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Liderança: um conceito profundo, uma ideia nobre
Flavio Farah*



Responda as perguntas abaixo com S (sim) ou N (não).

1) O Presidente da República é Presidente dos brasileiros?
2) O Presidente da República é líder dos brasileiros?
3) O Presidente da República é gerente (chefe) dos brasileiros?
4) O Diretor-Presidente de uma empresa é líder dos empregados dessa empresa?
5) O Diretor-Presidente de uma empresa é gerente (chefe) dos empregados dessa empresa?

A primeira pergunta deve ser respondida com “sim”. O Presidente da República é responsável pelos
destinos da nação brasileira. A palavra “nação” significa uma sociedade de indivíduos que habitam
o mesmo território, falam o mesmo idioma, têm a mesma cultura e formam um grupo que se man-
tém unido pelas aspirações comuns e, principalmente, pela consciência nacional. Se esse é o concei-
to de “nação”, então devemos considerar o Presidente da República como Presidente de todos os
brasileiros.

A terceira pergunta é fácil de responder: não. Ninguém dirá que o Presidente da República é gerente
dos brasileiros. Para que isso fosse verdade, seria necessário que o Presidente da República e todos
os brasileiros trabalhassem na mesma empresa.

A quinta pergunta também é fácil: sim. O Diretor-Presidente de uma empresa é gerente de todos os
empregados dessa empresa porque ele, direta ou indiretamente, dirige o trabalho de todos.

Agora, a segunda pergunta. Muitos poderão responder que o Presidente da República é líder de
todos os brasileiros. Se conduzirmos, porém, uma pesquisa de opinião, perguntando a um grupo de
pessoas estatisticamente escolhidas: “O Presidente da República é seu líder?”, provavelmente che-
garemos a um resultado dividido. Uma grande parte dos pesquisados responderá “sim”, outra gran-
de parte, “não”, e uma pequena parte responderá “não sei”. Tenderão a responder “sim” aqueles que
têm enorme apreço pelo Presidente e que se identificam com ele. Tenderão a responder “não” aque-
les que não têm nada em comum com o Presidente e que não o apreciam. Devemos concluir, então,
que o Presidente da República não é líder de todos os brasileiros, mas apenas de uma parte deles.

E agora, que resposta deve receber a quarta pergunta?

Os Presidentes das grandes empresas têm sido chamados de “líderes” em praticamente todas as re-
portagens publicadas por órgãos da imprensa geral e especializada. Por outro lado, o termo “lideran-
ça” tem sido definido como a capacidade que um indivíduo tem para influenciar as atividades de um
grupo de pessoas na realização de certos objetivos. Se considerarmos correta essa definição, então o
Presidente de uma empresa deverá ser tido como líder dos empregados em virtude de sua capacida-
de de influenciá-los.

Surge, porém, a seguinte dúvida. A capacidade de influenciar a conduta dos funcionários é natural
ou decorre do cargo que o Presidente exerce? A questão é importante porque existe outra definição
bastante comum para o termo em questão: liderança é a capacidade de influenciar um grupo de indi-
víduos de forma não coerciva. Se adotarmos este segundo conceito, então o Diretor-Presidente de
uma empresa não é líder dos empregados porque sua influência decorre da capacidade de mando
hierárquico que seu cargo lhe proporciona.
Pois bem. Neste ponto, eu afirmo que toda essa discussão é equivocada porque define liderança de
uma forma estreita e míope. Definir liderança como a capacidade de influenciar terceiros tem o úni-
co efeito de desvalorizar, rebaixar, amesquinhar e enlamear a noção de liderança. Liderança não é
“capacidade de influência”, mas sim, algo muito mais profundo, muito mais generoso, muito mais
nobre e muito mais sutil do que isso.

Liderança é a relação que se estabelece entre um indivíduo e um grupo quando o indivíduo inter-
preta corretamente o sentimento do grupo. Nestas condições, o indivíduo é chamado “líder” do
grupo, e os membros deste, “seguidores”.

Interpretar corretamente o sentimento do grupo significa dizer que o líder identifica os objetivos e
aspirações desse grupo e demonstra conhecer o caminho para atingi-los. O processo de emergência
da liderança é o seguinte:

1º) O indivíduo identifica o objetivo do grupo, objetivo com o qual ele próprio se identifica;
2º) O indivíduo comunica esse objetivo ao grupo e demonstra saber como atingi-lo;
3º) O grupo acredita no indivíduo e, na sequência, elege-o como seu líder.

A partir do momento em que o líder é eleito, o grupo, espontaneamente, delega-lhe poderes de co-
mando para que ele faça o que for preciso para conduzir o grupo em direção ao objetivo pretendido.

O processo de emergência da liderança pode ser visualizado no capítulo 15 do filme em disco Gla-
diador (EUA, 2000), estrelado por Russell Crowe, que interpreta o papel do general romano Maxi-
mus. Em resumo, Maximus é vendido como escravo e se torna gladiador. Depois de lutar em várias
cidades menores do Império Romano, ele e os outros de seu grupo vão enfrentar a morte em Roma,
no Coliseu. Eles são os primeiros a entrar na arena e estão, agora, aguardando que os portões do tú-
nel oposto se abram para saber quem serão os inimigos que terão que enfrentar. Maximus, então,
diz aos outros:

― Seja o que for que sair desses portões, teremos mais chance de sobreviver se trabalharmos jun-
  tos. Vocês entendem? Se ficarmos juntos, sobreviveremos.

O que Maximus fez foi interpretar corretamente o sentimento e as aspirações daquele grupo de gla-
diadores: sobreviver. Nesse momento, Maximus se torna o líder do grupo, por escolha tácita deles.
Os gladiadores passam a seguir suas instruções. Ele os conduz à vitória. O grupo sobrevive.

Na vida real, um episódio admirável de consagração da liderança ocorreu por ocasião do discurso
do reverendo negro Martin Luther King Jr., proferido em 28 de agosto de 1963, em Washington,
nos Estados Unidos. King falou em frente ao Lincoln Memorial para uma multidão calculada em
cerca de 200 mil pessoas. O histórico discurso de King em defesa da não segregação racial e dos
direitos dos afro-americanos eletrizou a multidão. Uma frase dita por ele – I have a dream (“Eu te-
nho um sonho”) – tornou-se famosa e passou a ser o título do discurso.

Seguem-se três passagens do discurso (em tradução livre) que fizeram King ser ovacionado pelo
público:

“De certa maneira, viemos à capital do País para descontar um cheque. Quando os pais de nossa na-
ção escreveram as maravilhosas palavras da Constituição e da Declaração da Independência, eles
assumiram uma obrigação para com todos nós. Obrigaram-se a proporcionar a todos, brancos e ne-
gros, o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Hoje, porém, é evidente que os Estados
Unidos não cumpriram essa obrigação em relação aos negros. Os Estados Unidos deram aos negros
um cheque ruim, um cheque que foi devolvido por falta de fundos. Mas nós nos recusamos a crer
que o Banco da Justiça esteja falido”.

“Há algo (...) que devo dizer a meu povo (...): No processo de busca do lugar que é nosso por direi-
to, não devemos tentar satisfazer nossa sede de liberdade bebendo no copo da amargura e do ódio.
Devemos conduzir nossa luta com dignidade e disciplina. Não devemos deixar que nosso protesto
se transforme em violência”.

“Eu tenho o sonho de que um dia meus quatro filhos possam ser julgados não pela cor de sua pele,
mas por seu caráter”.

A ovação que se seguiu a esses trechos do pronunciamento demonstra o quanto King sabia interpre-
tar os sentimentos dos afro-americanos.

Um aspecto crucial da verdadeira liderança nos é demonstrado no capítulo 14 do filme em disco
A Máscara do Zorro (EUA, 1998). Em meados do século XIX, o justiceiro mascarado conhecido
como Zorro lutava pelo povo da Califórnia contra a corrupção e tirania do governador espanhol,
Don Rafael Montero. Em 1821, às vésperas da independência mexicana, Montero descobre que
Zorro é, na verdade, o nobre Don Diego de la Vega. Montero prende Diego e, em seguida, embarca
para a Espanha.

Vinte anos depois, Montero retorna ao México. Ao saber do retorno de Montero, Diego foge da pri-
são a fim de vingar-se. É nesse momento que ele conhece Alejandro Murrieta, um ladrão ávido por
vingar o irmão Joaquín, que, pouco antes, havia sido morto pelo Capitão Harrison Love, chefe mili-
tar de Montero. Diego, então, começa a treinar Alejandro para ser o novo Zorro.

Depois, quando Alejandro rouba um garanhão negro para lhe servir de montaria quando estiver dis-
farçado de Zorro, Diego lhe diz: “Roubar não torna você digno de usar a máscara do justiceiro.
Zorro não é um ladrão nem um aventureiro em busca da fama, mas sim, um servidor do povo.”

Essa é uma característica fundamental do líder: servir ao grupo que o escolheu. Sua única missão é
levar o grupo ao alcance do respectivo objetivo. Nesse sentido, todo líder verdadeiro é um servidor
daqueles que o elegeram. E mais: ele serve ao grupo desinteressadamente, altruisticamente.

Voltando agora à quarta pergunta do início deste texto: o Diretor-Presidente de uma empresa é líder
dos empregados? A resposta é não, porque:

1º) Os empregados não constituem um grupo dotado de uma meta comum, mas possuem objetivos
    individuais variados que não coincidem com os objetivos da organização;
2º) O Diretor-Presidente não é eleito pelos empregados;
3º) O Diretor-Presidente não serve aos empregados, mas à empresa.

Retornando, também, à segunda pergunta: O Presidente da República é líder dos brasileiros? A res-
posta também é não, o Presidente não é líder de todos os brasileiros mas apenas dos que o elegeram.
E mesmo uma parte dos eleitores que o escolheram talvez não se considerem seus seguidores.

Usar o termo “líder” para qualificar um executivo só é admissível se a palavra for usada como força
de expressão ou como sinônimo de dirigente. Um Presidente ou Diretor de empresa não é, e nunca
será, um líder dos funcionários no verdadeiro sentido da palavra, por mais que estes o admirem.


*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão
de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com

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  • 1. Liderança: um conceito profundo, uma ideia nobre Flavio Farah* Responda as perguntas abaixo com S (sim) ou N (não). 1) O Presidente da República é Presidente dos brasileiros? 2) O Presidente da República é líder dos brasileiros? 3) O Presidente da República é gerente (chefe) dos brasileiros? 4) O Diretor-Presidente de uma empresa é líder dos empregados dessa empresa? 5) O Diretor-Presidente de uma empresa é gerente (chefe) dos empregados dessa empresa? A primeira pergunta deve ser respondida com “sim”. O Presidente da República é responsável pelos destinos da nação brasileira. A palavra “nação” significa uma sociedade de indivíduos que habitam o mesmo território, falam o mesmo idioma, têm a mesma cultura e formam um grupo que se man- tém unido pelas aspirações comuns e, principalmente, pela consciência nacional. Se esse é o concei- to de “nação”, então devemos considerar o Presidente da República como Presidente de todos os brasileiros. A terceira pergunta é fácil de responder: não. Ninguém dirá que o Presidente da República é gerente dos brasileiros. Para que isso fosse verdade, seria necessário que o Presidente da República e todos os brasileiros trabalhassem na mesma empresa. A quinta pergunta também é fácil: sim. O Diretor-Presidente de uma empresa é gerente de todos os empregados dessa empresa porque ele, direta ou indiretamente, dirige o trabalho de todos. Agora, a segunda pergunta. Muitos poderão responder que o Presidente da República é líder de todos os brasileiros. Se conduzirmos, porém, uma pesquisa de opinião, perguntando a um grupo de pessoas estatisticamente escolhidas: “O Presidente da República é seu líder?”, provavelmente che- garemos a um resultado dividido. Uma grande parte dos pesquisados responderá “sim”, outra gran- de parte, “não”, e uma pequena parte responderá “não sei”. Tenderão a responder “sim” aqueles que têm enorme apreço pelo Presidente e que se identificam com ele. Tenderão a responder “não” aque- les que não têm nada em comum com o Presidente e que não o apreciam. Devemos concluir, então, que o Presidente da República não é líder de todos os brasileiros, mas apenas de uma parte deles. E agora, que resposta deve receber a quarta pergunta? Os Presidentes das grandes empresas têm sido chamados de “líderes” em praticamente todas as re- portagens publicadas por órgãos da imprensa geral e especializada. Por outro lado, o termo “lideran- ça” tem sido definido como a capacidade que um indivíduo tem para influenciar as atividades de um grupo de pessoas na realização de certos objetivos. Se considerarmos correta essa definição, então o Presidente de uma empresa deverá ser tido como líder dos empregados em virtude de sua capacida- de de influenciá-los. Surge, porém, a seguinte dúvida. A capacidade de influenciar a conduta dos funcionários é natural ou decorre do cargo que o Presidente exerce? A questão é importante porque existe outra definição bastante comum para o termo em questão: liderança é a capacidade de influenciar um grupo de indi- víduos de forma não coerciva. Se adotarmos este segundo conceito, então o Diretor-Presidente de uma empresa não é líder dos empregados porque sua influência decorre da capacidade de mando hierárquico que seu cargo lhe proporciona.
  • 2. Pois bem. Neste ponto, eu afirmo que toda essa discussão é equivocada porque define liderança de uma forma estreita e míope. Definir liderança como a capacidade de influenciar terceiros tem o úni- co efeito de desvalorizar, rebaixar, amesquinhar e enlamear a noção de liderança. Liderança não é “capacidade de influência”, mas sim, algo muito mais profundo, muito mais generoso, muito mais nobre e muito mais sutil do que isso. Liderança é a relação que se estabelece entre um indivíduo e um grupo quando o indivíduo inter- preta corretamente o sentimento do grupo. Nestas condições, o indivíduo é chamado “líder” do grupo, e os membros deste, “seguidores”. Interpretar corretamente o sentimento do grupo significa dizer que o líder identifica os objetivos e aspirações desse grupo e demonstra conhecer o caminho para atingi-los. O processo de emergência da liderança é o seguinte: 1º) O indivíduo identifica o objetivo do grupo, objetivo com o qual ele próprio se identifica; 2º) O indivíduo comunica esse objetivo ao grupo e demonstra saber como atingi-lo; 3º) O grupo acredita no indivíduo e, na sequência, elege-o como seu líder. A partir do momento em que o líder é eleito, o grupo, espontaneamente, delega-lhe poderes de co- mando para que ele faça o que for preciso para conduzir o grupo em direção ao objetivo pretendido. O processo de emergência da liderança pode ser visualizado no capítulo 15 do filme em disco Gla- diador (EUA, 2000), estrelado por Russell Crowe, que interpreta o papel do general romano Maxi- mus. Em resumo, Maximus é vendido como escravo e se torna gladiador. Depois de lutar em várias cidades menores do Império Romano, ele e os outros de seu grupo vão enfrentar a morte em Roma, no Coliseu. Eles são os primeiros a entrar na arena e estão, agora, aguardando que os portões do tú- nel oposto se abram para saber quem serão os inimigos que terão que enfrentar. Maximus, então, diz aos outros: ― Seja o que for que sair desses portões, teremos mais chance de sobreviver se trabalharmos jun- tos. Vocês entendem? Se ficarmos juntos, sobreviveremos. O que Maximus fez foi interpretar corretamente o sentimento e as aspirações daquele grupo de gla- diadores: sobreviver. Nesse momento, Maximus se torna o líder do grupo, por escolha tácita deles. Os gladiadores passam a seguir suas instruções. Ele os conduz à vitória. O grupo sobrevive. Na vida real, um episódio admirável de consagração da liderança ocorreu por ocasião do discurso do reverendo negro Martin Luther King Jr., proferido em 28 de agosto de 1963, em Washington, nos Estados Unidos. King falou em frente ao Lincoln Memorial para uma multidão calculada em cerca de 200 mil pessoas. O histórico discurso de King em defesa da não segregação racial e dos direitos dos afro-americanos eletrizou a multidão. Uma frase dita por ele – I have a dream (“Eu te- nho um sonho”) – tornou-se famosa e passou a ser o título do discurso. Seguem-se três passagens do discurso (em tradução livre) que fizeram King ser ovacionado pelo público: “De certa maneira, viemos à capital do País para descontar um cheque. Quando os pais de nossa na- ção escreveram as maravilhosas palavras da Constituição e da Declaração da Independência, eles assumiram uma obrigação para com todos nós. Obrigaram-se a proporcionar a todos, brancos e ne- gros, o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Hoje, porém, é evidente que os Estados Unidos não cumpriram essa obrigação em relação aos negros. Os Estados Unidos deram aos negros
  • 3. um cheque ruim, um cheque que foi devolvido por falta de fundos. Mas nós nos recusamos a crer que o Banco da Justiça esteja falido”. “Há algo (...) que devo dizer a meu povo (...): No processo de busca do lugar que é nosso por direi- to, não devemos tentar satisfazer nossa sede de liberdade bebendo no copo da amargura e do ódio. Devemos conduzir nossa luta com dignidade e disciplina. Não devemos deixar que nosso protesto se transforme em violência”. “Eu tenho o sonho de que um dia meus quatro filhos possam ser julgados não pela cor de sua pele, mas por seu caráter”. A ovação que se seguiu a esses trechos do pronunciamento demonstra o quanto King sabia interpre- tar os sentimentos dos afro-americanos. Um aspecto crucial da verdadeira liderança nos é demonstrado no capítulo 14 do filme em disco A Máscara do Zorro (EUA, 1998). Em meados do século XIX, o justiceiro mascarado conhecido como Zorro lutava pelo povo da Califórnia contra a corrupção e tirania do governador espanhol, Don Rafael Montero. Em 1821, às vésperas da independência mexicana, Montero descobre que Zorro é, na verdade, o nobre Don Diego de la Vega. Montero prende Diego e, em seguida, embarca para a Espanha. Vinte anos depois, Montero retorna ao México. Ao saber do retorno de Montero, Diego foge da pri- são a fim de vingar-se. É nesse momento que ele conhece Alejandro Murrieta, um ladrão ávido por vingar o irmão Joaquín, que, pouco antes, havia sido morto pelo Capitão Harrison Love, chefe mili- tar de Montero. Diego, então, começa a treinar Alejandro para ser o novo Zorro. Depois, quando Alejandro rouba um garanhão negro para lhe servir de montaria quando estiver dis- farçado de Zorro, Diego lhe diz: “Roubar não torna você digno de usar a máscara do justiceiro. Zorro não é um ladrão nem um aventureiro em busca da fama, mas sim, um servidor do povo.” Essa é uma característica fundamental do líder: servir ao grupo que o escolheu. Sua única missão é levar o grupo ao alcance do respectivo objetivo. Nesse sentido, todo líder verdadeiro é um servidor daqueles que o elegeram. E mais: ele serve ao grupo desinteressadamente, altruisticamente. Voltando agora à quarta pergunta do início deste texto: o Diretor-Presidente de uma empresa é líder dos empregados? A resposta é não, porque: 1º) Os empregados não constituem um grupo dotado de uma meta comum, mas possuem objetivos individuais variados que não coincidem com os objetivos da organização; 2º) O Diretor-Presidente não é eleito pelos empregados; 3º) O Diretor-Presidente não serve aos empregados, mas à empresa. Retornando, também, à segunda pergunta: O Presidente da República é líder dos brasileiros? A res- posta também é não, o Presidente não é líder de todos os brasileiros mas apenas dos que o elegeram. E mesmo uma parte dos eleitores que o escolheram talvez não se considerem seus seguidores. Usar o termo “líder” para qualificar um executivo só é admissível se a palavra for usada como força de expressão ou como sinônimo de dirigente. Um Presidente ou Diretor de empresa não é, e nunca será, um líder dos funcionários no verdadeiro sentido da palavra, por mais que estes o admirem. *Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com