1. E assim, os Viajores-do-quando-em-quando
Se vão da Lei da Inércia libertando!”
2. S. Leonardo
da Galafura
Homenagem a Miguel Torga
Nasceu em
12 de Agosto de 1907
em S. Martinho de Anta
Faleceu em "Barco de quilha para o ar,
17 de Janeiro de 1955 Que a natureza voltara a meio do vale"
em Coimbra
Miguel Torga
3. Os Gozíadas
s malas e os farnéis bem recheados
Nos baixos dos porões, na nave escura,
Por becos nunca outrora calquilhados
<< Partiram numa efémera aventura.
Por muito que sofresse, a nossa gente
Mostrou a sua raça sã, valente…
E mergulhando em névoa, densa, escura,
Passaram para além da Galafura
povo já vivia o S. Martinho
Com Tágides, castanhas e com vinho;
E mergulhado nessa orgia insana
Alguém descobre a doce ninfa Ana
Que no saber dos deuses renascia
Calenda após calenda, nesse dia
E a ninfa em desaforo salta e grita
Lavando as suas mágoas numa pipa!
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4. Os Gozíadas
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deuses desse Olimpo esplendoroso,
Trazei p’ra nós a paz e grande gozo
E este viver triste e taciturno
Deixai-nos que o lancemos a Neptuno
Pois alto é o poder que vos foi dado
Que pode a todos nós ser outorgado,
Alto poder que só o pensamento
Podeis nos conceder num só momento!
.
o cabo tormentoso do Alvão
Passamos as tormentas dum nevão
E, tristes, invernamos noOlimpo
Debaixo dos odores do absinto;
E com ar carregado, quase louco,
Pensamos: Como merecer tão pouco!
O etéreo céu perdera já seu brilho
Lançando lágrimas de crocodilo.
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5. Os Gozíadas
já chegados a Vila Real
Aqui se vislimbrava Portugal.
E foi entre as muralhas da cidade
Que constatamos, na realidade,
Essa verdade de saber eterno
Urdida pelas neves do inverno,
Que além das terras densas do Marão
Quem manda são aqueles que lá estão
s deuses do Olimpo nos ouviram
E alguns raios de sol então surgiram.
E no museu mandaram duas donzelas
Para mostrar à turba coisas belas
Que ali são preservadas sem igual.
Sabedoria eterna e ancestral
Que aviva em nossa mente a sã memória
De como se descreve a nossa história
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6. gente mais feliz e animada deuses do Olimpo, dai-nos sorte
Partiu para seguir nossa jornada. Para alcançar seguros nosso norte
Na Galafura busca-se o amor Que as nuvens densas vistas lá no céu
E então surgiu, sinistro, o Adamastor! São males e presságios do Orpheu,
As musas e donzelas em seus sonhos Se vós nos quereis livrar de todo o mal
Correram para os campos de medronhos Deixai-nos recordar Vila Real…
E, embriagadas nessa fantasia, E, assim, os Viajores-do-Quando-em-Quando
Se extasiaram, cheias de euforia. Se vão da Lei da Inércia libertando
Luís Vás das Canções
qual Codesso, envolta em lindo sonho,
Comeu das bagas doces de medronho
E, inebriada, toma a decisão
De abrir de par em par o coração.
Depois, embriagada em doce orgia
Olhou com terno olhar um tal Maria…
E de tal modo a ele se entregou
Que sem saber porquê se apaixonou!
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7. quando chega a hora de partir rocaram mil carinhos sem parar,
As musas desataram-se a rir E quase nem podiam caminhar,
Que São, Rosário, já na corda bamba, Cantavam. saltitavam muito alegres,
Voaram co’as Elísias de Miranda. Querendo até subir pelas paredes.
Por fim lá se juntou a comitiva Eterna infância, meu clamor plangente,
E foram para Sabrosa, á Cooperativa Que longe deste mundo é tão diferente,
E ali, entre barricas, pipas, vinho Como podeis correr com tanta pressa
Comemorámos novo S. Martinho Se em cada instante o mundo recomeça?
ambaleando fomos para o barco rouxeram-nos repastos colossais
Sentindo o equilíbrio já bem parco De bacalhau, cabrito e coisas mais
Abastecemos tudo até à proa Em mesa farta e cheia de iguaria
Para o regresso as aulas numa boa Aonde tudo o resto é fantasia!
Sentindo que em toda esta jornada E como a ninfa Anita estava em festa
No Couto houve um grande camarada. Distribuíram bolo pela gesta
Levávamos na mente uma mensagem Cantaram parabéns bem alto e forte
Que é bom pensar na próxima viagem. Para que à ninfa venha eterna sorte!
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8. como uma alegria não vem só rouxeram-nos castanhas, água-pé
Houve castanha e vinho a meter dó E deram de beber para a ralé
A marinhança ali toda se agita Num copo singular, de toda a gente,
E quase que naufraga numa pipa. Pelo qual tudo bebia indiferente;
E toda a turba veio alegremente, E a populaça em ambiente anil
Beber àquela pipo cá co’a gente Chegava-se para junto do barril
Numa euforia louca, de espantar E o Torga, ali surpreso e contrafeito
Que a gente fora ali p’ra se animar. Olhava e procurava mais respeito.
o mar o tempo amaina e em paz santa o fim, como levados p’la cerveja,
O barco arriba em S. Martinho d’Anta. Entramos pela porta da igreja
No largo aonde está o Miguel Torga E porque nos pesava a consciência
Há festa popular e grande borga; Imploramos nossa penitência
Num curto palco ninfas a tocar, E com os deuses todos lado a lado
Sereias e golfinhos a dançar; O grande Zeus parecia mui zangado.
E nesse seu bailado imenso e forte Mas lá meteu a mão no coração
As urbes só cantavam sua sorte! E a todos outorgou o seu perdão
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