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Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                                 3
              (Corresponde ao primeiro tópico do Capítulo 1,
                intitulado No “lado de dentro” do abismo)




                No multiverso das interações

A fonte que só existe enquanto fluzz só pode ser conhecida enquanto
interagimos, quer dizer, enquanto estamos nela

No princípio era a rede. Mas o mundo das redes não é um mundo: é um
multiverso de interações. Multiverso das interações significa, como disse
Heráclito, que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”; ou, talvez
corrigindo antecipatoriamente seu “discípulo” Crátilo, que “descemos e não
descemos nos mesmos rios”.

Em outras palavras, não existe uma mesma realidade para todos: são
muitos os mundos. Tudo depende das fluições em que cada um se move,
dos emaranhamentos que se tramam, das configurações de interações que
se constelam e se desfazem, intermitentemente.

Na verdade, quem se move é essa rede que nos envolve, como aquele “rio
que deflui silencioso dentro da noite” no verso de Manuel Bandeira (1948)
(4). Como aquele rio que corre no “lado de dentro” do abismo.

O ritmo da fluição está implicado no modo de interagir. Diferentemente do
que se pensava, não é o conteúdo do que flui a variável fundamental para
explicar a fenomenologia de uma rede e sim o modo-de-interagir e suas
características.

Quanto mais distribuída for a topologia de uma rede, mais-fluzz ela será.
Quer dizer, mais interatividade haverá. E mais evidentes serão essas
características (invisíveis do “lado de fora” do abismo) do seu modo-de-
interagir.

Conhecer as redes é interpretar modos-de-interagir (reconhecendo
padrões). O que só se pode conseguir interagindo (estabelecendo
conexões). Eis o principal fundamento de uma teoria do conhecimento fluzz
– que é também uma teoria conectivista da aprendizagem e uma teoria da
ação comunicativa por acoplamento estrutural e coordenação de
coordenações (Maturana e Varela). Com efeito, Francisco Varela (1984)
escreveu que “não há informação transmitida na comunicação. A
comunicação ocorre toda vez em que há coordenação comportamental em
um domínio de acoplamento estrutural... cada pessoa diz o que diz e ouve o
que ouve segundo sua própria determinação estrutural... O fenômeno da
comunicação não depende do que se fornece, e sim do que acontece com o
receptor” (5). Na verdade, depende do que acontece com os interagentes. A
comunicação vareliana é uma interação: se A se comunica com B, significa
que B muda com A, que muda com B, que muda novamente com A, que
muda outra vez com B... e assim por diante, recorrentemente, como em
uma coreografia. Mas tudo isso “multiplicado” pelo número de nodos em
interação, pois que se trata sempre de um multi-acoplamento, não ocorre
aos pares, mas entre todos os que compõem cada um dos muitos mundos
que se configuram.

Goethe – em um insight heraclítico – escreveu que “a fonte só pode ser
pensada enquanto flui” (6). Alguém é nodo de uma rede nisi quatenus
interage. A fonte que só existe enquanto flui (fluzz) só pode ser conhecida
enquanto interagimos, quer dizer, enquanto estamos nela.

Bem, isso muda tudo.



                                    2
Notas

(4) BANDEIRA, Manoel (1948). O rio (Belo Belo) in Bandeira: Antologia Poética. São
Paulo: José Olympio, 1954.

(5) MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco (1984). A Árvore do Conhecimento.
Campinas: Psy II, 1995.

(6) GOETHE, Johann Wolfgang von (1811): Op. cit.




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  • 3. Notas (4) BANDEIRA, Manoel (1948). O rio (Belo Belo) in Bandeira: Antologia Poética. São Paulo: José Olympio, 1954. (5) MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco (1984). A Árvore do Conhecimento. Campinas: Psy II, 1995. (6) GOETHE, Johann Wolfgang von (1811): Op. cit. 3