1. Araçatuba, domingo, 28 de agosto de 2011
C4 >>Vida
Adeus a Bruno Zago
ogo na chegada ao portão,
Valdivo Pereira/Folha da Região - 30/01/2008
um estudioso de violino, pesquisa-
L quem olha pelo vão da gra-
de já sente o clima de arte
no ar. Os moldes de instrumentos
va modelos, a história da música
e da fabricação de instrumentos e
começou a confeccionar. Com o
musicais pendurados na parede da tempo, foi se aperfeiçoando", afir-
varanda denunciam: ali mora um PERDA Bruno Zago ma, destacando que Zago era fasci-
artista. O alpendre, transformado em sua oficina, em foto nado pelo instrumento.
em oficina, hoje está vazio, triste, tirada em janeiro de Normanha, que hoje mora
de luto. Seu personagem principal 2008; no detalhe, os mol- em Água Clara (MS), fez questão
foi para outras paragens após ser ví- des de instrumentos de dar adeus ao amigo querido.
tima de uma pneumonia que o le- pendurados na varanda da Os dois tocaram juntos na Camera-
vou desta vida aos 88 anos, na se- casa onde ele morava ta de Violinos de Araçatuba. "Ele
mana passada. Ele é Bruno Zago, era sempre alegre, gostava de colo-
tabapuanense de nascimento (ele é car apelido nos outros", relembra.
de Tabapuã, região de Catanduva) O médico Satoru Okida,
e araçatubense de coração. também violinista, possui um
Um violinista apaixonado pe- violino feito por Zago. O instru-
la música que, de tanto observar, mento foi criado para estudo,
estudar, fuçar e pesquisar, de tan- por isso tem o som baixo para
to mexer no violino, consertar não incomodar ninguém e é cha-
aqui, colar ali, restaurar acolá, tor- mado de violino surdo. "É uma
nou-se um mestre na arte da fabri- verdadeira obra de arte esta pe-
cação de instrumentos de cordas. ça", define Marcelo Zago.
Em francês, um luthier. Em portu- O engenheiro e violinista
guês, um alaudeiro (em referência Sérgio Abujamra conta que Zago
ao alaúde, instrumento de cordas cuidou de seus violinos durante
de origem árabe). 20 anos. "Ele amava sua profis-
Zago veio ao mundo no dia são e era o exemplo de bonda-
20 de maio de 1923, em uma famí- de", afirma o amigo, que conhe-
lia de imigrantes italianos. Os pais, ceu o músico e luthier em apre-
Luiz Zago e Clementina Bertoni Za- sentações musicais.
go, vieram de Cremona, região da
Lombardia, nos primeiros anos do ÚLTIMOS DIAS
século passado. Vieram para traba- O mestre Zago passou os últi-
lhar como colonos em proprieda- mos dias de sua vida viajando (fi-
des rurais. Coincidência ou não, cou 10 dias em São Paulo na casa
Cremona é famosa por ser a terra fez aulas com o maestro José Raab, ma (Associação Livre dos Músicos lo, e assim foi aperfeiçoando-se. de detalhes, o que exige muita dos filhos) e trabalhando. Retornou
do célebre luthier italiano Antonio no Conservatório Musical Santa Ce- de Araçatuba) e pretendem se profis- Começou a confeccionar violino e concentração e persistência, pois da capital paulista na quinta-feira e
Giacomo Stradivari, mais conheci- cília, e também com o professor sionalizar no futuro. depois ampliou a produção para o instrumento é inteiro feito à trabalhou no Cemfica (Centro Mu-
do pelo nome em latim, Antonius Célio Novaes. Fez cursos no Conser- Como músico, Zago integrou viola, violoncelo e contrabaixo. mão. O mesmo vale para o contra- nicipal de Formação Integral da
Stradivarius, e também por seus vatório Imirim, em São Paulo, e a Banda Municipal de Guararapes, O primeiro violino saiu meio baixo, viola e violoncelo. Um violi- Criança e do Adolescente) do Alvo-
violinos e instrumentos de corda. com outros professores da capital onde morou. Em 1968, mudou-se torto, como ele mesmo definiu em no custa, em média, R$ 2,5 mil, rada, onde dava aulas para garotos
O pai, Luiz, era marceneiro paulista. Em casa, estudava religiosa- para Araçatuba, onde passou a fa- entrevista à Folha da Região reali- mas o preço varia de acordo com carentes. Ensinava a eles a arte da
e ensinou a arte ao filho, que in- mente entre duas e três horas por zer parte da Banda Municipal, a zada em 2008. O filho Marcelo con- a nobreza do som. Por isso alguns luthieria junto com o filho Marcelo.
gressou ainda menino no mundo dia, sem falhar. Mesmo aos sábados, Furiosa - tocava um instrumento ta que o pai considerava o "número custam muito dinheiro e outros O projeto, em parceria com a Prefei-
dos trabalhos artesanais e artísti- domingos e feriados lá estava Zago de sopro, o baixo tuba. Na capital um" mais um objeto de decoração não têm valor. tura via Secretaria Municipal de
cos. Nesta época, apaixonou-se com o violino e seu arco a estudar paulista, para onde foi em seguida, do que propriamente um instrumen- Zago dizia que a arte do violi- Cultura, começou em 2010, mas
pelo violino ao ouvir alguém to- páginas e páginas de partituras e mé- integrou a Banda da Sorocabana. to. "Ele não tinha todo aperfeiçoa- no está na colocação da barra har- estava suspenso havia oito meses.
car o instrumento na sede da fa- todos. No sábado (20), véspera de Depois, retornou a Araçatuba e da- mento, por isso o primeiro não tem mônica, que tem como função Na primeira fase, os alunos construí-
zenda onde morava com a famí- sua internação na Santa Casa para qui não mais saiu. Na cidade, foi a qualidade dos demais". A peça foi transmitir as vibrações a todo o ram seis violinos com a ajuda dos
lia, conta Marcelo Zago, filho de não mais voltar, o velho músico to- integrante da Camerata Lítero-Mu- doada por Zago à Associação dos corpo do violino. Fica posicionada professores. A retomada ocorreu es-
Bruno que segue os passos do pai cou seu violino, apesar da dificulda- sical, nos anos 1980. Músicos no ano passado. embaixo da tampa, na posição das te mês, com a participação de 20
na arte da luthieria. de que enfrentava para respirar. Como morava próximo à Igre- Ao longo da vida, Zago foi cordas. Há ainda a alma, cilindro alunos. Marcelo Zago diz que pre-
Bruno Zago tinha de traba- Esta mesma dedicação e esfor- ja São João, gostava de ir até lá pa- entalhador, escultor e marceneiro, de madeira que fica dentro do cor- tende dar continuidade, mas depen-
lhar para ajudar no sustento da ca- ço Bruno Zago exigia das netas Mar- ra tocar Ave-Maria de Schubert pa- além de luthier. Nesta última ativi- po do violino, mais ou menos de do aval do município.
sa, por isso o pai o proibiu de es- cela e Nathalia, que aprenderam a ra Nossa Senhora na porta do San- dade, dedicou atenção exclusiva abaixo do lado direito do cavalete, Na sexta-feira, antevéspera
tudar. A paixão pelo instrumento, tocar com o avô. "Ele tinha muita tuário, conta a filha Angélica Zago. nos últimos 20 anos, após se apo- que liga, mecânica e acusticamen- de sua internação, Zago trabalhou
no entanto, foi maior. O jeito era paciência para ensinar, mas era mui- Chamava a atenção das pessoas na sentar. Produziu um total de 100 te, o tampo superior ao inferior. no 65º violino que estava cons-
sair escondido dos pais para to- to exigente. As aulas eram diárias e rua e, tímido que era, guardava o instrumentos (trabalhava no 101º, Depois de colocada a alma, busca- truindo. Mais tarde tocou um pou-
mar aulas na cidade. Da fazenda tinham uma hora de duração, até instrumento e voltava para casa. um violino, que não conseguiu se o melhor som. co e foi dormir. A mesma rotina se
até Tabapuã eram sete quilôme- nos fins de semana", conta Marcela, A música preferida era "Rapa- concluir), dos quais 64 são violi- As madeiras utilizadas na repetiu no dia seguinte, mas pas-
tros de cavalgada para aprender a 14 anos, que começou a estudar ziada do Brás", eternizada na voz nos, 11 contrabaixos, 2 violas e confecção do violino são a grevi- sou mal às 18h, estava com sinto-
tocar violino. com o avô ainda criança, aos cinco de Carlos Galhardo. Gostava tam- 23 violoncelos. Já vendeu para lha (de origem australiana), pinho mas de gripe e Marcelo decidiu le-
Daí em diante nunca mais pa- anos de idade. As duas netas de Za- bém de música clássica, tango, val- São Paulo, Tatuí (SP), Goiânia suíço e o pau-brasil. O arco é feito vá-lo ao hospital devido à dificulda-
rou de estudar. Já em Araçatuba, go hoje integram a orquestra da Al- sa e sambinhas. Entre os cantores (GO), Belo Horizonte (MG), Vitó- de crina de cavalo e o verniz foi de respiratória que apresentava.
brasileiros os prediletos eram Or- ria (ES), Austrália, Holanda e Áfri- inventado pelo artesão à base de Ao chegar ao hospital, os
lando Silva, Francisco Alves, Vicen- ca. A última encomenda, de um goma-laca e resina de jatobá. As médicos constataram a gravidade
te Celestino e Altemar Dutra, além músico de São Paulo, ele não con- ferramentas também eram criadas do quadro e o internaram na
do próprio Galhardo. seguiu terminar. por Zago, que as fabricava confor- UTI. Foi sedado e assim permane-
me sua necessidade. Uma delas, ceu até morrer, às 6h de terça-fei-
REPAROS VIOLINO para medir o tampo do violino, foi ra (23). O viúvo de Alzira Morei-
Paralelamente aos estudos e Um violino leva, em média, feita com metro de marceneiro e ra Zago deixou 10 filhos, 24 ne-
execuções musicais, o curioso Za- entre 30 e 40 dias para ser confec- trinco de porta. tos e 21 bisnetos.
go fazia reparos em instrumentos. cionado, levando em conta o pri- O violino soou triste na tarde
Comprava violinos quebrados para meiro corte da madeira até a últi- VIOLINISTAS de quarta-feira, enquanto seu corpo
restaurar e tornava-se cada vez ma pincelada de verniz. A arte de- O médico e violinista Carlos era velado na capela Laluce. A neta
mais íntimo do instrumento de ma- pende da inspiração, diz o filho Alberto Nor manha conta que via Nathalia tocou para o avô junto
deira. E isso era ainda na longín- Marcelo, companheiro de oficina Bruno Zago, a quem chamava de com os amigos Normanha e Antô-
qua década de 1940. Em 1958, do pai por 20 anos, por isso a re- BZ, fabricar os violinos e enco- nio Pereira da Silva. Foi a última
fez um curso de luthieria com o gra é não correr. Tudo é milimetri- mendou o 17º instrumento fabri- homenagem ao músico que virou
professor Rafael Leone, de São Pau- camente calculado, com precisão cado pelo luthier. "O BZ era era luthier. Adeus, Bruno Zago.
Educação musical?
N ão dá para levar a sério a lei federal que torna obrigatório o ensino de música no ensino básico e fundamental no Brasil. A
legislação, em vigor a partir deste mês, não exige que o professor tenha formação musical, ou seja, qualquer um pode ministrar
aulas de música. Alguém acredita que os alunos aprenderão realmente desta forma? Impossível não lembrar os áureos tempos em que a
escola, sobretudo a pública, tratava o assunto com seriedade. Em Araçatuba, por exemplo, o IE (Instituto Educacional Manoel Bento da
Cruz) tinha como professor o maestro José Raab. Hoje, não é preciso nem saber ler partitura para "ensinar" música nas escolas, conforme
prevê a lei federal sancionada ainda pelo presidente Lula. Lamentável.
O Filme dos Espíritos Divulgação
A temática espírita ganha cada vez mais espaço no cinema
nacional. Em outubro, estreia "O Filme dos Espíritos", ba-
seado no "Livro dos Espíritos", de Allan Kardec. Em visita a
Araçatuba na semana passada, André Marouço, co-diretor do lon-
ga, garante que o filme vai emocionar mesmo os não-espíritas. O
filme tem como tema central a vida de Bruno Alves, um psiquia-
tra que está à beira de cometer suicídio após perder a mulher e
o emprego e desiste depois de ter contato com o livro espírita.
Parte da renda da bilheteria será revertida para obras assisten-
ciais. No elenco, Nelson Xavier, Ana Rosa, Ênio Gonçalves, Etty
Fraser, Sandra Corveloni, Reinaldo Rodrigues e Luciana Gime-
nez, que vive uma velha senhora, mulher de um pescador. LONGA Cena de “O Filme dos Espíritos”, baseado em livro de Allan Kardec