Este documento discute como os mitos criam e organizam comunidades. Aponta que os mitos dão vida a uma sociedade, organizando-a e lançando-a rumo ao seu destino, através de um sentimento do mundo compartilhado que cria laços sociais e normas comunitárias. Também estrutura as personalidades individuais e origina visões de mundo coerentes.
1. Mito e Comunidade (parte 1 de 2) « Page 1 of 6
O FOGO DA VONTADE
• Home
• Contacto
Mito e Comunidade (parte 1 de 2)
2009 Junho 11
by Rodrigo
Comunicação de Giorgio Locchi no XIII colóquio federal do G.R.E.C.E.
Com um bom século de avanço, Friedrich Nietzsche havia previsto todos, ou quase todos, os fenómenos que caracterizam a nossa época, como
a ascensão do niilismo anarquista, a epidemia das neuroses, o extraordinário desenvolvimento de uma arte do espectáculo rebaixada ao nível
do “circense” quotidiano, o comércio da luxúria. A verificação das profecias nietzschianas deveria afectar os espíritos, convidá-los à reflexão.
Não é assim. Mas isso é fatal. Nietzsche havia estabelecido para as sociedades ocidentais um diagnóstico de decadência e não fazia mais do
que prever o decurso normal da doença. Ora, o que é próprio desta doença das sociedades que é a decadência é a cegueira que afecta o doente
sobre o seu estado. Quanto mais está doente, mais acredita estar de boa saúde. Uma sociedade decadente é tanto mais progressista quanto mais
se aproxima da conclusão fatal da sua doença.
Olhemos em torno a nós. Todos, do liberal mais ou menos avançado ao comunista mais ou menos atrasado, acreditam visceralmente no
progresso, estão intimamente convencidos de viver uma era de progresso e mesmo de progresso último. Vêem toda a espécie de fenómenos
sociais que na longa história dos povos sempre caracterizaram as agonias dos povos e das culturas. Do feminismo à ascensão social fulgurante
dos histriões e das gentes do espectáculo, da desagregação das células sociais tradicionais (para nós a família) às tentativas efémeras e sempre
renovadas de as substituir por não se sabe que “comunas”, do universalismo masoquista ao abatimento de toda a norma social restritiva para o
indivíduo. Mas tornaram-se perfeitamente incapazes de tirar lições da história, o que os leva por vezes a dizer que a história não tem sentido.
Um outro traço é característico da decadência avançada: a mediocridade dos sentimentos. Discutimos agressivamente, mas toleramo-nos.
Ainda fazemos a guerra, fria se possível, mas fazemo-la em nome do amor, para libertar o outro. Aquilo que nos obrigamos a odiar é uma
abstracção do Outro, nunca o Outro na sua realidade. Odiamos consoante o campo em que nos encontramos, o detestável capitalismo ocidental
ou o horrível regime comunista, mas amamos o povo russo, amamos o grande povo americano. As sociedades decadentes já não sabem amar
ou odiar, já estão tépidas, pois a vida está em vias de as abandonar, a sua força vital está já quase toda dissipada. Essa força vital que dá vida às
sociedades, as organiza e as lança sobre os perigosos caminhos da história, essa força pode receber diversos nomes. Dostoievski chamava-lhe
Deus e dizia que quando um povo deixa de ter o seu Deus não pode mais que agonizar e morrer. Friedrich Nietzsche, por sua vez, anunciou às
sociedades ocidentais que o seu Deus estava morto e que elas também iriam, portanto, morrer. Paul Valéry, à sua maneira, sentiu a mesma
verdade. Para mim, “Deus” é uma definição demasiado estreita, demasiado “ocidental”, daquilo que é a força vital de uma sociedade. O
Divino não é mais que um elemento, que um aspecto dessa força vital que eu chamaria antes, em toda a sua complexidade, MITO.
O que é próprio do Mito, tal como o entendo, é entrar na história criando-se a si mesmo, isto é, criando e organizando os seus próprios
elementos. O Mito é essa força histórica que dá vida a uma comunidade, organiza-a, lança-a rumo ao seu destino. O Mito é, antes de tudo, um
sentimento do mundo, mas um sentimento do mundo partilhado e, enquanto tal, é e cria objectivamente o laço social e, ao mesmo tempo, a
norma comunitária. Estrutura a comunidade, dá-lhe o seu estilo de vida, e estrutura também as personalidades individuais. Este sentimento do
mundo está, por outro lado, na origem de uma visão do mundo, portanto de expressões coerentes de pensamento. A história ensina-nos que
http://ofogodavontade.wordpress.com/2009/06/11/mito-e-comunidade-parte-1-de-2/ 15/6/2009
2. Mito e Comunidade (parte 1 de 2) « Page 2 of 6
cada povo, cada civilização, teve o seu Mito. Na perspectiva que se abre a partir do nosso presente social, temos a impressão que os Mitos
estão sempre ligados a uma fase primordial, já superada, do devir humano. Que o Mito seja, por assim dizer, a manifestação própria da
infância da humanidade, é um lugar-comum da reflexão histórica moderna. É o ponto de vista, inevitável, de um pensamento que é o reflexo
da velhice de uma civilização. Quando um Mito morre, quando o olhamos de fora, um Mito surge-nos como um conjunto de crenças mais ou
menos fantasiosas, como uma colecção de narrativas imaginárias, estranhamente confusas, sempre contraditórias. Se tentamos, pela
imaginação posterior, transportá-lo para a vida e a história, o Mito parece mover-se contra o sentido do tempo, o que leva Mircea Eliade a
dizer que o Mito é nostalgia das origens. Mas sucede que não podemos estudar a vida num cadáver. Um Mito vivo reconhece-se pelo facto de
ser harmonia, fusão e unidade dos contrários. Isso significa, muito simplesmente, que os homens que vivem no campo do Mito e que são
organizados por ele, não sentem como contraditório tudo que parecerá contraditória aos que estão de fora. O Mito é força criativa viva e
demonstra-o justamente por essa criação que infatigavelmente reduz e harmoniza os contrários. Tivemos um nome para esta virtude redutora
das contradições, chamámos-lhe a fé. Racionalmente estamos aqui num círculo vicioso, outra forma de contradição: o Mito apenas é
verdadeiro pela fé, mas a fé apenas vive pelo Mito – a fé não é criada senão pelo Mito.
Para quem está no Mito, sabemo-lo bem, esse círculo vicioso, essa contradição, não o é, porque o Mito está em todos os que dele são
tributários e não cessa de se criar entre eles e por eles. Porque o Mito, com efeito, é criação incessante se si mesmo, ele é – sob todos os
aspectos – auto-criação. Isso é verdade, desde logo, ao nível da linguagem, que é o nível no qual o humano se constitui enquanto ser social.
Ilustres estruturalistas dizem-nos hoje que nós não falamos, que “somos falados”. Falam evidentemente deles mesmos e para eles mesmos,
enquanto representantes privilegiados das sociedades actuais. Têm razão; pois toda a língua, desligada do Mito – isto é, do sentimento do
mundo – que a criou, apenas pode ser falada, no sentido em que aqueles que a utilizam já não falam verdadeiramente, antes são falados.
Enquanto a língua está ainda vivamente ligada à sua raiz mítica está também ainda a criar-se e aqueles que a utilizam ainda falam e se falam,
longe de toda a Torre de Babel.
A língua do Mito estrutura símbolos, ainda cria as coisas com as palavras. A partir do momento em que o Mito deixa de falar, e passa a ser, no
máximo, falado, à harmonia do símbolo sucede a discórdia de duas ideias opostas, inconciliáveis. Isso significa também, tautologicamente, que
à época do Mito sucede a época das ideologias, de ideologias saídas de uma mesma fonte e contudo sempre opostas, que se esforçam em vão
para atingir a sua síntese impossível através de uma “ciência última” e de reencontrar dessa forma esse paraíso perdido que era assegurado pela
harmonia do Mito.
Por ser harmonia dos contrários, o Mito é também o laço social por excelência e, desse ponto de vista, é legítimo falar, a seu respeito, de
religião. Enquanto laço social, o Mito organiza a sociedade, assegura-lhe a coerência no espaço e através do tempo. O Mito é bem mais que
uma Weltanschauung, é um sentimento do mundo e também, ao mesmo tempo – melhor: por isso mesmo – um sentimento de valor, uma
métrica operante. Ele é a chave que explica, que sugere a acção e a norma da acção. Queria relembrar-vos aqui como um Mito pode organizar
uma sociedade, ditar a conduta dos homens, no caso os helenos, confrontados frequentemente com um problema que lhes era desconhecido.
Os helenos eram indo-europeus, o seu Mito era o Mito indo-europeu, que constituía a base sobre a qual estavam organizados em descendência
patrilinear fundada sobre o que podemos chamar o valor heróico. Quando imigraram para a península grega viram-se confrontados com uma
sociedade de descendência matrilinear. Por razões que foram talvez contingentes, não destruíram esta sociedade estrangeira. Houve mistura de
povos, de civilizações. Isto colocava um grave problema: o da oposição inconciliável entre duas concepções da sociedade e do direito. Na
sociedade matriarcal, não são as mulheres que fazem a guerra e detêm o poder, são também os homens. Mas a legitimidade do poder vem da
mulher, apenas se é rei porque se desposa a mulher que por direito de descendência matrilinear é herdeira do poder. Nestas sociedades o poder
é assim sempre detido por homens que são escolhidos pelas mulheres. Ora, se podemos legitimamente pensar que os helenos, no início da
mistura, adquiriram frequentemente o poder graças ao casamento, deviam ainda assim legitimá-lo do ponto de vista do seu Mito, do ponto de
vista do direito patrilinear. Existe toda uma miríade de narrativas míticas que nos contam estes conflitos e as mil vias pelas quais os helenos
sempre fizeram triunfar o seu sistema de valores. A aventura de Édipo, a Oresteia, os mitos de Teseu, de Jasão, de Belerofonte, mesmo o mito
do rapto da Europa são penas exemplos entre tantos outros. E a supremacia do direito paternal é simbolizada, num Panteão que é tributário, é
certo, de duas religiões míticas, pela presença de Atena, a deusa virgem, deusa guerreira mas também deusa do pensamento reflectido. Atena
não tem mãe, ela proclama “apenas ser de seu pai”, Zeus, e é ela que está lá para absolver todos os Orestes, que para vingar o seu pai, foram
constrangidos a assinar a sua mãe.
Ads by Google
Mito Reviews
Expert Mito car reviews from the professionals, with detailed info.
www.AutoExpress.co.uk/Mito_Review
from → Filosofia e Doutrina
No comments yet
Leave a Reply
Name :
Email :
Website:
http://ofogodavontade.wordpress.com/2009/06/11/mito-e-comunidade-parte-1-de-2/ 15/6/2009
3. Mito e Comunidade (parte 1 de 2) « Page 3 of 6
Comment:
Note: You can use basic XHTML in your comments. Your email address will never be published.
Subscrever o feed deste comentário por RSS
Notify me of follow-up comments via email.
Submit Comment
• Comentários Recentes
Rodrigo no O rebanho ocidental
YHWH no O rebanho ocidental
Rodrigo no Os libertadores
Rodrigo no A escolha do Trágico
YHWH no Não à Europa maçónica!
• Categorias
◦ Agitprop (3)
◦ Arte (5)
◦ Ética e Estética (15)
◦ Cinema (2)
◦ Citações (6)
◦ Direito (1)
◦ Economia (11)
◦ Editorial (15)
◦ Entrevistas (7)
◦ Estado (1)
◦ Estratégia (6)
◦ Filosofia e Doutrina (37)
◦ Geopolítica (7)
◦ História (17)
◦ Humor (2)
◦ Imigração (12)
◦ Internacional (8)
◦ Ligações (5)
◦ Livros (6)
◦ Maçonaria (2)
◦ Manipulação (10)
◦ masculino/feminino (7)
◦ Modernidade (3)
◦ Mundialização (6)
◦ Nacional (4)
◦ Nova Direita (5)
◦ Personalidades (2)
◦ Revolução Conservadora (4)
◦ Sistema (13)
◦ Tradição e Espiritualidade (9)
http://ofogodavontade.wordpress.com/2009/06/11/mito-e-comunidade-parte-1-de-2/ 15/6/2009
4. Mito e Comunidade (parte 1 de 2) « Page 4 of 6
• Anterior
◦ Batalha Final
• Blogs
◦ A Voz Portalegrense
◦ Admirável Mundo Novo
◦ Alma Pátria
◦ Archaion
◦ Askesis
◦ Au Milieu des Ruines
◦ Cegos, Mudos e Surdos
◦ Cidade do Sossego
◦ Citadino
◦ Club Acacia
◦ Dragoscópio
◦ Euro-Synergies
◦ Euro-Ultramarino
◦ Gladius
◦ Inconformista
◦ InfoKrisis
◦ Legião Invicta
◦ Legião Vertical
◦ Manlius
◦ Minoria Ruidosa
◦ Mneme
◦ Nonas
◦ Nova Frente
◦ O Reaccionário
◦ ONG
◦ Pena e Espada
◦ Perspectivas
◦ Política XIX
◦ Prometheus
◦ Reconquista
◦ Reverentia
◦ Revisionismo em Linha
◦ Theatrum Belli
◦ Urgrund
◦ Vouloir
◦ Zentropa
• Fóruns
◦ Fórum Nacional
◦ Lealdade Sacra
◦ Viva Mafarka
• Notícias
◦ Altermedia
◦ NoReporter
◦ Novopress
◦ Rinascita
• Partido
◦ PNR
• Sítios
◦ AAARGH
◦ Adriano Romualdi
◦ AmRen
◦ Boletim Evoliano
◦ Causa Identitária
http://ofogodavontade.wordpress.com/2009/06/11/mito-e-comunidade-parte-1-de-2/ 15/6/2009
5. Mito e Comunidade (parte 1 de 2) « Page 5 of 6
◦ Causa Nacional
◦ Centro Estudos Euroasiáticos
◦ Centro Studi La Runa
◦ Cultrura.net
◦ Edições Falcata
◦ Edições Réquila
◦ Edizioni di Ar
◦ EuroCombate
◦ Europe Maxima
◦ Gabriele Adinolfi
◦ GRECE
◦ Il Fondo
◦ Junge Freiheit Archiv
◦ L’Esprit Européen
◦ L’Uomo Libero
◦ Librad
◦ Libreria Europa
◦ Mankind Quarterly
◦ Metapedia
◦ Nova Direita
◦ Occidental Quarterly
◦ Polémia
◦ Rádio Bandiera Nera
◦ Rodrigo Emílio
◦ Terra e Povo – Galiza
◦ Terra e Povo – Portugal
◦ Terre et Peuple
◦ Thule Italia
◦ Tierra y Pueblo
◦ VHO
◦ Via Natura
◦ VoxNR
◦ Zur Zeit
• Tradição e Espiritualidade
◦ Celtiberia
◦ Georges Dumézil
◦ Racines et Traditions
• z
◦
• Arquivos
◦ Junho 2009
◦ Maio 2009
◦ Abril 2009
◦ Março 2009
◦ Fevereiro 2009
◦ Janeiro 2009
◦ Maio 2008
◦ Abril 2008
◦ Março 2008
◦ Fevereiro 2008
◦ Janeiro 2008
◦ Dezembro 2007
◦ Novembro 2007
◦ Outubro 2007
◦ Agosto 2007
◦ Julho 2007
◦ Junho 2007
◦ Maio 2007
◦ Abril 2007
◦ Março 2007
◦ Fevereiro 2007
◦ Janeiro 2007
http://ofogodavontade.wordpress.com/2009/06/11/mito-e-comunidade-parte-1-de-2/ 15/6/2009
6. Mito e Comunidade (parte 1 de 2) « Page 6 of 6
◦ Dezembro 2006
Blog em WordPress.com.
Theme: Vigilance by Jestro
http://ofogodavontade.wordpress.com/2009/06/11/mito-e-comunidade-parte-1-de-2/ 15/6/2009