O autor critica duramente a incompetência e irresponsabilidade dos dirigentes europeus na condução da crise econômica. Aponta vários exemplos de decisões erradas tomadas que agravaram a situação, como a imposição da austeridade em Portugal e a nacionalização precipitada do BPN. Defende medidas alternativas que poderiam ter sido tomadas.
1. 9
Miguel Sousa Tavares
Incompetentes
Quando o careca, o
etíope e o alemão cá
vierem, estou
disponível para tomar
um café com eles P
2. HÁ ALGUNS INCOMPETENTES, MAS POUCOS INOCENTES
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ressonância
queles
de
da-
que de
-vento aponta a direcção; se, po-
rém, na semana seguinte, os mes-
mos senhores mais a sr 3 Merkel
mais vista — a de tentar salvar as
finanças públicas através da ruí-
na da economia — e que, oh, es-
quem é porta- repetem que não há vida sem aus- panto, produziu o resultado mais
-voz (tendo há teridade, recessão e desemprego, provável: arruinou uma coisa e
muito deixado o cata-vento vira 180 graus e pas- outra. E como é que, no final de
¦ de ter voz pró- sa a indicar a direcção oposta. tudo isto, as periferias implodi-
k J te da
-^ pria),
o presiden-
Comissão
Quando um dia se fizer a triste
história destes anos de suicídio eu-
ram e só o centro — isto é, a Ale-
manha e seus satélites — se viu co-
Europeia, o português Durão Bar- ropeu, haveremos de perguntar berto de mercadorias que os seus
roso, veio alinhar-se com os conse- como é que a Europa foi governa- parceiros europeus não tinham
lhos da troika sobre Portugal: não da e destruída por um clube fecha- como comprar e atulhado em tri-
há outro caminho que não o de se- do de irresponsáveis, sem uma di- liões de euros depositados pelos
guir a "solução" da austeridade e recção, uma ideia, um projecto ló- pobres e desesperados e que lhes
acelerar as "reformas estrutu- gico. Como é que se começou por puderam servir para comprar tu-
rais" — descer os custos salariais, brincar ao directório castigador do, desde as ilhas gregas à água
liberalizar mais ainda os despedi- para com a Grécia para acabar a que os portugueses bebiam.
mentos e diminuir o alcance do fazer implodir tudo em volta. Co- Deixemos os grandes senhores
subsídio de desemprego. Que o mo é que se conseguiu levar a Lei da Europa entregues à sua irre-
trio formado pelo careca, o etíope de Murphy até ao absoluto, fazen- cuperável estupidez e detenha-
e o alemão ignorem que em Portu- do com que tudo o que podia cor- mo-nos sobre o nosso pequeno e
gal se está a oferecer 650 euros rer mal tivesse corrido mal: o con- infeliz exemplo, que nos serve
de ordenado a um engenheiro tágio do subprime americano na para perceber que nada aconte-
electrotécnico falando três lín- banca europeia, que era afirmada- ceu por acaso, mas sim porque
guas estrangeiras ou 580 euros a mente inviável e que estoirou umas vezes a incompetência foi
um dentista em horário completo com a Islândia e a Irlanda e colo- demasiada e outras a inocência
é mais ou menos compreensível cou a Inglaterra de joelhos; a fa- foi de menos.
para quem os portugueses são lência final da Grécia, submetida O que podemos nós pensar
uma abstracção matemática. Mas a um castigo tão exemplar e tão quando o ex-ministro Teixeira
que um português, colocado nos inteligente que só lhe restou a al- dos Santos ainda consegue jurar
altos círculoseuropeus e instala- ternativa de negociar com as má- que havia um risco sistémico de
do nos seus hábitos, também ache fias russas e as Three Gorges chi- contágio se não se nacionalizasse
que um dos nossos problemas nesas; como é que a tão longa-
principais são os ordenados eleva- mente prevista explosão da bolha
dos, já não é admissível. Lembre- imobiliária espanhola acabou por O que poderemos
mo-nos disto quando ele por aí rebentar na cara dos que juravam nós pensar quando,
vier candidatar-se a Presidente da que a Espanha aguentaria isso e
República. muito mais; como é que as agên- depois de tantos anos
Durão Barroso é uma espécie cias de notação, os mercados e a a exigir o fim das
de cata-vento da impotência e in- Goldman Sachs puderam livre- SCUT, descobrimos
mente atacar a dívida soberana
competência dos dirigentes euro-
que, afinal, o fim das
peus. Todas as semanas ele chei- de todos os Estados europeus, ex-
auto-estradas sem
ra o vento e vira-se para o lado de cepto a Alemanha, numa estraté-
onde ele sopra: se os srs. Monti, gia concertada de cerco ao curo, portagens ainda iria
Draghi, Van Rompuy se mostram que finalmente tornou toda a Eu- conseguir sair mais
vagamente preocupados com o ropa insolvente. Ou como é que caro ao Estado?
crescimento e o emprego, lá, no um pequeno país, como Portugal,
alto do edifício europeu, o cata- experimentou uma receita ja-
3. aquele covil de bandidos do BPN? dros públicos, não há uma meia OK, Bruxelas que mande então fe-
Será que todo o restante sistema dúzia que consiga redigir um con- char as empresas e despedir os
bancário também assentava na trato em que o Estado não seja trabalhadores. Cumpra-se a lei!
fraude, na evasão fiscal, nos negó- sempre comido por parvo? Outra? Proíbam as privatiza-
cios inconfessáveis para amigos, A troika quer reformas estrutu- ções feitas segundo o modelo em
nos bancos-fantasmas em Cabo rais? Ora, imponha ao Governo moda, que consiste em privatizar
Verde para esconder dinheiro e to- que faça uma lei retroactiva — a parte das empresas que dá lu-
da a restante série de traficâncias sim, retroactiva — que declare a cro e deixar as "imparidades" a
que de há muito — de há muito! — nulidade e renegociação de to- cargo do Estado: quem quiser
se sabia existirem no BPN? E co- dos os contratos celebrados pelo comprar leva tudo ou não leva na-
mo, com que fundamento, com Estado com privados em que se- da. E, já agora, que a operação fi-
que ciência, pode continuar a sus- ja manifesto e reconhecido pelo nanceira seja obrigatoriamente
tentar que a alternativa de encer- Tribunal de Contas que só o Esta- conduzida pela Caixa Geral de De-
rar, pura e simplesmente, aquele do assumiu riscos, encaixou pre- pósitos (não é para isso que te-
vão de escada "faria recuar a eco- juízos sem correspondência com mos um banco público, por en-
nomia 4%"? Ou que era previsível o negócio e fez figura de anjinho. quanto?). O quê, a Caixa não tem
que a conta da nacionalização pa- A Constituição não deixa? Ok, es- vocação ou aptidão para isso?
ra os contribuintes não fosse além tabeleça-se um imposto extraor- Não me digam! Então, os adminis-
dos 700 milhões de euros? dinário de 99,9% sobre os lucros tradores são pagos como priva-
O que poderemos nós pensar excessivos dos contratos de PPP dos, fazem negócios com os gran-
quando descobrimos que à despe- ou outros celebrados com o Esta- des grupos privados, até com-
sa declarada e à dívida ocultada do. Eu conheço vários. pram acções dos bancos privados
pelo dr. Jardim ainda há a somar Quer outra reforma, não sei se e não são capazes de fazer o que
as facturas escondidas debaixo estrutural ou conjuntural, mas, pe- os privados fazem? E, quanto à en-
do tapete, emitidas pelos emprei- lo menos, moral? Obrigue os ban- genharia jurídica, atenta a reitera-
teiros amigos da "autonomia" e a cos a aplicarem todo o dinheiro da falta de vocação e de aptidão
dos serviços contratados em out-
quem ele prometia conseguir pa- que vão buscar ao BCE a 1% de
gar, assim que os ventos de Lis- juros no financiamento da econo- sourcing para defenderem os inte-
boa lhe soprassem mais favora- mia e das empresas viáveis e não resses do cliente Estado, a troika
velmente? em autocapitalização, para tapa- que nos mande uma equipa de ju-
O que poderemos nós pensar ristas para ensinar como se faz.
rem os buracos dos negócios de
quando, depois de tantos anos a favor e de influência que andaram Tenho muitas mais ideias, algu-
exigir o fim das SCUT, descobri- a financiar aos grupos amigos. mas tão ingénuas como estas,
mos que, afinal, o fim das auto-es- Mais uma? Escrevam uma lei mas nenhumas tão prejudiciais
tradas sem portagens ainda iria como aquelas com que nos têm
que estabeleça que todas as em-
conseguir sair mais caro ao Esta- presas de construção civil, que es- governado. A próxima vez que o
do? Como poderíamos adivinhar tão paradas por falta de obras e a careca, o etíope e o alemão cá vie-
que havia uns contratos secretos, despedir às dezenas de milhares, rem, estou disponível para tomar
escondidos do Tribunal de Con- se possam dedicar à recuperação um cafezinho com eles no Ritz.
tas, em que o Estado garantia aos e remodelação do património ur- Pago eu, porque não tenho dinhei-
concessionários das PPP que ga- bano, público ou privado, pagan- ro para os juros que eles cobram
nhariam sempre X sem porta- do 0% de IRC nessas obras. Bruxe- se lhes ficar a dever.
gens e X+Y com portagens? Mas las não deixa? Deixa a Holanda ter
como poderíamos adivinhá-lo se um IRC que atrai para lá a sede
nos dizem sempre que o Estado das nossas empresas do PSI-20, Miguel Sousa Tavares
tem de recorrer aos serviços de es- mas não nos deixa baixar parte escreve de acordo com
critórios privados de advocacia dos impostos às nossas empresas, a antiga ortografia
(sempre os mesmos), porque, en- numa situação de emergência?
tre os milhares de juristas dos qua-