Este artigo discute a socialização e sociabilidade da juventude. Primeiramente, aborda como a juventude é uma categoria social e histórica que varia de acordo com o contexto cultural. Em seguida, analisa as condições da juventude no Brasil, como o alto desemprego e falta de oportunidades. Por fim, discute como a identidade dos jovens é construída através de processos sociais dinâmicos e relacionais.
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Juventude e Identidade Social
1. Revista Ciências da Educação
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Maceió, ano I, vol. 02, n. 01, Abr./Jun. 2014
Juventude: Socialização e Sociabilidade.
Antonio Inacio da Silva*
neo_antonio@hotmail.com
RESUMO
Este artigo pretende refletir sobre as construções sociais da infância e da juventude
enquanto categorias históricas, sociais e culturais. Dessa forma, essas fases da vida
não podem ser pensadas como universais, à medida que se apresentam, ao mesmo
tempo, como plurais e diversas. A partir da inserção das autoras em pesquisas
nominadamente com crianças e jovens, tem sido possível observar o quanto a
realidade social define formas de ser e estar no mundo para esses sujeitos. Da mesma
forma, a sociedade e suas instituições hegemônicas, na tentativa de legitimar as
diferenças entre crianças e jovens de culturas diversas, realidades socais distintas,
condições socioeconômicas mais ou menos (des) favoráveis, entre outros aspectos,
têm evidenciado diferenças, não no sentido da produção de singularidades e de
cuidado efetivo, mas (de) marcando lugares sociais, entre os “de dentro” e os “de
fora”.
Palavras-chave: infâncias. Juventudes. Sociedade.
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* Mestrando em Ciências da Educação – CEAP/UNASUR, 2013; Pós-graduado em Dependência química
– CESMAC, 2013. Pós-graduado em Saúde da Criança e do Adolescente – UNCISAL, 2008. Graduado
em Bacharel em Enfermagem – CESMAC, 2006.
1 INTRODUÇÃO
Construir uma definição da categoria juventude não é fácil,
principalmente porque os critérios que a constituem são históricos e culturais.
Uma série de autores já se debruçou sobre o tema, trazendo importantes
contribuições, não sendo meu propósito aqui recuperar toda essa discussão.
Entendemos, como Peralva (1997), que a juventude é, ao mesmo
tempo, uma condição social e um tipo de representação. Se há um caráter
universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa
etária, nas quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças
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psicológicas, é muito variada à forma como cada sociedade, em um tempo
histórico determinado, e, no seu interior, cada grupo social vai lidar com esse
momento e representá-lo. Essa diversidade se concretiza com base nas
condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas,
valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, dentre outros
aspectos.
Construir uma noção de juventude na perspectivada diversidade implica, em
primeiro lugar, considera- la não mais presa a critérios rígidos, mas sim como
parte de um processo de crescimento mais totalizante, que ganha contornos
específicos no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos no seu
contexto social. Significa não entender a juventude como uma etapa com um
fim predeterminado, muito menos como um momento de preparação que será
superado com o chegar da vida adulta. Nessa direção, Melucci (apud Melucci&
Fabbrini, 1992) nos propõe uma outra forma de compreender a adolescência e
a juventude. Para ele, existe uma sequência temporal no curso da vida, cuja
maturação biológica faz emergir determinadas potencialidades. Nesse sentido,
é possível marcar um início da juventude, quando fisicamente se adquire a
capacidade de procriar, quando a pessoa dá sinais de ter necessidade de
menos proteção por parte da família, quando começa a assumir
responsabilidades, a buscar a independência e a dar provas de
autossuficiência, dentre outros sinais corporais e psicológicos.
Mas, para o autor, uma sequência temporal não implica
necessariamente uma evolução linear, na qual ocorra uma complexidade
crescente, com a substituição das fases primitivas pelas fases mais maduras,
de tal forma a cancelar as experiências precedentes. Melucci, ao contrário,
defende a ideia de que os fenômenos evolutivos presentes nas mudanças dos
ciclos vitais são fatos que dizem respeito a cada momento da existência,
fazendo das mudanças ou transformações uma característica estável da vida
do indivíduo.
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Assim, a adolescência não pode ser entendida como um tempo que
termina, como a fase da crise ou de trânsito entre a infância e a vida adulta,
entendida como a última meta da maturidade. Mas representa o momento do
início da juventude, um momento cujo núcleo central é constituído de
mudanças do corpo, dos afetos, das referências sociais e relacionais. Um
momento no qual se vive de forma mais intensa um conjunto de
transformações que vão estar presentes, de algum modo, ao longo da vida.
2 A condição juvenil no Brasil
Tem crescido a atenção dirigida aos jovens nos últimos anos no Brasil,
tanto por parte da “opinião pública” (notadamente os meios de comunicação de
massa) como da academia, assim como por parte de atores políticos e de
instituições, governamentais e não governamentais, que prestam serviços
sociais.
Numa primeira visão panorâmica, pode-se verificar que a maior parte
dos programas desenvolvidos por estas instituições dividem-se em dois
grandes blocos, todos eles visando dirimir ou pelo menos diminuir as
dificuldades de integração social desses adolescentes em desvantagem:
programas de ressocialização (através de educação não formal, oficinas
ocupacionais, atividades de esporte e “arte”) e programas de capacitação
profissional e encaminhamento para o mercado de trabalho (que, muitas vezes,
não passam de oficinas ocupacionais, ou seja, não logram promover qualquer
tipo de qualificação para o trabalho).
É necessário notar, porém, que em parte considerável desses
programas, apesar das boas intenções neles contidos, o que se busca,
explicita ou implicitamente, é uma contenção do risco real ou potencial desses
garotos, pelo seu “afastamento das ruas” ou pela ocupação de “suas mãos
ociosas”. Há alguns projetos preocupados com a questão da formação integral
do adolescente, na qual se inclui a sua formação para a “cidadania”, enfoque
que vem ganhando corpo mais recentemente.
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A juventude seria, pois o grupo social emblemático, com legitimidade
para assumir todas essas dimensões. Esse protagonismo da condição juvenil
não coincide, entretanto, com sua inserção sócio-econômica real onde a falta
de horizontes profissionais, as altas taxas de desemprego juvenil, a falta de
equipamentos sócio-culturais, a extensão da vacuidade, têm alimentado os
fantasmas da marginalidade, da delinquência e da possibilidade de rupturas da
ordem social.
Ainda que para vários autores (Ariès, 1981 Morin, 1969) a juventude,
enquanto segmento social específico, tenha se configurado neste século como
consequência do prolongamento do período escolar e das necessidades de
uma preparação formal para entrada na vida adulta e do trabalho, sua
visibilidade social remete a conflitualidades, principalmente urbanas, que
emergiram sob forma de rebeldias, revoltas e situações consideradas de
delinqüência.
A grosso modo, no entanto, pode-se dizer que a maior parte desses
programas está centrado na busca de enfrentamento dos “problemas sociais”
que afetam a juventude (cuja causa ou culpa se localiza na família, na
sociedade ou no próprio jovem, dependendo do caso e da interpretação), mas,
no fundo, tomando os jovens eles próprios como problemas sobre os quais é
necessário intervir, para salvá-los e reintegrá-los à ordem social.
3 Juventude – Identidades
A juventude – uma categoria inventada pelos adultos – mantém-se, mas
os seus gostos, atitudes, sonhos e sentidos tornam-se cada vez mais difíceis
de somatizar. A experiência social contemporânea marca as identidades
juvenis com um profundo desejo de viver em grupo, fazer-se na relação com o
outro. O eu é relacional e móvel para responder a uma contemporaneidade que
exige flexibilidade (Melluci, 1992).
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Se a sociedade contemporânea gera demandas amplas e complexas,
não oferece os meios para a inserção dos jovens, que fazem das práticas
culturais, formas de expressão, convivência e, por que não, bandeiras de luta.
A juventude tem-se constituído objetos de inúmeros estudos de
diferentes perspectivas. Abordagens sociológicas, psicológicas, pedagógicas,
antropológicas, analisam mudanças físicas, psicológicas e comportamentais
que ocorrem nesse momento da vida. Muitos estudos sociológicos volta-se
para problemas comuns da juventude, como abuso de álcool e drogas,
delinquência, gravidez, vida escolar, entre outros. Ou seja, circulam ideias no
cotidiano que associam a juventude à noção de crise, irresponsabilidade e
problema social e que carecem de políticas públicas. No entanto, abordagem a
juventude na normalidade do seu cotidiano é tarefa importante, caso se queira
empreender uma reflexão sobre a sociedade atual.
4 Identidades
Foi-se o tempo em que se alcançar à cidade remeteria alguém para a
liberdade prometida. Nela estaria autonomia e a livre afirmação pessoal.
Mudava-se de lugar e construía-se uma nova identidade. Para que os ares da
cidade se tivessem tornado palco de novas identidades, foi preciso pensá-la
como mediadora entre a estrutura social e a ação dos sujeitos, feita e refeita ao
sabor das mudanças.
Para Fortuna: eminentemente relacional e interativa, perante a crescente
complexidade das sociedades, a identidade moderna mostra-se contingente e
remete-nos para uma estrutura pessoal, afetiva e cognitiva que é progressiva e
continuamente (re)construída pelos sujeitos. (Fortuna, 1997: 128).
O processo de identificação não é estático e ocorre num mundo
marcado pela complexidade no qual, constantemente, precisa-se fazer
escolhas, reduzir as possibilidades e, consequentemente, aumentar a
incerteza. Aqui, novamente Melluci (1992), dizendo que a liberdade de escolha
e as possibilidades revelam que o tempo é escasso demais para tantas
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opções, e as condições materiais também não estão em sintonia com as
ofertas do mercado. Tudo isso estabelece um campo de frustrações.
A identidade é, portanto, um processo de negociação constante cujo
desafio é viver tecendo a trama da continuidade. Se a certeza escapa, a
necessidade de se tornar reflexivo e aprendente torna o presente um momento
de máximo encanto, em que a identidade se faz aqui e agora e na experiência.
Melluci (1992) considera a identidade individual uma das chaves para a
compreensão das mudanças do indivíduo em uma sociedade complexa.
Primeiro, analisa que as mudanças nas relações sociais altera interesses e
aspirações dos indivíduos; segundo, que a experiência do indivíduo participa
desse processo e o modifica.
5 Socialização e Sociabilidade
5.1 Socialização
Durkheim trouxe a clássica formulação da socialização como meio
integrador, no qual as regras sociais são transmitidas às novas gerações pelo
processo de educação. Diz que, ao nascer, o indivíduo já encontra a sociedade
pronta e constituída em suas leis. Para ele, a educação é, na verdade, um meio
pelo qual a sociedade prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais
de sua própria existência. Considerava a sociedade como um sistema formado
pela associação de indivíduos que se manifesta como um fato objetivo externo
a nós, que determina quase tudo que se faz. A sociedade nos precedeu e vidas
não passariam de um episódio na marcha do tempo.
Berger (1999) fala da socialização como um processo de internalização. O
mundo social é internalizado pela criança, mas este processo também ocorre
com o adulto cada vez que é iniciado um novo contexto social ou um novo
grupo social. Esses dois processos, Berger e Luckmann (1985) definem como
socialização primária, no primeiro caso, e socialização secundária, no segundo
caso. A sociedade não é, então, algo que existia lá, no sentido durkheimiano,
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mas parte do nosso ser mais íntimo. A sociedade não só controla nossos
movimentos como dá forma aos nossos pensamentos, identidades e emoções.
Segundo, Berger, as paredes de nosso cárcere já existiam antes de
estarmos em cena, mas nós a reconstruímos eternamente. Somos
aprisionados com nossa própria cooperação (Berger, 1999:136). Nesse sentido
Berger e Luckmann analisam a socialização como construção social, vivência
singular, seja na família, escola, trabalho, seja em qualquer instituição. Significa
movimento, pois, segundo eles, a socialização nunca é total nem está jamais
acabada. (Berger e Luckmann, 1985: 184).
5.2 Sociabilidade
Freire (1999) dizia que, onde há vida, há o inacabado, e que nossa
presença no mundo não se faz no isolamento, isenta de influências. E para
Charlot, nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender
para construir-se [...]. Aprender para viver com outros homens com quem o
mundo é partilhado (Charlot, 2000:53). Nesse sentido, a influência do meio
sobre o indivíduo humano inacabado é um processo relacional e, portanto, não
se está somente posicionado em..., mas em relação com... Aprender na
relação com o outro, viver em grupo é o grande desafio para todos.
6 Considerações Finais
A juventude é caracterizada a partir de um registro tríplice: o
reconhecimento de que se trata de uma fase da vida, a constatação de sua
existência como força social renovadora e a percepção de que vai muito além
de uma etapa cronológica, para constituir um estilo próprio de existência e de
realização do destino pessoal (cf. Foracchi, 1965, pp. 302-304).
Como etapa que antecede a maturidade, fase dramática da revelação do
eu, essencial para a formação da pessoa, a juventude corresponderia a um
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momento definitivo de descoberta da vida e da história. A mobilização dos
recursos e das potencialidades que possui depende diretamente das
alternativas abertas aos jovens por sua inserção social, pelas posições que
ocupam, pelos caminhos oferecidos para sua trajetória.
As trajetórias possíveis são estabelecidas socialmente. “Cada sociedade
constitui o jovem à sua imagem” (Idem, p. 302), ou, utilizando outra formulação,
impõe-lhe um modo de ser, que jamais poderia surgir a partir dele próprio –
cria-o (fabrica-o) como indivíduo social (cf. Castoriadis, 1982, p. 343).
Afinal, até quando a sociedade vai pré fabricar os adultos de amanhã
podando quem sabe os jovens com seus desafios e potenciais. Cabe uma
reflexão com certa profundidade e uma discussão acerca do que vemos e do
que queremos para os jovens como atores sociais.
7 REFERÊNCIAS
ARIÉS, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro Guanabara.
1981.
BERGER, Peter (1999): Perspectivas sociológicas: uma visão humanística.
Petrópolis: Vozes.
CARLOT, Bernard (2000): Da relação com o saber: elementos para uma teoria:
Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
CASTORIADIS, C. (1982), A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro,
Paz e Terra (1 ed. 1975).
FORACCHI, M. M. (1965), O estudante e a transformação da sociedade brasileira.
São Paulo, Companhia Editora Nacional.
FREIRE, Paulo (1999): Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo. Paz e Terra.
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LUCKMANN, Thomas (1985): A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes.
MELUCCI, A., FABBRINI, Anna, (1992). L’etàdell’oro:
adolescentitrasognoedesperienza. Milano: Feltrinelli.
MELLUC, Alberto. O jogo do eu: a mudança de si mesmo na sociedade
globalizada. Rio de Janeiro. Editora Feltrinelli. 1992.
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. Rio de Janeiro. Forense –
Universitária. 1969.
PERALVA, Angelina, (1997). O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de
Educação, São Paulo, ANPEd, no 5/6.