O documento descreve a herança da Antiguidade Clássica, focando-se no modelo da democracia ateniense no século V a.C. Atenas destacou-se como a "escola da Grécia", promovendo a primeira democracia direta e igualdade, e tornando-se também um centro cultural de excelência através da arquitetura, arte, teatro e filosofia.
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CADERNODIÁRIO
A herança da Antiguidade Clássica
O modelo ateniense
Por Raul Silva
Embora unida pela mesma língua, pela mesma cultura e pela devoção aos mesmos deuses, a
Grécia nunca adquiriu coesão política. Ciosas da sua autonomia, muitas vezes rivais entre si,
as cidades gregas constituíram o núcleo de pequenos estados independentes, a que os Helenos
chamaram pólis.
É neste mundo fracionado que Atenas se destaca, tornando-se, no século V a. C., a "escola da
Grécia".
Escola, em primeiro lugar, no que diz respeito à política: em Atenas nasce a primeira
democracia, uma democracia direta, amplamente participada, que, apesar das suas
limitações, promove a igualdade e a justiça.
Escola também no que diz respeito à cultura: é na Atenas democrática que os arquitetos e os
escultores criam as mais belas obras de arte, que os dramaturgos encenam as primeiras peças
de teatro, que os filósofos e os oradores cultivam o pensamento e a palavra.
Centro político e cultural de primeira grandeza, Atenas identifica-se com o esplendor da
civilização grega e o seu legado ao mundo acidental.
EXTERNATO LUÍS DE
CAMÕES
N.º 1
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29 de Setembro de 2014
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Poemas Homéricos
O Homem e os Deuses
A conceçção do Homem nos poemas Homéricos
“O homem é o mais frágil de todos os seres sobre a terra; mas conforma-se com a sorte que Zeus lhe
manda. O homem [está] na dependência dos deuses […]. Mas, por outro lado, o valor dos homens afere-se
pelo interesse que por eles tomam os deus.
Paradoxalmente, este ser extremamente frágil é feito para a luta, e sente-se feliz por medir as suas forças
contra os obstáculos. Quer na guerra – nos inúmeros e sucessivos recontros da Ilíada […]; quer nas
múltiplas aventuras de Ulisses – o espírito agónico grego não falta nunca.
A ele se associa uma viva curiosidade pelo desconhecido, um interesse nunca afrouxado pelo mundo
circundante – que não são menos característicos do homem homérico.”
Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega
Define o Homem Homérico.
A concepção da Divindade nos poemas Homéricos
“Sobre a religião homérica continua a pairar a dúvida, se é original dos Poemas, se existia já. […]
Numa primeira linha de investigação e, através de uma análise do texto Ilíada, demonstrou-se que os
próprios deuses são moldados pelas exigências da história e como certos mitos foram criados para motivar
o seu desenvolvimento.
Na religião homérica, as suas divindades eram luminosas e antropomórficas, o que, pondo de parte a
religião hebraica, que é um caso único e sem paralelo, representa uma superioridade sobre as demais da
Antiguidade.
Em vez de potências ocultas e terríveis, temos formas claras, que se comportam e reagem como seres
humanos superlativados. […] São mais altos, mais fortes, mais belos (com excepção de Hefestos). […] Não
conhecem a velhice nem a morte e a sua vida é fácil.
Misturam-se com os homens na Ilíada, e algumas vezes aparecem-lhes disfarçados, mas são reconhecidos.
Combatem junto dos heróis que protegem e advertem-nos dos perigos […]. Os deuses têm também
defeitos dos homens. […] Se por um lado, há um princípio de hierarquia, pois Zeus está acima de todos,
por outro ele mantém a sua posição com uma dificuldade que encontra paralelo na de Agamémnon
perante os outros chefes aqueus.[…]
Na Odisseia já há mais do que isso: os deuses já não enganam os homens e esforçam-se por lhes impor
regras de procedimento moral. […]
Estamos perante uma crença religiosa bem definida, em que a acção divina é supérflua para explicar o
sucedido, o que prova que ela não foi inventada para tirar o poeta de dificuldades. […]
Finalmente, deve acentuar-se que o modo de intervenção das divindades diverge de um para outro poema.
Na Ilíada são móbil de acção […]. Na Odisseia, estão mais distanciados, apresentam-se em sonhos ou
disfarçados e são tutelares ou então entidades perseguidoras […]. Os concílios dos deuses já não são
tumultuosos e desordeiros, como nos poemas mais antigos, mas calmos e hieráticos. Este progresso no
sentido da idealização vai reflectir-se na concepção da morada das divindades. Em vez de ser uma
montanha real, situada na Tessália […], o Olimpo passou a ser um lugar ideal onde não chove nem neva.
[…] Além disso, […] temos ainda uma diferença mais profunda, uma vez que é o deus supremo que
garante o cumprimento da justiça.”
Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega
Explica a concepção da divindade grega.
CADERNODIÁRIO 29 de Setembro de 2014
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A Polis
Os espaços
A dimensão ideal da cidades-estado grega
“Cada coisa, para possuir todas as propriedades que lhe são próprias, não deve ser nem muito grande nem
muito pequena, porque, nesse caso, ou perde completamente a sua natureza, ou perverte-se (…). O mesmo
se passa relativamente à cidade; demasiado pequena, não pode satisfazer as suas necessidades, o que
constitui uma condição essencial da cidade; demasiado extensa, basta-se a si mesma, não como cidade, mas
como nação, e nela quase se torna impossível o governo. No meio desta imensa multidão, que general pode
fazer-se ouvir? Quem vos poderá servir de arauto? (…)
Pode, pois, assentar-se como verdade que a justa proporção para o corpo político consiste, por certo, na
existência do maior número de cidadãos possível, e que sejam capazes de satisfazer as necessidades da sua
existência; mas não tão numerosos que possam eximirem a uma fácil inspecção ou vigilância. (...)
Vejamos quantos elementos são indispensáveis à existência da cidade (...):
Em primeiro lugar, as subsistências; depois, as artes, indispensáveis à vida, que precisam de muitos
instrumentos; a seguir as armas, sem as quais não se concebe a associação, para ajudar a autoridade
pública no interior contra as facções, e para destruir os inimigos que, do exterior, possam atacar; em
quarto lugar, certa abundância de riquezas, tanto para atender às necessidades interiores como para a
guerra; em quinto lugar, que poderíamos ter posto no início, o culto divino, ou, como costuma ser
designado, o sacerdócio; finalmente, e este é o objecto mais importante, a decisão dos assuntos de interesse
geral e os processos individuais. (...)
Se um dos elementos faltar, torna-se impossível que a associação se baste a si mesma.”
Aristóteles, A Política
Quais são os elementos indispensáveis à existência da pólis grega e qual a sua dimensão
ideal? Porquê?
A Polis
“A designação dos espaços poderia ser a seguinte. As mesas comuns dos magistrados supremos e os
templos deveriam partilhar do mesmo espaço (…). Tal lugar apropriado seria aquele que se evidenciasse, a
ponto de tornar a virtude digna de ser vista e fosse suficientemente seguro em relação às partes vizinhas da
cidade. Nas imediações desse lugar destacado, dever-se-ia instalar uma praça (…) a quem chamam Praça
Livre. Essa praça estaria livre, com efeito, de qualquer tipo de comércio, e de acesso interdito a artesãos,
agricultores ou indivíduos do género, excepto nos casos em que os magistrados o permitissem. Um lugar
assim tornar-se-ia deveras aprazível se nele se erigissem ginásios para adultos, pois essa instituição deve
também diferenciar-se consoante as idades (…). A praça do mercado, por seu turno, deveria ser um local
distinto e separado daquela, propício para a acumulação de todos os produtos, tanto os transportados por
mar como por terra.
(…) Com efeito, enquanto a praça pública situada num ponto de destaque é destinada ao ócio, a praça do
mercado destina-se às actividades de subsistência.”
Aristóteles, A Política
Qual o papel político, social e cultural da ágora na vida das cidades gregas?
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A Democracia Antiga
Os princípios e as limitações
A democracia ateniense
“O nosso sistema político não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os
outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto da direcção do Estado não se limitar
a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto
à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras
públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão pouco o afastam pela sua pobreza, ou pela
obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade. (…) Além disso, pusemos à
disposição do espírito muitas possibilidades de nos repousarmos das fadigas. Temos competições e sacrifícios
tradicionais pelo ano fora; e usufruímos de belas casas particulares (…). Devido à grandeza da cidade,
afluem aqui todos os produtos (…) e acontece que desfrutamos dos bens locais com não menos abundância
(…). Em resumo, direi que esta cidade, no seu conjunto, é a escola da Grécia.”
Discurso de Péricles, citado por Tucídes em A Guerra do Peloponeso (século V a.C.), in Claude
Mossé, As Instituições Gregas, Lisboa, Edições 70, 1985
Com base na fonte anterior, caraterize a democracia ateniense evidenciando o seu
caráter direto.
Tendo em conta o documento, distinga nas instituições da Atenas democrática, os órgãos do
poder legislativo, do poder executivo e do poder judicial.
Orgão Composição Funções
CADERNODIÁRIO 29 de Setembro de 2014
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A Sociedade Ateniense
Cidadãos, metecos, mulheres e
escravos
A Sociedade Ateniense
“Na cidade viviam umas centenas de famílias de grande riqueza: cidadãos que viviam do rendimento das
suas propriedades e, ocasionalmente, do investimento em escravos; não cidadãos [metecos], cuja base da
económica era o comércio, a fabricação ou o empréstimo de dinheiro. (…) Os ricos eram essencialmente
donos de propriedades à renda, disponíveis para se dedicarem à política, ao estudo ou à simples ociosidade.
(…)
Na agricultura e na manufactura, os escravos eram em menor número, sendo excedidos nesses ramos da
economia pelos camponeses livres e, provavelmente também, pelos artesãos independentes. Contudo, era
nessas áreas produtivas que o significado dos escravos atingia maior alcance, porque libertavam das
preocupações económicas, ou até da actividade, os homens que chefiavam politicamente o Estado, bem
como, em larga medida, igualmente no plano intelectual.
A maioria dos Atenienses, quer possuísse um escravo, dois ou nenhum, tratavam de ganhar a vida, e muitos
deles não conseguiam passar de um nível baixíssimo.”
M. I. Finley, Os Gregos Antigos, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 61-62
Cidadãos e Escravos
“A própria natureza assim o quis, dado que fez os corpos dos homens livres diferentes do dos escravos,
dando a estes o vigor necessário para as obras difíceis da sociedade, dando a estes o vigor necessário para as
obras difíceis da sociedade, e fazendo, contrariamente, os primeiros incapazes de dobrar o seu erecto corpo
para dedicar-se a trabalhos duros, e destinando-os somente às funções da vida civil, repartida entre as
ocupações da guerra e da paz. (…) Seja como for, é evidente que os primeiros são naturalmente livres e os
segundos naturalmente escravos; e que para estes últimos é a servidão tão útil como justa.”
Aristóteles, A Política, Livro I, Cap. II
Os Metecos
“Os metecos eram homens livres, gregos e não gregos, (…) findo um determinado prazo de estadia (…)
(talvez um mês) o estrangeiro de passagem em Atenas devia obrigatoriamente inscrever-se como meteco,
senão era passível de ser vendido como escravo (…) estavam submetidos a diversas obrigações: tinham de
pagar ometoikion (imposto sobre os metecos), (…) [outro] imposto para terem o direito de exercer o
comércio da ágora (…) tinha igualmente a obrigação de arranjar (…) um patrono, cidadão ateniense que se
encarregava de os representar em justiça. Os metecos tinham ainda de se inscrever como estando
domiciliados num dos demos da Ática (a maior parte deles habitava em Atenas, e, sobretudo no Pireu,
principal centro de actividade económica da Ática) (…). Finalmente, os metecos estavam obrigados, de
acordo com a sua riqueza, aos mesmos deveres financeiros que os cidadãos (liturgias, impostos de guerra).
Serviam o exército em contingentes separados, (…) serviam igualmente na frota, como remadores. (…)
O meteco não tinha qualquer direito político: não podia tomar parte na assembleia nem no conselho, nem
ocupar nenhuma magistratura.”
Michel Austin e Pierre Vidal-Naquet, Economia e Sociedade na Grécia Antiga, Lisboa, Edições 70, 1986
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A Sociedade Ateniense
Cidadãos, metecos, mulheres e
escravos
Os Escravos
“Os homens têm sobre este ponto sentimentos diferentes: uns não fazem nenhuma confiança na raça dos
escravos, levam-nos com o aguilhão e chicote, como animais ferozes, e tornam a sua alma, não somente três,
mas dez vezes mais escrava; outros fazem exactamente o contrário. (...)
Devemos tratá-los bem, não somente por eles, mas ainda em vista do nosso próprio interesse. Esse
tratamento consistirá em não abusar da autoridade que temos sobre eles e em sermos ainda mais justos, se é
possível, com eles que com os nossos iguais.”
Platão (428-347 a. C.), As Leis
Lamentações de uma mulher
“PROCNE - Fora de casa do nosso pai, não sou ninguém. Muitas vezes olho a condição das mulheres desta
forma: nós somos ninguém. Quando crianças, penso, vivemos a mais doce das vidas em casa do nosso pai.
Porque a inocência torna a infância feliz. Mas quando nós, uma vez chegadas à idade da razão e da
puberdade, somos vendidas e empurradas para fora da casa dos nossos deuses ancestrais e dos nossos pais
(...) algumas para bons lares, outras para maus (...) temos ainda que dar graças e pensar que tudo está bem.”
Sófocles (495-406 a. C.), Tereus
Com base nas fontes anteriores, complete o esquema com os direitos e as obrigações dos
elementos que compõem a sociedade ateniense.
Grupo Social Direitos Deveres
Partindo do documento, complete o esquema com as semelhanças e diferenças
existentes entre a democracia ateniense e a democracia atual.
Pontos convergentes Pontos divergentes
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7. 7
O modelo ateniense
Guia de estudo
Objetivo 1. Caraterizar a pólis
Os antigos gregos, os helenos, sentiam-se unidos por laços históricos e culturais, mas, por outro lado, viviam
separados pela distribuição em pólis (mais de duas mil). O relevo montanhoso, o território recortado e a
ocupação da Grécia Continental, Asiática e Insular por sucessivos povos favoreceram a criação da pólis ou
cidade-estado.
O território de uma pólis era constituído por uma zona rural, uma zona urbana e uma zona de ligação ao
mar. Na zona urbana da pólis distinguiam-se ainda dois espaços cívicos importantes, a acrópole e a ágora. A
acrópole era um local de defesa, elevado, muralhado, onde se localizavam os principais templos, das
cidades-estado; tinha uma função defensiva e religiosa. A ágora era uma praça pública das cidades-estado
gregas, localizada na parte baixa da cidade, onde se encontravam o mercado e outros locais públicos
(teatros, estádios, etc.), as habitações populares, os órgãos de governo e de administração; tinha uma função
económica, política e administrativa. Na ágora também existiam altares e templos.
Em redor da ágora, e já como expressão do racionalismo grego, as construções estavam organizadas
geometricamente. O requinte e a beleza dos templos e edifícios públicos contrastavam com a simplicidade
das habitações particulares.
A pólis é composta por corpo cívico, ou seja, o conjunto dos cidadãos a quem eram reconhecidos direitos
civis e políticos; em número reduzido, o corpo cívico era essencial para a condução dos negócios públicos,
para a feitura das leis, assim como para a organização das cerimónias religiosas, Nele não se incluíam as
mulheres, os escravos nem os estrangeiros ou metecos, isto é, gregos oriundos de outras pólis.
A pólis necessita de um conjunto de leis, para estabelecer a ordem e assegurar a governação da cidade.
O ideal da pólis era a autarcia, princípio segundo o qual uma pólis tinha de ser autossuficiente, ou seja,
bastar-se a si própria; só assim a sua sobrevivência enquanto comunidade autónoma estaria assegurada; este
ideal prendia-se com o espírito orgulhoso e independente dos gregos e com as profundas rivalidades que
dividiam as várias cidades-estado, e com frequência as lançavam em guerra.
A pólis, podendo significar simultaneamente um Estado, um povo e uma cidade, era mais pequena do que
os atuais países europeus, permitindo uma governação desburocratizada e uma efervescente atividade
cultural.
Objetivo 2. Mostrar que a democracia ateniense era uma democracia direta
Os Atenienses possuíam igualdade nos direitos (isonomia), no falar (isegoria) e no poder (isocracia).
A isonomia estabelecia que as leis eram iguais para todos os cidadãos, independentemente da riqueza ou do
prestígio destes, garantia que o cidadão se destacava pelo mérito e não pelos bens ou nascimento.
A isocracia era uma norma que estabelecia que todos os cidadãos tinham igual direito ao voto e a
desempenhar cargos políticos, encorajava a participação na vida política da cidade. Para que nenhum
cidadão, nem mesmo o mais pobre, fosse afastado da vida cívica, os cargos eram remunerados (mistoforias).
No entanto, esse pagamento era mais baixo do que o de um pedreiro, de modo a que os cargos políticos não
fossem procurados para enriquecimento de quem os executava. Vários cargos, como o de membro do
Conselho da Bulé, o de arconte (magistrados) e o de membro do tribunal do Helieu eram sorteados, para
que todos pudessem intervir. Na participação política privilegiava-se a rotatividade das funções, de modo a
evitar que um tirano se apoderasse do governo da cidade.
Por último, a isegoria – igual direito de todos os cidadãos ao uso da palavra – favorecia o discurso político
como forma de participação cívica. A oratória (dom da palavra) era altamente valorizada. A palavra isegoria
era algumas vezes empregada pelos escritores gregos como sinónimo de democracia. Existiam mesmo
escolas de bem falar. Isócrates afirmava, por isso, que a maneira de falar “é o sinal mais seguro da educação
de cada um de nós”. No entanto, já nessa época se alertava contra a prática da demagogia (conquista da
confiança do povo através do discurso vazio ou de promessas irrealizáveis).
Praticava-se, portanto uma democracia direta, bem diferente da democracia representiva dos nossos dias.
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O modelo ateniense
Guia de estudo
Objetivo 3. Distinguir, nas instituições da Atenas democrática, órgãos do poder legislativo,
do poder executivo e do poder judicial
O cidadão é o que tem parte na decisão e no comando. Esta participação exerce-se através das assembleias,
dos conselhos e dos tribunais. Retomando o caso de Atenas, temos em primeiro lugar um órgão que
abrangia a totalidade dos cidadãos, Eclésia ou assembleia. Composta por cidadãos do sexo masculino com o
serviço militar já cumprido, inscritos nas demos atenienses.
A Eclésia possuía funções legislativas e deliberativas: propunha, discutia e aprovava as leis e o ostracismo;
designava por eleição ou sorteio, os magistrados e fiscalizava a sua atuação; decidia sobre a guerra ou a paz;
negociava e ratifica tratados; controlava as finanças e as obras públicas; julgava crimes políticos. As suas
decisões eram tomadas por maioria de votação, e esta fazia-se geralmente de braço no ar. Para não afastar
os cidadãos dos seus afazeres, a Eclésia reunia três a quatro vezes por mês, embora algumas sessões
durassem mais do que um dia.
Um outro órgão, a Bulé ou conselho, preparava as leis e os projetos para votação na Eclésia. Para este
conselho, qualquer cidadão podia ser nomeado, mas não mais de duas vezes na vida, e essas não seguidas, o
que assegurava a rotatividade de exercício de tais funções.
Para além dos buletas, o Governo ateniense contava ainda com um corpo de magistrados que executavam
todo o tipo de funções públicas e faziam cumprir as leis. Eram designados por eleição ou sorteio, consoante
os cargos, e possuíam mandatos anuais. O seu desempenho era fiscalizado pela Bulé e pela Eclésia, a quem
tinham de apresentar contas no final dos seus mandatos, apresentando, inclusive, relatório dos bens pessoais
tidos no início e no fim da função exercida. Os arcontes organizavam as grandes cerimónias religiosas e
fúnebres e presidiam aos tribunais. Os estrategos ocupavam-se das questões militares, na chefia da marinha
e do exército e regiam a política externa. Não eram sorteados, mas eleitos, mediante listas propostas pelas
tribos, podendo cumprir vários mandatos. Os escolhidos eram, quase todos, descendentes das famílias
nobres.
A aplicação da justiça cabia a dois tribunais. O Areópago era formado pelos arcontes que haviam cessado
funções e que nele possuíam assento vitalício; julgava os crimes religiosos, os homicídios e os de incêndio. O
Helieu julgava todos os restantes delitos; compunham-no 6000 juízes (600 por cada tribo), sorteados
anualmente, que funcionavam divididos por secções; os julgamentos constavam das alegações do acusador e
do acusado, posto o que se seguia o veredito dos juízes que decidiam colectivamente, por maioria, através do
voto secreto.
Objetivo 4. Reconhecer os mecanismos de proteção da democracia direta
O sistema democrático ateniense rodeava-se de todas as cautelas para prevenir a corrupção e os abusos de
poder, e fazer com que todos os cidadãos participassem no governo da cidade.
Os atenienses davam preferência ao sorteio em relação à eleição, uma vez que todos deviam ter assegurada
a possibilidade de participar nos cargos políticos e não só os mais importantes ou cultos; o sorteio assegurava
igualdade e rotatividade no acesso.
A remuneração pelo exercício de cargos públicos (mistoforias) permitia a atribuição de subsídios de modo a
obter uma maior disponibilidade das pessoas. A participação política não devia estar condicionada à fortuna
de cada um.
O caráter transitório e rotativo dos cargos evitava a corrupção, formação de clientelas e abuso do poder.
A prestação de contas pelos magistrados no fim dos mandatos evitava o abuso do poder e a corrupção.
A preocupação de contrabalançar os perigos que eventualmente podiam conduzir à degeneração do sistema
deu origem a duas medidas preventivas famosas: o ostracismo e a acusação de se ter feito uma proposta
ilegal à Assembleia. Pela primeira, um cidadão demasiado influente era afastado da cena política por um
período que podia ir até dez anos; pela segunda, podia ser castigado que tivesse apresentado à Assembleia
uma proposta ilegal, ainda que aprovada por aquela.
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9. 9
O modelo ateniense
Guia de estudo
Objetivo 5. Avaliar os limites da participação democrática
O cidadão é o que tem parte na decisão e no comando. Esta participação exerce-se através das assembleias,
dos conselhos e dos tribunais. Os detentores de tais direitos eram os cidadãos. Porém, só eram considerados
cidadãos os indivíduos livres (não-escravos) do sexo masculino, filhos de pai e mãe ateniense, maiores de
dezoito anos e com serviço militar (de dois anos) cumprido. Esses representavam apenas um estrato da
população, de modo algum a totalidade. Em 430 a.C., 30.000 cidadãos, 120.000 familiares, 50.000 metecos,
100.000 escravos, o que dá, para cerca de 300.000 habitantes da Ática, apenas cerca de 10% da população.
Os pequenos comerciantes, marinheiros, lavradores, artesãos, é que constituíam a maioria da população.
Assim, a democracia tornava-se o governo da minoria, e não da maioria.
Em consequência desta contradição, ficavam excluídos dos direitos políticos as mulheres, os metecos (e suas
famílias) e os escravos.
As mulheres podiam cuidar dos filhos e assistir às festas no templo de Hera. As mulheres eram responsáveis
pelos trabalhos domésticos; deviam obediência ao pai, marido e filho mais velho; pautar a sua vida pela
discrição e sobriedade; sair raramente de casa, proteger-se com um véu e fazer-se acompanhar por escravas.
Os metecos podiam dedicar-se ao comércio e ao artesanato; participar nas festas da cidade-estado ou nos
Jogos Olímpicos, como espetadores; recorrer ao tribunal. Por outro lado, tinham de pagar impostos, prestar
serviço militar e só podiam casar com mulheres que não fossem atenienses.
Os escravos não tinham qualquer direito, eram propriedade dos seus donos e tinham de trabalhar
gratuitamente nos serviços domésticos, nos campos, nas oficinas e nas minas.
Era uma sociedade desigual e esclavagista, o que contradiz os princípios da noção atual de democracia.
Apesar disso, a incorporação de tais pessoas na comunidade política como membros de pleno direito,
novidade surpreendente no seu tempo, raramente repetida depois, salva, por assim dizer, parte do sentido
da democracia antiga. Além disso, o princípio da igualdade natural de todos os homens – livres ou escravos
– foi proposto pela primeira vez no séc. IV a.C., por um Sofista grego, Alcidamante, e o da igualdade entre
homens e mulheres para as mais altas tarefas da polis é, como se sabe, uma das teses sustentadas por Platão
na República.
Para além da segregação dos sexos e da discriminação de certos estratos populacionais, a democracia
ateniense foi contestada por outras questões, nomeadamente a do ostracismo. A Eclésia baniu da cidade de
Atenas figuras marcantes da política, apenas porque discordavam da linha dominante de pensamento.
Além disso, a condenação à morte de Sócrates, acusado de corromper a juventude, ter-se-á tratado de um
caso de censura. Esta castração da liberdade de pensamento e de expressão é algo impensável nos
verdadeiros regimes democráticos contemporâneos.
Objetivo 6. Comparar a democracia ateniense com a democracia atual
Comparando os princípios da democracia ateniense com os preceitos da democracia actual, encontramos
pontos de convergência e de divergência. As duas formas de democracia têm em comum:
• a vontade de satisfazer os desejos dos cidadãos (ainda que nos nossos dias o conceito de cidadão seja
diferente);
• a divisão dos poderes – legislativo, executivo, judicial – pelas diferentes instituições;
• o uso da retórica como arma política;
• o tratamento igual de todos os cidadãos perante a lei.
Eram características da democracia ateniense, nomeadamente:
• um corpo cívico reduzido em comparação com o das democracias actuais (porém, alargado, em
comparação com o dos regimes políticos da Antiguidade);
• a aplicação do ostracismo;
• a existência legal da escravatura;
• a discriminação das mulheres e dos estrangeiros;
• a valorização do sorteio como forma de participação política;
• a democracia direta (impraticável nos nossos dias, pelo grande volume de população).
CADERNODIÁRIO 29 de Setembro de 2014