1. Revista Brasileira de Ensino de F´
ısica, v. 30, n. 3, 3313 (2008)
www.sbfisica.org.br
Regi˜es de seguran¸a em lan¸amento de proj´teis
o
c
c
e
(Security regions in projectile launching)
L´cia Resende Pereira e Valdair Bonfim1
u
Faculdade de Matem´tica, Universidade Federal de Uberlˆndia, Uberlˆndia, MG, Brasil
a
a
a
Recebido em 29/2/2008; Revisado em 11/6/2008; Aceito em 4/7/2008; Publicado em 8/10/2008
Nosso principal objetivo neste trabalho ´ a determina¸ao de regi˜es de seguran¸a em bal´
e
c˜
o
c
ıstica. Por regi˜o
a
de seguran¸a entendemos a regi˜o do espa¸o tridimensional que fica livre da a¸ao de proj´teis. A determina¸ao
c
a
c
c˜
e
c˜
da regi˜o de seguran¸a ser´ reduzida ao c´lculo da envolt´ria de uma fam´ de trajet´rias, indexada segundo o
a
c
a
a
o
ılia
o
ˆngulo de tiro.
a
Palavras-chave: lan¸amento de proj´teis, resistˆncia do ar, envolt´ria, regi˜o de seguran¸a.
c
e
e
o
a
c
Our main objective in this work is the determination of security regions in ballistics. By security region we
understand the region of three-dimensional space that is free to the action of projectiles. The determination of
the security region will be reduced to the calculation of the envelope of a family of trajectories, indexed according
to the angle of shot.
Keywords: projectile launching, resistance of the air, envelope, security region.
1. Introdu¸˜o
ca
O assunto “lan¸amento de proj´teis” ´ bastante rico,
c
e
e
tanto do ponto de vista do ensino como da pesquisa,
pois aparece numa s´rie de situa¸˜es pr´ticas. A ine
co
a
ten¸˜o deste trabalho ´ abordar um tema ainda pouco
ca
e
trabalhado neste t´pico da f´
o
ısica, qual seja, o tema da
regi˜o de seguran¸a. Existem v´rias situa¸˜es pr´ticas
a
c
a
co
a
onde h´ interesse na determina¸˜o desta regi˜o, como
a
ca
a
por exemplo em treinamentos militares, teste de instrumentos b´licos ou em obras da engenharia civil onde se
e
faz necess´rio o uso de explosivos para desobstruir bara
reiras. Neste ultimo caso os detritos resultantes das
´
explos˜es s˜o lan¸ados em dire¸˜o aleat´ria com uma
o
a
c
ca
o
determinada velocidade inicial v0 , cuja intensidade na
pr´tica ´ superestimada, e a preocupa¸˜o ´ que tais cora
e
ca e
pos n˜o atinjam pessoas e ou constru¸˜es pr´-existentes
a
co
e
nas proximidades. Na literatura pesquisada sobre o assunto [1] vimos que foi tratado apenas o caso particular em que n˜o se considera a resistˆncia do ar. Neste
a
e
trabalho consideraremos o efeito da resistˆncia do ar e
e
da presen¸a de ventos, e comentaremos as mudan¸as
c
c
qualitativas ocorridas no movimento e na regi˜o de sea
guran¸a. Como a regi˜o de seguran¸a ´ obtida via o
c
a
c e
c´lculo da envolt´ria de uma fam´ de trajet´rias, e
a
o
ılia
o
como o c´lculo desta envolt´ria utiliza argumentos de
a
o
geometria e equa¸˜es diferenciais, cria-se um ambiente
co
1 E-mail:
valdair@ufu.br.
Copyright by the Sociedade Brasileira de F´
ısica. Printed in Brazil.
prop´
ıcio ` interdisciplinaridade entre a f´
a
ısica e a matem´tica. Cabe ainda ressaltar que, devido a consia
`
dera¸˜o da resistˆncia do ar e da presen¸a de ventos,
ca
e
c
aparecem algumas dificuldades que sugerem e incitam a
utiliza¸˜o de recursos computacionais, muito uteis para
ca
´
a elabora¸˜o de conjecturas e em completa consonˆncia
ca
a
com as diretrizes curriculares nacionais para os cursos
de f´
ısica.
2.
Lan¸amento de proj´teis sem resisc
e
tˆncia do ar
e
Embora o caso do lan¸amento de proj´teis sem rec
e
sistˆncia do ar seja um tema bastante estudado, faree
mos uma recapitula¸˜o deste tipo de movimento apenas
ca
para efeito de compara¸˜es com o caso menos trivial no
co
qual se leva em conta esta resistˆncia, bem como para fie
xar nota¸˜o. Suponha que um proj´til de massa m seja
ca
e
lan¸ado a partir do solo com uma velocidade inicial v0 ,
c
a qual faz um ˆngulo de θ radianos com a horizontal.
a
Este ˆngulo θ ser´ denominado ˆngulo de tiro. Suponha
a
a
a
ainda que a unica for¸a atuante no corpo seja a atra¸˜o
´
c
ca
gravitacional mg, da Terra sobre o corpo. Escolhendo
o sistema de coordenadas ilustrado na Fig. 1, cuja origem coincide com o ponto de lan¸amento, e denotando
c
por r(t) = (x(t), y(t)) a posi¸˜o do corpo no instante t,
ca
ent˜o a segunda lei de Newton nos diz que
a
2. 3313-2
Pereira e Bonfim
dm´x =
a
2
v0
sen(2θ).
g
(8)
Em particular, a distˆncia horizontal m´xima ala
a
e
can¸ada pelo corpo ´ v0 /g, e ´ conseguida quando o
c
e 2
a
ˆngulo de tiro θ ´ igual a π/4 radianos, ou seja, 45◦ .
e
3.
A envolt´ria de uma fam´ de curo
ılia
vas
Suponha dada uma fam´ de curvas planas
ılia
Cθ = { (x, y) ∈ R2 : f (x, y, θ) = 0 }.
Figura 1 - Sistema de coordenadas para o lan¸amento obl´
c
ıquo.
2
m
d r
= mg,
dt2
r(0) = 0,
dr
(0) = v0 .
dt
(1)
Ou ainda, em coordenadas cartesianas,
x(t) = 0,
¨
y (t) = −g,
¨
x(0) = 0,
y(0) = 0,
x(0) = v0 cosθ,
˙
y(0) = v0 senθ,
˙
(2)
cuja resolu¸˜o nos d´
ca
a
x = (v0 cosθ)t,
g
y = − t2 + (v0 senθ)t.
2
(3)
(4)
Isolando t na Eq. (3) e substituindo na Eq. (4) obtemos
y=−
g. sec2 θ 2
x + (tgθ) x.
2
2v0
(5)
Das Eqs. (3), (4) e (5) podemos concluir v´rias coia
sas a respeito do movimento do proj´til e de sua trae
jet´ria. De in´ conclu´
o
ıcio
ımos, a partir da Eq. (5), que
a trajet´ria do corpo ´ um arco de par´bola. O tempo
o
e
a
e
e
de subida ts , isto ´, o tempo que o proj´til leva para
atingir o seu ponto mais alto, ´ conseguido impondo-se
e
y(ts ) = 0, ou seja
˙
ts =
v0 senθ
.
g
Dessa forma, a altura m´xima atingida pelo corpo
a
hm´x = y(ts ) =
a
2
v0 sen2 θ
,
2g
(7)
e a distˆncia horizontal m´xima alcan¸ada pelo mesmo
a
a
c
´ dada pela raiz positiva da equa¸˜o quadr´tica
e
ca
a
g sec2 θ 2
x + (tgθ) x = 0,
−
2
2v0
ou seja,
Isto significa que para cada valor do parˆmetro θ
a
temos uma curva Cθ constitu´ por pontos (x, y) que
ıda
satisfazem ` equa¸˜o f (x, y, θ) = 0. Vamos supor aqui
a
ca
que a fun¸˜o f possua derivadas parciais cont´
ca
ınuas com
respeito `s vari´veis espaciais x e y, e tamb´m com resa
a
e
peito ao parˆmetro θ. Admita ainda que a curva Cθ seja
a
suave, no sentido de admitir reta tangente por cada um
de seus pontos. Uma condi¸˜o suficiente para isso ´
ca
e
que, para cada θ fixado, o vetor gradiente (com rela¸˜o
ca
a
`s vari´veis espaciais) seja diferente de zero em todos
a
e
os pontos da curva Cθ , isto ´
∇f (x, y, θ) =
∂f
∂f
(x, y, θ) ,
(x, y, θ)
∂x
∂y
= (0, 0),
para todo (x, y) na curva Cθ .
e
A envolt´ria da fam´ Cθ ´ uma curva parameo
ılia
trizada γ(θ) = (x(θ), y(θ)) satisfazendo `s seguintes
a
condi¸˜es
co
i) γ(θ) ∈ Cθ , ∀ θ;
ii) γ e Cθ possuem a mesma reta tangente no ponto
γ(θ).
As express˜es matem´ticas para tais condi¸˜es s˜o,
o
a
co
a
respectivamente, as seguintes
f ( γ(θ) , θ )
= 0,
∇f ( γ(θ) , θ ) . γ (θ) = 0,
(6)
´
e
(9)
ou seja,
f ( x (θ) , y (θ) , θ)
∂f
(x (θ) , y (θ) , θ)
∂x
∂f
(x (θ) , y (θ) , θ)
∂y
= 0,
(10)
= 0.
(11)
dx
+
dθ
dy
dθ
Para o c´lculo da envolt´ria basta fixarmos o parˆmetro
a
o
a
θ e resolvermos o sistema de equa¸˜es
co
3. Regi˜es de seguran¸a em lan¸amento de proj´teis
o
c
c
e
f (x, y, θ)
3313-3
=0
(12)
∂f
(x, y, θ) = 0
∂θ
(13)
nas vari´veis x e y. Uma aplica¸˜o do Teorema da
a
ca
Fun¸˜o Impl´
ca
ıcita garante que, se
∂f ∂ 2 f
∂f ∂ 2 f
−
= 0,
∂x ∂θ ∂y
∂y ∂θ ∂x
ent˜o o sistema composto pelas Eqs. (12) e (13) tem
a
solu¸˜o γ(θ) = (x(θ), y(θ)), a qual ´ t˜o regular quanto
ca
e a
a fun¸˜o f . Para vermos que toda solu¸˜o (x(θ), y(θ))
ca
ca
das Eqs. (12) e (13) ´ uma envolt´ria, basta provarmos
e
o
que a Eq. (11) tamb´m fica satisfeita, haja vista que
e
as Eqs. (10) e (12) s˜o as mesmas. Mas isto ´ sima
e
ples, pois derivando a Eq. (10) em rela¸˜o ` vari´vel θ
ca a
a
encontramos
Figura 3 - Fam´ de circunferˆncias cujos centros deslizam sobre
ılia
e
o eixo x e cujos raios crescem de acordo com a raiz quadrada da
distˆncia do centro ` origem.
a
a
4.
C´lculo da regi˜o de seguran¸a
a
a
c
Inicialmente vamos fixar um plano perpendicular ao
solo contendo o ponto de lan¸amento e determinar a enc
volt´ria de todas as trajet´rias cujas velocidades iniciais
o
o
sejam paralelas a este plano. Calculemos a envolt´ria
o
da fam´ de par´bolas (Cθ )− π <θ< π dada pela Eq. (5).
ılia
a
2
2
2
dx ∂f
dy ∂f
∂f
(x, y, θ)
+
(x, y, θ)
+
(x, y, θ) = 0,
∂x
dθ
∂y
dθ
∂θ
que devido a Eq. (13) se reduz ` Eq. (11). Para ver
`
a
que este procedimento de fato conduz ` envolt´ria cona
o
sideremos duas fam´
ılias de curvas, as quais podem ser
pensadas como propaga¸˜es de um determinado tipo de
co
onda.
Fam´ 1: (x − θ)2 + y 2 = sen2 θ, com 0 < θ < 2π
ılia
e
e
Cada Cθ ´ uma circunferˆncia centrada em (θ, 0),
com raio | senθ |. Neste caso temos f (x, y, θ) = (x −
ca
co
θ)2 + y 2 − sen2 θ, e a resolu¸˜o do sistema de equa¸˜es
(12)-(13) nos leva a x = x(θ) = θ + senθ cosθ e
a
y = y(θ) = ±sen2 θ. A Fig. 2 mostra v´rias circuno
ferˆncias Cθ , bem como a sua envolt´ria. Caso se trate,
e
por exemplo, de propaga¸˜o de ondas prejudiciais aos
ca
seres humanos, a envolt´ria delimita a regi˜o que est´
o
a
a
recebendo a influˆncia danosa das ondas da outra regi˜o
e
a
que fica livre desta influˆncia.
e
Figura 2 - Fam´ de circunferˆncias cujos centros deslizam sobre
ılia
e
um eixo horizontal e cujos raios variam periodicamente.
Fam´ 2: (x − θ)2 + y 2 = θ , com θ > 0
ılia
Trata-se agora de uma fam´ de circunferˆncias
ılia
e
√
centradas em (θ, 0) e raio θ. Neste caso temos que
ca
f (x, y, θ) = (x − θ)2 + y 2 − θ, e a resolu¸˜o do sistema
(12)-(13) fornece x = x(θ) = θ − 1/2 e y = y(θ) =
1/4. A Fig. 3 mostra v´rias
a
± θ − 1/4, para θ
curvas Cθ e a envolt´ria, que ´ uma par´bola.
o
e
a
No caso f (x, y, θ) = y + g sec2 θ x2 − (tgθ)x, o sistema
2v0
(12)-(13) torna-se
2
y + g sec θ x2 − (tgθ)x = 0
2
2v0
x sec2 θ gx tgθ − 1 = 0
2
v0
(14)
Como x sec2 θ > 0 para todo x > 0 e todo − π <
2
θ < π , ent˜o a segunda equa¸˜o do sistema (14) nos
a
ca
2
fornece
2
v0
.
(15)
gx
Agora, lembrando que sec2 θ = 1 + tg2 θ, e substituindo a Eq. (15) na primeira equa¸˜o do sistema (14),
ca
obtemos
tgθ =
2
g 2 v0
(16)
2 x + 2g .
2v0
Surpreendentemente, a envolt´ria da fam´ de trao
ılia
jet´rias parab´licas ainda ´ uma par´bola, denominada
o
o
e
a
par´bola de seguran¸a. Para obter a regi˜o de segua
c
a
ran¸a no espa¸o tridimensional basta fazer a rota¸˜o da
c
c
ca
par´bola de seguran¸a em torno de seu eixo de simetria
a
c
uma vez que, sendo os lan¸amentos aleat´rios, temos de
c
o
considerar velocidades iniciais v0 paralelas a qualquer
plano vertical passando pelo ponto de lan¸amento, e
c
n˜o somente paralelas ao plano fixado. A Fig. 4 ilustra
a
algumas trajet´rias, com alguns ˆngulos de tiro entre 0o
o
a
e 180◦ . Observe que cada ponto dentro da regi˜o delia
mitada pela par´bola de seguran¸a est´ na intersec¸˜o
a
c
a
ca
de duas trajet´rias, significando que um corpo neste
o
ponto pode ser atingido por um proj´til ascendente ou
e
por um proj´til descendente. Cada uma das trajet´rias
e
o
y=−
4. 3313-4
Pereira e Bonfim
na Fig. 4 pode ser visualizada na pr´tica com uma mana
´
gueira de jardim jorrando agua. E uma ocasi˜o onde a
´
a
teoria pode ser comprovada de modo bastante simples.
De fato pode-se observar, por exemplo, que o alcance
horizontal m´ximo da ´gua ocorre quando a mangueira
a
a
faz um ˆngulo de 45◦ com a horizontal.
a
Figura 6 - Uma erup¸˜o vulcˆnica.
ca
a
4.1.
Figura 4 - Fam´ de trajet´rias e a respectiva envolt´ria obtidas
ılia
o
o
desconsiderando-se a resistˆncia do ar e com ˆngulos de tiro que
e
a
variam entre 0◦ e 180◦ .
A Fig. 5 mostra a implos˜o do Complexo Penia
tenci´rio Carandiru num dia que, possivelmente, n˜o
a
a
soprava ventos fortes, e portanto se enquadra dentro da modelagem feita. Observe que a nuvem de
part´
ıculas sugere uma regi˜o que se assemelha a um
a
parabol´ide. Na Fig. 6 vemos uma erup¸˜o vulcˆnica,
o
ca
a
que tamb´m sugere aproximadamente o formato de
e
regi˜o parab´lica. Pequenas diferen¸as com o resultado
a
o
c
te´rico obtido se devem ao fato de que o modelo f´
o
ısico
n˜o incorporou particularidades destas situa¸˜es, como
a
co
a possibilidade de existir mais de um centro de explos˜o,
a
ou seja, diferentes pontos de lan¸amento, gerando uma
c
combina¸˜o de regi˜es com formato de parabol´ide.
ca
o
o
Lan¸amento de proj´teis com resistˆncia
c
e
e
do ar
A partir de agora consideraremos, al´m da for¸a grae
c
vitacional da Terra sobre o corpo de massa m, a resistˆncia do ar sobre o mesmo. Esta resistˆncia ser´
e
e
a
e
modelada fisicamente por −b dr , onde b ´ uma consdt
tante positiva. Escolhendo o mesmo sistema de coordenadas (vide Fig. 1), cuja origem coincide com o ponto
de lan¸amento, e denotando a posi¸˜o do corpo no insc
ca
tante t por r(t) = ( x(t) , y(t) ), ent˜o a segunda lei de
a
Newton nos diz que
m
dr
d2 r
= mg − b ,
dt2
dt
r(0) = 0,
dr
(0) = v0 ,
dt
(17)
ou ainda
x(t) + b x(t) = 0 , x(0) = 0 , x(0) = v0 cosθ
˙
˙
¨
m
y (t) + b y(t) = −g , y(0) = 0 , y(0) = v senθ
¨
˙
˙
0
m
Resolvendo este sistema de equa¸˜es diferenciais orco
din´rias obtemos
a
x(t) =
v0 cos θ
(1 − e−kt )
k
(18)
e
y(t) = (
v0
g
g
senθ + 2 )(1 − e−kt ) − t,
k
k
k
(19)
onde k = b/m.
Isolando t na Eq. (18) e substituindo na Eq. (19)
obtemos
y=
Figura 5 - Explos˜o do Complexo Penitenci´rio do Carandiru.
a
a
Foto: Rog´rio Cassimiro.
e
tgθ +
g
kx
g
sec θ x + 2 ln 1 −
sec θ
kv0
k
v0
(20)
Portanto, a trajet´ria do proj´til com velocidade inio
e
a
e
cial v0 e ˆngulo de tiro θ ´ a curva Cθ no plano xy cuja
5. Regi˜es de seguran¸a em lan¸amento de proj´teis
o
c
c
e
3313-5
equa¸˜o ´ dada na Eq. (20). Observe que a Eq. (20)
ca e
s´ faz sentido quando
o
1−
kx
sec θ > 0,
v0
ou seja, quando
v0 cos θ
= ξ.
k
(21)
lim y (x) = −∞,
(22)
x<
Mais ainda, como
x→ξ −
segue que a trajet´ria tenderia assintoticamente para
o
uma reta vertical (a saber, a reta x = ξ) caso n˜o houa
vesse colis˜o do proj´til com o solo. Isto ´, a trajet´ria
a
e
e
o
seria limitada ` direita, conforme ilustrado na Fig. 7.
a
No caso espec´
ıfico abaixo temos ξ = 12, 6295 m.
Esta ´ uma diferen¸a qualitativa grande com o caso
e
c
parab´lico, uma vez que l´ as trajet´rias, caso n˜o foso
a
o
a
sem interrompidas com a colis˜o do proj´til no solo,
a
e
seriam ilimitadas na dire¸˜o x.
ca
Outra diferen¸a entre os dois casos refere-se ao ˆnc
a
gulo de tiro que produz o alcance horizontal m´ximo.
a
2
Enquanto que o alcance m´ximo v0 /g no caso paa
rab´lico ´ obtido quando o angulo de tiro ´ 45◦ , isso
o
e
ˆ
e
n˜o acontece no caso b > 0. Para constatar isso basta
a
considerar o caso particular em que v0 = 20 m/s,
g = 9,8 m/s2 , b = 1 kg/s e m = 0,5 kg. Chamando d (θ)
a distˆncia horizontal atingida pelo proj´til quando o
a
e
a
ˆngulo de tiro ´ θ, ent˜o
e
a
tgθ +
g
kd
g
sec θ d + 2 ln 1 −
sec θ = 0,
kv0
k
v0
ou seja, a fun¸˜o d (θ) ´ dada implicitamente pela
ca
e
equa¸˜o
ca
G (θ, d) = 0,
(23)
onde
G (θ, d) = tgθ +
g
g
kd
sec θ d + 2 ln 1 −
sec θ .
kv0
k
v0
Utilizando um software para plotar a curva
G (θ, d) = 0 obtemos a curva descrita na Fig. 9, ou
seja, o ˆngulo de tiro que produz o alcance horizona
tal m´ximo, neste caso particular, ´ aproximadamente
a
e
51% do ˆngulo de tiro que produz o alcance horizontal
a
m´ximo no caso parab´lico.
a
o
Figura 7 - Trajet´ria de um proj´til considerando-se a resistˆncia
o
e
e
do ar.
Al´m disso, independentemente do ˆngulo de tiro
e
a
θ, nenhuma trajet´ria ultrapassaria a reta x = v0 /k =
o
(mv0 )/b. Note que a constante b aparece no denominador e, portanto, quanto maior o seu valor, isto ´, quanto
e
maior for a resistˆncia do ar, menor ser´ o alcance hoe
a
rizontal, conforme podemos ver na Fig. 8, que ilustra
trajet´rias correspondentes aos parˆmetros: m = 2 kg,
o
a
e
θ = 45◦ , g = 9,8 m/s2 , v0 = 20 m/s, θ = 45◦ , e trˆs
valores distintos de b, em kg/s.
Figura 9 - Alcance horizontal m´ximo vs. ˆngulo de tiro.
a
a
4.2.
C´lculo da regi˜o de seguran¸a considea
a
c
rando a resistˆncia do ar
e
Para o c´lculo da envolt´ria devemos resolver o sistema
a
o
Figura 8 - Trajet´rias correspondentes a diferentes valores de b,
o
em kg/s.
f (x, y, θ) = 0,
∂f
∂θ (x, y, θ) = 0,
onde agora
(24)
6. 3313-6
Pereira e Bonfim
Para obter a regi˜o de seguran¸a no caso b > 0 basta
a
c
rodar a envolt´ria da fam´ acima em torno do eixo
o
ılia
y. Apesar das diferen¸as qualitativas j´ comentadas no
c
a
texto do artigo, foi poss´ observar, em ambos os caıvel
sos, que a envolt´ria da fam´ de trajet´rias tem o
o
ılia
o
mesmo aspecto das trajet´rias. Precisamente, no caso
o
parab´lico a envolt´ria tamb´m ´ uma par´bola, e no
o
o
e e
a
caso b > 0 a envolt´ria tem uma ass´
o
ıntota vertical, assim como tem ass´
ıntota vertical todas as trajet´rias de
o
proj´teis que est˜o sujeitos ` resistˆncia do ar.
e
a
a
e
g
f (x, y, θ) = (tgθ)x +
(sec θ) x +
kv0
g
kx
ln(1 −
sec θ) − y.
k2
v0
Efetuando os c´lculos obtemos o sistema
a
y = (tgθ)x + g x sec θ + g ln(1 − kx sec θ),
kv0
k2
v0
(sec2 θ)x +
g
kv0 x sec θtgθ
−
g x cos θ sec θtgθ
= 0,
k v0 cos θ − kx
ou ainda
y = (tgθ)x + g x sec θ + g ln 1 − kx sec θ ,
kv0
k2
v0
senθ
sec θ + g tgθ − g
= 0.
kv0
k v0 cos θ − kx
4.3.
Vamos supor agora que os lan¸amentos ocorram num
c
local onde h´ presen¸a de vento, o qual imprime aos cora
c
pos a´ presentes uma velocidade constante u = (u1 , u2 ).
ı
Neste caso a equa¸˜o do movimento pode ser modelada
ca
na forma
m
Isolando x da segunda equa¸˜o obtemos
ca
x = x (θ) =
2
v0
k v0 sec θ + g tgθ
(25)
O efeito da presen¸a de vento
c
d2 r
= mg − b.
dt2
dr
−u ,
dt
dr
(0) = v0 .
dt
r(0) = 0,
Chamando k = b/m e escrevendo a equa¸˜o anterior
ca
em coordenadas cartesianas obtemos
e levando a Eq. (25) na primeira obtemos
g
x (θ) sec θ+
y = y (θ) = (tgθ)x (θ) +
kv0
g
kx(θ)
ln 1 −
sec θ
k2
v0
que junto com a Eq. (25) fornece uma parametriza¸˜o
ca
da envolt´ria.
o
Utilizando um software obtemos as seguintes trajet´rias, cujos ˆngulos de tiro s˜o vistas na Fig. 10 e
o
a
a
dadas por
x(t) + k x(t) = ku1 ,
¨
˙
y (t) + k y(t) = −g + ku2 ,
¨
˙
x(0) = 0,
y(0) = 0,
x(0) = v0 cos θ,
˙
y(0) = v0 senθ,
˙
cuja resolu¸˜o fornece
ca
x(t) = tu1 +
v0 cos θ − u1
(1 − e−kt ),
k
(26)
e
(−g + ku2 )
t+
k
v0 senθ ku2 − g
1 − e−kt .
−
k
k2
y(t) =
π
θi = (2i − 1) , para i ∈ {1, 2, 3, ..., 12} .
48
(27)
Observe que para valores grandes de t o fator 1 − e−kt ´
e
quase igual a 1, de modo que temos as seguintes aproxima¸˜es
co
x(t) ≈ u1 t +
v0 cos θ − u1
,
k
e
y(t) ≈
Figura 10 - Fam´ de trajet´rias obtidas considerando-se a reılia
o
sistˆncia do ar e com ˆngulos de tiro que variam entre 0◦ e 90◦ .
e
a
(−g + ku2 )
t+
k
Chamando c1 =
k u2 − g
, ent˜o
a
k2
v0 senθ k u2 − g
.
−
k
k2
v0 cos θ − u1
k
e c2 =
v0 senθ
−
k
7. Regi˜es de seguran¸a em lan¸amento de proj´teis
o
c
c
e
x(t) ≈ u1 t + c1
e
y(t) ≈
3313-7
(−g + ku2 )
t + c2 .
k
Logo
y(t) − c2
(−g + ku2 )
≈
,
x(t) − c1
k u1
ou seja
y(t) ≈ c2 +
(−g + ku2 )
( x(t) − c1 ) .
k u1
A conclus˜o ´ de que para valores grandes de t a traa e
jet´ria fica arbitrariamente pr´xima de uma reta com
o
o
inclina¸˜o (−g+ku2 ) , a saber, a reta r de equa¸˜o carteca
ca
ku1
siana
y = c2 +
(−g + ku2 )
( x − c1 ) .
ku1
As diferentes trajet´rias depender˜o dos valores de
o
a
e
u1 e u2 . Na sequˆncia analisaremos alguns casos particulares.
4.3.1.
Figura 12 - Trajet´ria de um corpo e sua respectiva ass´
o
ıntota.
Lan¸amento realizado a partir da origem considerando-se a rec
sistˆncia do ar e a presen¸a de vento na dire¸˜o oeste co intensie
c
ca
dade de 2 m/s.
A Fig. 13 ilustra algumas trajet´rias com ˆngulos
o
a
de tiro compreendidos entre 0◦ e 180◦ . O efeito do
vento com velocidade u sobre o formato da regi˜o de
a
seguran¸a ´ evidente, a saber, o vento deforma a regi˜o
c e
a
de seguran¸a fazendo com que a mesma n˜o apresente
c
a
nenhum tipo de simetria.
Caso 1: Vento horizontal soprando na
dire¸˜o oeste
ca
Neste caso temos u1 < 0 e u2 = 0. Logo a inclina¸˜o
ca
da reta r ser´ positiva e igual a −g/ku1 , e como a ora
denada y(t) dada na Eq. (27) ´ limitada superiormente
e
conclu´
ımos em particular que o corpo colidir´ com o
a
solo em tempo finito.
As Figs. 11 e 12 ilustram duas trajet´rias t´
o
ıpicas
de um corpo sendo lan¸ado a partir da origem e as
c
correspondentes retas ass´
ıntotas, cujos dados s˜o os
a
seguintes: θ = π/4 rad, v0 = 20 m/s, u2 = 0,
m = 0,25 kg, b = 0,6 kg/s, k = 2,4 s−1 , g = 9,8 m/s2 .
Na Fig. 11 temos u1 = -10 m/s e na Fig. 12 temos
u1 = -2 m/s. Ou seja, se o vento oeste for muito intenso o corpo colidir´ com o solo num ponto de abscissa
a
negativa (Fig. 11).
Figura 13 - Fam´
ılia de trajet´rias obtidas considerando a reo
sistˆncia do ar e a presen¸a de vento na dire¸˜o oeste.
e
c
ca
4.3.2.
a
e
Neste caso temos u1 > 0 e u2 = 0. A an´lise ´ completamente an´loga ` anterior, com a diferen¸a de que
a
a
c
para valores grandes de t as ´rbitas ficar˜o arbitrariao
a
mente pr´ximas de retas com inclina¸˜o negativa e igual
o
ca
a −g/ku1 .
4.3.3.
Figura 11 - Trajet´ria de um corpo e sua respectiva ass´
o
ıntota.
Lan¸amento realizado a partir da origem considerando-se a rec
sistˆncia do ar e a presen¸a de vento que sopra na dire¸˜o oeste
e
c
ca
com intensidade de 10 m/s.
Caso 2: Vento horizontal soprando na
dire¸˜o leste
ca
Caso 3: Vento com dire¸˜o nordeste, e
ca
baixa intensidade na dire¸˜o vertical
ca
Por “vento na dire¸˜o nordeste” estamos querendo dica
a
zer que as componentes u1 e u2 s˜o ambas positivas,
e por “baixa intensidade” entenderemos que u2 < g/k.
Sob estas hip´teses a inclina¸˜o (−g + ku2 )/(k u1 ) da
o
ca
reta ass´
ıntota ser´ negativa, e os proj´teis colidir˜o com
a
e
a
o solo em tempo finito, como nos casos anteriores. A
8. 3313-8
Pereira e Bonfim
regi˜o de seguran¸a apresentar´ o mesmo aspecto dos
a
c
a
casos anteriores.
4.3.4.
diferentes ˆngulos de tiro. Com ela tem-se uma id´ia de
a
e
como fica a regi˜o de seguran¸a, que ´ o complementar
a
c
e
da regi˜o “varrida” por estas v´rias trajet´rias.
a
a
o
Caso 4: Vento com dire¸˜o nordeste, e
ca
alta intensidade na dire¸˜o vertical
ca
a
Al´m de supormos que u1 e u2 s˜o positivas, admitie
remos que u2 > g/k. Isto implica que o coeficiente
ıntota ´ positivo.
e
angular (−g + ku2 )/(ku1 ) da reta ass´
Assim, as express˜es de x(t) e y(t) dadas nas Eqs. (26)
o
e (27) s˜o ilimitadas superiormente, e dizem que para
a
valores grandes de t o proj´til estar´ bem pr´ximo de
e
a
o
uma reta com coeficiente angular positivo. Em particular podemos concluir que o corpo jamais atingir´ o
a
solo, conforme ilustra a Fig. 14.
Figura 15 - Fam´ de trajet´rias na presen¸a de vento na dire¸˜o
ılia
o
c
ca
nordeste, com alta intensidade na dire¸˜o vertical.
ca
Referˆncias
e
Figura 14 - Trajet´ria de um corpo lan¸ado a partir da origem
o
c
na presen¸a de vento na dire¸˜o nordeste e alta intensidade na
c
ca
dire¸˜o vertical, e sua respectiva ass´
ca
ıntota.
A Fig. 15 por sua vez mostra v´rias trajet´rias, com
a
o
[1] J.L. Synge e B.A. Griffith, Mecˆnica Racional (Ed.
a
Globo, Porto Alegre, 1968), 2a ed.
[2] M.P. Do Carmo, Geometria Diferencial de Curvas e
Superf´
ıcies (Sociedade Brasileira de Matem´tica, Rio
a
de Janeiro, 2005), Cole¸ao Textos Universit´rios.
c˜
a