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                                       Ideias que salvam vidas

O que é capaz de salvar uma vida?

Em janeiro de 2011, demos início à atual gestão do Detran do Estado do Rio Grande do

Sul.

Dentre as diversas iniciativas que tomamos, talvez uma das mais interessantes tenha

sido uma viagem técnica à Europa.

Muitas viagens são necessárias para que se conheçam novas experiências.

O diferencial desta nossa viagem, porém, foi o objetivo: contatar pessoas e conhecer

projetos muito importantes.

Não qualquer pessoa ou qualquer projeto, mas pessoas e projetos que salvaram vidas.

Conhecemos experiências, conversamos com gestores, técnicos, cientistas e nos

impactamos com aquilo que parecia ser impossível: alterar o rumo de uma funesta

tendência.

Como já disse ontem, na abertura deste Congresso, desfrutamos da rica experiência de

projetos magníficos, não só por suas complexas simplicidades, mas pelo estrondoso

resultado que alcançaram, e a partir de então, não descansamos um minuto sequer

enquanto não concretizamos a vinda para Porto Alegre, para o Rio Grande e para o

Brasil de um pouco de tudo isso que vimos.

Para enriquecer o nosso debate, abrir as nossas mentes e nos trazer a certeza de que

sim, é possível inverter a lógica perversa que as estatísticas de trânsito estão nos

apresentando a cada avaliação dos dados de acidentalidade no nosso país.

Repito agora uma pergunta que nos move:

- Afinal, o que é capaz de salvar uma vida?



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                                             APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE 

Para mostrar que algumas respostas excepcionais já foram dadas a esta mesma

pergunta, o Detran gaúcho organizou este Congresso Internacional de Trânsito trazendo

de três continentes e de alguns locais aqui mesmo do Brasil pessoas comuns, iguais a

nós, mas muito especiais, porque acreditaram que era possível, e não se deixaram levar

pelas tendências das estatísticas, mas que tiveram coragem, força e inteligência para

inverter estas trágicas curvas ascendentes do número de vítimas do trânsito.

São projetos que foram transformados em realidades salvadoras e se traduziram de

forma concreta em um grande número de vidas preservadas. Campanhas publicitárias,

modelos de gestão, formas de fiscalização, trabalhos de educação são alguns dos

instrumentos de que essas ideias se valeram para surtir um efeito além do projetado,

transformando-se em casos de sucesso.

O Detran gaúcho tem uma história de 15 anos a comemorar neste Congresso.

Muito embora não tenhamos agentes especiais de fiscalização, cientistas renomados ou

pesquisadores em tempo integral, por sua posição no Sistema de Trânsito do Estado, o

Detran pode assumir o papel de aglutinador de todas estas competências - algo como

um facilitador, intermediando possibilidades de soluções para a problemática do trânsito.

Acreditamos que o papel de um Departamento de Trânsito Estadual esteja pautado não

apenas na sua finalidade cartorial, cuidando da organização documental dos condutores

e da frota de veículos, mas principalmente na sua capacidade de reunir todos os atores

envolvidos com a circulação, fiscalização, formação e conscientização de cada homem e

de cada mulher - idosos, crianças, condutores ou pedestres que de alguma forma

participam e compõem o sistema de trânsito, sendo assim protagonistas de uma nova

realidade.

O momento é propício, visto que hoje, no Rio Grande do Sul, trânsito passou a ser um

tema central na gestão do atual governo.

Em vez de submergir no discurso da fatalidade, de aceitação da acidentalidade como

algo inerente ao trânsito, construímos um novo olhar sobre a gestão do trânsito.
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                                           APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE 

O Brasil é um país em desenvolvimento, cuja economia em franca expansão busca a

concretização daquilo que alguns chamam de igualdade material. Muito mais gente hoje

adquire seu veículo próprio e a consequência é a explosão das vias públicas, incapazes

de absorver uma frota que cresce exponencialmente.

Isso nos obriga a colocar o trânsito na pauta de reflexões, no polo oposto ao da

alienação que ainda predomina nesta área.

- Mas como criar a consciência de que um veículo mal utilizado pode se transformar em

uma arma e que o sonho da mobilidade prática, ágil e confortável pode se transformar

no pesadelo da carnificina?

De fato, a epidemia mundial de acidentes de trânsito, que levou a ONU, através da

Organização Mundial de Saúde, a propor uma Década de Ação pela Segurança no

Trânsito, atingiu proporções inaceitáveis.

Sentimos que o nosso conhecimento sobre esta questão não acompanha o crescimento

do problema, que não estanca por si e que assume proporções constrangedoras frente à

nossa capacidade de resolvê-lo.

É como uma vacina, que reduz o número de doentes, mas está sempre atrasada em

relação à velocidade de mutação do vírus.

Precisamos, então, arregimentar todas as forças vivas da sociedade para essa luta,

operando em diversas frentes ao mesmo tempo, com seriedade, com firmeza, com

coragem e determinação.

Não podemos nos dar ao prazer do descanso. Não podemos nos dar ao luxo de parar

para contemplar o trabalho já realizado.

Cada segundo nesta batalha é importante e os dois dias dedicados a esta conferência

serão fundamentais para aprofundarmos a nossa luta, reabastecermos as nossas

convicções e dividirmos o que de melhor está sendo feito no combate à violência e às

mortes no trânsito.

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                                             APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE 

Primeiramente, é preciso compreender os fenômenos sociais e psicológicos que estão

envolvidos nesta temática.

Se começarmos pela unidade mais simples da pergunta levantada anteriormente:

– O que é capaz de salvar uma vida? , pensaremos no impulso vital que existe dentro de

cada um de nós.

Alguns cientistas dirão que a preservação da vida já nasce gravada em nosso DNA. Já

nascemos lutando para sobreviver.

Outros poderão dizer que trazemos em nosso inconsciente coletivo uma cultura

construída de geração em geração pela raça humana, tendo como objetivo maior nos

manter vivos.

Biólogos falarão em preservação da espécie e psicólogos, em impulsos de morte e de

vida.

Todos concordarão, porém, em um ponto:

- o indivíduo saudável busca preservar sua própria vida.

Preservar a vida, portanto, é algo normal. É natural.

Toda essa lógica, no entanto, desmorona quando observamos o comportamento

arriscado adotado por muitas pessoas no trânsito.

- Serão todas elas portadoras de alguma patologia emocional?

- Nossa sociedade como um todo está doente?

Já nem falamos, em relação a essas pessoas, em proteger os seus semelhantes, mas

apenas em proteger a si próprias.

- Que grau de risco elas estão dispostas a correr?

- Compreendem estas pessoas que estão se colocando em situações de risco?


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Se aprofundarmos um pouco mais essa análise, veremos que as respostas são muitas.

Deixemos para outro momento os casos verdadeiramente patológicos e suicidas.

Vamos focar naquele amigo, tio ou vizinho que todos temos e que, por sua conduta,

torna-se um perigo no trânsito.

Possivelmente ele possa ter a percepção do risco alterada pelos mais diversos motivos,

desde a ingestão de álcool até a excessiva confiança nas próprias habilidades ou nas

características do veículo.

O fato é que, quando os riscos são subavaliados, as chances de haver uma tragédia

crescem, e muito.

- Mas por que tantas pessoas estão dispostas a correr algum grau de perigo?




O instinto de competição

A competição pode ser considerada algo tão natural quanto a preservação da vida e, por

muito tempo, confundiu-se com ela.

Nossos antepassados das cavernas lutavam contra as feras numa competição para

preservar a própria vida, e em seguida competiam entre si.

Na medida em que a civilização foi-se construindo, as lutas foram sendo sublimadas e

assim nasceram os esportes de competição e os concursos. Em vez de pauladas na

cabeça, a meritocracia de um vestibular ou de um Oscar.

Parece civilizado, mas nem sempre estas artimanhas da evolução dão conta de uma

parcela ainda selvagem que habita escondida em cada um de nós.

Quando há espaço para todos, e não há conflitos na ocupação do mesmo, o problema

parece não existir.

- Mas e quando o espaço começa a tornar-se exíguo?
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É sabido que os cães são bons guardas da casa do dono porque a identificam com seu

próprio território e por isso o defendem. Experimentos demonstram também que mesmo

animais acostumados à vida em bandos, quando colocados em grupos excessivamente

grandes e em ambientes restritos, tornam-se estressados e, na sequência, agressivos a

ponto de eliminar os membros mais fracos da colônia.

- Estaremos agindo da mesma forma no trânsito congestionado das grandes cidades e

das rodovias?

- O que explicaria que pessoas aparentemente pacientes e educadas em relação a seus

semelhantes, de repente tornem-se agressivas dentro de um automóvel?

- Aqueles poucos metros de asfalto à frente valem o risco de uma ultrapassagem?

- O que aquele pequeno território conquistado, retirado de outra pessoa, está

representando para aquele indivíduo?

Na verdade, estamos em um ponto da civilização único da nossa história.

Nunca antes um número tão grande de pessoas teve em suas mãos o controle de

artefatos tão poderosos quanto os veículos automotores.

Com o avanço econômico e a evolução da indústria, o índice de motorização foi às

alturas.

Isso significa que todas aquelas pessoas estressadas, vivendo apinhadas e em diversas

situações em que se sentem compelidas a competir, e que antes no máximo podiam dar

um empurrãozinho em alguém, agora estão atrás do volante de um objeto que pode ter

algumas toneladas, deslocando-se a grandes velocidades e com o superego de férias.

Assustador, não é?




Mais perguntas do que respostas


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                                              APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE 

Vocês devem estar percebendo que temos muito mais perguntas a fazer do que

respostas a dar. Mas é assim que construiremos conhecimento e que chegaremos a

compreender o trânsito a ponto de influir sobre ele de maneira positiva e conseqüente.

É sabido que os jovens estão entre os principais grupos de vítimas no trânsito.

Vamos pensar um pouco no perfil desse público.

Se muitos adultos podem ser descritos como aqueles animais territoriais e competitivos

de que já falamos, na faixa etária mais jovem estas características podem aparecer de

forma exacerbada.

Nossa sociedade tem diversas rachaduras e está fazendo água em muitos pontos.

Entre diversas nações indígenas, assim como em epopeias medievais e em todas as

culturas, os jovens enfrentam os ritos de passagem nos quais precisam demonstrar

coragem, resistência, agilidade para então serem aceitos no mundo dos adultos.

Sossegam, após, pois não tem mais contestado seu lugar na comunidade.

Já a nossa sociedade falha nesse quesito tão básico.

Para ascender ao mundo dos adultos maduros, seguros de si, que muitas vezes o jovem

enxerga mais nos comerciais de TV do que em casa, ele sente que precisa se provar. A

necessidade de crescer, de virar adulto é um imperativo, e se a sociedade não fornecer

um rito de passagem, ele e seu grupo de amigos criarão um.

Se for para demonstrar bravura, coragem, por que não “roletar”, isso é, atravessar em

alta velocidade o semáforo vermelho de um cruzamento de madrugada, correndo o risco

– bem concreto – de se chocar contra outro veículo, matando-se ou, pior ainda, matando

os ocupantes do outro veículo, que nada têm a ver com seus problemas existenciais

juvenis?

É claro que há outros ritos de passagem bem mais saudáveis – o problema é que eles

não dão conta do grande número de jovens que buscam um lugar ao sol. Há o esporte,


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por exemplo, que consagra um número pequeno de eleitos. Ritos de passagem de

gerações anteriores, como o casamento e a paternidade ou maternidade, já não

traduzem mais as modernas necessidades de afirmação dos jovens.

Voltamos assim às perguntas iniciais.

- É possível salvar a vida de outra pessoa?

- Ou será que somente nós mesmos temos o poder de preservar nossa própria vida?

Essas questões não são filosofia abstrata.

Elas fazem parte do nosso dia a dia e é urgente descobrir respostas práticas para elas.

O que pode a autoridade de trânsito fazer diante de uma realidade social e psicológica

tão complexa?




Como se muda um paradigma

Quando        crescemos         vendo   as   mesmas   situações   repetidas     infinitas     vezes,

desenvolvemos a convicção de que elas são imutáveis.

Agimos sempre do mesmo modo, sem questionar, porque aquele comportamento se

cristalizou em um paradigma.

Muitas vezes, a situação que originou aquele comportamento já se modificou, não mais

existe, mas seguimos inconscientemente repetindo-o sempre e sempre.

Perdemos a conexão entre causa e consequência e, com ela, o desejo de experimentar,

de pensar em novas formas de agir.

Estamos em uma sociedade onde muitos adultos querem ser vistos como jovens e

adotam posturas adolescentes. Ora, a velocidade está relacionada à agilidade, à força, à

potência – diversas características que correspondem a um paradigma da juventude.


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É instigante observar como os comerciais de carros que exaltam o seu torque, a sua

velocidade, a sua potência, são dirigidos aos homens de meia idade ou mais velhos –

até mesmo pelo seu preço, mais de acordo com a conta bancária de quem já alcançou

estabilidade financeira do que a de quem está começando a vida agora.

Felizmente, os paradigmas, assim como surgem e se estabilizam, também podem ser

quebrados e substituídos.

A nosso ver, a grande arma para tanto é a Educação – e essa Educação está com E

maiúsculo porque se encontra muito além das aulas para identificar as placas com sinais

de trânsito. Falamos da Educação que reforça a autoestima, gera dúvidas e conflitos que

obrigam o sujeito a questionar e buscar algo de dentro de si para preencher o vazio

criado.

Se rompermos o paradigma de que o proprietário de um veículo de luxo, ao comprá-lo,

automaticamente torna-se mais atraente, mais bem-sucedido profissional e socialmente;

se mostrarmos a falsidade desta premissa, é possível que consigamos evitar que os

condutores desses veículos se sintam superiores aos ciclistas, aos pedestres ou a

qualquer um que esteja “atrapalhando” o seu caminho.

Essa Educação de que falamos, obviamente, não se limita à escola formal. É a

transmissão de um conjunto de valores que pode ser realizada pela família, pelos grupos

sociais, pela publicidade, pela arte, pelo jornalismo – onde quer que haja oportunidade.

É aí que começa a aparecer o espaço de ação do gestor público de trânsito.

Ao assumir seu papel como autoridade instituída pela própria sociedade para defendê-

la, ele não deixa de estar investido de um papel parental – torna-se algo mais forte do

que o indivíduo, com poder de guiá-lo e de corrigi-lo quando se afastar do caminho

correto.




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Ele é também aquele que orienta e informa, colaborando para a Educação, através de

ações públicas, campanhas publicitárias, fiscalização, desenvolvimento de diálogos

produtivos, como este Congresso do qual estamos participando.

É curioso observar como a sociedade enxerga seu próprio comportamento.

Em ampla pesquisa realizada pelo Detran/RS, constatou-se que, de modo geral, o

gaúcho considera que os motoristas do RS são agressivos, mal-educados e dirigem

perigosamente.

Paradoxalmente, porém, a grande maioria declarou-se um bom motorista.

Essa cegueira na auto-avaliação é muito significativa e não deixa de relacionar-se com o

que falávamos anteriormente sobre os adultos imaturos. Tal como as crianças que

escondem o vaso quebrado atrás das costas dizendo que não fizeram nada de errado,

quando questionados, os condutores, em sua maioria, apontaram o dedo para o outro

motorista - aquele anônimo que é a causa de todos os problemas.




A culpa é do outro

Quando exigimos de uma criança ou de um adolescente que assuma tarefas acima de

suas forças, estamos, a um só tempo: tornando-o inseguro de seu real potencial; alguém

que tem medo de se afirmar e, de quebra, muito possivelmente, um mentiroso e alguém

que evita assumir responsabilidades.

Em vez de ter tido a experiência emocionante de crescer e sentir o prazer de se

desenvolver, ele verá cada novidade que se apresentar como mais uma possibilidade de

fracasso.

Nesse contexto, a autocrítica resulta seriamente prejudicada.




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O indivíduo erra, mas não enxerga seu erro; por outro lado, vê as falhas dos outros com

lente de aumento e chama a atenção para elas, pois assim se sente aliviado em sua

baixa autoestima.

Além de triste, a realidade descrita acima é perigosa. Impede o condutor de melhorar

seu comportamento no trânsito, pois a culpa dos acidentes é sempre a imperícia ou a

imprudência - do outro.

Ele acha que a lei de trânsito e a fiscalização devem ser muito mais rígidas, mas quando

é pego em uma blitz se considera sempre um injustiçado.

Acha um absurdo dirigir alcoolizado, mas não vê problema em ele próprio pegar o

volante após dois ou três copos de vinho.

- Como romper este círculo vicioso que constitui outro paradigma?

- Como dar a cada um a sua própria responsabilidade?

- Como aumentar a autoestima desse cidadão, para que ele se sinta suficientemente

forte e capaz para assumir suas próprias falhas, primeiro passo para corrigi-las?




Só um pouquinho

E já que estamos falando de paradigmas e de crenças arraigadas, uma muito comum é

a do comportamento caricatural.

Explico: muitos condutores questionam regras como o limite de velocidade, por exemplo.

Dizem que de fato passaram a 90 km/h onde a placa limitava a 80, mas o que são dez

km/h a mais?

Nada!

Declaram-se cidadãos cumpridores das leis, que não correm, e jamais passariam ali a

120 ou 130 km/h. Estão de fato convencidos de que trafegar a 80 ou a 90 km/h é o

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mesmo, e mostram-se surpreendidos quando confrontados com as leis da Física

correspondentes, como a diferença do espaço de frenagem necessário.

Isso se dá porque é muito mais fácil absorver uma ideia quando ela nos é apresentada

de forma exagerada, caricatural.

Assim, o motorista perigoso e infrator é costumeiramente mostrado como alguém que

passa cantando pneus, caindo para fora das curvas, em altíssima velocidade.

É claro que esse motorista é perigoso – só que ele não é o único potencial causador de

acidentes. O pai de família que se julga bem-comportado no trânsito e passa a 90 onde

o limite era 80 km/h também não conseguirá frear a tempo de evitar um atropelamento –

e ficará sinceramente surpreso quando isso acontecer.

O mesmo se aplica ao uso de álcool.

Quem bebe um pouco tem suas capacidades para conduzir um pouco prejudicadas,

quem bebe muito estará prejudicado proporcionalmente – mas quem bebeu “só um

pouquinho” já é um causador de acidentes em potencial, apenas não está convencido

disso até que a tragédia aconteça.

- Como romper esse paradigma do “só um pouco não faz mal”, do “não dá nada”, do “eu

me garanto”?




Substituindo paradigmas

Especialistas dizem que precisamos de certezas para viver – sem parâmetros para nos

guiar, sentimo-nos frágeis e perdidos.

Para o psíquico, porém, se a crença corresponde à realidade ou não, pouco importa – o

que vale é a intensidade com que adotamos nossos próprios paradigmas.




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Depreende-se daí que adotar uma ideia correta é tão possível quanto uma equivocada,

criar um bom hábito exige a mesma energia do que criar um mau hábito.

A dificuldade está em substituir uma crença ou um hábito nocivo, depois que ele se

instalou.

Se o rapaz crê que terá mais sucesso com as meninas se fizer acrobacias com a moto,

e se depois de realizá-las diversas vezes sem acidentar-se ainda ganhar a admiração

dos outros rapazes e sair dali com a menina mais bonita que estava assistindo ao racha,

pode-se ter certeza que vai ser muito difícil convencê-lo de que está errado.

Toda essa equação deve ser impedida de formar-se.

Se as autoridades conseguirem evitar os rachas, se as meninas considerarem esses

rapazes exibicionistas patéticos, esse comportamento deixará de ser reforçado e

tenderá a desaparecer.

Vê-se claramente, assim, como o problema precisa ser atacado em várias frentes – e a

aceitação ou o repúdio social de algumas atitudes são muito poderosos, principalmente

para os jovens, que são por sua natureza mais dependentes do apoio do grupo.




Nunca me aconteceu nada

Os diversos imprudentes, muitas vezes considerados “sortudos”, que circulam por aí

dando trabalho a seus anjos da guarda, são outros tantos portadores de paradigmas

nocivos.

Têm muita fé na repetição de comportamentos, desprezando as leis das probabilidades.

É o taxista que usa o cinto de segurança solto para enganar a fiscalização – “sempre

usei assim e nunca me aconteceu nada”;




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É o colega que entra todo dia “só meia quadrinha na contramão para chegar em casa,

isso não dá nada”, etc.

Esquecem que um único acidente, uma vez só, pode ser irreversível.

É outro paradigma que necessita ser questionado e rompido.




Finalizando esta apresentação, gostaria de falar um pouco sobre




As nossas Ideias que Salvam Vidas

Convencido de que uma problemática tão complexa exige um amplo leque de

abordagens, o Governo do Estado debruçou-se seriamente sobre o tema, e para tanto

criou uma instância específica.

Ao mesmo tempo em que, a partir da orientação da ONU, trabalhamos para implantação

da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, o Rio Grande do Sul criou seu Comitê

Estadual pela Segurança no Trânsito, coordenado pelo Vice-Governador do Estado e

com uma política integrada de ações, a fim de evitar o desperdício de recursos e

potencializando assim os resultados.

Em pouco tempo, construiu-se uma política estadual de trânsito, discutida em todas as

plenárias regionais e culminando, recentemente, na inclusão do tema nas consultas

populares do gabinete digital.

Neste curto período de gestão frente ao Detran, implantamos um de nossos mais

importantes projetos que salvam vidas, a Operação Balada Segura.

Exemplo da transversalidade das ações de diversos órgãos, onde o departamento de

trânsito atuou como um aglutinador de competências, com a participação da Empresa

Pública de Transportes do Município, a Brigada Militar e a Polícia Civil de nosso Estado,


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mais o apoio do Conselho Estadual de Trânsito, em apenas um ano de atuação em

Porto Alegre conseguimos reduzir em 33% o número de vítimas fatais em acidentes.

Hoje, mais seis municípios em todo o Estado já estão comprometidos com essa

proposta.

A Operação Viagem Segura leva a mesma ideia de união institucional às rodovias de

nosso Estado, a partir de um estudo de identificação dos pontos de maior índice de

ocorrências de acidentes nos últimos cinco anos. Agregando a Polícia Rodoviária

Federal e a Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul, ao ser implantada nos

feriadões, obteve expressivos resultados, como por exemplo o último feriado de Páscoa,

que registrou a redução em 46% no número de vítimas fatais em relação ao mesmo
feriado do ano anterior.

Sabemos que a educação é uma tarefa complexa, que vai muito além da sala de aula, e

para disseminar valores voltados à preservação da vida estamos investindo em

campanhas de comunicação voltadas a públicos específicos, como idosos e jovens, dois

dos principais grupos de risco.

Vemos também como educativo evitar a sensação de impunidade na sociedade, e para

tanto ampliamos significativamente o número de Processos de Suspensão do Direito de

Dirigir, inclusive indo atrás dos mais renitentes, com o decisivo apoio da Brigada Militar,

que foi à casa do condutor infrator entregar uma última notificação.

Mais de 70% destes quase 11 mil condutores passaram desde então pela reciclagem, e
os demais tiveram seus processos encaminhados ao Ministério Público Estadual, outro

agente imprescindível na materialização dos nossos projetos, que se colocou desde a

primeira hora como parceiro fundamental nesta operação pela proteção da vida.

Quando se fala em jovens no trânsito, não podemos deixar de ter atenção especial com

os motociclistas.




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Parcela mais vulnerável do trânsito, para este público, o Detran/RS costurou algumas

parcerias e, junto com o Sindicato dos Motociclistas Profissionais, lançou o Guia dos

Motociclistas, amplamente distribuído e disponível para download no site do Detran/RS.

Mas isto foi só o começo.

Desenvolvemos diversos outros projetos direcionados aos motociclistas.

Levamos ao encontro da Associação Nacional dos Detrans uma proposta de alteração

na legislação que orienta a formação dos motociclistas.

Pelos dados da acidentalidade, percebemos que a atual proposta de formação dos

condutores de categoria A está aquém da realidade a ser enfrentada no dia a dia dos

novos habilitados.

É necessário repensarmos e aprofundarmos o processo de formação do condutor de

motocicletas e principalmente, que parte deste aprendizado se dê efetivamente no

espaço vivencial.

Ainda falando em legislação, o Código de Trânsito Brasileiro, em vigor já há 15 anos,

preconiza a divisão de responsabilidades pela segurança no trânsito entre várias

instâncias, definindo e ampliando as prerrogativas dos Municípios.

Na prática, porém, somente agora um número expressivo de municipalidades organizou-

se para obter a homologação de sua inclusão no Sistema Nacional de Trânsito. Isso

porque, pela primeira vez, o Estado ofereceu um expressivo apoio para viabilizar este

processo, através do nosso Conselho Estadual de Trânsito, o Cetran/RS, com a

participação do Detran/RS.

Em apenas 15 meses, o número de municípios integrados saltou de 186 para 316, o que

coloca o Estado do Rio Grande do Sul em primeiro lugar no ranking nacional. Na prática,

é mais um passo decisivo rumo ao fim da sensação de impunidade que vem

estimulando os maus condutores a dirigir de forma irresponsável.



CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO                                  ALESSANDRO BARCELLOS    16
                                            APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE 

Enquanto Departamento Estadual de Trânsito, órgão executivo do Sistema de Trânsito e

anfitrião neste evento que marca uma trajetória de 15 anos, lançamos todas essas ideias

para trazer nossa contribuição ao debate.

Temos consciência de que tudo que foi realizado não basta, e agora temos que pensar

em tudo o que ainda há para ser feito. É preciso avançar muito mais.

Novas pontes e parcerias podem e devem ser construídas.

É isso que podemos concretizar em momentos de reflexão coletiva como este

Congresso.

Não precisamos discorrer sobre o que está dando certo, mas sim aperfeiçoar o que está

dando resultado e atacar suas limitações.

Confiamos na multitude de formações e de experiências reunidas nesta plateia. Temos

aqui representantes dos mais variados ramos do conhecimento e nossa esperança é

que, do diálogo, possamos extrair sugestões de ações concretas a serem

implementadas.

Este Congresso é um convite à ousadia dos pensadores da área de trânsito e uma

interface com a sociedade.

Encerro esta minha singela contribuição dizendo a todos vocês:

Enquanto houver uma morte no trânsito que poderia ter sido evitada, a nossa luta

continuará!

Obrigado.

 




CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO                                    ALESSANDRO BARCELLOS    17

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  • 1.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Ideias que salvam vidas O que é capaz de salvar uma vida? Em janeiro de 2011, demos início à atual gestão do Detran do Estado do Rio Grande do Sul. Dentre as diversas iniciativas que tomamos, talvez uma das mais interessantes tenha sido uma viagem técnica à Europa. Muitas viagens são necessárias para que se conheçam novas experiências. O diferencial desta nossa viagem, porém, foi o objetivo: contatar pessoas e conhecer projetos muito importantes. Não qualquer pessoa ou qualquer projeto, mas pessoas e projetos que salvaram vidas. Conhecemos experiências, conversamos com gestores, técnicos, cientistas e nos impactamos com aquilo que parecia ser impossível: alterar o rumo de uma funesta tendência. Como já disse ontem, na abertura deste Congresso, desfrutamos da rica experiência de projetos magníficos, não só por suas complexas simplicidades, mas pelo estrondoso resultado que alcançaram, e a partir de então, não descansamos um minuto sequer enquanto não concretizamos a vinda para Porto Alegre, para o Rio Grande e para o Brasil de um pouco de tudo isso que vimos. Para enriquecer o nosso debate, abrir as nossas mentes e nos trazer a certeza de que sim, é possível inverter a lógica perversa que as estatísticas de trânsito estão nos apresentando a cada avaliação dos dados de acidentalidade no nosso país. Repito agora uma pergunta que nos move: - Afinal, o que é capaz de salvar uma vida? CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  1
  • 2.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Para mostrar que algumas respostas excepcionais já foram dadas a esta mesma pergunta, o Detran gaúcho organizou este Congresso Internacional de Trânsito trazendo de três continentes e de alguns locais aqui mesmo do Brasil pessoas comuns, iguais a nós, mas muito especiais, porque acreditaram que era possível, e não se deixaram levar pelas tendências das estatísticas, mas que tiveram coragem, força e inteligência para inverter estas trágicas curvas ascendentes do número de vítimas do trânsito. São projetos que foram transformados em realidades salvadoras e se traduziram de forma concreta em um grande número de vidas preservadas. Campanhas publicitárias, modelos de gestão, formas de fiscalização, trabalhos de educação são alguns dos instrumentos de que essas ideias se valeram para surtir um efeito além do projetado, transformando-se em casos de sucesso. O Detran gaúcho tem uma história de 15 anos a comemorar neste Congresso. Muito embora não tenhamos agentes especiais de fiscalização, cientistas renomados ou pesquisadores em tempo integral, por sua posição no Sistema de Trânsito do Estado, o Detran pode assumir o papel de aglutinador de todas estas competências - algo como um facilitador, intermediando possibilidades de soluções para a problemática do trânsito. Acreditamos que o papel de um Departamento de Trânsito Estadual esteja pautado não apenas na sua finalidade cartorial, cuidando da organização documental dos condutores e da frota de veículos, mas principalmente na sua capacidade de reunir todos os atores envolvidos com a circulação, fiscalização, formação e conscientização de cada homem e de cada mulher - idosos, crianças, condutores ou pedestres que de alguma forma participam e compõem o sistema de trânsito, sendo assim protagonistas de uma nova realidade. O momento é propício, visto que hoje, no Rio Grande do Sul, trânsito passou a ser um tema central na gestão do atual governo. Em vez de submergir no discurso da fatalidade, de aceitação da acidentalidade como algo inerente ao trânsito, construímos um novo olhar sobre a gestão do trânsito. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  2
  • 3.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  O Brasil é um país em desenvolvimento, cuja economia em franca expansão busca a concretização daquilo que alguns chamam de igualdade material. Muito mais gente hoje adquire seu veículo próprio e a consequência é a explosão das vias públicas, incapazes de absorver uma frota que cresce exponencialmente. Isso nos obriga a colocar o trânsito na pauta de reflexões, no polo oposto ao da alienação que ainda predomina nesta área. - Mas como criar a consciência de que um veículo mal utilizado pode se transformar em uma arma e que o sonho da mobilidade prática, ágil e confortável pode se transformar no pesadelo da carnificina? De fato, a epidemia mundial de acidentes de trânsito, que levou a ONU, através da Organização Mundial de Saúde, a propor uma Década de Ação pela Segurança no Trânsito, atingiu proporções inaceitáveis. Sentimos que o nosso conhecimento sobre esta questão não acompanha o crescimento do problema, que não estanca por si e que assume proporções constrangedoras frente à nossa capacidade de resolvê-lo. É como uma vacina, que reduz o número de doentes, mas está sempre atrasada em relação à velocidade de mutação do vírus. Precisamos, então, arregimentar todas as forças vivas da sociedade para essa luta, operando em diversas frentes ao mesmo tempo, com seriedade, com firmeza, com coragem e determinação. Não podemos nos dar ao prazer do descanso. Não podemos nos dar ao luxo de parar para contemplar o trabalho já realizado. Cada segundo nesta batalha é importante e os dois dias dedicados a esta conferência serão fundamentais para aprofundarmos a nossa luta, reabastecermos as nossas convicções e dividirmos o que de melhor está sendo feito no combate à violência e às mortes no trânsito. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  3
  • 4.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Primeiramente, é preciso compreender os fenômenos sociais e psicológicos que estão envolvidos nesta temática. Se começarmos pela unidade mais simples da pergunta levantada anteriormente: – O que é capaz de salvar uma vida? , pensaremos no impulso vital que existe dentro de cada um de nós. Alguns cientistas dirão que a preservação da vida já nasce gravada em nosso DNA. Já nascemos lutando para sobreviver. Outros poderão dizer que trazemos em nosso inconsciente coletivo uma cultura construída de geração em geração pela raça humana, tendo como objetivo maior nos manter vivos. Biólogos falarão em preservação da espécie e psicólogos, em impulsos de morte e de vida. Todos concordarão, porém, em um ponto: - o indivíduo saudável busca preservar sua própria vida. Preservar a vida, portanto, é algo normal. É natural. Toda essa lógica, no entanto, desmorona quando observamos o comportamento arriscado adotado por muitas pessoas no trânsito. - Serão todas elas portadoras de alguma patologia emocional? - Nossa sociedade como um todo está doente? Já nem falamos, em relação a essas pessoas, em proteger os seus semelhantes, mas apenas em proteger a si próprias. - Que grau de risco elas estão dispostas a correr? - Compreendem estas pessoas que estão se colocando em situações de risco? CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  4
  • 5.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Se aprofundarmos um pouco mais essa análise, veremos que as respostas são muitas. Deixemos para outro momento os casos verdadeiramente patológicos e suicidas. Vamos focar naquele amigo, tio ou vizinho que todos temos e que, por sua conduta, torna-se um perigo no trânsito. Possivelmente ele possa ter a percepção do risco alterada pelos mais diversos motivos, desde a ingestão de álcool até a excessiva confiança nas próprias habilidades ou nas características do veículo. O fato é que, quando os riscos são subavaliados, as chances de haver uma tragédia crescem, e muito. - Mas por que tantas pessoas estão dispostas a correr algum grau de perigo? O instinto de competição A competição pode ser considerada algo tão natural quanto a preservação da vida e, por muito tempo, confundiu-se com ela. Nossos antepassados das cavernas lutavam contra as feras numa competição para preservar a própria vida, e em seguida competiam entre si. Na medida em que a civilização foi-se construindo, as lutas foram sendo sublimadas e assim nasceram os esportes de competição e os concursos. Em vez de pauladas na cabeça, a meritocracia de um vestibular ou de um Oscar. Parece civilizado, mas nem sempre estas artimanhas da evolução dão conta de uma parcela ainda selvagem que habita escondida em cada um de nós. Quando há espaço para todos, e não há conflitos na ocupação do mesmo, o problema parece não existir. - Mas e quando o espaço começa a tornar-se exíguo? CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  5
  • 6.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  É sabido que os cães são bons guardas da casa do dono porque a identificam com seu próprio território e por isso o defendem. Experimentos demonstram também que mesmo animais acostumados à vida em bandos, quando colocados em grupos excessivamente grandes e em ambientes restritos, tornam-se estressados e, na sequência, agressivos a ponto de eliminar os membros mais fracos da colônia. - Estaremos agindo da mesma forma no trânsito congestionado das grandes cidades e das rodovias? - O que explicaria que pessoas aparentemente pacientes e educadas em relação a seus semelhantes, de repente tornem-se agressivas dentro de um automóvel? - Aqueles poucos metros de asfalto à frente valem o risco de uma ultrapassagem? - O que aquele pequeno território conquistado, retirado de outra pessoa, está representando para aquele indivíduo? Na verdade, estamos em um ponto da civilização único da nossa história. Nunca antes um número tão grande de pessoas teve em suas mãos o controle de artefatos tão poderosos quanto os veículos automotores. Com o avanço econômico e a evolução da indústria, o índice de motorização foi às alturas. Isso significa que todas aquelas pessoas estressadas, vivendo apinhadas e em diversas situações em que se sentem compelidas a competir, e que antes no máximo podiam dar um empurrãozinho em alguém, agora estão atrás do volante de um objeto que pode ter algumas toneladas, deslocando-se a grandes velocidades e com o superego de férias. Assustador, não é? Mais perguntas do que respostas CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  6
  • 7.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Vocês devem estar percebendo que temos muito mais perguntas a fazer do que respostas a dar. Mas é assim que construiremos conhecimento e que chegaremos a compreender o trânsito a ponto de influir sobre ele de maneira positiva e conseqüente. É sabido que os jovens estão entre os principais grupos de vítimas no trânsito. Vamos pensar um pouco no perfil desse público. Se muitos adultos podem ser descritos como aqueles animais territoriais e competitivos de que já falamos, na faixa etária mais jovem estas características podem aparecer de forma exacerbada. Nossa sociedade tem diversas rachaduras e está fazendo água em muitos pontos. Entre diversas nações indígenas, assim como em epopeias medievais e em todas as culturas, os jovens enfrentam os ritos de passagem nos quais precisam demonstrar coragem, resistência, agilidade para então serem aceitos no mundo dos adultos. Sossegam, após, pois não tem mais contestado seu lugar na comunidade. Já a nossa sociedade falha nesse quesito tão básico. Para ascender ao mundo dos adultos maduros, seguros de si, que muitas vezes o jovem enxerga mais nos comerciais de TV do que em casa, ele sente que precisa se provar. A necessidade de crescer, de virar adulto é um imperativo, e se a sociedade não fornecer um rito de passagem, ele e seu grupo de amigos criarão um. Se for para demonstrar bravura, coragem, por que não “roletar”, isso é, atravessar em alta velocidade o semáforo vermelho de um cruzamento de madrugada, correndo o risco – bem concreto – de se chocar contra outro veículo, matando-se ou, pior ainda, matando os ocupantes do outro veículo, que nada têm a ver com seus problemas existenciais juvenis? É claro que há outros ritos de passagem bem mais saudáveis – o problema é que eles não dão conta do grande número de jovens que buscam um lugar ao sol. Há o esporte, CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  7
  • 8.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  por exemplo, que consagra um número pequeno de eleitos. Ritos de passagem de gerações anteriores, como o casamento e a paternidade ou maternidade, já não traduzem mais as modernas necessidades de afirmação dos jovens. Voltamos assim às perguntas iniciais. - É possível salvar a vida de outra pessoa? - Ou será que somente nós mesmos temos o poder de preservar nossa própria vida? Essas questões não são filosofia abstrata. Elas fazem parte do nosso dia a dia e é urgente descobrir respostas práticas para elas. O que pode a autoridade de trânsito fazer diante de uma realidade social e psicológica tão complexa? Como se muda um paradigma Quando crescemos vendo as mesmas situações repetidas infinitas vezes, desenvolvemos a convicção de que elas são imutáveis. Agimos sempre do mesmo modo, sem questionar, porque aquele comportamento se cristalizou em um paradigma. Muitas vezes, a situação que originou aquele comportamento já se modificou, não mais existe, mas seguimos inconscientemente repetindo-o sempre e sempre. Perdemos a conexão entre causa e consequência e, com ela, o desejo de experimentar, de pensar em novas formas de agir. Estamos em uma sociedade onde muitos adultos querem ser vistos como jovens e adotam posturas adolescentes. Ora, a velocidade está relacionada à agilidade, à força, à potência – diversas características que correspondem a um paradigma da juventude. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  8
  • 9.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  É instigante observar como os comerciais de carros que exaltam o seu torque, a sua velocidade, a sua potência, são dirigidos aos homens de meia idade ou mais velhos – até mesmo pelo seu preço, mais de acordo com a conta bancária de quem já alcançou estabilidade financeira do que a de quem está começando a vida agora. Felizmente, os paradigmas, assim como surgem e se estabilizam, também podem ser quebrados e substituídos. A nosso ver, a grande arma para tanto é a Educação – e essa Educação está com E maiúsculo porque se encontra muito além das aulas para identificar as placas com sinais de trânsito. Falamos da Educação que reforça a autoestima, gera dúvidas e conflitos que obrigam o sujeito a questionar e buscar algo de dentro de si para preencher o vazio criado. Se rompermos o paradigma de que o proprietário de um veículo de luxo, ao comprá-lo, automaticamente torna-se mais atraente, mais bem-sucedido profissional e socialmente; se mostrarmos a falsidade desta premissa, é possível que consigamos evitar que os condutores desses veículos se sintam superiores aos ciclistas, aos pedestres ou a qualquer um que esteja “atrapalhando” o seu caminho. Essa Educação de que falamos, obviamente, não se limita à escola formal. É a transmissão de um conjunto de valores que pode ser realizada pela família, pelos grupos sociais, pela publicidade, pela arte, pelo jornalismo – onde quer que haja oportunidade. É aí que começa a aparecer o espaço de ação do gestor público de trânsito. Ao assumir seu papel como autoridade instituída pela própria sociedade para defendê- la, ele não deixa de estar investido de um papel parental – torna-se algo mais forte do que o indivíduo, com poder de guiá-lo e de corrigi-lo quando se afastar do caminho correto. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  9
  • 10.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Ele é também aquele que orienta e informa, colaborando para a Educação, através de ações públicas, campanhas publicitárias, fiscalização, desenvolvimento de diálogos produtivos, como este Congresso do qual estamos participando. É curioso observar como a sociedade enxerga seu próprio comportamento. Em ampla pesquisa realizada pelo Detran/RS, constatou-se que, de modo geral, o gaúcho considera que os motoristas do RS são agressivos, mal-educados e dirigem perigosamente. Paradoxalmente, porém, a grande maioria declarou-se um bom motorista. Essa cegueira na auto-avaliação é muito significativa e não deixa de relacionar-se com o que falávamos anteriormente sobre os adultos imaturos. Tal como as crianças que escondem o vaso quebrado atrás das costas dizendo que não fizeram nada de errado, quando questionados, os condutores, em sua maioria, apontaram o dedo para o outro motorista - aquele anônimo que é a causa de todos os problemas. A culpa é do outro Quando exigimos de uma criança ou de um adolescente que assuma tarefas acima de suas forças, estamos, a um só tempo: tornando-o inseguro de seu real potencial; alguém que tem medo de se afirmar e, de quebra, muito possivelmente, um mentiroso e alguém que evita assumir responsabilidades. Em vez de ter tido a experiência emocionante de crescer e sentir o prazer de se desenvolver, ele verá cada novidade que se apresentar como mais uma possibilidade de fracasso. Nesse contexto, a autocrítica resulta seriamente prejudicada. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  10
  • 11.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  O indivíduo erra, mas não enxerga seu erro; por outro lado, vê as falhas dos outros com lente de aumento e chama a atenção para elas, pois assim se sente aliviado em sua baixa autoestima. Além de triste, a realidade descrita acima é perigosa. Impede o condutor de melhorar seu comportamento no trânsito, pois a culpa dos acidentes é sempre a imperícia ou a imprudência - do outro. Ele acha que a lei de trânsito e a fiscalização devem ser muito mais rígidas, mas quando é pego em uma blitz se considera sempre um injustiçado. Acha um absurdo dirigir alcoolizado, mas não vê problema em ele próprio pegar o volante após dois ou três copos de vinho. - Como romper este círculo vicioso que constitui outro paradigma? - Como dar a cada um a sua própria responsabilidade? - Como aumentar a autoestima desse cidadão, para que ele se sinta suficientemente forte e capaz para assumir suas próprias falhas, primeiro passo para corrigi-las? Só um pouquinho E já que estamos falando de paradigmas e de crenças arraigadas, uma muito comum é a do comportamento caricatural. Explico: muitos condutores questionam regras como o limite de velocidade, por exemplo. Dizem que de fato passaram a 90 km/h onde a placa limitava a 80, mas o que são dez km/h a mais? Nada! Declaram-se cidadãos cumpridores das leis, que não correm, e jamais passariam ali a 120 ou 130 km/h. Estão de fato convencidos de que trafegar a 80 ou a 90 km/h é o CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  11
  • 12.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  mesmo, e mostram-se surpreendidos quando confrontados com as leis da Física correspondentes, como a diferença do espaço de frenagem necessário. Isso se dá porque é muito mais fácil absorver uma ideia quando ela nos é apresentada de forma exagerada, caricatural. Assim, o motorista perigoso e infrator é costumeiramente mostrado como alguém que passa cantando pneus, caindo para fora das curvas, em altíssima velocidade. É claro que esse motorista é perigoso – só que ele não é o único potencial causador de acidentes. O pai de família que se julga bem-comportado no trânsito e passa a 90 onde o limite era 80 km/h também não conseguirá frear a tempo de evitar um atropelamento – e ficará sinceramente surpreso quando isso acontecer. O mesmo se aplica ao uso de álcool. Quem bebe um pouco tem suas capacidades para conduzir um pouco prejudicadas, quem bebe muito estará prejudicado proporcionalmente – mas quem bebeu “só um pouquinho” já é um causador de acidentes em potencial, apenas não está convencido disso até que a tragédia aconteça. - Como romper esse paradigma do “só um pouco não faz mal”, do “não dá nada”, do “eu me garanto”? Substituindo paradigmas Especialistas dizem que precisamos de certezas para viver – sem parâmetros para nos guiar, sentimo-nos frágeis e perdidos. Para o psíquico, porém, se a crença corresponde à realidade ou não, pouco importa – o que vale é a intensidade com que adotamos nossos próprios paradigmas. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  12
  • 13.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Depreende-se daí que adotar uma ideia correta é tão possível quanto uma equivocada, criar um bom hábito exige a mesma energia do que criar um mau hábito. A dificuldade está em substituir uma crença ou um hábito nocivo, depois que ele se instalou. Se o rapaz crê que terá mais sucesso com as meninas se fizer acrobacias com a moto, e se depois de realizá-las diversas vezes sem acidentar-se ainda ganhar a admiração dos outros rapazes e sair dali com a menina mais bonita que estava assistindo ao racha, pode-se ter certeza que vai ser muito difícil convencê-lo de que está errado. Toda essa equação deve ser impedida de formar-se. Se as autoridades conseguirem evitar os rachas, se as meninas considerarem esses rapazes exibicionistas patéticos, esse comportamento deixará de ser reforçado e tenderá a desaparecer. Vê-se claramente, assim, como o problema precisa ser atacado em várias frentes – e a aceitação ou o repúdio social de algumas atitudes são muito poderosos, principalmente para os jovens, que são por sua natureza mais dependentes do apoio do grupo. Nunca me aconteceu nada Os diversos imprudentes, muitas vezes considerados “sortudos”, que circulam por aí dando trabalho a seus anjos da guarda, são outros tantos portadores de paradigmas nocivos. Têm muita fé na repetição de comportamentos, desprezando as leis das probabilidades. É o taxista que usa o cinto de segurança solto para enganar a fiscalização – “sempre usei assim e nunca me aconteceu nada”; CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  13
  • 14.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  É o colega que entra todo dia “só meia quadrinha na contramão para chegar em casa, isso não dá nada”, etc. Esquecem que um único acidente, uma vez só, pode ser irreversível. É outro paradigma que necessita ser questionado e rompido. Finalizando esta apresentação, gostaria de falar um pouco sobre As nossas Ideias que Salvam Vidas Convencido de que uma problemática tão complexa exige um amplo leque de abordagens, o Governo do Estado debruçou-se seriamente sobre o tema, e para tanto criou uma instância específica. Ao mesmo tempo em que, a partir da orientação da ONU, trabalhamos para implantação da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, o Rio Grande do Sul criou seu Comitê Estadual pela Segurança no Trânsito, coordenado pelo Vice-Governador do Estado e com uma política integrada de ações, a fim de evitar o desperdício de recursos e potencializando assim os resultados. Em pouco tempo, construiu-se uma política estadual de trânsito, discutida em todas as plenárias regionais e culminando, recentemente, na inclusão do tema nas consultas populares do gabinete digital. Neste curto período de gestão frente ao Detran, implantamos um de nossos mais importantes projetos que salvam vidas, a Operação Balada Segura. Exemplo da transversalidade das ações de diversos órgãos, onde o departamento de trânsito atuou como um aglutinador de competências, com a participação da Empresa Pública de Transportes do Município, a Brigada Militar e a Polícia Civil de nosso Estado, CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  14
  • 15.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  mais o apoio do Conselho Estadual de Trânsito, em apenas um ano de atuação em Porto Alegre conseguimos reduzir em 33% o número de vítimas fatais em acidentes. Hoje, mais seis municípios em todo o Estado já estão comprometidos com essa proposta. A Operação Viagem Segura leva a mesma ideia de união institucional às rodovias de nosso Estado, a partir de um estudo de identificação dos pontos de maior índice de ocorrências de acidentes nos últimos cinco anos. Agregando a Polícia Rodoviária Federal e a Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul, ao ser implantada nos feriadões, obteve expressivos resultados, como por exemplo o último feriado de Páscoa, que registrou a redução em 46% no número de vítimas fatais em relação ao mesmo feriado do ano anterior. Sabemos que a educação é uma tarefa complexa, que vai muito além da sala de aula, e para disseminar valores voltados à preservação da vida estamos investindo em campanhas de comunicação voltadas a públicos específicos, como idosos e jovens, dois dos principais grupos de risco. Vemos também como educativo evitar a sensação de impunidade na sociedade, e para tanto ampliamos significativamente o número de Processos de Suspensão do Direito de Dirigir, inclusive indo atrás dos mais renitentes, com o decisivo apoio da Brigada Militar, que foi à casa do condutor infrator entregar uma última notificação. Mais de 70% destes quase 11 mil condutores passaram desde então pela reciclagem, e os demais tiveram seus processos encaminhados ao Ministério Público Estadual, outro agente imprescindível na materialização dos nossos projetos, que se colocou desde a primeira hora como parceiro fundamental nesta operação pela proteção da vida. Quando se fala em jovens no trânsito, não podemos deixar de ter atenção especial com os motociclistas. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  15
  • 16.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Parcela mais vulnerável do trânsito, para este público, o Detran/RS costurou algumas parcerias e, junto com o Sindicato dos Motociclistas Profissionais, lançou o Guia dos Motociclistas, amplamente distribuído e disponível para download no site do Detran/RS. Mas isto foi só o começo. Desenvolvemos diversos outros projetos direcionados aos motociclistas. Levamos ao encontro da Associação Nacional dos Detrans uma proposta de alteração na legislação que orienta a formação dos motociclistas. Pelos dados da acidentalidade, percebemos que a atual proposta de formação dos condutores de categoria A está aquém da realidade a ser enfrentada no dia a dia dos novos habilitados. É necessário repensarmos e aprofundarmos o processo de formação do condutor de motocicletas e principalmente, que parte deste aprendizado se dê efetivamente no espaço vivencial. Ainda falando em legislação, o Código de Trânsito Brasileiro, em vigor já há 15 anos, preconiza a divisão de responsabilidades pela segurança no trânsito entre várias instâncias, definindo e ampliando as prerrogativas dos Municípios. Na prática, porém, somente agora um número expressivo de municipalidades organizou- se para obter a homologação de sua inclusão no Sistema Nacional de Trânsito. Isso porque, pela primeira vez, o Estado ofereceu um expressivo apoio para viabilizar este processo, através do nosso Conselho Estadual de Trânsito, o Cetran/RS, com a participação do Detran/RS. Em apenas 15 meses, o número de municípios integrados saltou de 186 para 316, o que coloca o Estado do Rio Grande do Sul em primeiro lugar no ranking nacional. Na prática, é mais um passo decisivo rumo ao fim da sensação de impunidade que vem estimulando os maus condutores a dirigir de forma irresponsável. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  16
  • 17.   APRESENTAÇÃO ‐ PRESIDENTE  Enquanto Departamento Estadual de Trânsito, órgão executivo do Sistema de Trânsito e anfitrião neste evento que marca uma trajetória de 15 anos, lançamos todas essas ideias para trazer nossa contribuição ao debate. Temos consciência de que tudo que foi realizado não basta, e agora temos que pensar em tudo o que ainda há para ser feito. É preciso avançar muito mais. Novas pontes e parcerias podem e devem ser construídas. É isso que podemos concretizar em momentos de reflexão coletiva como este Congresso. Não precisamos discorrer sobre o que está dando certo, mas sim aperfeiçoar o que está dando resultado e atacar suas limitações. Confiamos na multitude de formações e de experiências reunidas nesta plateia. Temos aqui representantes dos mais variados ramos do conhecimento e nossa esperança é que, do diálogo, possamos extrair sugestões de ações concretas a serem implementadas. Este Congresso é um convite à ousadia dos pensadores da área de trânsito e uma interface com a sociedade. Encerro esta minha singela contribuição dizendo a todos vocês: Enquanto houver uma morte no trânsito que poderia ter sido evitada, a nossa luta continuará! Obrigado.   CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRÂNSITO  ALESSANDRO BARCELLOS  17