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Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 4), 2000
Romão Jr e cols
Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes
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Real e Benemérita Beneficência Portuguesa de São Paulo
Correspondência: João Egídio Romão Jr - Rua Maestro Cardim, 560/171 - 01322-
030 – São Paulo, SP
Recebido para publicação em 17/6/98
Aceito em 23/2/00
Objetivo - Analisar o impacto da insuficiência renal
aguda (IRA) na evolução de lactentes submetidos à cirur-
gia cardíaca.
Métodos - Avaliamos 15 lactentes submetidos à ci-
rurgiacardíacaequedesenvolveramIRA, analisandoda-
dos demográficos, clinicocirúrgicos e sua evolução.
Resultados - A idade das crianças era 4,4±4,0 meses,(8
dias e 24 meses) 12 eram do sexo masculino, sendo que 4 de-
senvolveramIRAantesda cirurgia.A causa primáriadaIRAfoi
disfunçãocardíacaimediataem10crianças,disfunçãocardí-
aca associada a sepsis em 2 e sepsis em 3. Todas estavam no
pós-operatório dependentes de ventilação mecânica, 14 em
usodedrogasvasoativase11com processoinfeccioso.Treze
(87%) pacientes necessitaram de tratamento dialítico. Onze
(73%)lactentesdesenvolveramIRAoligúricaetodostiveram
necessidade de diálise peritoneal(DP); dos 4 casos com IRA
não-oligúrica,2necessitaramdeDPporhipervolemia.Das13
crianças dialisadas, 4 faleceram nas primeiras 24h, devido à
gravidadeda disfunção cardíaca de (uréia média =49±-
20mg/dl). A mortalidade de todo o grupo foi de 60% (9 ca-
sos), sendo maior nos oligúricos (73% vs 25%, p<0,001). A
causa de de óbito foi disfunção cardíaca em 6 crianças (IRA
tipo-1,precoce)esepsisem3outras(IRAtipo-2,tardia).
Conclusão - IRA no pós-operatório de cirurgia car-
díaca em lactentes esteve relacionada a uma alta mortali-
dade (60%), especialmente na IRA oligúrica; a indicação
dialítica foi devido sobretudo à hipervolemia e não ao es-
tado hipercatabólico urêmico
Palavras-chave: insuficiência renal aguda, cirurgia car-
díaca,crianças,diáliseperitoneal.
Arq Bras Cardiol, volume 75 (nº 4), 313-317, 2000
João Egídio Romão Jr, Miguel G. Fuzissima, Armando F. Vidonho Jr, Irene L. Noronha,
Paulo Sérgio L. Quintaes, Hugo Abensur, Maria Regina T. Araújo, Ivanir Freitas Jr, Marcello Marcondes
São Paulo, SP
A Evolução da Insuficiência Renal Aguda Associada à
Cirurgia Cardíaca em Lactentes
Artigo Original
Insuficiênciarenalagudaéumacomplicaçãodiagnos-
ticada em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, que
ocorreematé9%dascriançassubmetidasaessetipodein-
tervenção 1-7
. Na maioria dos casos, a insuficiência renal
aguda acompanha-se de oligo-anúria e está relacionada à
presençadeinsuficiênciacardíacadebaixodébito.Embora
possa reverter, espontaneamente, nas primeiras 48h após a
cirurgia, a insuficiência renal aguda, em muitas ocasiões,
resultaemhipervolemiaedistúrbioseletrolíticossériosque
podemacarretarmorbidadesignificanteemesmoocasional
mortalidade.
A terapêutica para esta complicação inclui, além de
restriçãoseveradelíquidoseusodedrogasdiuréticas,are-
moção de fluídos através de diálise e/ou ultrafiltração 5-7
.
Evidênciasrecentessugeremquearemoçãoativadelíquidos
em pacientes com insuficiência renal aguda e baixo débito
cardíaco,apóscirurgiacardiopulmonar,podemelhorarvariá-
veis hemodinâmicas 8,9
. Muitos trabalhos têm chamado a
atenção, especialmente nos últimos anos, para o uso de te-
rapêuticaextracorpóreaparatratamentodessascrianças8-12
.
Entretanto, em nosso serviço, crianças com insuficiência
renalaguda,apóscirurgiacardíaca,sãorotineiramentetra-
tadascomdiáliseperitonealintermitenteoucontínua,méto-
do seguro, efetivo e que dispensa alta tecnologia para ser
utilizado.
O objetivo do presente trabalho foi rever nossa expe-
riêncianosúltimosdoisanoscomcriançascominsuficiên-
cia renal aguda e cirurgia cardíaca, com especial ênfase à
evolução dessas crianças.
Métodos
Analisamos,retrospectivamente,asfichasdetodosos
15 lactentes (idade≤24 meses) portadores de insuficiência
renal aguda associadas à cirurgia cardíaca, acompanhados
naClínicadeNefrologia–CUN,doHospitaldaBeneficência
PortuguesadeSãoPaulo,noperíododejaneiro/95adezem-
bro/96.Todasascriançasestavaminternadasnaunidadede
terapia intensiva e, primariamente, sob cuidados de uma
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Romão Jr e cols
Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes
Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 4), 2000
equipe de cirurgia cardíaca pediátrica. Dados relativos a
essas crianças encontram-se na tabela I. Observamos os
achados demográficos dos pacientes, características da
cardiopatiaedacirurgia,osfatoresquepoderiamserimpor-
tantes na patogênese da insuficiência renal aguda, uso de
drogas vasoativas e, principalmente, a evolução após o
diagnóstico da insuficiência renal aguda, com as condutas
clínicastomadas.
Insuficiência renal aguda foi diagnosticada quando
houve elevação dos níveis de creatinina séricos superior a
30% dos valores basais, redução da diurese na ausência de
hipovolemiaaparenteepresençadeevidentequadroclínico
desencadeador.
Aindicaçãodeterapêuticadialíticaincluíaumoumais
dos seguintes quadros: anúria ou oligúria (<0,5ml/kg de
peso/h)por12houmais;hiper-hidrataçãoe/ouhipervolemia
não responsivas ao uso de restrição hídrica e diuréticos
(furosemida, 1 – 2 mg/kg/dose endovenosa); hipercalemia
(potássio sérico acima de 5,0 mEq/l), e necessidade de infu-
sões de líquidos (para nutrição parenteral, por exemplo) na
presençadefunçãorenaldiminuídaebalançohídricomuito
positivo.Ascriançasquenecessitaramdeterapêuticadede-
puração extra-renal foram submetidas à diálise peritoneal,
segundo técnica já descrita 13
. Para tanto, foram instalados
cateteresperitoneaispediátricosporviapercutânea(rígidos)
oucirúrgica(cateteresflexíveis).Assessõeseramrealizadas
por técnica manual, instalando-se uma bureta graduada no
sistemadeinfusãoemcriançasmenoreseusando-sede30a
50ml/kg de peso de solução de diálise comercial (con-
centraçãodeglicosea1,5e4,25%)acadatroca.Inicialmente,
astrocasdebanhoforamrealizadasacadahora,nasprimeiras
24a36h;comaestabilizaçãodoquadrobioquímico(controle
da hiperpotassemia, da acidose metabólica e da uremia) e o
controle da hiper-hidratação da criança, o intervalo entre as
trocas era aumentado para 2 a 4h (houve casos mantidos em
diáliseperitonealcontínuaporaté33dias).
Os dados quantitativos são apresentados como média
±desviopadrão.Diferençasentredadosqualitativosforam
pesquisadas pelo teste exato de Fisher, considerando-se
comosignificativop<0,05,eusando-seopacoteestatístico
InStat(GraphPadSoftwareInc,SanDiego,EUA)
Resultados
Aidademédiadascriançasestudadasera4,4±4,0me-
ses,variandodeoitodiasa24meses.Destas,12(80%)eram
do sexo masculino. Onze (73% dos casos) desenvolveram
insuficiência renal aguda após a cirurgia cardíaca e quatro
(27%) já apresentavam insuficiência renal aguda previa-
mente ao procedimento cirúrgico (valores da creatinina
sérica crescentes e >30% do basal). Nenhum paciente foi
submetido a processo dialítico ou ultrafiltração durante o
procedimento cirúrgico. Os dados clínicos dos pacientes
encontram-senatabelaI.
Acausadainsuficiênciarenalagudafoidisfunçãocar-
díaca aguda imediata (baixo débito e choque cardiogênico)
em 10 crianças, disfunção cardíaca associada a sepsis em
duasesepsiscomchoquesépticoemtrês.Quatorze(93,3%)
lactentesfizeramusodedrogasvasoativase11(73%)apre-
sentavamprocessoinfecciosoassociadoàinsuficiênciarenal
aguda. Onze lactentes desenvolveram insuficiência renal
agudaoligúrica(diureseinferiora1ml/kgdepeso/hora)eto-
dos tiveram que ser submetidos à diálise; dos quatro outros
casos que evoluíram com insuficiência renal aguda não-
oligúrica,ametadenecessitoudeterapêuticadialítica,tendo
comoindicaçãoprincipalapresençadehipervolemia,conges-
tãopulmonareinsuficiênciacardíacacongestiva.
Nos13pacientes(87%doscasos)quenecessitaramde
Tabela I- Dados clínicos dos pacientes estudados.
# Idade Diagnóstico Dia da Tempo Upré Udur Evol.
1ª DP de DP (mg/dl) (mg/dl)
1 3m CIV+EP 1º PO# 0,5 d * 15 Óbito
2 23 d PCA+DAVP 1º PO 4 d 71 46 Alta
3 3m Tetr. Fallot 4º PO 0,5 d * 59 Óbito
4 3m PCA 11º PO 0,5 d * 62 Óbito
5 8 d HVE+PCA+
CIA+CIV 1º PO 0,5 d * 63 26 Óbito
6 29 d PCA+DATVP 2º PO# 4 d 29 23 Alta
7 9m CIA+EA+EP 2º PO 24 d 81 57 Óbito
8 2m EP 1º PO# 10 d 83 56 Óbito
9 4m CIV 1º PO 33 d 98 68 Alta
10 18 d HVE+AP+AT 16º PO 2 d 126 96 Óbito
11 24 m CIA+DSAV 5º PO ** 136 Alta
12 5m CoA + CIV + DVSVD+EA 8º PO 12 d 93 82 Óbito
13 10 m PCA 2º PO 5 d 150 132 Óbito
14 1m CIA + CoA + PCA 2º PO ** 144 Alta
15 19 d HVE + PCA + CIA 2º PO# 3 d 93 81 Alta
Upré- uréia sérica pré-diálise; Udur-uréia sérica média durante o período de diálise peritoneal; CIV- comunicação intraventricular; CIA- comunicação intra-atrial;
EP- estenose pulmonar; EA- estenose aórtica; HVE- hipoplasia de ventrículo esquerdo; AP- atresia pulmonar; AT- atresia tricúsoide; CoA- coarctaçào da aorta;
DATVP- drenagem anômala do tronco da veia pulmonar; PCA- persistência do canal arterial; PO- pós-operatório; * óbito ocorreu nas primeiras 24h de diálise
peritoneal; ** não necessitaram de diálise; # IRA pré-cirurgia.
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Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes
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procedimentodialítico,adiáliseperitonealcomcateterflexí-
velfoiométodomaisutilizado(em73%dessascrianças).A
indicaçãodediálisefoihipervolemianos15casos(associada
àuremiaemcincocrianças),napresençadediuresereduzida
e necessidade de uso de infusão de líquidos. A terapêutica
dialíticafoiinstituídaentreo1ºeo16ºdiapós-operatório(me-
diana=2ºdia).Nessegrupodecrianças,amédiadauréiaeda
creatinina no momento da indicação do tratamento era
85,7±44,4mg/dl e 2,2±1,9mg/dl, respectivamente. Desses,
quatrofaleceramnasprimeirashorasdaterapêutica,nãoem
decorrênciadainsuficiênciarenalagudaesimpelagravedo-
ença de base; que apresentavam nível médio de uréia sérica
noiníciodadiálisede49±20mg/dl.Osoutrosnovepacientes
apresentavam, no início da diálise, uréia sérica média de
86±44mg/dl. Com a introdução da terapêutica dialítica,
acidose metabólica, hiperpotassemia e hipervolemia foram
controladas em todas as crianças nas primeiras 12 a 24h de
tratamento, e a média dos níveis de uréia sérica, durante o
período de manutenção dialítica (até a última sessão de
diáliseperitonealouporocasiãodoóbito),erade75,7±33mg/
dl,mostrandoaefetividadedoprocessodedepuraçãoextra-
renal usado. A média do tempo de manutenção dialítica nos
pacientesfoide6,8±10,5dias(mediana-4dias),variandode
meioa33dias;emsetecriançasotempodepermanênciaem
diáliseperitonealcontínuafoide4a33dias(média=13,1±11,2
dias)e,nasdemais,diáliseperitonealintermitentefoimantida
por 12 a 48h. Nenhuma criança apresentou quadro de
peritonite ou complicação maior durante o tratamento, com
exceçãodeumcasodeperfuraçãodebexigaporcateterrígi-
do,corrigidacomreposicionamentodocateter.
Observamos uma taxa de mortalidade de 60% (nove
óbitos), sendo maior (p<0,01) nos oligúricos (73%) do que
nosnão-oligúricos(25%).Das12criançasquedesenvolve-
ram insuficiência renal aguda devida a disfunção cardíaca
agudanosprimeiroscincodiasapósacirurgia(insuficiência
renalagudatipo1),ametadefaleceudevidoafalênciacardía-
ca-choque cardiogênico; todas as crianças que desenvolve-
ram insuficiência renal aguda devida a processo infeccioso
sistêmicoapóso7ºpós-operatório(insuficiênciarenalaguda
tipo2)vieramafalecerdevidoasepticemia-choqueséptico.
Discussão
O pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca para
malformaçõescardíacasemcriançaspodeestarassociadoà
falênciacirculatóriasistêmicae,conseqüentementeàinsu-
ficiência renal aguda. A incidência de insuficiência renal
aguda nessas crianças tem sido relatada em até 9% 1,4-8
, es-
tando esta associação relacionada a uma alta morbidade e
mortalidade. A insuficiência renal aguda nesses pacientes
tem sua etiologia geralmente de caráter multifatorial 2,4
e,
suas manifestações, mais freqüentes, a falência aguda car-
díaca, a redução da diurese, elevação dos níveis de uréia e
creatinina séricas e um balanço hídrico muito positivo.
Quandoomanuseioclínico-medicamentosonãoconsegue
reverter tais manifestações, a indicação dialítica se impõe.
Nestasituação,osuportedialíticoparacriançascominsufi-
ciência renal aguda torna-se necessário até que se corrijam
as anormalidades existentes, melhore a função cardíaca e
osrinsretomemumafunçãonormal,queocorreapósalguns
dias de insuficiência renal aguda. O objetivo, na maioria
dessas crianças, é interromper o ciclo de retenção hídrica,
sobrecarga cardíaca e edema tissular (principalmente pul-
monar)que,nãocontroladosrapidamente,contribuempara
oóbitodessespacientes.Emdiversostrabalhos,afreqüên-
ciadeintervençãodialíticasitua-seentre1,6e7,7%dospa-
cientes submetidos à cardiotomia 1-6,14
.
Ousodadiáliseperitonealemcriançascominsuficiência
renalagudapós-cirurgiacardíacatem-semostradoummétodo
efetivoeseguro,defácilinstalaçãoequenãoexigeneminfra-
estruturaespecialnempessoaldeenfermagemcomtreinamen-
toespecíficoecomplexo(nadadiferentedoqueoexistenteem
qualquerunidadedeterapiaintensiva)1,2,4,6,14,15
.Ousodecate-
teres rígidos teve boa evolução em nossos casos mantidos
em diálise peritoneal por curto prazo, porém seu uso por
períodolongo(diáliseperitonealcontínua)tem-seassocia-
doaumamaiorincidênciadeperitonite13,16,17
.Assim,paraa
maioriadoscasostemoscomocondutaainstalaçãocirúrgi-
ca de um cateter peritoneal flexível (tipo Tenckhoff), sob
visualizaçãodireta,quepodeserinstaladomesmodurantea
cirurgiacardíaca18
eutilizadoporváriosdias,comtotalse-
gurança 13
. Para os cateteres implantados, cirurgicamente,
não observamos hemorragias importantes, infecção em sí-
tio de instalação do cateter ou vazamentos problemáticos,
embora problemas de obstrução ou de drenagem, com ne-
cessidadedetrocadocateter,tenhamsidodescritosnalite-
ratura.Kholiecols.19
eHansonecols.20
mostraramapenas
umedoiscasosdemaufuncionamentodocateter,respecti-
vamente, e também não tiveram complicações mecânicas
nascriançasestudadas(31e22crianças,respectivamente).
Entretanto,Lattoutecols.21
eReznikecols.22
relataramcom-
plicações no funcionamento de cerca de 30% dos cateteres
implantados em suas crianças.
Muitosrelatamapossibilidadedequeadiáliseperito-
nealnãosejaefetivapararemoçãodelíquidosoudeescóri-
asnitrogenadasempacienteshipercatabólicos,incluindoa
possibilidade de haver comprometimento da competência
da membrana peritoneal em pacientes chocados10
. Tais fa-
tos podem ser refutados, quer pela demonstração clínica
deste ou de outros trabalhos 1,2,4,6,14
, como por dados que
demonstramquemesmoempacienteschocadosaperfusão
sangüínea peritoneal não se apresenta reduzida o bastante
paracomprometersuaeficiênciadialítica23
.
Asimplicidadedadiáliseperitonealopõem-seàcom-
plexidade das técnicas de depuração extracorpóreas em
crianças, que requerem pessoal altamente especializado e
treinado,alémdoempregodemateriaiseequipamentoses-
pecíficos de alto custo. Além disso, a crianças têm superfí-
cie peritoneal proporcionalmente maior do que a do adulto
(a superfície peritoneal da criança por unidade de peso é
pouco mais de uma vez superior à do adulto) 24
, o que faz
com que a diálise peritoneal na criança tenha a metade da
eficiência,quandocomparadaàhemodiálise,enquantoque,
noadulto,édaordemde20%25
.Comrelaçãoàevoluçãode
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Romão Jr e cols
Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes
Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 4), 2000
crianças com insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca,
diversos trabalhos têm apresentado experiência com o uso
daterapêuticadialíticaextracorpórea(hemofiltraçãoarterio-
venosa(CAVH)evenovenosa(CVVH)contínua)8,9,11,12
.Em
todos,amortalidadetemsemostradoelevadaeousopreco-
ce e agressivo esteve relacionado a um prognóstico menos
letal,comoodescritoparaadiáliseperitoneal12
.
A insuficiência renal aguda pós-cirurgia cardíaca em
criançastemumamortalidaderelatadaentre10a90%1-6,10,12,20
e nossos dados confirmam esses valores. Este prognóstico
tem sido determinado muito mais pela doença de base e in-
tercorrências infecciosas e hemodinâmicas do que pelo
método dialítico empregado. Trabalhos mais antigos mos-
travammortalidadeacimade70%nascriançassubmetidasà
cirurgiacardíaca,necessitandodeterapêuticadialítica,mos-
trandoqueadiálisenãoeracapazdetrazerbenefíciosevolu-
tivos a esse grupo de pacientes, o que poderia refletir tam-
bémumacertarelutânciaemindicareiniciarprecocementeo
tratamentodialítico10
.Maisrecentemente,algunstrabalhos
citammortalidade5
bemmaisbaixas(atéinferioresa50%)em
grupos de crianças dialisadas, mais precocemente, após a
cirurgia e de maneira mais intensa26-28
. A noção de se insti-
tuir tratamento dialítico precoce é reforçada por dados que
mostraramqueadiálisemelhoraaperfusãorenalediminuia
sobrecargahídrica,particularmenteempacientescomfalên-
ciacardíacadireita,nasquaisumcateterperitonealfoiinsta-
lado duranteoatocirúrgico26
;napresençadeoligúriaresis-
tente a diuréticos no pós-operatório imediato, o sistema de
diáliseperitonealdeveserinstaladoimediatamente.Deve-
mosenfatizarque,mesmoemlactentesportadoresdeinsu-
ficiênciarenalagudadenaturezaclínica,amortalidaderela-
tadatemsidoelevada,comtaxaspróximaaos35-40%29
.
Finalmente,deve-seressaltarqueainsuficiênciarenal
agudarelacionadaàcirurgiacardíacaemcrianças,comojá
descrita em adultos, apresenta duas características bem
definidas:ainsuficiênciarenalagudaocorridanopós-ope-
ratório imediato (insuficiência renal aguda tipo 1), nos pri-
meiroscincodiasapósoprocedimentocirúrgicoprimário,
sendoainsuficiênciarenalagudasecundáriaàfalênciacar-
díacaagudaetendoochoquecardiogênicocomoprincipal
fator para o óbito do paciente; e a insuficiência renal aguda
ocorrida após o 7º dia pós-operatório (insuficiência renal
aguda tipo 2), secundária a quadros infecciosos graves e
tendoasepsiscomoamaiorcausacontribuinteparaoóbito
das crianças 30,31
.
Concluímos que a insuficiência renal aguda em
lactentessubmetidosàcirurgiacardíacaéumasituaçãocrí-
tica, com a maioria desses pacientes necessitando de trata-
mentodialítico,todossubmetidosàdiáliseperitoneal,devi-
da,principalmente,àhipervolemianãocontroladaclinica-
mente e não ao estado hipercatabólico urêmico. Apesar da
diáliseperitonealtersidoeficazeprecoce,amortalidadefoi
elevada (60%), índice alto de mortalidade relacionado ao
gravedistúrbiohemodinâmicopresente,agravadopela in-
suficiênciarenalaguda.
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27. ZobelG,SteinJI,KuttnigM,BeitzkeA,MetzlerH,RiglerB.Continuousextra-
corporeal fluid removal in children with low cardiac output after cardiac opera-
tions. J Thorac Cardiovasc Surg 1991; 101: 593-7.
28. MeeRBB.Dialysisaftercardiopulmonarybypassinneonatesandinfants.JTho-
rac Cardiovasc Surg 1992; 103: 1021-2.
29. BloweyDL,McFarlandK,AlonU,McGrow-HouchensM,HellersteinS,WaradyBA.
Peritonealdialysisintheneonatalperiod;outcomedata.JPerinatol1993;13:59-64.
30. TavaresRS,VidonhoJrAF,NoronhaIL,QuintaesPSL,AbensurH,AraújoMRT,
FreitasJrI,MarcondesMM,RomãoJrJE.Insuficiênciarenalagudaempacientes
submetidos a cirurgia cardíaca: Impacto da época de sua apresentação (abs.). J
Bras Nefrol 1997; 19: 87.
31. BellomoR,RoncoC.Thekidneyinheartfailure.KidneyInt1998;53(supl.66):
S58-61.

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IRA e cirurgia cardíaca

  • 1. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 4), 2000 Romão Jr e cols Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes 313313313313313 Real e Benemérita Beneficência Portuguesa de São Paulo Correspondência: João Egídio Romão Jr - Rua Maestro Cardim, 560/171 - 01322- 030 – São Paulo, SP Recebido para publicação em 17/6/98 Aceito em 23/2/00 Objetivo - Analisar o impacto da insuficiência renal aguda (IRA) na evolução de lactentes submetidos à cirur- gia cardíaca. Métodos - Avaliamos 15 lactentes submetidos à ci- rurgiacardíacaequedesenvolveramIRA, analisandoda- dos demográficos, clinicocirúrgicos e sua evolução. Resultados - A idade das crianças era 4,4±4,0 meses,(8 dias e 24 meses) 12 eram do sexo masculino, sendo que 4 de- senvolveramIRAantesda cirurgia.A causa primáriadaIRAfoi disfunçãocardíacaimediataem10crianças,disfunçãocardí- aca associada a sepsis em 2 e sepsis em 3. Todas estavam no pós-operatório dependentes de ventilação mecânica, 14 em usodedrogasvasoativase11com processoinfeccioso.Treze (87%) pacientes necessitaram de tratamento dialítico. Onze (73%)lactentesdesenvolveramIRAoligúricaetodostiveram necessidade de diálise peritoneal(DP); dos 4 casos com IRA não-oligúrica,2necessitaramdeDPporhipervolemia.Das13 crianças dialisadas, 4 faleceram nas primeiras 24h, devido à gravidadeda disfunção cardíaca de (uréia média =49±- 20mg/dl). A mortalidade de todo o grupo foi de 60% (9 ca- sos), sendo maior nos oligúricos (73% vs 25%, p<0,001). A causa de de óbito foi disfunção cardíaca em 6 crianças (IRA tipo-1,precoce)esepsisem3outras(IRAtipo-2,tardia). Conclusão - IRA no pós-operatório de cirurgia car- díaca em lactentes esteve relacionada a uma alta mortali- dade (60%), especialmente na IRA oligúrica; a indicação dialítica foi devido sobretudo à hipervolemia e não ao es- tado hipercatabólico urêmico Palavras-chave: insuficiência renal aguda, cirurgia car- díaca,crianças,diáliseperitoneal. Arq Bras Cardiol, volume 75 (nº 4), 313-317, 2000 João Egídio Romão Jr, Miguel G. Fuzissima, Armando F. Vidonho Jr, Irene L. Noronha, Paulo Sérgio L. Quintaes, Hugo Abensur, Maria Regina T. Araújo, Ivanir Freitas Jr, Marcello Marcondes São Paulo, SP A Evolução da Insuficiência Renal Aguda Associada à Cirurgia Cardíaca em Lactentes Artigo Original Insuficiênciarenalagudaéumacomplicaçãodiagnos- ticada em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, que ocorreematé9%dascriançassubmetidasaessetipodein- tervenção 1-7 . Na maioria dos casos, a insuficiência renal aguda acompanha-se de oligo-anúria e está relacionada à presençadeinsuficiênciacardíacadebaixodébito.Embora possa reverter, espontaneamente, nas primeiras 48h após a cirurgia, a insuficiência renal aguda, em muitas ocasiões, resultaemhipervolemiaedistúrbioseletrolíticossériosque podemacarretarmorbidadesignificanteemesmoocasional mortalidade. A terapêutica para esta complicação inclui, além de restriçãoseveradelíquidoseusodedrogasdiuréticas,are- moção de fluídos através de diálise e/ou ultrafiltração 5-7 . Evidênciasrecentessugeremquearemoçãoativadelíquidos em pacientes com insuficiência renal aguda e baixo débito cardíaco,apóscirurgiacardiopulmonar,podemelhorarvariá- veis hemodinâmicas 8,9 . Muitos trabalhos têm chamado a atenção, especialmente nos últimos anos, para o uso de te- rapêuticaextracorpóreaparatratamentodessascrianças8-12 . Entretanto, em nosso serviço, crianças com insuficiência renalaguda,apóscirurgiacardíaca,sãorotineiramentetra- tadascomdiáliseperitonealintermitenteoucontínua,méto- do seguro, efetivo e que dispensa alta tecnologia para ser utilizado. O objetivo do presente trabalho foi rever nossa expe- riêncianosúltimosdoisanoscomcriançascominsuficiên- cia renal aguda e cirurgia cardíaca, com especial ênfase à evolução dessas crianças. Métodos Analisamos,retrospectivamente,asfichasdetodosos 15 lactentes (idade≤24 meses) portadores de insuficiência renal aguda associadas à cirurgia cardíaca, acompanhados naClínicadeNefrologia–CUN,doHospitaldaBeneficência PortuguesadeSãoPaulo,noperíododejaneiro/95adezem- bro/96.Todasascriançasestavaminternadasnaunidadede terapia intensiva e, primariamente, sob cuidados de uma
  • 2. 314314314314314 Romão Jr e cols Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 4), 2000 equipe de cirurgia cardíaca pediátrica. Dados relativos a essas crianças encontram-se na tabela I. Observamos os achados demográficos dos pacientes, características da cardiopatiaedacirurgia,osfatoresquepoderiamserimpor- tantes na patogênese da insuficiência renal aguda, uso de drogas vasoativas e, principalmente, a evolução após o diagnóstico da insuficiência renal aguda, com as condutas clínicastomadas. Insuficiência renal aguda foi diagnosticada quando houve elevação dos níveis de creatinina séricos superior a 30% dos valores basais, redução da diurese na ausência de hipovolemiaaparenteepresençadeevidentequadroclínico desencadeador. Aindicaçãodeterapêuticadialíticaincluíaumoumais dos seguintes quadros: anúria ou oligúria (<0,5ml/kg de peso/h)por12houmais;hiper-hidrataçãoe/ouhipervolemia não responsivas ao uso de restrição hídrica e diuréticos (furosemida, 1 – 2 mg/kg/dose endovenosa); hipercalemia (potássio sérico acima de 5,0 mEq/l), e necessidade de infu- sões de líquidos (para nutrição parenteral, por exemplo) na presençadefunçãorenaldiminuídaebalançohídricomuito positivo.Ascriançasquenecessitaramdeterapêuticadede- puração extra-renal foram submetidas à diálise peritoneal, segundo técnica já descrita 13 . Para tanto, foram instalados cateteresperitoneaispediátricosporviapercutânea(rígidos) oucirúrgica(cateteresflexíveis).Assessõeseramrealizadas por técnica manual, instalando-se uma bureta graduada no sistemadeinfusãoemcriançasmenoreseusando-sede30a 50ml/kg de peso de solução de diálise comercial (con- centraçãodeglicosea1,5e4,25%)acadatroca.Inicialmente, astrocasdebanhoforamrealizadasacadahora,nasprimeiras 24a36h;comaestabilizaçãodoquadrobioquímico(controle da hiperpotassemia, da acidose metabólica e da uremia) e o controle da hiper-hidratação da criança, o intervalo entre as trocas era aumentado para 2 a 4h (houve casos mantidos em diáliseperitonealcontínuaporaté33dias). Os dados quantitativos são apresentados como média ±desviopadrão.Diferençasentredadosqualitativosforam pesquisadas pelo teste exato de Fisher, considerando-se comosignificativop<0,05,eusando-seopacoteestatístico InStat(GraphPadSoftwareInc,SanDiego,EUA) Resultados Aidademédiadascriançasestudadasera4,4±4,0me- ses,variandodeoitodiasa24meses.Destas,12(80%)eram do sexo masculino. Onze (73% dos casos) desenvolveram insuficiência renal aguda após a cirurgia cardíaca e quatro (27%) já apresentavam insuficiência renal aguda previa- mente ao procedimento cirúrgico (valores da creatinina sérica crescentes e >30% do basal). Nenhum paciente foi submetido a processo dialítico ou ultrafiltração durante o procedimento cirúrgico. Os dados clínicos dos pacientes encontram-senatabelaI. Acausadainsuficiênciarenalagudafoidisfunçãocar- díaca aguda imediata (baixo débito e choque cardiogênico) em 10 crianças, disfunção cardíaca associada a sepsis em duasesepsiscomchoquesépticoemtrês.Quatorze(93,3%) lactentesfizeramusodedrogasvasoativase11(73%)apre- sentavamprocessoinfecciosoassociadoàinsuficiênciarenal aguda. Onze lactentes desenvolveram insuficiência renal agudaoligúrica(diureseinferiora1ml/kgdepeso/hora)eto- dos tiveram que ser submetidos à diálise; dos quatro outros casos que evoluíram com insuficiência renal aguda não- oligúrica,ametadenecessitoudeterapêuticadialítica,tendo comoindicaçãoprincipalapresençadehipervolemia,conges- tãopulmonareinsuficiênciacardíacacongestiva. Nos13pacientes(87%doscasos)quenecessitaramde Tabela I- Dados clínicos dos pacientes estudados. # Idade Diagnóstico Dia da Tempo Upré Udur Evol. 1ª DP de DP (mg/dl) (mg/dl) 1 3m CIV+EP 1º PO# 0,5 d * 15 Óbito 2 23 d PCA+DAVP 1º PO 4 d 71 46 Alta 3 3m Tetr. Fallot 4º PO 0,5 d * 59 Óbito 4 3m PCA 11º PO 0,5 d * 62 Óbito 5 8 d HVE+PCA+ CIA+CIV 1º PO 0,5 d * 63 26 Óbito 6 29 d PCA+DATVP 2º PO# 4 d 29 23 Alta 7 9m CIA+EA+EP 2º PO 24 d 81 57 Óbito 8 2m EP 1º PO# 10 d 83 56 Óbito 9 4m CIV 1º PO 33 d 98 68 Alta 10 18 d HVE+AP+AT 16º PO 2 d 126 96 Óbito 11 24 m CIA+DSAV 5º PO ** 136 Alta 12 5m CoA + CIV + DVSVD+EA 8º PO 12 d 93 82 Óbito 13 10 m PCA 2º PO 5 d 150 132 Óbito 14 1m CIA + CoA + PCA 2º PO ** 144 Alta 15 19 d HVE + PCA + CIA 2º PO# 3 d 93 81 Alta Upré- uréia sérica pré-diálise; Udur-uréia sérica média durante o período de diálise peritoneal; CIV- comunicação intraventricular; CIA- comunicação intra-atrial; EP- estenose pulmonar; EA- estenose aórtica; HVE- hipoplasia de ventrículo esquerdo; AP- atresia pulmonar; AT- atresia tricúsoide; CoA- coarctaçào da aorta; DATVP- drenagem anômala do tronco da veia pulmonar; PCA- persistência do canal arterial; PO- pós-operatório; * óbito ocorreu nas primeiras 24h de diálise peritoneal; ** não necessitaram de diálise; # IRA pré-cirurgia.
  • 3. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 4), 2000 Romão Jr e cols Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes 315315315315315 procedimentodialítico,adiáliseperitonealcomcateterflexí- velfoiométodomaisutilizado(em73%dessascrianças).A indicaçãodediálisefoihipervolemianos15casos(associada àuremiaemcincocrianças),napresençadediuresereduzida e necessidade de uso de infusão de líquidos. A terapêutica dialíticafoiinstituídaentreo1ºeo16ºdiapós-operatório(me- diana=2ºdia).Nessegrupodecrianças,amédiadauréiaeda creatinina no momento da indicação do tratamento era 85,7±44,4mg/dl e 2,2±1,9mg/dl, respectivamente. Desses, quatrofaleceramnasprimeirashorasdaterapêutica,nãoem decorrênciadainsuficiênciarenalagudaesimpelagravedo- ença de base; que apresentavam nível médio de uréia sérica noiníciodadiálisede49±20mg/dl.Osoutrosnovepacientes apresentavam, no início da diálise, uréia sérica média de 86±44mg/dl. Com a introdução da terapêutica dialítica, acidose metabólica, hiperpotassemia e hipervolemia foram controladas em todas as crianças nas primeiras 12 a 24h de tratamento, e a média dos níveis de uréia sérica, durante o período de manutenção dialítica (até a última sessão de diáliseperitonealouporocasiãodoóbito),erade75,7±33mg/ dl,mostrandoaefetividadedoprocessodedepuraçãoextra- renal usado. A média do tempo de manutenção dialítica nos pacientesfoide6,8±10,5dias(mediana-4dias),variandode meioa33dias;emsetecriançasotempodepermanênciaem diáliseperitonealcontínuafoide4a33dias(média=13,1±11,2 dias)e,nasdemais,diáliseperitonealintermitentefoimantida por 12 a 48h. Nenhuma criança apresentou quadro de peritonite ou complicação maior durante o tratamento, com exceçãodeumcasodeperfuraçãodebexigaporcateterrígi- do,corrigidacomreposicionamentodocateter. Observamos uma taxa de mortalidade de 60% (nove óbitos), sendo maior (p<0,01) nos oligúricos (73%) do que nosnão-oligúricos(25%).Das12criançasquedesenvolve- ram insuficiência renal aguda devida a disfunção cardíaca agudanosprimeiroscincodiasapósacirurgia(insuficiência renalagudatipo1),ametadefaleceudevidoafalênciacardía- ca-choque cardiogênico; todas as crianças que desenvolve- ram insuficiência renal aguda devida a processo infeccioso sistêmicoapóso7ºpós-operatório(insuficiênciarenalaguda tipo2)vieramafalecerdevidoasepticemia-choqueséptico. Discussão O pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca para malformaçõescardíacasemcriançaspodeestarassociadoà falênciacirculatóriasistêmicae,conseqüentementeàinsu- ficiência renal aguda. A incidência de insuficiência renal aguda nessas crianças tem sido relatada em até 9% 1,4-8 , es- tando esta associação relacionada a uma alta morbidade e mortalidade. A insuficiência renal aguda nesses pacientes tem sua etiologia geralmente de caráter multifatorial 2,4 e, suas manifestações, mais freqüentes, a falência aguda car- díaca, a redução da diurese, elevação dos níveis de uréia e creatinina séricas e um balanço hídrico muito positivo. Quandoomanuseioclínico-medicamentosonãoconsegue reverter tais manifestações, a indicação dialítica se impõe. Nestasituação,osuportedialíticoparacriançascominsufi- ciência renal aguda torna-se necessário até que se corrijam as anormalidades existentes, melhore a função cardíaca e osrinsretomemumafunçãonormal,queocorreapósalguns dias de insuficiência renal aguda. O objetivo, na maioria dessas crianças, é interromper o ciclo de retenção hídrica, sobrecarga cardíaca e edema tissular (principalmente pul- monar)que,nãocontroladosrapidamente,contribuempara oóbitodessespacientes.Emdiversostrabalhos,afreqüên- ciadeintervençãodialíticasitua-seentre1,6e7,7%dospa- cientes submetidos à cardiotomia 1-6,14 . Ousodadiáliseperitonealemcriançascominsuficiência renalagudapós-cirurgiacardíacatem-semostradoummétodo efetivoeseguro,defácilinstalaçãoequenãoexigeneminfra- estruturaespecialnempessoaldeenfermagemcomtreinamen- toespecíficoecomplexo(nadadiferentedoqueoexistenteem qualquerunidadedeterapiaintensiva)1,2,4,6,14,15 .Ousodecate- teres rígidos teve boa evolução em nossos casos mantidos em diálise peritoneal por curto prazo, porém seu uso por períodolongo(diáliseperitonealcontínua)tem-seassocia- doaumamaiorincidênciadeperitonite13,16,17 .Assim,paraa maioriadoscasostemoscomocondutaainstalaçãocirúrgi- ca de um cateter peritoneal flexível (tipo Tenckhoff), sob visualizaçãodireta,quepodeserinstaladomesmodurantea cirurgiacardíaca18 eutilizadoporváriosdias,comtotalse- gurança 13 . Para os cateteres implantados, cirurgicamente, não observamos hemorragias importantes, infecção em sí- tio de instalação do cateter ou vazamentos problemáticos, embora problemas de obstrução ou de drenagem, com ne- cessidadedetrocadocateter,tenhamsidodescritosnalite- ratura.Kholiecols.19 eHansonecols.20 mostraramapenas umedoiscasosdemaufuncionamentodocateter,respecti- vamente, e também não tiveram complicações mecânicas nascriançasestudadas(31e22crianças,respectivamente). Entretanto,Lattoutecols.21 eReznikecols.22 relataramcom- plicações no funcionamento de cerca de 30% dos cateteres implantados em suas crianças. Muitosrelatamapossibilidadedequeadiáliseperito- nealnãosejaefetivapararemoçãodelíquidosoudeescóri- asnitrogenadasempacienteshipercatabólicos,incluindoa possibilidade de haver comprometimento da competência da membrana peritoneal em pacientes chocados10 . Tais fa- tos podem ser refutados, quer pela demonstração clínica deste ou de outros trabalhos 1,2,4,6,14 , como por dados que demonstramquemesmoempacienteschocadosaperfusão sangüínea peritoneal não se apresenta reduzida o bastante paracomprometersuaeficiênciadialítica23 . Asimplicidadedadiáliseperitonealopõem-seàcom- plexidade das técnicas de depuração extracorpóreas em crianças, que requerem pessoal altamente especializado e treinado,alémdoempregodemateriaiseequipamentoses- pecíficos de alto custo. Além disso, a crianças têm superfí- cie peritoneal proporcionalmente maior do que a do adulto (a superfície peritoneal da criança por unidade de peso é pouco mais de uma vez superior à do adulto) 24 , o que faz com que a diálise peritoneal na criança tenha a metade da eficiência,quandocomparadaàhemodiálise,enquantoque, noadulto,édaordemde20%25 .Comrelaçãoàevoluçãode
  • 4. 316316316316316 Romão Jr e cols Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 4), 2000 crianças com insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca, diversos trabalhos têm apresentado experiência com o uso daterapêuticadialíticaextracorpórea(hemofiltraçãoarterio- venosa(CAVH)evenovenosa(CVVH)contínua)8,9,11,12 .Em todos,amortalidadetemsemostradoelevadaeousopreco- ce e agressivo esteve relacionado a um prognóstico menos letal,comoodescritoparaadiáliseperitoneal12 . A insuficiência renal aguda pós-cirurgia cardíaca em criançastemumamortalidaderelatadaentre10a90%1-6,10,12,20 e nossos dados confirmam esses valores. Este prognóstico tem sido determinado muito mais pela doença de base e in- tercorrências infecciosas e hemodinâmicas do que pelo método dialítico empregado. Trabalhos mais antigos mos- travammortalidadeacimade70%nascriançassubmetidasà cirurgiacardíaca,necessitandodeterapêuticadialítica,mos- trandoqueadiálisenãoeracapazdetrazerbenefíciosevolu- tivos a esse grupo de pacientes, o que poderia refletir tam- bémumacertarelutânciaemindicareiniciarprecocementeo tratamentodialítico10 .Maisrecentemente,algunstrabalhos citammortalidade5 bemmaisbaixas(atéinferioresa50%)em grupos de crianças dialisadas, mais precocemente, após a cirurgia e de maneira mais intensa26-28 . A noção de se insti- tuir tratamento dialítico precoce é reforçada por dados que mostraramqueadiálisemelhoraaperfusãorenalediminuia sobrecargahídrica,particularmenteempacientescomfalên- ciacardíacadireita,nasquaisumcateterperitonealfoiinsta- lado duranteoatocirúrgico26 ;napresençadeoligúriaresis- tente a diuréticos no pós-operatório imediato, o sistema de diáliseperitonealdeveserinstaladoimediatamente.Deve- mosenfatizarque,mesmoemlactentesportadoresdeinsu- ficiênciarenalagudadenaturezaclínica,amortalidaderela- tadatemsidoelevada,comtaxaspróximaaos35-40%29 . Finalmente,deve-seressaltarqueainsuficiênciarenal agudarelacionadaàcirurgiacardíacaemcrianças,comojá descrita em adultos, apresenta duas características bem definidas:ainsuficiênciarenalagudaocorridanopós-ope- ratório imediato (insuficiência renal aguda tipo 1), nos pri- meiroscincodiasapósoprocedimentocirúrgicoprimário, sendoainsuficiênciarenalagudasecundáriaàfalênciacar- díacaagudaetendoochoquecardiogênicocomoprincipal fator para o óbito do paciente; e a insuficiência renal aguda ocorrida após o 7º dia pós-operatório (insuficiência renal aguda tipo 2), secundária a quadros infecciosos graves e tendoasepsiscomoamaiorcausacontribuinteparaoóbito das crianças 30,31 . Concluímos que a insuficiência renal aguda em lactentessubmetidosàcirurgiacardíacaéumasituaçãocrí- tica, com a maioria desses pacientes necessitando de trata- mentodialítico,todossubmetidosàdiáliseperitoneal,devi- da,principalmente,àhipervolemianãocontroladaclinica- mente e não ao estado hipercatabólico urêmico. Apesar da diáliseperitonealtersidoeficazeprecoce,amortalidadefoi elevada (60%), índice alto de mortalidade relacionado ao gravedistúrbiohemodinâmicopresente,agravadopela in- suficiênciarenalaguda. 1. BaxterP,RigbyM,JonesO,LincolnC,ShinebourneE.Acuterenalfailurefollo- wing cardiopulmonary bypass in children: results of treatment. Int J Cardiol 1985; 7: 235-9. 2. RigdenS,BarrattT,DillonM,deLevalM,StarkJ.Acuterenalfailurecomplica- ting cardiopulmonary bypass surgery. Arch Dis Child 1982; 57: 425-30. 3. YeboahED,PetrieA,PeadJL.Acuterenalfailureandopenheartsurgery.BrMed J 1972; 1: 415-8. 4. ChesneyRW,KaplanBS,FreedomRM,HallerJA,DrummondKN.Acuterenal failure: an important complication of cardiac surgery in infants. J Pediatr 1975; 87: 381-8. 5. JohnEG,LevitskyS,HastreiterAR.Managementofacuterenalfailurecomplica- ting cardiac surgery in infants and children. Crit Care Med 1980; 8: 562-9. 6. Gomez-CampderaFJ,Maroto-AlvaroE,GalinanesM,GarciaE,DuarteJ,Rengel- Aranda M. 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  • 5. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 4), 2000 Romão Jr e cols Insuficiência renal aguda e cirurgia cardíaca em lactentes 317317317317317 26. Book K, Ohqvist G, Bjork VO, Lundberg S, Settergren G. Peritoneal dialysis in infants and children after open heart surgery. Scand J Thorac Cardiovasc Surg 1982; 16: 229-33. 27. ZobelG,SteinJI,KuttnigM,BeitzkeA,MetzlerH,RiglerB.Continuousextra- corporeal fluid removal in children with low cardiac output after cardiac opera- tions. J Thorac Cardiovasc Surg 1991; 101: 593-7. 28. MeeRBB.Dialysisaftercardiopulmonarybypassinneonatesandinfants.JTho- rac Cardiovasc Surg 1992; 103: 1021-2. 29. BloweyDL,McFarlandK,AlonU,McGrow-HouchensM,HellersteinS,WaradyBA. Peritonealdialysisintheneonatalperiod;outcomedata.JPerinatol1993;13:59-64. 30. TavaresRS,VidonhoJrAF,NoronhaIL,QuintaesPSL,AbensurH,AraújoMRT, FreitasJrI,MarcondesMM,RomãoJrJE.Insuficiênciarenalagudaempacientes submetidos a cirurgia cardíaca: Impacto da época de sua apresentação (abs.). J Bras Nefrol 1997; 19: 87. 31. BellomoR,RoncoC.Thekidneyinheartfailure.KidneyInt1998;53(supl.66): S58-61.