O documento discute como o capitalismo gerou ansiedades culturais representadas por monstros como Frankenstein e zumbis. O capital é comparado a um vampiro que suga a vida dos trabalhadores. Criaturas monstruosas simbolizam os riscos à integridade corporal em uma sociedade onde a sobrevivência depende da venda da força de trabalho. Zumbis representam preocupações com a degradação ambiental e a mercantilização do corpo humano.
2. Tateandonoescuro,euencontroalgo viscoso
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Monstrum: presságio divino (especialmente um que
indica infortúnio), portento, sinal; forma anormal.
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Gabriel Giorgi: “Qual é o saber do monstro?”
– “As retóricas do monstruoso nos permitem ler às gramáticas
mutantes de ansiedades, repúdios, e fascinações que
atravessam as ficções culturais e a imaginação social; isso
que, como diria Foucault, define as coordenadas do proibido
e do impensável e se condensa na figuração de um corpo
irreconhecível”
– Mas o monstro também traz outro saber, o da “potência ou
capacidade de variação dos corpos, aquilo que no corpo
desafia sua própria inteligibilidade como membro de uma
espécie, de um gênero, de uma classe”
Giorgi G (2009). Política del monstruoso. Revista Iberoamericana 75, pp. 323-329.
3. Setetesessobreaculturamonstruosa
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Tese I: O corpo do monstro é um corpo cultural
– “O monstro nasce somente nessa encruzilhada metafórica, como
a encarnação de um certo momento cultural – de um tempo, um
sentimento, e um lugar” → lugar da diferença e da incerteza
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Tese II: O monstro sempre escapa
– O monstro é transformação; exemplo: as mutações da figura do
vampiro (Dracula → Nosferatu → Lestat → Bill Compton)
Cohen JJ (1996). Monster culture (seven theses). In: Cohen JJ (ed.), Monster
Theory: Reading culture. Minneapolis: University of Minnesota Press
4. Setetesessobreaculturamonstruosa
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Tese III: O monstro é o augúrio de uma crise de
categorias
– Por sua recusa em participar da ordem classificatória,
o monstro representa um limite ontológico, aparecendo
notoriamente em tempos de crise
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Tese IV: O monstro habita os portões da diferença
– Qualquer tipo de alteridade pode ser inscrita no corpo
monstruoso, mas na maioria das vezes a diferença
tende a ser cultural, política, racial, econômica, sexual.
Cohen JJ (1996). Monster culture (seven theses). In: Cohen JJ (ed.), Monster
Theory: Reading culture. Minneapolis: University of Minnesota Press
5. Setetesessobreaculturamonstruosa
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Tese V: O monstro policia as fronteiras do possível
– O monstro da proibição serve para demarcar os limites
que unificam a cultura: a bruxa, o judeu, o fruto da
miscigenação
Cohen JJ (1996). Monster culture (seven theses). In: Cohen JJ (ed.), Monster
Theory: Reading culture. Minneapolis: University of Minnesota Press
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Tese VI: O medo do monstro é,
na verdade, um tipo de desejo
– O monstro está naquele lugar
ambíguo entre o medo e a
atração
6. Setetesessobreaculturamonstruosa
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Tese VII: O monstro se encontra na eira… do
devir
“Essa coisa da escuridão me
pertence”
Cohen JJ (1996). Monster culture (seven theses). In: Cohen JJ (ed.), Monster
Theory: Reading culture. Minneapolis: University of Minnesota Press
7. O monstruoso do capital
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Como as diferentes mutações do capitalismo engendram monstruosidades?
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David MacNally: “as histórias de roubo de corpos, vampirismo, roubo de
órgãos, e economia zumbi todas representam imaginários dos riscos à
integridade corporal que são inerentes a uma sociedade na qual a
sobrevivência individual requer que vendamos nossas energias vitais às
pessoas no mercado”.
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O monstruoso, como pânico corporal, é parte da fenomenologia da vida
burguesa.
MacNally D (2011). Monsters of the Market: Zombies, Vampires and Global
Capitalism. Leiden: Brill
8. O monstruoso do capital
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Como figura do indeterminado, os monstros do capital operam dos dois
lados da ansiedade cultural – como perpetradores e como vítimas.
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Como perpetradores, temos os monstros que capturam e dissecam corpos
(vampiros, cientistas loucos, companhias farmacêuticas, ladrões de
cadáveres)
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Como vítimas, temos aquelas criaturas desfiguradas, transformadas na
vida nua, como coleções impensadas e carne, sangue, músculos e tecidos.
MacNally D (2011). Monsters of the Market: Zombies, Vampires and Global
Capitalism. Leiden: Brill
9. Frankensteineasansiedadesdotrabalhomorto
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Publicado inicialmente em 1818; normalmente se considera a edição de
1831 como a definitiva
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Frankenstein representa uma história de roubo de cadáveres, dissecações,
desmembramentos
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MacNally: Para a classe trabalhadora inglesa, os anatomistas e cirurgiões
que procuravam os corpos dos enforcados eram parte de uma conspiração
geral para degradar e oprimir os pobres tanto na vida quanto na morte
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Com a acumulação de capital na Inglaterra (cercamentos e caça às
bruxas), milhões de pessoas passam a necessitar vender suas
capacidades corporais ao mercado de trabalho
10. “Ocapitalétrabalhomorto,oqual,comoumvampiro,
viveapenasparasugarotrabalhovivo,equantomais
sobreviver,maistrabalhosugará”
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Ao buscar uma forma de descrever os horrores do capitalismo, Marx utiliza o discurso emergente
da monstruosidade
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O trabalho abstrato é também uma abstração (i.e. separação) real; para os trabalhadores, a força
de trabalho não é mais uma força vital, uma energia criativa fundamental, mas uma mercadoria,
uma coisa separável que pode ser vendida a qualquer um.
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“Como unidades idênticas e intercambiáveis de força de trabalho homogênea, as habilidades e
corpos dos trabalhadores são dissecados, fragmentados, cortados em pedaços separáveis
sujeitos à direção de uma força estrangeira, representada por uma legião de supervisores, e
embutidos em ritmos e processos de trabalho que são cada vez mais ditados por programas e
sistemas de máquinas”
MacNally D (2011). Monsters of the Market: Zombies, Vampires and Global
Capitalism. Leiden: Brill
11. Ozumbicomomonstro
contemporâneo
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O zumbi transgride a barreira entre
ser e não-ser, presença e ausência;
definidos pela perda de auto-
identidade e capacidade volitiva
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Peter Dendle: o zumbi serve para
articular ansiedades sobre a
deterioração ambiental, os conflitos
políticos, o crescimento da
sociedade de consumo, e a
mercantilização do corpo implícita
na biomedicina contemporânea
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Em “A Noite dos Mortos Vivos” (1968), os
zumbis são essencialmente americanos de
classe média; chama a atenção a estética do
espaço doméstico e o foco nas relações
humanas individuais –> o foco narrativo é
devotado em “desmantelar” a casa burguesa
do interior dos EUA
Dendle P (2007). The Zombie As a Barometer of Cultural Anxiety. In: Scott N (ed.),
Monsters and the monstrous: Myths and metaphors of enduring evil, pp. 45-57
Amsterdam: Rodopi
12. O apocalipse zumbi
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Mundos pós-apocalípticos são fantasias de libertação de um mundo em
ruínas
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O zumbi pós-11/09 não é mais uma imagem da humanidade que perdeu
sua alma e suas paixões, mas agora um monstro enfurecido, selvagem,
frenético e insaciável: é um núcleo animalista da fome e da fúria
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Dendle: “É o sinal de uma sociedade [decadente] sem um propósito
espiritual ou comunitário mais amplo, deixada aos impulsos de sua
potência sem controle e seus desejos de consumo.”
13. “Os monstros existem de verdade?
Decerto que devem existir, porque, se não
existissem, como nós poderíamos existir?”