
Berlim por esse delicado drama inglês do diretor Andrew Haigh.
45 anos
Tracy é uma caloura de faculdade que leva uma vida solitária em Nova
York. Após muita insistência da mãe, ela resolve ligar para Brooke, filha
de seu futuro padrasto, que também mora em Nova York. Tracy fica fasci-
nada com a energia de Brooke e resolve usá-la como inspiração em um
novo conto. Dirigido por Noah Baumbach, que co-escreveu o roteiro com
a atriz Greta Gerwig e produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira.
Mistress America
Coisas estranhas acontecem em Bad City. Uma cidade iraniana fantasma, lar
de prostitutas, viciados, cafetões e outras almas sórdidas. Um reduto de de-
pravação e falta de esperança, onde uma vampira solitária persegue os habi-
tantes mais repugnantes. Mas quando um garoto conhece uma garota, uma
história de amor incomum começa a florescer… vermelha como o sangue.
Filme de estreia da inglesa de descendência iraniana Ana Lily Amirpour.
Garota sombria caminha pela noite
32 | CLAQUETE ALTERNATIVA

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  • 1. A história contada pelos filmes Câmera na mão, ideia na cabeça A história do país narrada pelos filmes Os novos métodos que têm mudado o cinema independente. Avanços tecnológicos no jeito de fazer cinema Como os avanços tecnológicos contribuem para se fazer filmes e atraem cineastas consagrados como Godard CLAQUETA L T E R N A T I V A DEZEMBRO2015
  • 2. 2 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 3 2 Revista produzida por alunos do 6º semestre do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi Reitor Oscar Hipólito Diretor da Escola de Comunicação e Educação Prof. Dr. Luis Alberto de Faria Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Ms. Nivaldo Ferraz Primeiro-ministro do curso de Jornalismo Prof. Ms. Alexandre Possendoro Professores orientadores Prof. Ms. Rafael Fonseca Santos Projeto gráfico Prof. Ms. Rafael Fonseca Santos Felipe Henrique Lima Redação e diagramação Barbara Maria Godoy Felipe Henrique Lima Jéssica Parolin Renata Aloise Data desta edição Novembro de 2015 expediente Foto: Dayane Zanetil CLAQUETA L T E R N A T I V A
  • 3. 4 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 5 A CLAQUETE ALTERNATIVA tem como mis- são difundir o cinema alternativo no Brasil de maneira inovadora, aprofundando os fa- tos, discutindo, interpretando, analisando e formando opinião. É uma revista feita para quem gosta de ler, que quer saber sempre mais sobre pessoas interessantes que fazem coisas que fogem aos padrões que normal- mente vemos na mídia — no caso, filmes. Queremos que nossas matérias sejam tão inovadoras quanto os filmes que nos ins- piram e fazem parte do nosso dia-a-dia. Porque a CLAQUETE ALTERNATIVA é feita especialmente para aqueles que respiram cinema, que acham que um dia sem filme é um dia menos alegre. A revista não se prende apenas a fazer uma análise fria das produções alternativas, ela quer entrar no universo, se aproximar da realidade e trazê-la para seus leitores, para que possam não apenas compreender, mas interpretar e interagir com o mundo alter- nativo das produções cinematográficas, au- mentando ainda mais seu prazer e amor por esse gênero. apresentação RECORDANDO 6. MARCOU VOCÊ 7. ISMOS 8. CINE HISTÓRIA 11. MESTRES CINE MANIA 12. CINE GOURMET 13. SONORA 14. INDIE 18. VIAJANDO 20. CAPA 24. CINE DE RUA FIQUE POR DENTRO 28. ESTREIAS E ANÁLISES sumário p. 8 p. 11 p. 18 p. 20 Foto: Divulgação Foto: Divulgação Foto:Divulgação Foto:Tate-Vader©
  • 4. 6 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 7 ismos Neorrealismo Italiano Por Renata Aloise Também conhecido como a Era de Ouro do Cinema Ita- liano, é um movimento caracterizado por histórias focadas na classe pobre trabalhadora, filmadas fora dos estúdios, frequentemente estreladas por atores não profissionais. Distinguiu-se pelo uso de elementos da realidade numa peça de ficção, aproximando-se até certo ponto, em algu- mas cenas, das características dos documentários. Ao con- trário do cinema tradicional de ficção, buscou representar a realidade social e econômica de uma época. O termo surgiu quando, em 1943, Umberto Barbaro chamou de “neorrealístico” o filme Obsessão, de Lunchino Visconti, no qual havia trabalhado como montador. Mas foi só dois anos depois que o movimento ganhou notorieda- de mundial, com o lançamento de Roma, cidade aberta, de Roberto Rossellini, que ganhou o Prêmio do Júri, no Festi- val de Cinema de Cannes. As crianças tem papel fundamental, e sua presença no final do filme de Rossellini é indicativa de seu papel no neorrealismo como um todo: observadores das dificulda- des de hoje, são como uma chave para o futuro. Ladrões de bicicletas, filme de Vittorio De Sica de 1948, também é bastante representativo do gênero, com atores não profis- sionais e uma história que mostra de maneira detalhada as dificuldades da classe operária do pós-guerra. CLAQUETE INDICA 1 - A terra treme, 1948, Luchino Visconti 2 - Alemanha, ano zero, 1948, Roberto Rossellini 3 - Arroz amargo, 1949, Giuseppe De Santis 4 - Umberto D., 1952, Vittorio De Sica Foto:DivulgaçãoFoto:DivulgaçãoFoto:Divulgação marcou você Marcou você... Por Barbara Godoy e Renata Aloise O Medo Consome a Alma, 1974 “Nesses últimos tempos eu estou muito ligada ao Fassbinder, estou muito envolvida com o cinema dele, com a figura humana que ele era. O filme que tem me estimulado muito é O Medo Consome a Alma. É um filme tão bonito que mostra uma boa parte das relações que a gente tem com o outro, como os outros definem as nossas relações. Quando a personagem vence esse medo do outro, ela começa a impor o outro que tem dentro dela, aquele outro que nos habita. Na juventude ela foi do grupo nazista, então o amante dela é argelino e ela começa a impor a cultura alemã para o argelino, e ele, claro, fica possesso. É muito inte- ressante. O Medo Consome a Alma, até o título é genial.” Inez Pereira da Luz, professora na Universidade Anhembi Morumbi Pink Floyd - The Wall, 1982 “Assisti mais de sete vezes [The Wall, do Pink Floyd] aos 18 anos e pedi as contas do meu primeiro emprego. Eu achava que não me corres- pondia, eu podia fazer coisa melhor. Todo o filme me inspirou, mas o principal é a cena final que até hoje está na minha cabeça. Apare- ce uma parede e então vem a música que diz para você derrubar as paredes, porque as pessoas que te amam estão atrás delas. O filme todo é uma metáfora, uma crítica à guerra. Há uma cena de linha de produção em que as pessoas vão sendo trituradas, moídas, como car- ne. Assisti num cinema que nem existe mais, mas que tinha uma tela acústica, você entrava no filme. Chamava-se Comodoro, na Avenida São João. A tela acústica, a música do Pink...foi bom.” Rose Naves, professora na Universidade Anhembi Morumbi Foto:FelipeHenriqueLima Foto:FelipeHenriqueLima Ladrões de bicicletas Alemanha, ano zero Umberto D.
  • 5. 8 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 9 cine história As memórias do BrasilComo os recursos audiovisuais do cinema têm contribuído para a reprodução de experiências e fatos através do tempo Por Barbara Godoy, Felipe Henrique Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise Um garoto entra no fusca com os pais, que dizem que vão sair de férias. Mas no dia seguinte ele tem aula, como vão sair de férias? O pai se enerva, isso não é brinca- deira. O menino então, pega seu maior tesouro debaixo da mesa da cozinha. Como vai viajar sem sua bola de futebol? E será que Pelé e Tostão podem jogar jun- tos? A cena do filme O ano em que meus pais saíram de férias mos- tra bem o drama da ditadura no Brasil. O terror das perseguições e torturas escondido pela euforia da Copa do Mundo de 1970, no México. E assim é contada a his- tória através do cinema. Desde a época das pinturas ru- pestres na pré-história, os huma- nos registram o que observam, seus dias, suas experiências, suas descobertas, entre outros aspec- tos da vida cotidiana e política. Os tempos passaram, mas a necessidade de guardar nossas memórias, como herança aos nossos descendentes, não mu- dou. O que mudou foi a maneira de fazer isto. As pinturas moder- nas, os vídeos, o áudio, a fotogra- fia, a internet, o cinema, a televi- são. Tudo a favor das histórias de pessoas, famílias, povos, nações e do mundo. É como pensou o teórico francês Jacques Bossuet, “a história é o grande espelho da vida; instrui com a experiência e corrige com o exemplo.” Uma das ferramentas que se destacam neste meio e que está ajudando a contar muitas expe- riências, é o cinema. Como um mergulho no tempo, os cineas- tas tentam reproduzir os luga- res, pessoas, vestimentas, falas, feições e cada detalhe, trazendo maior compromisso com a reali- dade. De acordo com o historia- dor francês Marc Ferro, “intriga autêntica ou pura invenção”, filme é história. Pode ser que você nunca te- nha estudado sobre ou vivido períodos de guerras, ditaduras, revoluções, imperialismo, demo- cracia, fome, doenças, mas os fil- mes conseguem fazer com que você entre neste universo e se co- loque no lugar de pessoas que já vivenciaram tudo isso. No Brasil existem alguns filmes que conseguem transparecer tudo o que vivemos no país por ângulos e visões diferentes. “O Brasil tem seu jeitinho úni- co e genuíno de fazer cinema, pois também a história daqui é única,” comenta Artur Mirov, for- mado em cinema Digital pela La- tin America Film Institute. “Acho que entre muitos erros e acertos, temos de elogiar.” Contar histórias de fatos histó- ricos ocorridos no país tem dado certo. A trama do sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil em 1969, virou filme nas mãos de Bruno Barreto em 1997, adaptado do livro do jornalista Fernando Gabeira. O que é isso, companheiro? foi indicado para o Oscar de Me- lhor Filme Estrangeiro no ano seguinte. Outra produção indi- cada ao prêmio da Academia foi O quatrilho, de Fábio Barreto. A película conta a história de uma comunidade rural no estado do Rio Grande do Sul habitada por imigrantes italianos, e mostra as dificuldades encontradas por aqueles que deixaram seu país de origem para viver no Brasil. “O cinema sempre foi uma arte para a comunicação de mas- sas, um meio em que se podia explorar o simbólico e assim fu- gir da censura, explorar a autoria em prol do total e isso é absolu- tamente necessário,” afirma Luiz Felipe Baute, 22, formado em Co- municação Social e roteirista na Foto:Divulgação Coala Filmes. Essa afirmação pode até expli- car por que o período da ditadu- ra é ainda o tema mais abordado pelas produções cinematográfi- cas. “Foi a época do veto total. O horror, a falta de liberdade. Tudo proibido e o desumano impe- rava no pais,” completa Arthur Mirov. “Também há muito o que desvendar ainda, existem docu- mentos de desaparecidos que ainda não foram lidos e pessoas que desconhecem onde os seus parentes e presos políticos estão enterrados.” Os filmes, de certa forma, são documentos. Fixam em suas ima- gens partes de nossas memó- rias. Por mais que não tenhamos produzido a película, épocas por qual passamos nos fazem relem- brar e nos identificarmos. Por te- rem essa função, é importante que os tenhamos em alta conta, apesar da não podermos depen- der exclusivamente deles. “Mesmo o mais documental dos documentários é sujeito a montagem. O cinema é a arte da construção através da descons- trução,” diz Luiz Felipe Baute. “O filme buscará aproximar o espec- tador pela sua narrativa, seja fic- cional ou não, mas ele não será realidade, a própria linguagem do cinema foi construída a partir dessa percepção e por isso ele pode adquirir dimensões mui- to maiores. O papel do cinema é esse retrato em aproximadamen- te, e comumente, duas horas e o seu assunto, será o assunto do fil- me e não do real.” Foto:Divulgação Cena do filme O que é isso companheiro?, 1997, de Bruno Barreto O ano em que meus pais saíram de férias, 2006, de Cao Hamburguer
  • 6. 10 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 11 As cinebiografias, como por exemplo o recente Getúlio, de João Jardim, são retratos interes- santes que ajudam a entender fatos passados, uma janela aber- ta sobre um pedaço de vida. Mas uma vida é muito mais que duas horas. Assim como os filmes podem contar histórias, também a his- tória pode se contar através dos filmes. Muitas produções cine- matográficas representam sua época nas telas, podendo se transformar no futuro em boas ferramentas para se entender ge- rações que já passaram. A geração do Cinema Novo na década de 60, por exemplo, trans- pôs o contexto de incerteza da época com certa precisão, mes- mo que de forma subjetiva, para suas produções. Filmes como Ter- ra em Transe, de Glauber Rocha e O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, são clássicos estudados até hoje. Dessa forma, por mais distante que possa parecer, não é comple- tamente absurdo dizer que o ci- neasta, ao fazer um filme de teor histórico, assume a posição de historiador, apesar de não seguir à risca o rigor do trabalho histo- riográfico. A história do Brasil contada pelos filmes Fotos: Divulgação Arte: Jéssica Parolin Foto: Divulgação Michelangelo Antonioni Por Renata Aloise mestres A desilusão que traz o futu- ro é traduzida por um simples olhar, que vaga lânguido pelo espaço vazio de um mundo que não parece pertencer a ninguém em particular. O olhar pertence à musa Monica Vitti. A direção per- tence ao grande mestre italiano Michelangelo Antonioni. Filho de uma rica família de proprietários de terra, nasceu em 1912, em Ferrara, no norte da Itá- lia. Desde pequeno se interessou por desenhos e música, e já aos nove anos deu seu primeiro con- certo de violino. Logo após se formar em eco- nomia pela Universidade de Bo- logna, começou a trabalhar como jornalista de cinema para o jornal Il Corriere Padano, em 1935. Em 1940, se mudou para Roma, onde trabalhou na revis- ta oficial fascista Cinema, mas foi despedido alguns meses depois por desavenças polítcas. Em 1942, foi contratado para co-escrever Un pilota ritorna com Roberto Rossellini, e trabalhou como diretor assistente em Más- cara de sangue, de Enrico Fulchig- noni. No ano seguinte conseguiu financiamento para Gente do Pó, documentário sobre a vida dos pescadores que viviam às mar- gens do Rio Pó. Mudou os rumos de sua obra com o lançamento de seu primei- ro longa, Crimes da alma, de 1950. O filme trata da classe média ita- liana e de alienação social, assim como seus próximos três filmes. Em 1960, sua obra-prima es- treou no Festival de Cinema de Cannes. A aventura é um estudo sobre alienação, tédio e isola- mento espiritual que atravessa seus 143 minutos lentamente, sem seguir uma história bem defi- nida através de seus longos e be- los planos. Mesmo sua premissa básica – a busca por uma mulher perdida – é abandonado antes do final do filme, o que causou a fú- ria dos espectadores em Cannes. A produção ganhou o Prêmio do Júri e transformou tanto Antonio- ni, como a estrela da produção, Monica Vitti, em astros. A noite – o segundo filme da trilogia iniciada por A aventura – estreou em 1969, ainda exploran- do os temas da alienação, não-co- municação e a falta de sentido da vida moderna. O fim da trilogia veio em 1962, com O eclipse, a história de uma jovem que aban- dona o amante e logo se relacio- na com outro homem. Em 1966, filmou Blow-up na Inglaterra, seu maior sucesso co- mercial. Sua popularidade trouxe o cineasta italiano aos Estados Unidos, onde produziu Zabriskie Point em 1970, sua única produ- ção americana. Produziu então Chung Kuo/ Cina, um documentário para a TV gravado na China, denunciado pelo governo como “anti-Chinês” e“anti-comunista”. Em 1985, sofreu um derrame que o deixou parcialmente para- lizado e incapaz de falar. Apenas dez anos depois voltou a dirigir, com Além das nuvens, co-dirigido pelo alemão Wim Wenders. Nesse mesmo ano, Antonioni ganhou um Oscar honorário, uma reverência à sua brilhante carreira que desafiou a noção básica do que é apresentar uma história em forma cinematográfica. Ele fale- ceu em 2007, aos 94 anos. Foto:TheRedList O Bandido da Luz Vermelha, 1968, Rogério Sganzerla
  • 7. 12 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 13 cine gourmet “...qualquer um pode cozinhar”. Por Jéssica Parolin A animação Ratatouille, obra do diretor Brad Bird, lançado em 2007 pelos estúdios Pixar, faz su- cesso entre as crianças e adultos. Mergulhamos na história com o ratinho francês Remy que sonha em ser chef de cozinha, porém é apenas um roedor que rouba co- mida dos lixos. Um acidente faz com que Remy se perca da família e encon- tre um famoso restaurante. Lá ele é guiado pelo espírito do grande chef Gusteau e se une a Linguini, um faxineiro desajeitado que de- seja ser cozinheiro. Após o filme é quase impos- sível não desejar experimentar o famoso Ratatouille, prato que dá nome a obra. Embarque nessa aventura gastronômica. Ingredientes - 1 unidade pequena de berinjela - 1 unidade pequena de abo- brinha italiana - 2 unidades grandes de tomate, sem sementes - 1 unidade média de pimentão verde, sem sementes - 1 unidade média de cebola picadinha - 1 dente de alho picado - 3 colheres de sopa de azeite de oliva - Sal a gosto - Pimenta-do-reino a gosto - 1 colher de chá de manjericão picado - 1 colher de chá de orégano picado - 1 colher de chá de salsinha picada Como fazer Fatie a berinjela em rodelas finas. Depois de cortada, deixe descansar por alguns minutos com sal, sobre um escorredor, para drenar seu líquido e retirar o sabor amargo. Fatie também a abobrinha ita- liana, o tomate e o pimentão ver- de. Reserve. Refogue o alho e a cebola no azeite, usando uma frigideira grande. Faça isso até que a cebola fique transparente. Em um recipiente, alterne as rodelas dos legumes, colocando uma ao lado da outra, de modo que criem um efeito visual colo- rido. Espalhe a cebola e o alho fri- tos no azeite sobre os legumes, acrescente sal e pimenta-do-rei- no a gosto. Acrescente as ervas e leve ao forno por cerca de 20 minutos ou até que os legumes estejam cozi- dos e o líquido, evaporado total- mente. sonora Olhe para trás, para as recorda- çõesquepovoamnossamemória, as formaturas, as conversas com os pais, quando nossas amizades pareciam ser eternas ou tudo o que você queria era dirigir sem direção, rumo a um lugar onde seu coração não sentiria a dor de ser partido. Essas situações pro- vavelmente foram embaladas por uma canção. O compositor francês Michel Chion disse que um dos mais sig- nificativos impactos do uso de som no cinema foi seu efeito no tempo cinematográfico, tornan- do-o uma“arte do tempo”. O filme Boyhood, de Richard Linklater, é um verdadeiro épico em quase todos os sentidos. Gra- vado durante 12 anos, mostra a trajetória de Mason nesse“tempo real” cinematográfico, envolven- do o espectador no mundo cria- do pelo cineasta americano. Som e música estruturam o universo do filme, as descober- tas e epifanias dos personagens. Uma menininha canta à plenos pulmões “Oops! ... I Did it Again”, de Britney Spears para irritar seu irmão mais novo, sem entender a letra direito; A excitação infantil dá lugar aos resmungos adoles- centes que quase não entende- mos. Por trás de tudo isso há músi- ca tocando, constantemente. A trilha sonora de Boyhood foi elo- giada pela especificidade, pelo jeito em que as canções traçam a cronologia da história, desde “Yellow”, de Coldplay, no início do filme, até “Summer Noon”, de Jeff Tweedy, nos créditos finais. E mesmo assim, o mundo sônico de Boyhood é mais que uma mixtape desconexa. Há uma divisão clara entre as músicas do mundo do filme – um personagem ouvindo um CD, ou o rádio – e as músicas que ocorrem além do quadro da câmera. Boyhood mostra a dualidade da música pop, efêmera e atem- poral, enquanto oferece um es- tudo de como a música funciona em nosso dia-a-dia. “LoveGame”, de Lady Gaga,“Anthem Part Two”, de Blink-182,“Good Girls Go Bad”, de Cobra Starship, refletem o gosto das pessoas que habitam o mundo do filme, mais do que o gosto daqueles que o produziram (ou daqueles que o assistem). E é claro, ser jovem é passar muito tempo ouvindo músicas que não necessariamente você irá gostar daqui um, dez ou vin- te anos. A trilha sonora da nossa vida é bonita, irritante, embaraço- sa, necessária. E Boyhood mostra isso de maneira primorosa, coisa que poucos filmes conseguem. A música da minha vida Por Renata Aloise Foto:Divulgaçãoo Foto:Divulgaçãoo Cena do Filme Ratatouille, 2007, de Brad Bird e Jan Pinkava Dica: sirva com baguete ou pão italiano. O prato também pode ser ser- vido como acompanha- mento de carnes e aves.
  • 8. 14 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 15 indie Câmera na mão, ideia na cabeça Revolução ou ditadura. Eram as alternativas que se coloca- vam à disposição da população brasileira entre os anos 50 e 70, a primeira vista. Era necessário o desenvolvimento do país, seja para acompanhar um mercado internacional ou para remediar as contradições sociais existentes. Mas esse desenvolvimento não poderia ser realizado de forma isolada, num mundo em que o capitalismo se tornava cada vez mais mundial. No entanto, esse desenvolvimento era acompa- nhado de um processo de urbani- zação e industrialização que gera- va uma gradual desintegração da cultura nacional, dos costumes, da tradição, que muitas vezes re- presentavam válvulas de escape para uma situação de miséria e sofrimento, e de transgressão e luta. Era esse o contexto vivido pelo cineasta Glauber Rocha. Grande representante do Ci- nema Novo brasileiro na década de 60, Rocha já dizia que para se fazer cinema é necessário ape- nas “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. E até hoje, talvez mais do que nunca, sua frase tem um efeito imenso. Sua filosofia de transformar o país através do cinema não incluía grandes or- çamentos, apenas uma ideia re- volucionária que abriria os olhos da população para os problemas sociais que o Brasil enfrentava. O conceito de “cinema inde- pendente”, também chamado de “underground” ou “alternativo” é aplicado a um filme que foi pro- duzido sem a interferência de um grande estúdio cinematográfico e sem a influência de interesses comerciais e mercadológicos. Mas, o significado de cinema independente não pode ficar restrito apenas a um filme “não -hollywoodiano”. Ele vai muito além disso. Um filme indepen- dente precisa se desgarrar do óbvio, tem que ter a audácia para contar uma história inovadora com um ponto de vista mais críti- co, mais abrangente, enfim, deve apresentar mais do que o clichê adotado pelo cinema comercial. O termo “independente” co- meçou a ser usado na década de 50, quando as películas passa- ram a ser produzidas no formato 16mm, ampliando o acesso de mais pessoas no processo de pro- dução da sétima arte. Portanto, não é de hoje que os avanços tecnológicos contri- buem para o crescimento desse tipo de cinema, conhecido por suas técnicas experimentais tan- to na narração quanto dramatici- dade, e por histórias que buscam maior engajamento político. A facilidade trazida com os smartphones e suas câmeras de alta resolução, além de avança- dos programas de edição de ví- deo, fazem com que qualquer um possa se aventurar na produ- ção de um filme. Antes um sonho distante para alguns, agora ser notado numa indústria conhe- cidamente fechada pode estar mais fácil. “A tecnologia tem impacto positivo na produção de filmes autorais e de baixo orçamento, pois promove a democratização do acesso a equipamentos de alta qualidade, mas com custos Como os cineastas brasileiros driblam a falta de recursos e incentivos para levar seus filmes a um público cada vez mais ansioso por histórias que saem do lugar-comum menores”, diz Luana Melgaço, 36, produtora. “Mas é preciso ter o cuidado para saber utilizá-la como meio ou veículo a favor da proposta do projeto e não de for- ma‘aleatória’”. Luana trabalha no grupo A Teia, que abriga sua produtora de cinema, a Anavilhana. Entre suas produções, estão os premiados Girimunho, de Clarissa Campolina e Helvécio Martins Jr., O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges e A falta que me faz, de Marília Rocha. “Desde que comecei a me de- dicar à produção de filmes, tenho escolhido projetos que têm como objetivo a sua relevância artística e pesquisa de linguagem e não necessariamente com resposta comercial nas bilheterias”, co- menta Luana. Intimidade entre a obra e seus autores. Fazer um filme sem o finan- ciamento dos grandes estúdios traz grande liberdade para os ci- neastas trabalharem suas ideias da maneira que as conceberam originalmente. Sem a necessida- de de agradar patrocinadores, parceiros e sem a pressão de criar uma obra que alcance a massa e renda grande retorno financeiro, os autores podem ousar mais nos diálogos e no enredo, bem como no enfoque de suas obras. “Funcionam melhor na relação de cinema de autor”, diz Luiz Feli- pe Baute, 22, formado em Rádio e TV e roteirista na Coala Filmes. “Muitas vezes isso representa um olhar diferenciado e subversivo às montagens e paradigmas clás- sicos ou convencionais nos quais estamos acostumados com os filmes dito hollywoodianos, uma profundidade bem particular, é interessante”. Por essa maior liberdade, o cinema independente tem se Por Barbara Godoy, Felipe Henrique Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise Foto:Divulgação “A câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia, mas a pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil”. Glauber Rocha Um filme independente precisa se desgarrar do óbvio, tem que ter a audácia para contar uma história inovadora com um ponto de vista mais crítico, mais abrangente, enfim, deve apresentar mais do que o clichê adotado pelo cinema comercial. Um filme independente precisa se desgarrar do óbvio, tem que ter a audácia para contar uma história inovadora com um ponto de vista mais crítico, mais abrangente, enfim, deve apresentar mais do que o clichê adotado pelo cinema comercial.
  • 9. 16 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 17 indie destacado por histórias que apre- sentam um grande viés social, principalmente no que diz res- peito à política e ao estilo de vida da sociedade atual. É comum ver- mos obras com críticas ao gover- no, à violência, ao capitalismo e à forma superficial como as pes- soas do século XXI enxergam o mundo. A difícil escolha de voar com as próprias asas A independência, no entanto, traz algumas dificuldades provo- cadas pelo desprendimento do apoio dos grandes estúdios. O fi- nanciamento e a distribuição são os principais setores que atrasam a chegada da obra ao público. O cineasta Maurício Eça lan- çou seu primeiro longa-metra- gem Apneia em 2014. Mas entre escrever e lançar o projeto se pas- saram cinco anos. “Por ser um fil- me nada comercial foi mais difícil conseguir apoiadores e patroci- nadores que entendessem a cara que o filme deveria ter”, ele diz. “Mas graças a algumas empresas que entenderam a mensagem do filme e a equipe de atores que vestiram a camisa e se entrega- ram de corpo e alma, pudemos realizá-lo”. Além do tortuoso caminho percorrido pelos cineastas na produção de seus filmes, há ain- da a difícil chegada às salas de ci- nema. Com o gradativo aumento dos locais de exibição nos sho- ppings, a preferência vai sendo dada para as películas que têm seu sucesso praticamente ga- rantido, geralmente estrelando atores populares que atraem um público imenso. “O Brasil não possui uma in- dústria cinematográfica, mas sim grandes conglomerados que aca- bam tomando conta da produção audiovisual que, consequente- mente, tem seu espaço reservado nas grandes salas de exibição do país, como a rede internacional Cinemark”, comenta Alex Bonilha, 22, que trabalha na O2 Filmes e estuda Rádio e TV. “Hoje, filmes independentes acabam possuin- do um pequeno espaço em sa- las de exibição mais alternativas, como o CineSesc. Além, é claro, dos festivais ao redor do mundo. Se não fossem as inscrições, exi- bições e premiações em festivais internacionais, talvez nem no próprio país de origem os títulos tivessem a oportunidade de se- rem exibidos”. Certamente os festivais de ci- nema regionais e internacionais são os maiores responsáveis pela divulgação dos filmes “under- grounds”. Em número cada vez maior e sendo realizados com mais frequência, esse tipo de evento evidencia a importância desses filmes para o cenário do cinema como um todo. Os filmes independentes são um contra- ponto ao cinema de mercado de massa e sempre questionam seus valores, dando foco a histórias e personagens marginalizados pela sociedade capitalista e revivendo momentos da história que não podem simplesmente ser esque- cidos. O Brasil no cenário inter- nacional Apesar das dificuldades, a pro- dução independente brasileira tem recebido certa atenção em festivais internacionais. A produ- ção de 2014, Hoje eu quero voltar sozinho, dirigida por Daniel Ribei- ro, estreou na seção Panorama do Festival Internacional de Berlim, que compreende filmes de no- vos cineastas e lidam com temas considerados mais controversos, não-convencionais. Acabou por levar o prêmio Fipresci, concedi- do pela Federação Internacional de Críticos de Cinema. Alex Bonilha lembra ainda do filme Beira-mar, de Filipe Mat- zembacher e Marcio Reolon, que também estreou em Berlim, na edição de 2015. “É um filme gaúcho que também aborda a homossexualidade de uma for- ma sutil e nada vulgar. Tem mo- bilizado uma grande quantidade de pessoas nas redes sociais. Ele está no catálogo do Netflix nos Estados Unidos, mas pro Brasil, seu país de origem, só tem sua estreia marcada para o início de novembro.” Girimunho, produzido por Lua- na Melgaço, estreou em 2011 no Festival de Cinema deVeneza e al- guns meses depois foi exibido no Festival Internacional de Toron- to. Ganhou o prêmio de melhor estreia no Festival de Havana. “O reconhecimento dos filmes reali- zados também abre portas para que vários profissionais queiram trabalhar conosco e estabelecer trocas artísticas com os nossos projetos,”diz a produtora. O futuro na sétima arte É difícil para os produtores independentes competir com o cinema comercial. Cineastas in- dependentes dispõem de menos recursos financeiros e tecnológi- cos que podem gradativamente apagar a chama, diminuir a von- tade de se fazer cinema. Mas isso pode ser visto como um desafio, e não um problema. “Hoje vivemos um momento de um acesso incrível em que é possível se fazer com câmeras e equipamentos super acessíveis numa qualidade boa. Cada um vai descobrir a sua forma e o seu jeito de lançar e divulgar o filme, seja online, seja da forma que for,” diz Maurício Eça.“Se fosse dar um conselho, é buscar a ideia mais criativa, trabalhe ela o máximo possível, estude as possibilida- des, os detalhes, ensaie e se pre- pare muito pra quando chegar a hora você poder estar seguro e confiante e a chance de proble- mas minimizar.” É preciso fisgar as pessoas, por isso a importância de uma histó- ria bem contada. Um enredo for- te, atuações convincentes e um bom poder de criatividade são capazes de driblar todas as difi- culdades causadas por um orça- mento limitado e fazer com que um filme independente alcance o sucesso. Uma câmera na mão pode ser o que falta para trazer várias ideias às cabeças daqueles que não se assustam com os per- calços que se apresentam ao lon- go do caminho. Cena do filme“Girimunho”, 2011 Foto:Divulgação “A tecnologia tem impacto positivo na produção de filmes autorais e de baixo orçamento, pois promove a democratização do acesso a equipamentos de alta qualidade, mas com custos menores” Luana Melgaço Filme Apneia, 2014, de Maurício Eça Foto: Divulgação Foto: Divulgação Filme Hoje eu quero voltar sozinho, 2014, de Daniel Ribeiro
  • 10. 18 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 19 viajando Conhecendo Paris com Celine e Jesse O poder do diálogo associado ao encanto do cenário parisiense Por Barbara Godoy O filme Antes do Pôr do Sol, dirigido pelo diretor Richard Linklater, foi lançado em 2004 e é uma conti- nuação de Antes do Amanhecer, obra inaugural da trilogia que retrata a relação entre Celine e Jesse, per- sonagens que se conhecem em um trem e passam a se relacionar através de diálogos arrebatadores que perduram durante todo o roteiro, envolvendo a complexidade e fragilidade das questões existenciais. É respeitando esse ritmo que Linklater origina um conjunto de obras coerentes a um cinema que tem muito a acrescentar. 1 - Livraria Shakespeare and Company O início desse reencontro, 9 anos depois, acon- tece na livraria parisiense Shakespeare and Company, conhecida como a mais charmosa do mundo. Ela se mantém na região da Rive Gua- che desde 1951, às margens do Rio Sena e com vista para a catedral de Notre Dame. É lá que Jesse, após se tornar um famoso escritor, está em turnê do lançamento de seu livro, This Time, e reencontra Celine, que vai até o local ao saber do evento. 2 - Le Pure Café É nesse atraente café que os dois resolvem pa- rar após alguns minutos de caminhada, nele o casal comenta sobre as mudanças físicas e psicológicas acarretadas pelo tempo, e desco- brem, também, que durante os anos perdidos estiveram ao mesmo tempo em Nova Iorque. 3 - Coulée Verte René Dumont (antigo Pro- menade Plantée) Voltando a caminhada, os dois se dirigem ao jardim suspenso Promenade Plantée, feito em cima de um viaduto no bairro de Bastille. Ao tra- tarem de assuntos como infância e morte, Celi- ne alega: “A memória é uma coisa maravilhosa se você não tiver de lidar com o passado”. 4 - Quai de La Tournelle (Pont Sully) Após o passeio no atraente jardim parisiense, os dois se dirigem até às margens do Rio Sena e embarcam no bateau mouche, embarcação própria de passeios tu- rísticos que possui o convés superior aberto para que as regiões possam ser apreciadas. Mas aqui, o cenário se torna apenas um plano de fundo em meio a conver- sa dos dois.“... Não se pode substituir ninguém, porque todo mundo é uma soma de pequenos e belos deta- lhes.”Essa cena dá origem à imagem de capa do filme. 5 - Quais Henri IV É aqui que os dois desembarcam e onde o motorista de Jesse o aguarda para levá-lo até o aeroporto. Ele, então, oferece uma carona até o pequeno apartamen- to de Celine. A sequência de cenas dentro do carro evi- denciam ainda mais a delicadeza de Linklater, encon- trada nos diálogos e nas minúcias, como no momento em que Jesse olha para a janela e Celine tenta, disfar- çadamente, tocar seu rosto. Instante que também está presente no primeiro filme, quando os dois acabam de se conhecer e Jesse tenta tocar, delicadamente, o ca- belo de Celine. 6 - Court de I’Étoile d’Or A última parada acontece na Court de l’Étoile d’Or, pe- quena vila com casinhas localizada na Rue du Fauburg Saint-Antoine, onde Celine mora. Jesse resolve conhe- cer seu lar e promete não demorar, porém, no meio desse desfecho, enquanto Celine resolve finalmente tocar algo para ele ouvir, a atração entre os dois se evidencia nos versos musicais “...Uma única noite com você, pequeno Jesse, vale por milhares com qualquer outro.” É assim, no meio de uma valsa e de Celine imi- tando a presença de palco de Nina Simone, que Jesse se vê encurralado entre a realidade e o caso de amor que não terminou naquela noite de 95. Aqui, Linklater nos presenteia com o final mais tentador da história do cinema. 1 2 4 3 5 6 Foto:DivulgaçãoFoto:DivulgaçãoFoto:Divulgação Foto:DivulgaçãoFoto:DivulgaçãoFoto:LucasGodoy
  • 11. 20 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 21 capa A arte do futuroO jeito de fazer cinema se modificou profundamente com a inclusão das novas tecnologias que vão surgindo a cada dia. Mas todo esse avanço contribui ou prejudica a arte de contar histórias? Por Barbara Godoy, Felipe Henrique Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise Explosões, fogo, prédios que desabam, o fim do mundo. Ima- gens que transmitem as emoções necessárias para se contar um de- terminado tipo de história. Coisa que o cinema consegue tão bem, e não é de hoje. Desde o começo, a tecnologia anda junto com os cineastas para que grandes acon- tecimentos como os relatados possam ser integrados ao roteiro dos filmes e, assim, colocados nas telas. O avanço tecnológico, porém, não se limita aos efeitos espe- ciais — grandes responsáveis por levar os espectadores às salas — mas também ajuda a aproximar os responsáveis pelas produções ao seu público-alvo, já que as no- vas tecnologias proporcionam imensas possibilidades de inte- ratividade. E é dessa forma que a tecnologia está assumindo o controle e mudando o rumo da indústria cinematográfica. Diante de tantas artimanhas para prender a atenção do espec- tador, como no caso dos estúdios que ajudam a bancar produções gigantescas e sua distribuição, há ainda aquele público mais crítico, que não se deixa convencer ape- nas por imagens e efeitos de pon- ta ou por uma mixagem e efeitos sonoros de arrepiar, mas que bus- ca no cinema uma magia que vai além da era tecnológica que esta- mos vivendo. “O que me chama atenção em um filme é, justamente, a história e o desenvolvimento da narrati- va”, é o caso do estudante de Rá- dio e TV, Victor Hugo de Moura, 22. “Um filme começa por algo a ser contado e, se bem trabalha- do, não importam as restrições e dificuldades técnicas, pois só se torna um clássico quando seu público mantém a história viva.” E manter essa história viva está cada vez mais fácil, já que a maneira de se assistir filmes tam- bém foi modificada com a tecno- logia. O crescimento da Internet proporcionou a criação de tec- nologias de streaming de vídeo e, consequentemente, o avanço dos serviços de vídeo sob de- manda, como o Netflix. Ter um grande público nas sa- las de cinema não é mais impres- cindível como antes. O poder da Netflix hoje em dia é tão grande, que além do serviço de vídeo sob demanda, a empresa também iniciou o processo de distribuição de filmes, o primeiro deles sendo Beasts Of No Nation, do cineasta Cary Fukunaga. O longa irá estre- ar simultaneamente nos cinemas norte-americanos e no Netflix em âmbito mundial. O marco do início do cinema se deu com o filme A chegada do trem à estação de Ciotat, dos ir- mãos Lumiere em 1895. Foi uma novidade tão grande que muitos telespectadores saíram correndo das salas por acreditar que o va- gão entraria naquele local. Desde então os filmes vêm passado por inúmeras inovações em suas pro- duções. Filmes como The Jazz singer, de 1927, primeiro filme falado, causaram revolução assim como Cidadão Kane, de 1941, dirigido por Orson Welles, que inovou não só nos enquadramentos ci- nematográficos, mas também na narrativa usada de maneira não cronológica. Branca de Neve e os sete anões, de 1937, é sem dúvida nenhuma um grande marco para o cinema, suas técnicas de animação desen- volvidas para o filme influenciam até hoje,”afirma Victor Hugo. As animações talvez sejam o gênero cinematográfico que mais ganhou com o crescimento sem limites das novas tecnolo- gias. Antigamente, não passavam de desenhos unidimensionais, com a limitação de cenários, – como não se lembrar dos dese- nhos clássicos em que se repetia o mesmo cenário como fundo para uma cena de perseguição ou na qual um personagem está correndo, por exemplo – e com poucas possibilidades visuais a oferecer ao público. Atualmen- te, os animadores e estúdios de animação gastam milhões de dó- lares em softwares que possibili- tam criar detalhes antes inimagi- náveis para o gênero. A grandiosidade da tecnolo- gia, aliada à criatividade humana é tão grande, que os desenhos impressionam pela proximidade com a nossa realidade. O nariz que transformou Nicole Kidman em Virginia Woolf no filme As Ho- ras, a agonia de Marion Cotillard em Ferrugem e Osso ao perder as pernas, os ângulos das câmeras que contam com uma maquete para originar o grandioso Hotel Budapeste, o cenário futurístico que compõe a trama de Ela, a notoriedade dos sons usuais nas obras de Tarantino, enfim, todo esse conjunto nunca esteve tão próximo do real. Chegamos ao ponto em que, sem o uso des- ses recursos gráficos de última geração, muitos filmes como Toy Story, Wall-E, Avatar, entre outros, não produziriam o mesmo im- pacto no grande público. Vale ressaltar que a simulação em computador não está presen- te apenas nas animações. Cená- rios e até mesmo uma sequência de ações podem ser produzidas inteiramente com o uso de pro- gramas especializados. Essa alternativa tem sido cada vez mais utilizada pelos produto- res, já que reduz os custos de pro- dução,poisnãoéprecisodeslocar uma grande equipe para gravar a ação no local, e também preser- va a integridade de atores e du- blês em sequências que possam representar algum risco. Além, é claro, de sempre ter a possibilida- de de acrescentar um elemento extra de criatividade na cena em questão, já que o cinema, não é apenas a representação da rea- lidade tal como ela é, mas busca sempre algo extra, para deleitar o público e aguçar a capacidade imaginativa dele. Outro recurso bastante utili- zado atualmente, o 3D não é no- vidade das produções do século 21. Já nos anos 50 os americanos testaram essa técnica. Em 1952 estreou o primeiro filme 3D em cores Bwana Devil. O resultado abismou o público que nunca Cena da animação Branca de Neve, 1937 Arte: Felipe Henrique Lima Foto:Divulgação
  • 12. 22 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 23 capa vira nada parecido. As imagens pareciam emergir da tela e isso impressionou até mesmo os crí- ticos de cinema. Adeus à Lingua- gem, 2014, de Jean-Luc Godard, abusa do recurso em 3D ao so- brepor imagens em níveis de pro- fundidade diferentes. Para Luiz Felipe, 22, formado em Comunicação Social e rotei- rista na Coala Filmes, esse recurso veio para suprir as necessidades financeiras de grandes estúdios e obter mais lucro sobre a bi- lheteria dos filmes em cartaz. “O ingresso para um filme em 3D é mais caro. As salas de cinema de blockbusters e filmes com maior destaque tiveram que se adaptar rapidamente, mais e mais filmes começaram a ser produzidos com essa esquemática. A indústria se transformou e parece querer tri- lhar esse caminho de inovações.” Futuras inovações cinema- tográficas A evolução da sétima arte não está envolvida apenas na tecno- logia técnica que acrescenta qua- lidade às películas, o modo de exibição vem se reinventando a cada ano. As salas de cinema, inicialmen- te construídas em cinemas de rua ou salas de teatro, passaram a to- mar conta dos shoppings centers, locais associados à globalização que se apropriaram dos filmes e os tornaram mercadorias. Essa apropriação transformou o ato de ir ao cinema em puro entrete- nimento midiático. “O cinema incorporará diver- sas novas linguagens por meio de influências midiáticas, cultu- rais, sociológicas e mercadológi- cas,” comenta Luiz Felipe sobre essa percepção futura. “O estudo de novas mídias e abertura de pesquisas e experimentações em mídia comparada de gran- des centros possibilitou observar com maior clareza o impacto das mídias entre si – em sentido estri- to ou competitivo.” As redes distribuidoras usu- fruem de recursos tecnológicos sempre buscando o crescimen- to monetário da instituição. É o exemplo da nova proposta ex- posta em Miami durante a feira ShowEast 2014, que apresentou um novo conceito de projeção cinematográfica. O projeto con- ta com três telas exibidoras, o que, segundo eles, proporcionará maior imersão ao espectador e aumento do número de bilhete- ria. “O cinema, assim como qual- quer outro produto de massa, irá servir seu propósito mercadoló- gico e para tal necessita de tais avanços, porém eu acredito que a essência de se contar histórias lhes dá uma outra dimensão, mais transcendental e o progres- so tecnológico conecta o cinema para quem se faz cinema.”, afirma Luiz. Assim como os primeiros teles- pectadores não poderiam imagi- nar que um dia, frente a uma tela de cinema, seria possível assistir uma obra colorida, não podemos prever quais serão os futuros mé- todos de exibição. A arte cinematográfica nasceu com o simples intuito de incitar emoções, mas o desempenho das mudanças técnicas e mercadoló- gicas que usaram a tecnologia como alicerce possuem critérios benéficos e maléficos para a his- tória. Esse critério básico acres- cido de intenções humanas e confrontadoras que levam o es- pectador a real reflexão encon- tra-se quase obsoleto perante as tramas massificadas do cinema estritamente lucrativo, exercen- do influência direta no especta- dor submisso ao sistema. A tecnologia modificou o modo de interagir em nossa so- ciedade, e o cinema, como re- sultado da produção e esforços humanos de retratar a realida- de de outra forma, teve de se adaptar e modificar seu modo de ser feito, para atender às ne- cessidades desse público acos- tumado com a era digital. “Eu quero que o filme co- mece quando você sair da sala”, disse certa vez Jacques Tati, grande cineasta francês. As explosões que vêm da tela de nada servem se não trans- passarem o coração do espec- tador, e assim viverem para sempre. “As salas de cinema de blockbusters e filmes com maior destaque tiveram que se adaptar rapidamente - à tecnologia 3D- [...] mais filmes começaram a ser produzidos com essa esquemática. A indústria se transformou e parece querer trilhar esse caminho de inovações.” Luiz Felipe “As salas de cinema de blockbusters e filmes com maior destaque tiveram que se adaptar rapidamente - à tecnologia 3D- [...] mais filmes começaram a ser produzidos com essa esquemática. A indústria se transformou e parece querer trilhar esse caminho de inovações.” Luiz Felipe Gráfico:JéssicaParolin Wall-E, 2008, de Andrew Stanton Foto: Tate-Vader © Ferrugem e Osso, 2012, de Jacques Audiard Foto: Divulgação
  • 13. 24 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 25 cine de rua Os Contadores de Histórias No Belas Artes é assim: entra- se pela metade do preço para sair com a cabeça farta. O públi- co que paga inteira, ali, é mino- ria. Não é preciso nem entrar no saguão para notar que os jovens estudantes fazem daquele lugar o “point” dos encontros paulista- nos, como as catracas de metrô. Logo no único degrau do hall de entrada, onde antes os ho- mens de topetes engomados e jaquetas de couro esperavam por suas donzelas vestidas com blu- sas que acentuavam os sutiãs de bojo e saias longas, encontram- se os cinéfilos do século XXI, com suas barbas compridas e camisas sociais estampadas esperando por suas donzelas de vestidinhos curtos. No saguão espelhado que agrega a bilheteria e a rampa de acesso ao café já é possível notar a grandeza e o ar nostálgico do local. Sua decoração é toda mo- derna, mas é um lugar dedicado ao passado. A maioria das pare- des carregam pôsters vintages de Meliès a Hitchcock, e a cafete- ria (que também ocupa o andar de cima) é dedicada ao mestre do cinema italiano, Fellini. Nele, descobrimos que o público de idosos também marca presença. Eles usufruem da meia entrada e do café, mas o que prevalece é a sensação insubstituível de ir ao cinema à moda antiga. No meio dessa mistura de gos- tos e idades é perceptível a mu- dança que o tempo deixou, mas o cinema ainda continua o mesmo. Amante das paixões, consolador dos sofredores, e sempre, conta- dor de histórias. Atualmente, na capital pau- lista encontram-se em funciona- mento 10 cinemas de rua, entre eles está o mais conhecido, o Cine Caixa Belas Artes, localizado na Consolação, reaberto em 2014. A programação do local é exclusiva para filmes clássicos e indepen- dentes, além dos eventos extras, como o Noitão, exibição de filmes ocorrida nas madrugadas de sex- ta com direito a café da manhã. Mas esses locais não são os úni- cos a promoverem a exibição de clássicos, os Centros Culturais e Bibliotecas são responsáveis pela organização de eventos como as Mostras, período em que são exibidos filmes derivados de um tema previamente definido, os Ci- neclubes, encontros combinados virtualmente que contam com o apoio desses lugares físicos para o “cultuamento” das obras a par- tir de projeções e debates, e, por fim, a possibilidade de locação encontrada em algumas bibliote- cas, atividade extinta pelas novas tecnologias que tornaram as lo- cadoras obsoletas. Como os cinemas de rua moldam a cultura de um local e transformam a vida das pessoas que se deixam levar por suas fábulas Por se tratar muitas vezes de uma realidade paralela, o cine- ma tem a capacidade de aflorar nossa imaginação e despertar um grande interesse nas pesso- as, que acabam vendo nas obras uma maneira para escapar do mundo físico e entrar em um uni- verso aberto a diferentes inter- pretações. Sabendo desse poder, alguns diretores, principalmente aqueles do chamado “cinema in- dependente”, utilizam a sétima arte para introduzir pensamen- tos, reflexões, críticas e referên- cias à cultura de nossa sociedade. Desse modo, os cinemas de rua podem ser considerados espaços de influência direta no modo de agir de seus frequentadores. O cinema, definindo como sétima arte, se tornou um dos principais mediadores culturais permanentes do século. Os fil- mes pioneiros, criados a partir de 1895, foram resultados de técni- cas recém-descobertas na época, apoiadas pela arte fotográfica. Apesar da massiva substituição cronológica dos filmes contem- porâneos pelos clássicos, esses filmes ainda permanecem pre- sentes na vida de muito cinéfilos e admiradores que defendem a relevância dessas películas na atualidade. A história cinematográfica não pode ser contada sem menção aos cinemas de rua, grandes res- ponsáveis pela exibição de filmes nosurgimentodasétimaarteelo- cais que preservam a tradição das obras mais antigas, os chamados “medalhões” do cinema. Em São Por Barbara Godoy, Felipe Lima, Jéssica Parolin e Renata Aloise Inauguração do Belas Artes reacende a procura pelos cinemas de rua Foto:Divulgação RESERVA CULTURAL Avenida Paulista, 900 CINE SALA Rua Fradique Coutinho, 361 Outros cinemas de rua que atraem os amantes da sétima arte em São Paulo CINE MARABÁ Avenida Ipiranga, 757 ESPAÇO ITAÚ Rua Augusta, 1475 Paulo, o primeiro cinema de rua foi inaugurado em 1907, com o nome Bijou-Palace. O crescimen- to desses estabelecimentos foi contínuo até o ano de 1960, onde o número de espectadores dimi- nuiu de 58 mil para 36 mil, queda atribuída ao avanço da televisão.
  • 14. 26 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 27 cine de rua O cinema de rua, nos seus pri- mórdios, teve impacto direto na formação de um público mais crí- tico e exigente que acabou pas- sando seu conhecimento para gerações futuras. Mesmo em nú- mero relativamente menor, esses locais ainda concentram o que há de melhor em termos de pro- duções cinematográficas e seu impacto sociocultural pode ser traduzido pela quantidade e di- versidade de temas que são abor- dados de maneira profunda pelas películas independentes. São Paulo, desde o início, aco- lheu muito bem o cinema. O cres- cimento desses estabelecimen- tos foi notável nas décadas de 50 e 60, onde as pessoas incorpora- prédio aconteceu com a ajuda de seu irmão Iwao, que era dono de uma serraria em Uraí, no Paraná, e o capital veio do comércio de fei- jão da família Tanaka, que ia tão bem na época que Yoshikazu era conhecido como o“Rei do Feijão”. O investimento foi tão grande, que o resultado surpreendeu a todo e orgulhou a grande comu- nidade japonesa, que necessita- va de um incentivo para sair da melancolia advinda da derrota e destruição de seu país pós-Se- gunda Guerra. Além da grande sala de cinema de dois andares, com 1500 poltronas estofadas, no térreo, o prédio contava com um restaurante no primeiro andar; um hotel nos dois andares se- guintes, e um salão de festas no último pavimento. O primeiro filme exibido foi Os Amores De Genji, em 1953. Todos os filmes eram legendados e toda segunda-feira entrava um novo filme no projetor. 20 mil pessoas passavam pelas salas todas as se- manas. Algumas sessões tinham fi- las que dobravam a esquina, e grandes estrelas vieram ao bairro para promover seus filmes. Isso aconteceu várias vezes, e um dos convidados foi Koji Tsuruta, um galã na época. Nessas ocasiões, o convidado se hospedava no hotel da família Tanaka, e as recepções aconteciam na ampla sala da casa de Susumu, irmão de Yoshikazu. Outros cinemas abriram, an- siosos para repetir o sucesso do “Herói do Japão” (o nome vem junção de Nitto [Japão] e herói), mas nenhum conseguiu se tornar o ícone que é o Niterói, o último cinema japonês da Liberdade. Seu grande sucesso também trouxe prosperidade para o bair- ro, já que muitos comerciantes se instalaram no bairro graças ao grande número de pessoas que circulavam por lá graças ao cine- ma. O encerramento das ativida- des deu-se em 1968, quando o ci- nema foi desapropriado para dar origem a ponte Osaka. A unidade mudou de endereço, passando a residir na Avenida Liberdade, mas não resistiu às mudanças do mer- cado e fechou no ano de 1988. Os interesses do setor imobili- ário, que tende a fechar os espa- ços culturais para faturar em cima dos imóveis, foram os maiores responsáveis pela extinção dos cinemas de rua. Atualmente es- ses cinemas viraram raridades na cidade, os poucos sobreviventes nos envolvem em uma clima nos- tálgico com a estrutura cheia de influências da época, programa- ção voltada a filmes clássicos e cults, e o famoso pipoqueiro com seu carrinho, substituinte das pi- pocas amanteigadas e industria- lizadas. Os escombros de outras unidades extintas que ainda não foram transformadas em pontes, shoppings, casas, edifícios, carre- gam o histórico cultural que afe- tou a vida de cada espectador da época. ram a ida ao cinema em sua ro- tina. Essa expansão da indústria cinematográfica e o surgimento de novos empreendimentos mo- dificou não apenas a forma como as pessoas obtinham cultura, mas também foi responsável por mu- danças importantes no espaço social da cidade. Cine Niterói: Exemplo de como o cinema pode incorporar a cul- tura de um povo A importância do cinema na vida das pessoas pode ser exem- plificada, no bairro da Liberdade, por uma construção que existiu até 1968, o Cine Niterói. Um mar- co na história da comunidade japonesa em São Paulo, o cine- ma tinha sua programação intei- ramente voltada ao cinema do Japão, o que contribuiu não só para uma melhor adaptação dos imigrantes como também para difundir essa arte entre os oci- dentais. O cinema foi fundado na Rua Galvão Bueno, localizada na Li- berdade, bairro de tradição japo- nesa em São Paulo, por Yoshikazu Tanaka, um repórter sem experi- ência alguma em administração. Ele viajou ao Japão e fez acordo com a distribuidora Toei para exi- bir as películas dessa grande em- presa, no momento em que o Ja- pão vivia o “boom” de produção cinematográfica. A construção do Fachada do Cine Niterói Filmes japoneses eram a principal atração do Cine Niterói Foto:Divulgação Foto:Divulgação Pu-San, 1953, de Kon Ichikawa, filme japonês exibido durante o período áureo do Cine Niterói Cine Joia, um dos cinemas orientais que abriram após o grande sucesso do Cine Niterói Foto: DivulgaçãoFoto: Divulgação
  • 15. 28 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 29 estreias e análises Sem “Harry Potter”, A Mulher de Preto retornaamparadaemumaboahistória e com ambientação impecável da Segunda Guerra Por Felipe Henrique Lima Por Barbara Godoy A Mulher de Preto 2 – Anjo da Morte (2014) Nota: 3/5 Título Original: The Woman in Black 2 – Angel of Death Diretor: Tom Harper Produzido nos Estados Unidos A sequência de A Mulher de Preto provocou algumas dúvidas e gerou certa expectativa antes mesmo de seu lançamento. O novo filme, dessa vez sob direção de Tom Harper (o primeiro havia sido dirigido pelo britânico James Watkins), teve de superar a saída de Daniel Radcliffe do elenco, protagonista da primeira película e mundialmente conhecido por interpretar Harry Potter. Assim como seu anterior, A MulherdePreto2, apresenta o fan- tasma de uma mulher rancorosa que atrai crianças indefesas para uma casa assombrada no meio de um pântano para lhes dar um trágico fim. A história se passa no meio da Segunda Guerra. A professo- ra Eve (Phoebe Fox) é convocada pela diretora de uma escola, Jean Hogg (Helen McCrory) a se retirar de Londres que constantemente era alvo de bombardeios, para se refugiar em outra cidade no inte- rior da Inglaterra com um grupo de crianças, entre eles o pequeno Edward (Oaklee Pendergast), que recentemente perdeu os pais e, por causa do trauma, não conse- gue pronunciar uma palavra se- quer. Eve cria um laço emocional com Edward em meio a seus pró- prios traumas pessoais. A moça também conhece Harry Burns- tow (Jeremy Irvine), um oficial da aeronáutica que irá ajudá-la a re- solver o mistério que ronda a casa no pântano. O filme peca justamente pela semelhança com seu predeces- sor, sendo considerado uma re- criação da obra anterior. O diretor utiliza os típicos clichês do gênero como a casa abandonada, o chão que range, a cadeira de balanço que se move sozinha, um quarto cheio de brinquedos assustado- res, e a neblina horripilante. O lado positivo fica com o foco que é dado ao terror psicológi- co, que consegue superar todos os elementos rotineiros das pe- lículas de terror e faz com que A Mulher de Preto 2 se diferencie de outras obras atuais do gênero. A história, apesar de previsível, é muito bem contada e não cria nenhum nó na cabeça dos espec- tadores. Há de se elogiar a preocupa- ção com a ambientação de épo- ca. As cenas de Londres devas- tada pela guerra são dignas de tal elogio, com atenção especial para a tomada aérea da capital inglesa. O ambiente do pântano também foi pensado cuidadosa- mente para acrescentar suspense à história.e o que vemos no longa é mais do mesmo, por sua vez, o mesmo vale a pena ser visto para se ter uma ideia melhor a respei- to de seu antecessor e é um bom divertimento para quem curte o gênero e quer fugir do típico terror enlatado e ensanguentado das produções atuais. Foto:Divulgação Frances Ha, a musa de uma geração inquieta Frances Ha (2012) Nota: 4/5 Título Original: Frances Ha Diretor: Noah Baumbach Produzido no Estados Unidos e Brasil A vida deveria vir com um ma- nual que pudesse auxiliar no des- conforto das mudanças acarreta- das pelo crescimento. Mas, como essa ideia é utópica, está entre as missões do ser humano aprender a lidar com as imposições e fases que vêm junto com a idade, o que não é nada fácil. Frances Handley (Greta Ge- rwig), a personagem principal dessa história, divide o aparta- mento com sua amiga Sophie (Mickey Sumner), até que a mes- ma resolve ir morar em um lugar melhor localizado e deixa a ami- ga para trás. Assim tem início a odisseia de Frances em relação ao aceitamento da fase adulta. Com problemas financeiros, crises exis- tenciais e à espera de uma chance de integrar o grupo de bailarinos que encenará o espetáculo de na- tal da companhia que faz parte, nossa protagonista não perde o bom humor em relação à vida, e carrega essas situações factuais e cotidianas em cenas que se apro- ximam do espectador, através de questões e diálogos conflituosos, ou nas entrelinhas da leveza de uma dança espontânea no meio da rua, ao som de Modern Love (referência notória ao filme fran- cês Mavauis Sang). Além de Greta e Mickey Symmer, o elenco fica por conta de Adam Driver, Micha- el Zegen, Charlotte d’Amboise, entre outros. Em determinada parte do fil- me, um amigo de Frances a defi- ne como “undateable”, uma pes- soa que apresenta dificuldades em relacionamentos amorosos, mas as adversidades enfrentadas por ela vão além do amor. É em qualquer tipo de relacionamento que Frances encontra dificuldade, talvez por isso essa obra seja tão indefinível e adorável. É prazero- so o caráter de identificação que o filme traz ao espectador que se vê, ou já se viu, em situações pa- recidas durante a juventude. A atmosfera em preto e bran- co que Noah Baumbach opta em usar concilia com o jeito em que Frances olha para o mundo. O recurso de cores clássicas nos remete a simplicidade dos fil- mes antigos que não precisavam de enfeites para se tornar boas obras. As referências também estão presentes na trilha sonora, composta por Bach, Mozart, e Ge- orges Delerue. Greta Gerwig incorpora nessa obra uma personagem carismáti- ca e representativa de toda uma geração que está em busca de ra- zões definidoras de personalida- de e de significados sobre as rela- ções com o outro, nos mostrando que, assim como ela, ainda não somos pessoas de verdade, mas podemos obter êxito em achar a felicidade nas brechas efêmeras da existência. Foto:Divulgação
  • 16. 30 | CLAQUETE ALTERNATIVA CLAQUETE ALTERNATIVA | 31 estreias e análises Confira as últimas estreias Por Renata Aloise Quatro padres vivem numa casa isolada à beira-mar. Cada um tem um pecado a ser expiado, e eles estão sob a direção de um guardião. Quan- do um quinto padre chega, ele desperta os pecados enterrados pelos quatro anteriores. Quinto filme do chileno Pablo Larraín, mesmo diretor de No, ganhou o Prêmio do Júri no Festival Internacional de Cinema de Berlim e foi escolhido para representar o Chile no Oscar. O Clube Kate Mercer está planejando a festa de comemoração dos 45 anos de casa- da. Porém, cinco dias antes do evento, o marido recebe uma carta: o corpo de seu primeiro amor foi encontrado congelado no meio dos Alpes Suíços. A estrutura emocional dele é seriamente abalada e Kate já não sabe se vai ter o que comemorar durante a festa. Charlotte Rampling e Tom Courte- nay ganharam os prêmios de Melhor Atriz e Melhor Ator no Festival de Berlim por esse delicado drama inglês do diretor Andrew Haigh. 45 anos Tracy é uma caloura de faculdade que leva uma vida solitária em Nova York. Após muita insistência da mãe, ela resolve ligar para Brooke, filha de seu futuro padrasto, que também mora em Nova York. Tracy fica fasci- nada com a energia de Brooke e resolve usá-la como inspiração em um novo conto. Dirigido por Noah Baumbach, que co-escreveu o roteiro com a atriz Greta Gerwig e produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira. Mistress America Coisas estranhas acontecem em Bad City. Uma cidade iraniana fantasma, lar de prostitutas, viciados, cafetões e outras almas sórdidas. Um reduto de de- pravação e falta de esperança, onde uma vampira solitária persegue os habi- tantes mais repugnantes. Mas quando um garoto conhece uma garota, uma história de amor incomum começa a florescer… vermelha como o sangue. Filme de estreia da inglesa de descendência iraniana Ana Lily Amirpour. Garota sombria caminha pela noite
  • 17. 32 | CLAQUETE ALTERNATIVA